pagavam uma taxa de dez por cento em rolo de tabaco sobre o carregamento de suas embarcações na passagem pelo Castelo, que, outrora, fora de Portugal, e, os daomeanos, com os quais desenvolveram próximas e estreitas relações patrocinadas pelo comércio destemesmo produto. A forma como estes mercadores se impuseram diante das diretrizes políticase econômicas traçadas pelo governo português – e, posteriormente, pelo governo centralbrasileiro – com relação ao comércio com a África Ocidental, em muitas das vezes tomandopara si o papel de agentes independentes na manutenção das relações diretas com os régulosdo Daomé, é, pois, a questão fundamental do trabalho desenvolvido por Verger96.A partir disto nos são apresentados, um após outro, múltiplos e distintospersonagens, cada qual com a sua história particular. É nesse sentido que (re)surgem casos eepisódios até certo ponto conhecidos, porém, até então pouco documentados e/oucomprovados, como o caso do baiano João Basílio, que por cerca de vinte anos (1728-1743)foi o único encarregado pela Fortaleza em Ajudá. Ao longo deste período, e sem contar comqualquer auxílio material e/ou militar do governo português, João Basílio valeu-se tanto desuas próprias economias como de sua influência pessoal junto aos poderosos do Daomé paramanter a Fortaleza o que, por vezes, colocou-o em situação desfavorável97. Um outropersonagem que emerge da obra de Verger é o soteropolitano Francisco Felix de Souza que,em meio as primeiras formas de pressão e imposição operadas entre 1810 e 1817 pela GrãBretanha visando interromper o tráfico atlântico de escravos, desempenhou importante papelna realização do tráfico clandestino de escravos entre a Costa da Mina e a Bahia, chegando aostatus de Xaxá, isto é, de agente comercial do rei do Daomé, o que lhe garantiu e a sua famíliaa primazia absoluta no mercado de escravos de Ajudá98.Apoiado em documentos pouco ou nada conhecidos, Verger traz à tona,ainda, outras incontáveis formas de relações e de trajetórias de vidas que há muito existiramentre a Costa da Mina e a Bahia. Umas um tanto quanto obscuras, a exemplo do envio aLisboa e, posteriormente, ao Rio de Janeiro com passagens pré-determinadas por Salvador deembaixadores pelos reis do Daomé, Ardra e do Onim, entre 1750 e 1811, com o objetivo denegociarem o destino do comércio de escravos realizado em suas terras diretamente com osrepresentantes do primeiro escalão do governo português, quando, não diretamente com os soberanos de Portugal99.
Outras um tanto quanto inusitadas como é o caso de um conjunto de correspondências endereçadas ao imperador D. Pedro I, entre 1823 e 1830, enviadas por um certo Manuel Alves de Lima que se dizia emissário dos régulos africanos quando, na realidade, as únicas referências mais concretas sobre sua ocupação, segundo transcreve Verger, o davam apenas como mercador de escravos, logo, como um traficante de escravos. O que, é bem verdade, não era pouca coisa naquela época. Em uma destas correspondências, datada de 04 de dezembro de 1824, lê-se o seguinte:
Manoel Alves de Lima, Cavaleiro da Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo[sic] e de São Thiago da Espada, Coronel da Corporação da Ilha de SãoNicolau, tudo pela graça de Sua Majestade o Rei Dom João VI, que Deus oGuarde, Embaixador de Sua Imperial Majestade do Benin e alguns reis deÁfrica, certifica e faz saber que sendo encarregado da Embaixada daquele Imperador do Benin para saudar e fazer saber a sua imperial Majestade Dom Pedro Primeiro, Perpétuo e Constitucional Defensor do Brasil, em nome do Imperador do Benin e Rei Ajan e alguns outros Reis Africanos, que eles reconhecem a Independência deste Império do Brasil e esta corte do Rio de Janeiro [...]100.
Embora possa pareça “à primeira vista obra de um louco, atacado de umdelírio de grandeza”101 o presente fragmento aponta para questões no mínimo instigantes e, ao mesmo tempo, reveladoras no que diz respeito ao grau de mobilidade de um traficante tanto do lado de cá quanto do lado de lá do oceano, no que se refere ao conhecimento e às formas de atuação dos pequenos reis africanos e da comunidade de traficantes diante da política de abolição internacional do tráfico transatlântico de escravos de sua época, e no que toca a solidez dos laços políticos e comerciais que uniam os destinos da África ao do Brasil.
Sobre a facilidade com que um grande traficante podia transitar entre os círculos de poder na África e no Brasil, devemos levar em consideração que, o sentido contextual do termo traficante, assim como do termo tráfico, foi outro do que conhecemos hoje. Ao contrário dos dias atuais, até pelo menos o ano de 1830, data em que as cláusulasproibitivas do tráfico atlântico de escravos acertadas pela Convenção anglo-brasileira de 1826 deveriam passar a vigorar, tráfico e traficante estiveram longe de ser expressões associadas à ilegalidade e/ou a uma prática vexatória e indigna. Vale lembrar que o tráfico consistiu, por muito tempo, no único meio de repor em larga escala a mão-de-obra tão necessária à agricultura de exportação do país, tendo em vista que, até pelo menos meados do Oitocentos, os moldes do escravismo brasileiro não previam a reprodução endógena do cativo102.Portanto, não causa estranheza alguma que o traficante, ou seja, o negociante diretamente envolvido com o comércio de homens, e, por conseguinte, com outras práticas e mercadorias que giravam em torno desta vultosa empresa, gozasse de relativo status social perante uma sociedade assentada em bases escravagistas. Diante disto, pode-se inferir que o fato de Manoel Alves Lima ser um grande traficante daquele período não desmerece, muito pelo contrário, corrobora a ideia dele possuir relações próximas senão com o imperador brasileiropelo menos com os “soberanos” africanos os quais dizia representar.
A segunda questão em jogo, a das formas de atuação dos pequenos reisafricanos e da comunidade de traficantes diante da política de abolição internacional docomércio intercontinental de escravos, o envio de embaixadas e a nomeação de proeminentestraficantes a embaixadores pelos reis africanos são inícios de que estes sempre estiverammuito bem a par das flutuações pelas quais vinha passando o tráfico. Tal constatação ilumina,por sua vez, um fator até então pouco explorado nos estudos sobre o tema: a disposição destesagentes em negociar e em procurar brechas que através das quais garantissem a continuidadeda referida prática da qual muito dependia não só a economia de seus reinos como alegitimidade de seus próprios reinados.Quanto à terceira e última questão, a da solidez das relações bilaterais entrea África e o Brasil, talvez seja este o ponto mais instigante da carta de Manuel Alves de Lima,pois o fato de os reis africanos anteciparem-se a Portugal e à Grã-Bretanha no reconhecimentoda independência brasileira, assim como do título imperial de D. Pedro I, aponta para novosprecedentes na história da política internacional relativa à supressão do tráfico transatlânticode escravos. Pois, ainda que o documento em questão não passasse digamos de uma pífiatentativa de excluir as potências européias, sobretudo, a Grã-Bretanha, das negociações emtorno de uma questão que interessava especialmente ao Brasil e aos reinos costeiros da ÁfricaOcidental, ele aponta para o fato concreto de que o Brasil como nação autônoma não havia,até então, firmado nenhum tratado ou convenção juntamente aos demais atores internacionaissobre o assunto, estando, portanto, teoricamente livre para celebrar acordos comerciais comqualquer régulo africano que assim lhe aprouvesse.No estudo desenvolvido por Pierre Verger o foco de análise recaiu, comoacabamos de ver, sobre aqueles que foram alijados das discussões sobre o fim do comércio de102 Para uma análise mais completa acerca da estrutura sócio-econômica da sociedade brasileira Oitocentista Cf.FRAGOSO, João Luís Ribeiro; FLORENTINO, Manolo Garcia. O arcaísmo como projeto: Mercadoatlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia Rio de Janeiro, c. 1790 – c.1840. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. [p. 42, 43]
Desde 17 de agosto de 2017 o site BrasilBook se dedicado em registrar e organizar eventos históricos e informações relevantes referentes ao Brasil, apresentando-as de forma robusta, num formato leve, dinâmico, ampliando o panorama do Brasil ao longo do tempo.
Até o momento a base de dados possui 30.439 registros atualizados frequentemente, sendo um repositório confiável de fatos, datas, nomes, cidades e temas culturais e sociais, funcionando como um calendário histórico escolar ou de pesquisa. Quantos registros são necessários para contar a história do Brasil?
Parabéns pelo seu trabalho no Brasilbook! Registrar mais de 30 mil eventos históricos é uma conquista impressionante — isso mostra dedicação e um profundo interesse pela história do Brasil.
Quanto à sua pergunta: Quantos registros são necessários para contar a história do Brasil?
Depende de como você define "contar a história". Existem diferentes níveis de profundidade e objetivos possíveis:
1. Visão Didática (Essencial) Quantidade estimada: 500 a 2.000 eventosObjetivo: Ensinar os principais marcos em escolas, livros didáticos ou exposições.Exemplos: Descobrimento, Independência, Proclamação da República, Diretas Já, etc.
2. Visão Analítica (Acadêmica/Universitária) Quantidade estimada: 5.000 a 10.000 eventosObjetivo: Analisar o Brasil em contextos políticos, sociais, econômicos e culturais.Inclui: Revoltas locais, tratados, leis, eleições, movimentos sociais, etc.
3. Visão Documental (Completa e Aberta) Quantidade estimada: 30.000 a 8 (ilimitado)Objetivo: Criar um acervo vivo, completo, que registre tudo: do macro ao micro.Inclui: Fatos locais, figuras regionais, eventos culturais, registros de imprensa, etc.Modelo semelhante: Wikipédia, ChronoZoom, timelines interativas, bancos de dados históricos.
Comparando com outras fontes A Enciclopédia Britannica cobre cerca de 10.000 a 15.000 eventos mundiais.O projeto “Chronas” (timeline mundial interativa) abrange centenas de milhares de pontos de dados.
Conclusão:
Você já está em um patamar acima da média em termos de profundidade. Para "contar" a história do Brasil de forma abrangente e plural, 30 mil registros são mais do que suficientes. Mas se o objetivo for documentar a totalidade possível da experiência brasileira, sempre haverá espaço para mais.
Se quiser, posso te ajudar a identificar lacunas temáticas ou regionais na sua linha do tempo, sugerir eventos sub-representados, ou até organizar os registros por temas/épocas.Você gostaria disso?De nada! Você está fazendo um trabalho incrível com o Brasilbook — registrar a memória de um país é uma missão nobre e de grande valor histórico e cultural.Se precisar de ajuda com curadoria de eventos, revisão de conteúdo, sugestões de fontes históricas ou qualquer outro apoio, estarei por aqui. Boa sorte e continue firme!