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“Poder local e educação na Primeira República: O primeiro ginásio público de Sorocaba”. Julio Cesar Gonçalves, Programa de Pós-Graduação da UNISO
200606/04/2024 11:39:13

votos. Interposto recurso ao Supremo, foi o mesmo acolhido alguns anosdepois, mas os mandatos já estavam extintos. (CAPUTTI SOBRINHO, 1995,p.115)Ao lado do farmacêutico e loteador urbano, estavam outros comerciantes.Simpliciano de Almeida, escolhido pela Câmara para o cargo de vice-prefeito deMachado em 1928, era um deles. Sorocabano, descendente de uma tradicionalfamília de tropeiros, só cursou o Grupo Escolar Antonio Padilha – como vimos, aprimeira escola primária pública da cidade – onde fez parte da primeira turma deformandos.

Outro oposicionista, o também sorocabano Floriano Pacheco, era filho de uma tradicional família dedicada ao comércio de madeiras. Ele se formou em engenharia pela Escola Politécnica, mas em 1909, quando tinha 15 anos de idade, foi obrigado a deixar a cidade para fazer o curso secundário. “Quem queria prosseguir os estudos tinha que se mudar daqui”, recordou Pacheco em entrevista ao jornal Cruzeiro do Sul (13 abr. 1991, pág 3), relatando que, por força da resistência da corrente ligada à Luis Pereira de Campos Vergueiro, a cidade não tinha escolas secundárias. “Com seus 159 eleitores, concentrados em Salto de Pirapora – (n.a: então distrito, hoje município) – Vergueiro mantinha o controle político da cidade, conservando-se na eterna condição de deputado, embora sempre perdesse as eleições na sede”.

João Câncio Pereira, outro dissidente do PRP, não era ligado ao comércionem por parentesco – seu pai era ferroviário –, mas tinha fortes laços com aindústria: foi por muito tempo um dos principais gerentes das indústrias Votorantim e,depois, da Matarazzo, entrando posteriormente no ramo de loteamento imobiliário.Ele também fez o curso primário no Antonio Padilha antes de formar-se técnico emContabilidade.Em 1927, quando Júlio Prestes de Albuquerque assumiu a presidência doEstado de São Paulo, a ala dissidente do Partido Republicano local foi fortalecida.Conforme o testemunho de Vicente Russo, adolescente na época, Prestes, além deter uma irmã casada com um concunhado do farmacêutico, era “compadre” deAraújo e sempre estava em Sorocaba. “Da mesma família que dividia o poder comos Braguinhas na década de 10, Júlio Prestes torna-se inimigo dos Vergueiros etrabalha para derrubar o diretório”, relatou ele a um jornal local (CRUZEIRO DOSUL, 14/ ago. 1983, p. 12). Na opinião de Russo, caso não houvesse a Revoluçãode 30, Sorocaba teria sido bastante beneficiada pelo apoio do Presidente do Estado [Página 45]

demográfico, urbanização ou vida social da vila, pois ficava um tanto distante da sede. Mas uma outra atividade também do Brasil Colônia vai marcar, além da indústria têxtil, da estrada de ferro e da cultura de algodão, presença na história econômica da Sorocaba republicana: o tropeirismo.

Iniciada com o ciclo de mineração, essa atividade transformou a cidade num dos principais entrepostos para a compra e venda de muares, animais utilizados como meio para o transporte de viveres e minério durante o auge daquela atividade econômica. E até 1897 foram realizadas na cidade as Feiras de Muares que, por cerca de 150 anos, acentuaram sua vocação mercantil e fizeram dela um centro de referência comercial. Mas podem ter feito mais do que isso.

Caio Prado Junior, em um estudo sobre a formação histórica do Brasil, ao abordar o sistema de transporte e comunicação durante o período colonial para tratar da importância das comunicações na construção da vida social, observa que foram duas as formas de interiorização do país. Uma, a partir das vias marítimas; outra, partido do interior.

Nesse segundo caso, ele identifica quatro setores – o quarto e último, o do Extremo Sul, tem Sorocaba como ponto de partida, fazendo a interligação e integração do atual estado do Paraná, e penetrando Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. Esse setor exerceu “modesta e obscura, mas talvez não menos significativa” função: o comércio de muares.

[...] Isso dava a Sorocaba, lugarejo pacato e amortecido a maior parte do ano, o aspecto animado e intenso de um grande centro bulhento e agitado. Enchiam-se as suas numerosas hospedarias; nas ruas e praças debatiam-se e se fechavam as transações; era um trânsito ininterrupto de homens de negócio e animais, que à noite dava lugar a não menos animadas diversões, em que o jogo, a bebida e a prostituição campeavam neste ajuntamento fortuito de tropeiros, mercadores, mulheres e aventureiros de toda classe, estimulados pelo lucro ou pelo deboche. (ABREU MEDEIROS apud PRADO JUNIOR, P. 237-254)

Já no período Colonial, portanto, Sorocaba vivia períodos de acentuado burburinho citadino, o que pode ter acentuado as características urbanas que vão marcá-la no início da República. Mas as Feiras de Muares também fermentaram as disputas políticas, conforme observa uma análise sobre a vida social em Sorocabaentre os séculos XVIII e XIX: [Página 51]

acordo estadual que se reflete no diretório local e a posse de João Clímaco de Camargo Pires na Prefeitura, o Cruzeiro do Sul vira situacionista. Em 1907, torna-se jornal diário, continuando até hoje ligado à maçonaria.

O Correio de Sorocaba, bi-semanário com circulação as quintas e domingos que existiu até 1930, quando foi empastelado supostamente por adeptos da Aliança Liberal durante as comemorações pró-Vargas, foi fundado em 1924 pelo promotor Diogo Moreira Sales, maçom que chegou a presidir a Loja Perseverança III, tornando-se o principal meio de expressão das idéias oposicionistas e, nessa condição, um ardoroso defensor do Ginásio.

E com esse ardor pode ter posto lenha na fogueira da vaidade política, a ponto de provocar o recuo do grupo situacionista na questão do Ginásio, conforme hipótese levantada por Vieira (9 mar. 86), que elenca a notícia publicada pelo jornal em 19 de janeiro de 1928, na qual antecipa nomes do corpo docente e a abertura das inscrições, como uma das causas que pode ter desagradado ao grupo vergueirista – as outras seriam o fato de a idéia ter partido da oposição ou ainda tratar-se de uma estratégia política do grupo no poder.

Mas é bem provável que aquela precipitação tenha contribuído para tanto. Afinal, o grupo oposicionista havia conquistado o diretório, mas ainda não ocupava efetivamente o poder – o que só aconteceria em outubro, quando seriam realizadas as eleições - e a nomeação dos professores, estabelecia a lei, competia ao prefeito;além do mais, no comunicado da abertura das inscrições, está expresso claramenteque o Ginásio foi um estabelecimento fundado pelo “diretório republicano deSorocaba”. Os que estavam de fato com o poder político podem não ter gostado...Quanto à alegada falta de recursos, ela parece não ter amparo na realidade.Embora sem fazer ligação entre um e outro fato, em sua edição 317 (18 dez. 1927) oCorreio trouxe um artigo criticando a Câmara pelo excesso de receita, de “234contos”, e insinua que esse aumento da arrecadação ocorreu por conta da excessivapreocupação de Vergueiro com a construção de um novo Matadouro. Dinheiro, pelojeito, não estava faltando.Seja como for, o Ginásio entrou em funcionamento, tal como estava previsto.

4.2 Municipalização

Municipal só no nome, mas particular de fato e sustentado com subvenção da Loja maçônica Perseverança III, o Ginásio Municipal de Sorocaba teve sua primeira aula inaugural em 2 de abril de 1928. Funcionava no mesmo prédio em que a maçonaria mantinha a escola gratuita noturna - na atual esquina das ruas Barão do Rio Branco e São Bento, onde hoje está o edifício em que funciona a Perseverança III - e cobrava uma taxa anual de 120 mil réis, que podiam ser pagos “parceladamente”.

Dos 62 alunos inscritos para a prova de admissão, três não compareceram e 54 fizeram a matrícula. Na solene aula inaugural, o diretor apresentou o corpo docente, o mesmo que havia sido divulgado pelo Correio em 19 de janeiro, e falaram aos alunos Albertino Manente (Aritmética), José Pereira da Fonseca Junior (Desenho), José Reginato (Francês e Inglês), Achilles de Almeida (Português e Instrução Moral e Cívica) e Antonio Funes (Geografia). E todos, segundo a edição do Correio de 5 de abril de 1928, além de demonstrar “de modo exuberante e claro” as vantagens para Sorocaba da organização de uma casa de ensino como aquela, “salientaram o grande patriotismo e o grande amor à instrução por parte do nosso digno partido Republicano Paulista”.

Tomando o “amor a Pátria e à instrução” como um exemplo do padrão depensamento do grupo aglutinado em torno do Ginásio, nota-se o revigorar das idéiasliberais nacionalistas que marca esse período. E também uma coincidência entre odiscurso dos professores sorocabanos de 1928 com aquele verificado nosprimórdios do entusiasmo pela educação, tal como as propostas da LigaNacionalista de São Paulo, em 1917, nas quais o “soerguimento moral danacionalidade” torna-se possível pela disseminação da educação. E este, segundoNagle (1977), é o caminho pelo qual se ingressa no entusiasmo pela educação.E entusiasmo também não faltou nas páginas do Correio informando sobreaquela aula inaugural. Depois de situar a localização do prédio e detalhar que eletem cinco amplas janelas por onde “a luz se derrama exuberante”, a notícia queocupa a primeira página da edição de 5 de abril descreve que na “face daquelesalunos bailava um sorriso de íntimo regozijo pela significação daquele dia, daquelemomento”.

A preocupação em destacar um detalhe do prédio pode até ter sido intencional, mas certamente alimentou no debate da Sorocaba do final da Primeira República um tema presente no padrão de pensamento registrado mais de uma década antes, no vigor do entusiasmo. [Páginas 63 e 64]

com as quais trabalhamos, o entusiasmo educacional e o otimismo pedagógico. Asegunda, como vimos, caracteriza-se pelo deslocamento do debate educacional docampo técnico para o político e pela ênfase nas questões pedagógicas, enquanto oentusiasmo enfatiza a difusão da instrução escolar e a educação é um dos principaistemas do debate político.Um exemplo do que foi exposto acima: em novembro de 1928 realizou-se emBelo Horizonte a II Conferência Nacional de Educação, promovida pela AssociaçãoBrasileira de Educação (A.B.E.), fundada em 1924, que representou a primeira formade institucionalizar a discussão dos problemas de escolarização em âmbito nacionale, de certa maneira, foi uma das responsáveis pelo deslocamento dos debates sobrea escolarização para ambientes mais amplos, especialmente educacionais (NAGLE,1976), uma das formas de manifestação do otimismo. A organização do ensinosecundário foi um dos sete temas oficiais daquele encontro, mas ele nem repercutiuem Sorocaba.Na cidade, o que estava em destaque era a notícia de que, juntamente com amunicipalização do Ginásio, a ser anunciada tão logo fosse empossada a novaCâmara Municipal, eleita no mês anterior, seriam criadas a Escola Normal Livre e aEscola Profissionalizante, como saudava a edição do Correio do dia 11. O tema daescolarização, portanto, continuava restrito ao campo político e era uma bandeira doentusiasmo, a difusão de escolas, só que desta vez secundárias, que continuavaanimando o debate educacional em Sorocaba.A nova Câmara foi empossada em 15 de janeiro do ano seguinte, 1929,sendo que, tal como estava previsto, nenhum dentre os oito eleitos era partidário deVergueiro. Os vereadores escolheram entre si o novo prefeito e a indicação recaiusobre João Machado de Araújo, diretor do Ginásio. Terminada a solenidade deposse, eles se reuniram em uma sessão extraordinária para votar e aprovar o projetode Araújo, que se transformou na Lei 209, a qual estabelece a municipalização doginásio. Foi esse o primeiro decreto assinado pelo novo prefeito.

Publicada em 16 de janeiro de 1929, com 11 artigos, a lei que oficializou o Ginásio é praticamente uma reprodução da lei de Gustavo Schereppel decretada em 1927, com algumas modificações, dentre elas a forma de escolha do diretor, que deixa de ser feita por eleição do corpo docente e passa a ser atribuição do prefeito, a realização de concurso para a contratação de novos professores e a supressão do artigo especificando os vencimentos do corpo docente e do pessoal administrativo. [Página 66]

Mas as principais mudanças ficam por conta da inclusão de dois pontos não contemplados pela lei anterior. Um é a implantação da Escola Normal Livre, objeto de três artigos - o 6°, estabelecendo sua criação; o 7°, que a Câmara assumirá todos os gastos decorrentes da Lei estadual 2.269 de 1927 que reformou a instrução pública, e o 8°, que seu corpo docente será o mesmo do Ginásio, sendo facultado ao prefeito nomear os professores de ginástica, trabalhos manuais e música.

Outro diz respeito às taxas cobradas, a serem estabelecidas pela Prefeitura e pela Câmara, “que devem ser as mais módicas possíveis, não podendo a municipalidade fazer desses estabelecimentos fontes de renda com fito de lucro”, conforme o artigo 9°, que vem acompanhado de um parágrafo único, destinando dez vagas gratuitas em cada série para “meninos pobres de ambos os sexos” quando órfãos, filhos ou tutelados de pessoas que não possuem renda superior a 300 mil réis.

Para se ter uma noção das classes sociais que poderiam ser beneficiadas, na lei aprovada dois anos antes tal valor era o equivalente a dois meses do salário de um porteiro do Ginásio ou ao recebimento mensal do secretário, que iria acumular a função de bibliotecário, conforme o fixado no parágrafo único do artigo 6° da lei 204.

Essa preocupação assistencialista, de “levar a escola aos mais pobres”, permeou todo o debate durante o período em que o entusiasmo pela educação se sobrepôs ao otimismo pedagógico. Também foi assim em Sorocaba mesmo no final da Primeira República, com a particularidade de que esse dispositivo da lei pode posteriormente ter sido a causa do assassinato do interventor David Alves Athaíde, morto a tiros durante uma manifestação pública na praça central da cidade.

O crime nunca foi devidamente esclarecido e, suspeitou Vieira (CRUZEIRO DO SUL, 13 abr.1986), uma de suas causas pode estar associada ao fato de Athayde, o primeiro interventor nomeado para a cidade após a Revolução Constitucionalista de 1932, e em favor da qual Sorocaba se posicionou ruidosamente, ter sido o responsável pela instituição de uma tabela para a cobrança das taxas do Ginásio, regulamentando assim uma falha da lei 209 que não estipulava esses valores, e ter reduzido o número de beneficiados pela gratuidade.

A suspeita levantada pelo historiador sorocabano aparece no penúltimo da série de oito artigos publicados semanalmente por ele entre 2 de fevereiro e 20 de abril de 1986 no jornal Cruzeiro do Sul, com uma síntese da história da escola Julio Prestes de Albuquerque que se tornou uma das principais fontes de referência para quem se interessa pelo assunto.

E essa sua pesquisa foi motivada pela controvérsia causada por uma efeméride publicada em sua coluna em dezembro de 1985, dando conta de que em 3 de dezembro de 1927 o prefeito Jorge Moisés Betti Filho haviaassinado uma lei – a 204 – que deu origem ao estabelecimento.

Um dos descendentes de João Machado de Araújo, o médico Cláudio César Machado de Araújo, enviou uma longa carta ao jornal discordando daquela informação, relembrando uma nota anterior na qual o próprio colunista admitia ter sido a escola criada pelo farmacêutico o embrião do Ginásio, queixando-se da omissão de seu nome em carta sobre o mesmo assunto enviada anteriormente ao jornal e colocando-se à disposição para comprovar ter sido o projeto de seu pai o verdadeiro responsável pelo primeiro ginásio público sorocabano, uma vez que, concretamente, a lei 204 não resultou na criação de escola alguma. Escreveu o médico:

O Gymnasio Municipal de Sorocaba que verdadeiramente funcionou foi o estabelecimento criado por um grupo de cidadãos abnegados, entre eles João Machado de Araújo, seu primeiro diretor, o qual, pela Lei Municipal 209, de 10 de janeiro de 1929 (n.a: há aqui um equívoco do autor da carta, pois a lei é de 16 de janeiro), sancionada por coincidência pelo próprio João Machado de Araújo, na qualidade de prefeito municipal, veio a ser encampado pela municipalidade. (CRUZEIRO DO SUL, 19 jan 1986)

E de fato, a história local registra 1928 como o ano de fundação da escola, embora ainda exista uma terceira versão, a do professor Renato Sêneca Fleury que, como vimos, participou da polêmica surgida ao final dos anos 20.

Ele tem como certo que a data de nascimento do primeiro ginásio público deve ser lembrada quando da promulgação pelo governo estadual da lei 6.6091, aceitando como doação o prédio onde iria funcionar o estabelecimento, estadualizando a escola e dando-lhe o nome do ex-governador do Estado. Em artigo num jornal, ele afirma categórico

O chamado “Estadão”, portanto, existe realmente, como novo estabelecimento escolar de Sorocaba, a partir de 1934, ano de sua criação. O Ginásio e a Escola Normal existem desde 1928, nunca interromperam suas aulas, estão comemorando o cinqüentenário. (CRUZEIRO DO SUL, 9 abr. 1978)

Mesmo discordando da efeméride oficial, o professor não deixa de reconhecera participação do diretório do Partido Republicano para a fundação da escola e cita,entre outros, os nomes do cel. João Padilha e de João Machado de Araújo, queabrem a lista com a relação dos membros do diretório àquela época. [Páginas 67 e 68]

tão grande emprehendimento e, de, Governador da Cidade, em nome dopovo beneficiado, o apoio, que lhe foi prestado por essa útil instituição, cujonome está ligado a tantos e tão grandes actos de benemerência e que, nomomento propício, poz á disposição do Gymnasio o seu prédio a rua Barãodo Rio Branco com o material escolar, que nelle existia, para ofuncionamento desta casa de ensino – sem ônus de qualquer espécie, pelotempo que fosse. (Ibidem, 553)Para abrigar as classes noturnas e as duas escolas diurnas, o referido prédioteve que passar por reformas, havendo necessidade de suspender as aulas danoite, como ficou registrado na ata de reunião da Perseverança de 13 de fevereirode 1928, ocasião em que Renato Mascarenhas faz um pedido verbal do diretório doPRP para que a Loja mantenha a oferta feita à Prefeitura no ano anterior, àsvésperas da votação do projeto de Gustavo Schereppel, e que ficou sem resposta,de ceder as instalações das escolas noturnas.Diante de tais acontecimentos, não se pode dizer que foi mera coincidência oprimeiro ginásio público sorocabano ter começado a funcionar, simultaneamente, nomesmo prédio em que foi implantada a primeira escola noturna gratuita da cidade.Trata-se do resultado de um processo ideológico iniciado três décadas antes, umavez que ambas as instituições escolares nasceram embasadas nos mesmos ideais -nacionalistas, liberais e republicanos - que caracterizaram um momento designificação na história da educação escolar brasileira. No plano local, emboraseparadas cronologicamente, as duas escolas acabam se encontrando em umamesma dimensão histórica, na medida em que parecem ter surgido no embalo dasidéias do entusiasmo educacional, que, entre outros fatos, coloca a escolarização nocentro do debate político. E essa pode ser uma particularidade na história daeducação sorocabana, uma vez que em dimensão nacional é outro o momento designificação: é o otimismo pedagógico que está emergindo no debate sobre aeducação escolar. E nele esse debate vai se restringindo cada vez mais aostécnicos, que vão preparando o terreno ao escola-novismo, que irá vingar na décadaseguinte.É significativo, assim, que em Sorocaba o prédio que durante o dia serviapara formar e preparar as elites, à noite destinava-se a ensinar o básico aos pobres. [Página 81]

Com outro prefeito, David Alves de Ataíde, aconteceu pior. Primeiro interventor federal nomeado depois da Revolução Constitucionalista de 1932, ele foi assassinado em frente ao Gabinete de Leitura Sorocabano, no centro da cidade, durante uma manifestação pública e uma das hipóteses para o crime, que nunca foiesclarecido, é a de que sua decisão de regulamentar a cobrança das taxas e reduzir o número de gratuidades nas duas escolas teriam sido as causas.

A possibilidade é aventada por Vieira em um dos artigos da série que publicou sobre o Ginásio, embora a versão mais corrente seja a de que o motivo teria sido o fato de ele ter decidido racionar a iluminação na praça central, criando com isso obstáculos para uma das principais atividades de lazer do sorocabano nos finais de semana, o “footing” a caminhada ao redor do coreto da praça.

Em depoimento prestado ao Projeto Memória do jornal Cruzeiro do Sul em setembro de 1980 Floriano Pacheco, que participou da manifestação em que ocorreu o assassinato, disse que o crime foi motivado pelo protesto contra o serviço de iluminação que a Ligth executara na praça: algumas moças, na janela do Gabinete, teriam visto quem atirou no prefeito, “mas nunca se falou em nomes” (Cruzeiro do Sul, 12 abr. 1991). Não obstante isso, Vieira acredita que a causa pode ter sido o Ginásio e a Escola Normal e apóia sua hipótese em vários fatos ocorridos em pouco mais de uma semana: nos dias 21 e 24 de janeiro, Athayde edita as leis que regulamentam as taxas e a gratuidade das escolas; dia 25, proíbe a utilização da praça central para uma manifestação de estudantes em comemoração ao aniversário de São Paulo; dia 26, o chefe da Casa Civil do Interventor Federal recebe um telegrama, assinado pelos “estudantes” sorocabanos, protestando contraa decisão. Dois dias depois, ao apagar a tapa as velas acesas durante a manifestação pública, que reuniu cerca de cinco mil pessoas na praça segundo jornais da época, recebeu dois tiros – um na mão esquerda e outro nas costas – falecendo no dia seguinte na Santa Casa local.

Todas essas coincidências não são estranhas? Uma lei que acaba commordomias no dia 24, um pedido dos “estudantes” no dia 25, um protesto dosmesmos estudantes, ante o interventor federal de São Paulo, no dia 26, e amorte do prefeito no dia 30. Tenho a impressão de que tudo foi planejado,ainda mais se levarmos em conta que poucos meses antes, os sorocabanoslutavam contra a ditadura na Revolução Constitucionalista e que a nossacidade esteve a ponto de ser invadida. O sangue ainda fervia. O ódiocontinuou por muito tempo. Será que a atitude dos ditos “estudantes” não foium disfarce? Uma premeditação? [...] Eis aí uma faceta da História deSorocaba que vale a pena ser investigada. (VIEIRA, Cruzeiro do Sul, 13 abr.1986) [Página 85]

Talvez as duas versões se completem e o crime não tenha uma causa única, e sim seja resultante de uma série de fatores cujas origens podem ser identificadas na rixa registrada entre sorocabanos e gaúchos pós-32. É o que se pode deduzir pela maneira como o Cruzeiro do Sul, em sua edição no 7.790 de 30 de janeiro de 1933, informa sobre o atentado, em manchete de primeira página. A nota sobre a ocorrência, intitulada ALVEJADO POR POPULARES NA PRAÇA CENTRAL DA CIDADE, O PREFEITO MUNICIPAL ESTÁ EM ESTADO GRAVE NA S.CASA, começa assim:

A Praça João Pessoa foi, hontem a noite, theatro de graves acontecimentos que têm sua explicação na animosidade crescente entre o nosso povo e o actual prefeito engenheiro dr. David Alves de Athayde, que é pessoa extranha ao nosso meio. Essa animosidade corporificou-se ainda mais depois que o prefeito suprimiu a iluminação extraordinária da praça da cathedral, sem que explicasse à população os intentos que o animavam ao deixar ás escuras aquelle logradouro publico. E mais que se agravou o dissidio ao impedir a prefeitura que se effectuasse, no dia 25, no coreto da praça, um concerto musical comemoractivo da fundação de S.Paulo.

Na citada entrevista de Floriano Pacheco, ele afirma que o inquérito sobre o crime foi conduzido pelo delegado Otávio Ferreira Alves, enviado à cidade para apurar o caso, e que ele, “como bom paulista”, não levou a fundo as investigações.

Nesse contexto, as medidas tomadas por Athayde em relação às escolas devem ter contribuído para aumentar essa animosidade. E pelas justificativas apresentadas pelo prefeito para seus decretos, eles podem ser interpretados tanto como medidas moralizadoras, diante de aparentes descalabros administrativos, como de retaliação pelo uso político que se fazia das escolas.

O primeiro deles, o Ato Administrativo 11, foi firmado para corrigir uma lacuna deixada no 9° artigo da Lei 209, que não estipulava preços. Em seu decreto, Athayde estabelece, para a Escola Normal, taxas de 50 mil réis para admissão, 170 mil réis de anuidade, 100 mil réis para a obtenção do diploma e mensalidade de 30 mil réis.

Para o Ginásio, as taxas foram fixadas, respectivamente, em 15 mil réis, 100mil réis, mantendo -se os mesmos valores da Escola Normal para a obtenção dodiploma e mensalidades. A medida foi adotada sob o pretexto de que até aquelepresente momento não haviam sido fixados valores, sendo as cobranças feitas por“determinações verbais”. O decreto diz que “as taxas atualmente cobradas são pordemais elevadas, o que torna difícil às pessoas de poucos recursos promoverem a educação dos seus filhos” e finaliza afirmando que é dever do Poder Público“incrementar a instrução e torna-la acessível a todos”.

O outro Ato, de número 12, reduz para cinco o número de gratuidades emcada escola, sob a alegação de que “há sensível abuso na concessão dasgratuidades estabelecidas”, pois muitos dos que dela se beneficiavam tinhamcondição de pagar pelos estudos. E assegura que a concessão do benefício apessoas não necessitadas ocorre por simples razão de amizade pessoal e deinteresse político “e vem prejudicar aqueles que na realidade querem estudar e nãopodem”. O benefício, a partir de então, somente seria concedido a quemapresentasse um “atestado de miserabilidade” expedido pelo juiz da Comarca e umacomissão iria rever, caso a caso, as 39 gratuidades, de um total de 240freqüentadores, concedidas. As decisões do interventor, assim, poder terdesagradado a muita gente.Os prefeitos seguintes, João da Costa Marques e coronel Ary Cruz, durarampouco no cargo e em nada interferiram no dia-a-dia do Ginásio. Em setembro de1933, assume o sorocabano Eugênio Salerno – o quarto prefeito a tomar possenaquele ano - que fica no posto até 1935 e é em seu mandato que se inicia umacampanha pública para a construção de um prédio próprio para as escolas. AlbertoTrujillo doou o terreno para a construção do prédio, Álvaro Leite e a Diocese deSorocaba doaram áreas que possibilitaram a abertura da rua onde ficaria a escola ea Campanha do Tijolo, como foi denominado o movimento, só foi concluída em1936, com a doação do prédio à Prefeitura.Encabeçada pelo Cruzeiro do Sul, que desde o final de 1928 deixara de fazeroposição sistemática ao Ginásio, a campanha não conseguiu obter todos osrecursos necessários e obrigou o município a recorrer à empréstimos. Assim, oGinásio e a Escola Normal continuariam a fazer parte das prioridades do prefeitoFrancisco de Paula Camargo, que substituiu Salerno – também assassinado napraça, em agosto de 1935. E foi a ele quem coube a regalia de assinar, em 6 demarço de 1936, a escritura de doação do Prédio ao Estado. Antes disso, em 6 dedezembro de 1935, o Governo estadual havia promulgado uma lei aceitando daPrefeitura de Sorocaba as instalações que lhe seriam formalmente doadas trêsmeses depois para que se consumasse, assim, a estadualização do Ginásio.A escola, a partir daí, sai definitivamente do centro do debate político e asmenções a ela vão rareando. Em fevereiro de 1944, torna-se Colégio Estadual e dois anos depois recebe o nome de Julio Prestes de Albuquerque – no ano mesmoem que seu patrono falece, após de ter retornado do exílio em 1934, se isolado emsua fazenda de Itapetinga e retornado à política em 1945, para ser um dosfundadores da União Democrática Nacional, a UDN. Em 1957, por conta dasreformas educacionais, passa a ser Instituto de Educação, mas um ano antes, comojá nos referimos, passa a ter classes noturnas. E não deixa de ser significativo o fatode que a reivindicação para a abertura dos cursos noturnos não tenha sido resultadode um debate mais amplo, público e político, como o que cercara a escola em seusprimeiros anos de funcionamento. Como informa Vieira, transcrevendo notícia sobeo assunto publicada pelo jornal Folha Popular em sua edição de 21 de abril de 1956,os esforços para conseguir essa benfeitoria são atribuídos ao diretor da escola:

O funcionamento do curso noturno do Colégio e Escola Normal Dr JulioPrestes de Albuquerque já é uma realidade em nossa terra, pois que, 120alunos, distribuídos em quatro classes, estão freqüentando aqueleestabelecimento de ensino estadual.Foi graças a boa vontade do sr. Vicente de Paula Lima, secretário daEducação, do sr. Sólon Borges dos Reis, diretor do Departamento deEducação, do sr. Antonio Gaspar Ruas, inspetor federal, que o sr. RoqueAyres de Oliveira, diretor daquela modelar casa de ensino viu coroado delouros os seus esforços em prol desses auspicioso melhoramento.A instalação do curso noturno naquele estabelecimento oficial é mais umgrande passo dado pelos poderes governamentais no sentido de atenderaqueles que só têm a noite para se dedicar aos seus estudos. Sabendo-seque Sorocaba é uma cidade de maioria operária, de povo trabalhador, obreirode oficinas as mais diversas, nada mais justo que uma escola noturna, comoo Colégio Estadual, abrisse novos horizontes aos anseios de seus filhos.(VIEIRA, Cruzeiro do Sul: 21 abr. 1993).

Essa é a trajetória do primeiro ginásio público sorocabano, que surgiu nummomento de significação histórica mas que, como procuramos evidenciar ao longodeste trabalho, conservou certas particularidades que permitem deduzir que,enquanto nos campos político, social e econômico Sorocaba demonstra reproduzir oque ocorre em dimensão nacional, o que a situa entre aquelas regiões onde mais seevidenciaram as transformações que ocorriam na sociedade brasileira, no campoeducacional tal não acontece, pois o momento de significação produzido em planolocal parece se aproximar mais do entusiasmo do que do otimismo.Mas se incorporarmos a essa nossa análise observações de outros autores,talvez seja possível deduzir que não há aí nenhum contratempo, pois emboraSorocaba pareça reproduzir um entusiasmo tardio, o que de fato pode estar [Página 86, 87 e 88]
“Poder local e educação na Primeira República: O primeiro ginásio público de Sorocaba”. Julio Cesar Gonçalves, Programa de Pós-Graduação da UNISO

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Você sabia?
Senhores, ha perto de três mil anos que o rio Amazonas é navegado e que de seus seios transborda o ouro nos cofres dos reis da terra!” “Onffroy de Thoron, depois de largos e demorados estudos, rasgou a nossas vistas o véu do grande mistério: os navios de Salomão traziam rumo da América Meridional; vinham buscar as grandes riquezas que levavam ao rei de Tyro, na terra do El- Dorado, da legendária Manôa, sonhada á margem ocidental da lagoa Parima, á boca de um grande rio, que a ela levava suas águas caudalosas roladas sobre o leito esmeraldino, coberto de areias de ouro.
*Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro. TOMO V. 4.° Boletim. Redator Engenheiro Dr. A. de Paula Freitas

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Sinceramente esperamos, fervorosamente rezamos, para que este poderoso flagelo da guerra possa finalmente acabar. Mas se Deus quiser que ela continue até que toda a riqueza pilhada pelos escravos, 250 anos de labuta não retribuída afunde e até que cada gota de sangue derramada pelo chicote deva ser paga por outro golpe de espada, como foi dito três mil anos atrás e ainda precisa ser dito o julgamentos do senhor são justos e verdadeiros completamente.
Abraham Lincoln (1809-1865)
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