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Territórios de cidade, territórios de morte, urbanização e atitudes fúnebres na América portuguesa. Renato Cymbalista, FAU-USP
201205/04/2024 02:57:05

O primeiro trecho sublinhado – “Trabalharemos quando pudermos para recolher alguns ossos” –revela a imensa importância de trazer os restos dos mortos junto à ocupação permanente, nãodeixando-os no sertão. Tratava-se de matéria por demais sagrada para ser simplesmenteabandonada “aos animais da terra e às aves do céu”. O território da colônia foi desde os primeirosanos objeto de uma profunda hierarquização: havia os locais adequados e os inadequados para amorte, assim como para a vida.O segundo trecho sublinhado – “Agora sim acreditamos que o Senhor há-de estabelecer aqui aIgreja, tendo já lançado nos alicerces duas pedras banhadas em sangue tão glorioso” – revela opeso especial dado a esses mortos. Anchieta faz nesse trecho uma relação direta entre a mortemartirizada dos jesuítas e a irreversibilidade da empreitada catequizadora. É interessantenotarmos novamente o conteúdo arquitetônico dessa fala: os jesuítas mortos equivaleriam àsduas pedras inaugurais e sagradas, constituindo os alicerces da igreja que por sobre elas seconstruiria simbolicamente o edifício da Igreja Católica.A escala de sacralidade que orienta a visão de mundo dos jesuítas fica ainda mais evidente naúltima frasesublinhada informa ainda que o próprio Anchieta, pelos seus pecados ainda nãopurgados, não seria ainda digno de morte semelhante, que o transformaria assim também em“alicerce da Igreja” nas terras novas.Em outro relato de martírio, o Padre Simão de Vasconcellos relata que o padre Leonardo Nunes,após expulsar o herege João Ramalho de uma igreja, ajoelhou-se diante dos mamelucos que oameaçavam e, de mãos postas, esperou que o matassem.39 Nesse episódio, Leonardo Nunesparece ter tido não só a intenção de coroar a sua própria trajetória com o martírio, mas também aintenção de elevar o espaço da igreja na escala sacra, molhando-o com seu próprio sangue demártir.O sangue dos mártires sacralizando o território surge também no depoimento que segue, doPadre Antonio Vieira, sobre a Ilha dos Joanes (Marajó), já um século depois, em 1654:Dista esta ilha da cidade do Pará só duas marés de jornada, e ainda lá nãochegou a luz do evangelho, havendo trinta e nove anos que aqui vivem osportugueses[...] No Pará faleicom um soldado que se achou na ilha destes bárbarospoucos dias depois da morte dos padres, e [...] acrescenta que viu o lugar onde forammortos, e que era um terreiro grande, com um pau fincado no meio, oqual aindaconservava os sinais de sangue.A este pau os atavam um por um em diferentes dias, e logo se ajuntavam aoredor deles com grande festa e algazarra, todos com seus paus de matar nas mãos.Chamam paus de matar a uns paus largos na ponta, e mui fortes e bem lavrados, quelhes servem como de maças na guerra; armados desta maneira, andam saltando ecantando à roda do que há-de-morrer, e, em chegando a hor em que já não podeesperar mais sua fereza, descarregam todos à porfia os paus de matar, e com eleslhes quebram as cabeças. Vão tirados à cabeça todos os primeiros golpes, e não aoutra parte do corpo, porque é costume universal de todas estas gentilidades nàopoderem tomar nem Ter nome senão depois de quebrarem a cabeça d ealgum seuinimigo, e quanto o inimigo é de mais nobre nação e d emais alta dignidade, tanto onome é mais honroso. Não é necessário, para esta cerimônia, que o mesmo quequebra a cabeça haja morto o homem ou a mulher inimiga (que também nas cabeçasda smulheres tomam nome), mas basta que o matasse outro, ou que ele morressenaturalmente. E assim acontece irem caminhos de muitas léguas e entrarem de noite,às escondidas, nas povoações de seus inimigos, e desenterraram-lhe da sepulturauma caveira, e levarem-na mui vitoriosos, e porem-na na praça de sua aldeia, e aí,quebrando-a com a mesma festa e fereza, tomarem nome dela. Desta maneiratomaram nome estes bárbaros nas cabeças dos nossos treze padres, ou, para melhordizer, lhe deram posse daquele nome que, com o sangue que haviam de derramar emtão gloriosa demanda, [se] lhe tinha escrito no livro da vida. Depois de mortos os [Página 8]

[...] Salvo [...] se Deus ordenar que isso se torne a despovoar”. A frase informa que a presençados ossos deve ser fator pesante para que a capela se perpetue.Mas o homem era um estrategista, possuía também um plano caso seu desejo não pudesse serrealizado. Se o território voltasse a se despovoar, os ossos deveriam ser trasladados, ainda quepelos derradeiros que dali se despregassem. Aqui, mais uma informação: sem os vivos, os mortostampouco poderiam permanecer. A saída dos vivos parece significar também a inviabilização dochão sagrado necessário até a ressurreição.As palavras de Domingos Fernandes dificultam-nos sobremaneira a transposição para aqueletempo e espaço da nossa idéia atual de morte como o oposto e a negação da vida. Parecem-memuito mais parceiras: os ossos do morto ajudariam a fixar os vivos, mas na ausência da ocupaçãopermanente dos vivos, os ossos do morto tampouco poderiam permanecer. E mais: a hipótese dodespovoamento se concretizaria se “por meus pecados [...] Deus ordenar”, assim comoacontecera com Sodoma e Gomorra, cuja população pecou a ponto de Deus provocar odesaparecimento das cidades. A negação da vida (e também da morte) neste caso parece ser odespovoamento, a retomada do território pelo sertão selvagem, desorganizado e profano.Outro testamento – o de Pero Leme, de 1592 na Vila de São Vicente – revela que uma cuidadosaleitura do território urbano podia preceder a escolha do local de sepultamento:...digo que, morrendo, me enterrarão na igreja de nosso senhor matriz dessavila de São Vicente e se o Mosteiro de Jesus se consertar me enterrarão lá na cova deminha mulher que deus haja...43O testamento mostra a imensa força do território como elemento mediador das crenças no destinodos mortos no além, sobrepondo-se em importância às representações de afeto familiar: para otestamenteiro, ser sepultado em local digno, em bom estado e frequentado pelos vivossobrepunha-se em importância aos laços familiares, pois a única hipótese de Pero Leme sersepultado junto à sua esposa era no caso de arruinado mosteiro da Companhia de Jesus seconsertasse.

Ainda mais interessantes são alguns documentos que mostram que, para além das escolhas individuais, decisões coletivas e urbanísticas podiam ser feitas a partir da presença dos mortos. Um registro nas Atas da Câmara de São Paulo revela que eles exerciam seus poderes sobre o território urbano:

Aos vinte e cinco anos do mês e junho do dito ano [1598] se ajuntaram em Câmara os oficiais dela para assentarem coisas pertencentes ao bem comum e principalmente sobre o fazer da igreja e onde seria [...] e todos assuntaram e disseram que era bem fazer-se a dita igreja onde está começada pelo bem que pode haver, por já estarem ali defuntos e estar no meio da vila.

Pelo que informa o relato acima, o fato de a igreja já estar começada não era razão suficiente para a continuidade das obras: o argumento de os mortos estarem lá enterrados é utilizado para reforçar a posição em prol da continuidade das obras nesse mesmo local, o que demonstra que em alguma medida os mortos são levados em conta nos assuntos referentes à ordem urbanística.

Um trecho de Frei Vicente do Salvador mostra que essa lógica dos vivos seguirem os mortospodia também afetar decisões a respeito das estratégicas das ordens religiosas na ocupação do território colonial:

Pelo sertão nove léguas do rio de São Vicente está a vila de São Paulo, em aqual há um mosteiro da Companhia de Jesus, outro do Carmo, e nos têm sinaladopara outro de nossa Seráfica Ordem [de São Francisco], que nos pedem queiramosedificar, que nos pedem queiramos edificar há muitos anos com muita instância e [Página 10]
Territórios de cidade, territórios de morte, urbanização e atitudes fúnebres na América portuguesa. Renato Cymbalista, FAU-USP

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