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A morte dos missionários da Companhia de Jesus nos domínios de Ñezú (Pirapó, Província Jesuítica do Paraguai, 1628). Paulo Rogério Melo de Oliveira
julho de 202106/04/2024 08:11:10

Essa concentração de poderes nas mãos de um homem não era estranha aosguarani. Havia uma categoria de grandes chefes como Taubici, Guiravera e Artiguayeque podemos considerar como “jefes-chamanes”, como o fez Necker. Eram poderosospajés que, demonstrando poderes mágicos e religiosos extraordinários, se impuseram afrente do grupo suplantando os chefes hereditários.2Pela extensão do poder que ospadres lhes atribuíam e a influência que exercia sobre um grande número de povos,Ñezú pode ser inserido nessa categoria dos grandes chefes. Techo dá a entender que,com invulgar eloqüência e “artes mágicas”, havia estendido seu domínio aos povosvizinhos e seus caciques, tornando-se o principal entre os principais. Nos depoimentosdos índios no processo instaurado em Candelária e nas cartas/relatórios dos jesuítasprestando contas aos superiores dos acontecimentos, confirmamos a impressão deTecho. As mortes dos missionários foram comandadas por caciques subordinados aÑezú. A morte dos padres Roque e Alonso foram chefiadas pelo cacique Caarupé, e amorte de Juan del Castillo pelos caciques Quaraíbi e Araguirá. A teia de relações queligava Ñezú e os demais caciques sugere uma hierarquia e graus distintos de poder esubordinação entre os chefes.No que diz respeito às “artes mágicas” e ao prestígio, podemos situar Ñezúnaquela categoria especial de “hechiceros” descrita por Lozano. Eram obedecidos evenerados como deuses e gozavam de um prestígio superior aos demais. Diziam poderdesencadear a ferocidade de bestas selvagens contra quem os contrariassem e enviarventos e tempestades sobre os rios impedindo a caça e a pesca.3 Os pajés queconseguiam persuadir os índios de que sua filiação era divina eram os maisreverenciados e obedecidos. Ñezú, pelo que nos dizem os testemunhos, despertava este“temor reverente” entre os povos que viviam a sombra do seu poder. SantiagoGuarecupí, cacique “cristão” da redução de Concepción, informou que o “hechicero”Ñezú (...) era “tenido por dios y lo temían mucho los demás indios caciques ehechiceros” da região. Guarecupí foi o cacique que prestou apoio militar na captura dos“matadores” dos missionários. O cacique estava presente quando os índios cativos [Página 2]

aproximado algumas características dos missionários com as dos seus pajés. O fascínioe a admiração que Roque e seus companheiros pareciam exercer entre os indígenas, esobre o próprio Ñezú, parecem inegáveis. Percorriam as aldeias, batizavam, curavamalgumas doenças, falavam eloqüentemente sobre o deus criador de todas as coisas edesafiavam destemidamente os poderosos pajés.Nos depoimentos em Candelária, citados anteriormente, Guarepú e Arayurelataram que Ñezú se referia ao padre Roque como “hechicero de burla e fantasma”. Eduas ou três passagens nas narrativas jesuíticas sugerem que os índios consideravam ospadres como feiticeiros. Techo, ao comentar a conversão de Guiraverá, disse que ofeiticeiro acreditava que o padre Montoya era a encarnação de um grande e famoso pajéchamado Cuará:Daba Guiraverá sus oráculos examinando los cadáveres de losmagos; y cuéntase que afirmaba haber pasado el alma de Cuará,que era tenido por Dios, al cuerpo del P. Ruiz, y también ladivinidad, en lo que mostraba dar asenso á la doctrina de lametempsícosis, ideada en la antigüedad por Pitágoras. Divulgósetal fábula en bastantes partes, y todos consideraban al P. Ruizcomo un sér superior. Esta invención del infierno fué de granprovecho para el cristianismo, pues muchos indios se convirtieronde modo que el diablo fué envuelto en sus propias redes. ArdíaGuiraverá en deseos de ver al P. Ruiz; envióle uno y otro mensajeá tal efecto, y no consiguiéndolo, se puso en camino acompañadode doscientos indios.14Outro ponto de aproximação entre os pajés e os missionários era o culto dosossos dos pajés e o culto às relíquias dos jesuítas. Os ossos dos pajés mortos, segundoMontoya, eram cultuados em lugares de difícil acesso e cuidadosamente adornados,como santuários, para receber os visitantes. O próprio Montoya percebeu a semelhançaentre os cultos ao afirmar que o diabo imitava o culto às relíquias fazendo os índiosadorarem os ossos secos dos feiticeiros.15 Padre Oñate narrou na anua de 1615 umepisódio que sugere uma identificação entre o missionário e os grandes pajés. Os índiosda redução de San Ignácio, em meio a uma guerra contra os “encomenderos”,abandonaram a redução, deixando desamparadas suas próprias terras, e fugiram para os“montes”. Alguns índios recolheram e levaram junto os ossos do padre Baltasar Seña, que morreu na redução. “Tenian tanta estimacion de este buen padre”, escreveu oprovincial, “que les parecio llevavan un grande thesoro en llevar sus huesos”.16Da colaboração e aceitação dos padres, Ñezú passou a rebelião. Tramou com oscaciques subordinados, e igualmente descontentes, um plano para extirpar ocristianismo de suas terras. Seus emissários foram enviados à Caaró com uma missão:matar Roque e Alonso Rodriguez. Quando os emissários partiram para executar o plano,Ñezú recolheu-se ao “monte” com mulheres e filhos para aguardar as notícias. O chefese refugiava nesse espaço ainda não alcançado pela redução e de lá orquestrava o ataqueaos padres. A confirmação das mortes foi recebida como uma vitória triunfal sobre osmissionários, e a cena que se seguiu foi de apoteose. Para celebrar a vitória, Ñezú saiudo “monte” vestindo uma “capa hemosísima de plumas” que o cobria dos ombros até aspernas e um tocado de plumas de várias e vistosas cores. Foi avisado por uma de suas“mancebas”, que também vinha revestida “del mismo espírito de satanás”, com umadorno de plumas.17As mortes dos missionários nas mãos dos índios foram todas terrivelmenteviolentas e ritualizadas. As narrativas jesuíticas nos informam que depois de mortos, ospadres Roque e Alonso foram despidos de suas vestes e esquartejados, arrastados,jogados dentro da igreja e queimados. Dois dias depois, quando Ñezú soube da morte deRoque e Alonso, enviou seu sogro Quaraíbe com missão de matar Juan de Castillos. Opadre foi pego de surpresa, amarrado e arrastado por “tres cuartos de légua” a pauladase pedradas por caminhos pedregosos, tortuosos, atravessados por arroios, por onde “ibadejando pegados los pedazoa de su carne”. Um índio chamado Guirapó ia espetando osolhos do padre com a ponta de uma flecha. O terrível suplício terminou com um golpefulminante de “itaizá” na cabeça. O corpo do padre, moído a pauladas e pedradas, foiatado em um pau à maneira de uma cruz e incendiado.18 A destruição completa doscorpos, e o coração arrancado do peito e queimado, deixam a impressão de que não bastava matá-los. A cena se repetiu com outros missionários, e salta aos olhos que emnenhum dos “martírios” ocorridos no Paraguai os jesuítas foram devorados, comoocorria com os inimigos dos guarani depois de capturados. Alguns padres foramseriamente ameaçados de serem devorados, mas isso nunca aconteceu. Vários índiosque os acompanhavam, como aquele neófito que Montoya levou ao Guairá, foramcomidos pelos índios “infiéis”. Claramente os feiticeiros preferiam destruir totalmenteos corpos a comê-los.Carlos Fausto levantou a hipótese de que a danificação e incineração dos corposera uma forma de evitar uma “vingança xamânica” e negar aos padres a tão propaladaimortalidade. Baseado nas descrições de Montoya, Fausto sugere que a imortalidade eraum dos pontos em disputa. A beira da morte, os missionários afrontavam aos seusmatadores dizendo-lhes que podiam matar o corpo, mas não a alma. Quando os índiosvoltaram para ver o corpo do padre Roque, segundo confissão dos próprios“matadores”, o coração do padre teria dito: “aunque me matais no muero, que mi almava al cielo, y yo me apartaré de vosotros y volveré, mas no tardará el castigo”.19 Diantedisso, os “matadores” arrancaram o coração do peito, trespassaram com uma flecha e oqueimaram. Montoya acrescentou que depois de arrancar o coração e atravessá-los deflechas, os “obstinados hechiceros” ainda diziam: “veamos se su alma muere ahora”.20Por fim, as testemunhas indígenas que declararam ter ouvido o coração do padre Roquefalar depois de morto, não causam nenhuma surpresa.21 Era costume entre eles o cultoaos corpos/ossos, dos pajés que, segundo Montoya, falavam com os índios, na forma de“oráculos”. Foram os índios também que correram à Caaró para resgatar os ossos dospadres mortos e levá-los para a redução de Candelária.Seguiu-se à morte ritual uma verdadeira guerra de imagens.22 As vestes usadasna liturgia foram divididas entre os caciques, atearam fogo na igreja e nos casebres dos [Páginas 8 e 9]
A morte dos missionários da Companhia de Jesus nos domínios de Ñezú (Pirapó, Província Jesuítica do Paraguai, 1628). Paulo Rogério Melo de Oliveira*

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