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Apropriações, impropriedades editoriais e produções cartográficas relativas à representação do rio da Prata de La Plata em atlas neerlandeses do século XVII. História Unisinos, vol. 24, núm. 3, pp. 458-472, 2020. Universidade do Vale do Rio dos Sinos
202007/04/2024 05:48:36

Mapa Paraqvaria vulgo Paragvay
Data: 01/01/1670
Créditos: Jan Blaeu
(.303.

América do Sul, na virada do século XVI para o XVII, teriam sido os melhoresconhecedores da geografia da região; logo teriam sido os únicos personagens coloniais –dotados de conhecimentos empíricos e recursos técnicos – capazes de produzir um mapatão engenhoso. Somente os inacianos, que percorreram os quatro cantos da regiãoplatina e produziram relatos geográficos circunstanciados, poderiam ter elaborado esseimportante artefato cartográfico. Em suma, o autor argumenta que as informaçõesgeográficas consignadas de forma “científica” nas Cartas Ânuas (Litterae Annuae) dosPadres Juan de Romero (1605) e do Pe. Diego de Torres (1609) sugerem que esses doismissionários são os verdadeiros autores do Paraguay, ó Prov. [...]4.Pelo peso intelectual do autor sua obra foi (re)citada inúmeras vezes, e suasproposições, claramente pró-jesuíticas e, por vezes, equivocadas, seguem deixandomarcas na produção científico/cultural até os dias atuais. Para elucidar como ospressupostos de Furlong foram assumidos e disseminados como verdades indubitáveisvale referir alguns exemplos.Na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo, na ficha catalográficado Paraguay, ó prov. [...] consta que os assuntos relacionados a esse documento são:“Jesuítas - Missões - América do Sul - Mapas - Obras anteriores a 1800”5.Provavelmente o registro catalográfico do mapa, realizado pela Biblioteca, teve por basea obra de Furlong, pois no mapa não figura qualquer estabelecimento fundado porjesuítas.Similarmente, o catálogo de uma mostra cartográfica intitulada “DOCUMENTACHARTOGRAPHICA de las Indias Occidentales y la Región del Plata” promovida pelaPontificia Universidad Católica Argentina, segue a premissa de Furlong ao atribuir aautoria do Paraguay, ó prov. [...] ao padre Diego de Torres que, entre 1608 e 1614, foio primeiro superior dos jesuítas da província do Paraguai6.

Também na produção historiográfica referente ao sul da América do Sul, no período colonial, frequentemente, o Paraguay, ó prov. [...] é apresentado como um mapa jesuítico. Só para exemplificar vale acompanhar o artigo Mapas, esquemas, indícios: Cartografia de la Quebrada de Humahuaca. Para historiar a origem do mapa em analise, o artigo reproduz a argumentação de Furlong afirmando que: “En 1634 Johannes Blaeu publicaba un atlas que incluía la Carta del Paraguay que había elaborado el monje jesuita Diego de Torres en la Carta Anua de 1609” (FAVELUKES, Graciela, et all., 2010, p. 186). Logo adiante declara que: “El mapa más antiguo del Paraguay, probablemente de 1609, se relaciona con la creación de la Provincia Jesuítica del Paraguay en 1604.” (FAVELUKES, Graciela, et all., 2010, p. 187).

Outro trabalho que ilustra o alto conceito da obra de Furlong acerca dacartografia colonial sobre o Rio da Prata é a tese de Newton Rocha Xavier. O autorconfirma os argumentos do: “[...] importante historiador Guillermo Furlong SJ (1989-1974)” ao dizer que a descrição do primeiro provincial do Paraguay, Diego de Torres:“[...] foi determinante na configuração da cartografia europeia” (Xavier, 2012, p.53) eque as descrições corográficas e os mapas jesuíticos do início do século XVII deixarammarcas na cartografia holandesa7. Em suma, as colocações técnicas e a análise históricaque Xavier propõe dos mapas Paraguay, ó prov. [...] e Paraquaria [...] endossam asproposições de Furlong e, por esse motivo, seu texto tem as marcas e incongruênciaspróprias de uma tradição historiográfica pró-jesuítica8.

Num trabalho recente (Langer, 2015) ficou demonstrado que a autoria do mapa Paraguay, ó Prov. [...] está diretamente ligada às atividades de Ioannes de Laet, que foi geógrafo e diretor da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie ou WIC).

Devido ao contexto linguístico e cultural do âmbito em que atuava, o nome desse autor foi grafado de distintos modos: Joannis de Laet; Ioanne de Laet; Iean de Laet, Johannes de Laet, e Joannes de Laet e, latinizado, Ioannes Latius. No presente texto, usaremos sempre a forma Ioannes de Laet, tal como aparece na 1ª edição em holandês.

De acordo com Mary S. Pedley (2007 p.17), nos séculos XVII e XVIII, havia dois tipos de profissionais ligados à elaboração de cartas geográficas: os topógrafos e os geógrafos. Os primeiros faziam levantamentos topográficos in loco e usavam uma escala grande para desenhar mapas dos territórios perscrutados. Os geógrafos, por sua vez, ficavam no ateliê e produziam mapas numa escala menor a partir de diversas fontes de informação, tais como: levantamentos topográficos, mapas publicados anteriormente, mapas manuscritos, descrições verbais e crônicas de viajantes e exploradores. É com base nessa acepção De Laet pode ser considerado geógrafo.

Um cotejamento dos topônimos/etnônimos registrados no referido mapa, com as crônicas quinhentistas da conquista do Rio da Prata indica que as fontes que serviram de base para o Paraguay, ó Prov. [...] são anteriores à ação jesuítica no Paraguai. Além do mais, a tão propalada Carta Anua, escrita por Diego de Torres em 1609, não contempla os grupos indígenas grafados no mapa. O resultado é que qualquerreivindicação de protagonismo, contribuição ou coadjuvação aos antigos jesuítas, na criação do Paraguay, ó Prov. [...] não resiste a um cruzamento das fontes históricas dos séculos XVI e XVII.

O mapa em questão aparece pela primeira vez na obra de De Laet, intitulada Nieuwe Wereldt ofte Beschrijvinghe van West-Indien, publicada em Leiden, no ano de 1625. No século XVII, o Nieuwe Wereldt ofte Beschrijvinghe [...] foi editado pelo menos quatro vezes: duas em holandês/flamengo (1625 e 1630), uma em latim (1633) e outra em francês (1640). Em todas essas edições – revisadas e ampliadas pelo próprio De Laet,– na abertura de cada livro o autor inseriu um mapa respectivo à região em questão. No início do décimo segundo livro, relativo ao Río de la Plata, figura o Paraguay, ó Prov. [...].

A obra de De Laet divide-se em livros e cada livro em vários capítulos. A primeira edição (1625) contêm um livro e um mapa para cada uma das 15 regiões na seguinte ordem: 1º. Weft-Indifche Eylanden (Ilhas do Caribe);2º Nova Francia; 3º. Virginia; 4º Florida; 5º Nova Hispania; 6º Nova Galicia ou Guadalaiara; 7º Guatemala; 8º Terra Firme; 9º Nuevo Reino de Granada; 10º Peru; 11º Chile; 12º Rio de la Plata; 13º Brasil; 14º Guaiana; 15º Nova Andaluzia. A edição francesa (1640) é composta por 18 livros. Aos 15 anteriores foram acrescidos: Peru ou Charca; Magallanique e Brasil Septentrional.

A inserção de um mapa, par a par à descrição geográfica de cada região, tinha uma finalidade muito clara. De acordo com o próprio De Laet, a descrição dos países não pode ser bem compreendida sem cartas geográficas. Por esse motivo, texto descritivo e imagem cartográfica são, no entendimento do autor, componentes distintos,embora indissociáveis para um conhecimento profundo de cada país. Quanto à elaboração dos mapas, De Laet explica que seu trabalho baseou-se: “[...] na localização e forma dos países, e também nas melhores e mais puras descrições, pesquisando cartas publicadas por outras [editoras] e tentando melhorá-las em muitas partes [...]”.

2 Tanto a citação indireta quanto a direta estão no último parágrafo do prefácio da 1ª edição (página 28, não numerada). Nas edições seguintes, o prefácio foi revisado e alterado. Para a transcrição, da escrita gótica para caracteres latinos, e a tradução (aproximativa), do holandês (do séc. XVII) para o português,contamos com a generosa contribuição de Teun A. Van Dijk; Professor de Estudos do Discurso da Universidad Pompeu Fabra Dept. de Traducción y Ciencias del Lenguaje – Barcelona.

Vale destacar que outros personagens participaram desse empreendimento. O próprio De Laet anuncia que um dos seus colaboradores esteve diretamente envolvido na elaboração dos mapas, quando declara que: “[...] nos ajudou muito o labor e a experiência de Hessel Gerritsz que desenhou e fabricou (montou) as cartas”.

Hessel Gerritsz (1581-1631) foi o cartógrafo oficial da VOC e suas cartas influenciaram sobremaneira oestilo e a produção cartográfica holandesa e europeia no séc. XVII. Sobre a participação dele na Nieuwe Wereldt ofte Beschrijvinghe van West-Indien, De Laet declara:“[…] sonderlingh behulpsaem is gheweest de industrie ende ervarentheyt van Hessel Gerritsz die de kaerten meest ontworpen ende ghestelt heft” (Prefácio, p.28 não numerada).

Ou seja, em se tratando especificamente dos mapas, é adequado considerá-los uma produção emcoautoria de Ioannes de Laet, fundador e diretor da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), e de Hessel Gerritsz, cartógrafo oficial da mesma Companhia.

Outro motivo (além do peso intelectual da obra de Furlong) pelo qual os dadosrelativos à autoria do Paraguay, ó prov. [...] passaram despercebidos para ospesquisadores do Rio da Prata, está diretamente relacionado à diminuta circulação daobra de De Laet, tanto nos países ibéricos como nos ibero-americanos. Marisa Vanninide Gerulewicz, que fez um estudo biográfico e que em 1988 traduziu, pela primeira vez,a Nieuwe Wereldt ofte Beschrijvinghe van West-Indien para o espanhol, a partir daedição francesa de 1640, sugere que o desconhecimento da obra de De Laet tenha, comopano de fundo, motivações ideológicas:

Por la severidad del pensamiento del Autor, que era muy crítico con respecto a la forma de colonización española, esta gran obra nunca fue traducida al castellano. Por el contrario, fue marginada, hasta hoy, en el mundo hispánico y americano.Tampoco se conocen ediciones completas en otros idiomas […]. Si bien el Novus Orbis ocupó en seguida alto rango entre las publicaciones de la época, recibió reconocimientos y elogios, fue citado frecuentemente por los contemporáneos y por la posteridad, quienes consideraron a De Laet como el autor por excelencia de Nuevo Mundo; sin embargo, el nombre y el mensaje delAutor quedaron lamentablemente circunscritos al mundo flamenco, o de Europa centroseptentrional (Vannini de Gerulewicz. Prefácio. De Laet, 1988, p.19).

Após abordar a circulação e conjecturar sobre o parco conhecimento acerca de De Laet nos países ibéricos e ibero-americanos, Vannini de Gerulewicz expressa intensa admiração pela erudição do autor e pela monumentalidade da obra:

Sería necesario escribir un largo tratado, para presentar en forma suficientemente representativa y ejemplarizante este enorme, profundo y complejo trabajo de De Laet, que efectivamente logra, como se propone, ofrecer un conocimiento deAmérica y de los establecimientos europeos, lo más completo posible para la época mediante un recuento histórico pormenorizado y detallada descripción geográfica incluyendo flora y fauna de todos los países del Nuevo Mundo, a lo largo de dieciocho libros divididos cada uno en numerosos capítulos (Vannini de Gerulewicz Prefácio De Laet, 1988, p.19).

O excerto acima ilustra bem a complexidade e riqueza descritiva do meionatural, geográfico, etnológico e histórico, tanto do texto quanto dos mapas e gravurasde De Laet. Para alcançar esse resultado, o autor pesquisou exaustivamente e se apropriou dos mais distintos gêneros textuais – poemas épicos, crônicas, roteiros deviagem, portulanos – editados sobre o Novo Mundo. Além de dezenas de títulos delivros impressos, arrolados na lista bibliográfica, e sempre bem anunciados ao longo dotexto, De Laet foi servido de copiosas fontes inéditas – relatórios, roteiros, informaçõesmanuscritas e orais, esboços cartográficos – obtidas diretamente de navegadores quandoregressavam da América à Europa. A produção de relatórios, entrevistas e esboços foium expediente obrigatório implantado pelas Companhias das Índias Ocidentais (WIC) eOrientais (VOC) ao largo da sua atuação por terras e oceanos longínquos. Quanto àsinformações obtidas por essa via, De Laet faz uma menção especial aos:

[...] nuestros Belgas, quienes en estos últimos años han hollado diversas partesde una y otra América particularmente bajo los auspicios de la Compañía de lasIndias Occidentales; las exactas observaciones de ellos las hemos estudiado ycompartido, y rigiéndonos por lo que nos merecía mayor aprobación, hemoscorregido muchas cosas, donde los españoles y otros se habían equivocado (DeLaet, 1988, p. 45).

A diversidade de fontes e a proficuidade literária e cartográfica da obra de DeLaet confirmam uma asserção de Harley de que dentro de um mapa podem estar váriostextos “[…] que tienen que ser descubiertos en el proceso interpretativo” (Harley, 2005p. 65). Para compor o Livro 12 - Rio de la Plata, e o mapa Paraguay, ó Prov. [...], queprecede a abertura do referido livro, De Laet se serviu de um ecletismo textual.Claramente o autor lançou mão das seguintes obras impressas: 1) Descripción de lasIndias Occidentales, e 2) Historia general de los hechos de los castellanos en las Islas yTierra Firme del mar Océano que llaman Indias Occidentales (Décadas), ambas deHerrera y Tordesillas; 3) Argentina de Martin del Barco Centenera; 4). The principalnavigations, voyages, traffiques & discoveries of the English nation […] de RichardHakluyt.As duas primeiras são obras extensas tidas como crônicas oficiais da conquista ecolonização da América pelos espanhóis. Para elas eram transvasadas centenas derelatos e crônicas particulares relativas às experiências hispânicas nas IndiasOccidentales. A obra de Martin del Barco Centenera é um poema épico que, além dosfeitos coloniais espanhóis relata, à sua maneira, os costumes dos povos nativos, a fauna,a flora e os acidentes geográficos da vasta bacia do Rio da Prata. De Laet estudou tantoos versos quanto as notas explicativas desse poema para compor seu mapa e textocorográfico. A obra The principal navigations, voyages, traffiques [...], por sua vez, consiste numa rica compilação de rotas náuticas e observações geográficas, efetuadaspor navegadores ingleses, editada por Richard Hakluyt.Além dessas obras, De Laet e seu cartógrafo Hessel Gerritsz serviram-se dedescrições propiciadas por “nossos neerlandeses” tal como o próprio autor anuncia emdois capítulos14 do livro sobre o Rio de la Plata. Em relação às fontes consultadas porDe Laet, para compor o 12º livro, cabem duas considerações: 1) nem no texto etampouco no mapa há qualquer menção ou indício de que fontes de origem jesuíticas(tais como Cartas Ânuas) tenham sido consultadas e empregadas; 2) A crônica de UlrichSchmidel não foi mencionada na elaboração do texto e, todavia, foi utilizada para aconfecção do mapa.

A referida crônica foi publicada pela 1ª vez em 1567 e sucessivas vezes a partir de 1599, por duas famosas casas editoriais da Europa – Theodor de Bry e Levinus Hulsius. Em nenhum momento, De Laetse refere a essa obra. Porém, alguns topônimos e etnônimos do Paraguay, ó Prov. [...] indicamclaramente que a crônica de Schmidel foi consultada para a montagem do mapa. Isso porque, em nenhumoutro documento ou crônica quinhentista sobre o Rio da Prata (exceto na obra de Schmidel) ocorrem osseguintes nomes de lugares e de grupos indígenas: Weibingo, Paiembos, Bascherepos, Surucusis,Guebecusis.

Contudo, convém destacar que ao se apropriar de tipologias textuais diversas eexplanar ordenadamente inumeráveis informações históricas, geográficas, hidrográficas,etnológicas, da fauna e flora, De Laet não o fazia por diletantismo e, tampouco parademostrar erudição e excelência acadêmica. Na posição de rico comerciante, e dediretor da WIC, seu intuito primordial era expor de maneira acessível e minuciosa ofabuloso continente americano e, desse modo, estimular e instruir o acesso às riquezascomerciáveis a serem exploradas, pelas empresas mercantis neerlandesas, nos múltiplosrecantos do Mundo Novo.

Dezenove anos após a 1ª edição da Nieuwe Wereldt ofte [...], De Laet publicou sua Historia ou Annaes dos Feitos da Companhia [...]. Em sua dedicatória o autor enfatiza que se apossar das riquezas da América era a forma mais eficaz de enfraquecere derrotar o rei da Espanha, que “[...] por tantos anos perturbou a paz de todo mundo [...] e hostilizou tão gravemente estas Províncias Unidas [...]” (De Laet, ([1644], 1916).

Na avaliação do autor, esse intento estaria sendo exitosamente alcançado pela WIC mediante: “A conquista de tão vastas e ricas regiões tomadas ao rei da Hespanha, a perda de enormes thesouros, a captura e destruição de muitos navios, a occupação e arrazamento de muitas praças fortes [...]” (De Laet, [1644], 1916). Ou seja, a obra de De Laet está diretamente implicada nos esforços bélicos travados contra a monarquia hispânica no além mar.

Ao descrever e mapear as riquezas da América, De Laet promovia o apossamento das minas, a pirataria contra navios e a depredação de toda e qualquer presença espanhola na América. Pode-se concluir, portanto, que captar e capturar riquezas na América espanhola era a fórmula da WIC, dirigida por De Laet, para o sucesso bélico e comercial das Províncias Unidas contra o poderio espanhol.

Além desse caráter militante bélico/comercial a obra de De Laet foi essencial para que a novidade americana se tornasse inteligível e, assim, pudesse ser admitida no imaginário neerlandês (Wolff, 2015, p. 12). Nesse sentido, a descrição verbal e visual da Nieuwe Wereldt ofte Beschrijvinghe [...], ao cair na indústria gráfica da República dos Países Baixos Unidos, jogou um papel fundamental no processo de construir, mobilizar e dinamizar o imaginário para as riquezas mercantis do Novo Mundo.Segundo Jameson, a indústria editorial teria criado e incitado tamanho frenesi: “[...] que até crianças e lavadeiras discutiam as vantagens da conquista de colônias no Brasil” (Jameson 1887, apud Wolff, 2015, p. 13).

A obra de De Laet nas mãos das firmas editoriais Hondius e Bllaeu

Quando a Nieuwe Wereldt ofte Beschrijvinghe [...] surgiu, em 1625, a produçãocartográfica dos países baixos (no sentido inclusivo para as províncias quepermaneceram sob o domínio espanhol) estava bem estabelecida e atuava com um corpode profissionais – impressores, gravadores e geógrafos – experientes em analisar,confrontar e incorporar as novidades geográficas aos mapas, globos e atlas. Além dosavanços técnico/científicos alcançados por geógrafos como Gerardus Mercator (1512-1594) Abraham Ortelius (1527-1598), a cartografia havia se tornado um negóciolucrativo ao dispor de “[...] mapas confiáveis e lindos no mercado aberto a qualquerpessoa que pudesse pagar por eles” (Brotton, p. 292).

Na história da cartografia a existência de famílias estritamente ligadas ao ofíciocartográfico, que de certo modo constituíam dinastias empresariais, que rivalizavam porpostos no poder de instituições políticas, é um tema bastante conhecido. A reprodução(reedição) intensa do Paraguay, ó Prov.[...] está diretamente relacionada a um casoemblemático de concorrência entre duas empresas familiares tradicionais no ramoeditorial cartográfico. [Páginas 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 do pdf]

Jerry Brotton observou circunstâncias em que Blaeu se apropriava de mapas deoutrem, sem qualquer alusão ao autor e, ressaltando que: “Essa não seria a primeira nema última vez que Blaeu e seus filhos se apropriariam de mapas para seu próprio lucrocomercial, mas é um exemplo revelador de como os negócios da família prosperaram”(Brotton, p. 302). As imagens acima sugerem que a mesma declaração é válida para asduas firmas concorrentes tanto no que concerne aos mapas, quanto aos textoscorográficos.

Sem margem à dúvida, o sucesso de vendas dos atlas, de ambas as firmas, estevemuito mais relacionado à forma, ao material e à sofisticação visual do que propriamenteao conteúdo do texto. Os mapas e os fragmentos textuais “recortados” da NieuweWereldt ofte Beschrijvinghe [...] e “colados” nos atlas passavam a constituir, à luz dasreflexões de Chartier, “novos livros” e “novos textos”. Duas observações de Chartier, que se entrelaçam, conferem densidade à análise que aqui propomos. A de que: “[...]não há texto em si, separado de toda materialidade [...] e que não há compreensão de umescrito, qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais atinge o leitor(Chartier, 1991, p. 182)”. Evidenciar o âmbito da manipulação gráfica, dos recursostécnico-materiais e dos efeitos estético-visuais na produção e circulação de livrosrepresenta uma contribuição notável para a análise em questão. Da mesma formaanalisar os processos de manipulação dos mapas e textos de De Laet, por outraseditoras, possibilita: “[...] compreender melhor como a passagem de um texto de umaforma editorial à outra pode transformar, separadamente ou ao mesmo tempo, a basesocial e cultural do público, os usos do texto e suas interpretações possíveis.” (Chartier2002, p.251)

Em termos de organização e sistematização de notícias corográficas e produção de cartas geográficas sobre a América colonial a obra de De Laet representa um marco fundamental. Em relação aos territórios ocupados pelos neerlandeses, como o nordeste brasileiro a cada nova edição as informações iam sendo atualizadas e alargadas.

Todavia, quanto ao Rio da Prata – uma área periférica em relação às ações da WIC – o próprio De Laet não promoveu significativas atualizações. O mesmo vale para as firmas editoriais que se apropriaram da sua obra. Ao longo de quatro décadas o texto fragmentário sobre o Rio da Prata não foi atualizado nos atlas Blaeu e Hondius. Nesses, a notória superficialidade e compendiosidade textual é compensada pela sofisticação visual cada vez mais valorizada por parte de um mercado burguês em franca expansão que demandava imagens do mundo natural (Alpers, 1999, p. ).

Para todos os recantos da América, os atlas repetiram, ao longo de quase 40 anos (1630-1668), asmesmas informações, exceto para as regiões onde os holandeses estabeleceram colônias. A obra Rervmper octennivm in Brasilia. [...], composta por Caspar van Baerle a partir da documentação administrativade João Maurício de Nassau – Siegen, por exemplo, foi publicada pela firma Blaeu. Nos anos seguintes,os mapas e as gravuras dessa obra foram incorporados ao Atlas Blaeu.

A inconsistência do Paraquaria, vulgo Paraguay cum adjacentibus no AtlasBlaeu

Sobre esse mapa, Guillermo Furlong S.J. emitiu uma apreciação que poderiaservir de epígrafe a uma hipotética obra sobre o estilo de historiar dos historiadoresjesuítas, da primeira metade do século XX, acerca das missões dos seus antigosconfrades no Paraguai colonial:

“Ningún mapa del siglo XVII pude compararse con éste, en la riqueza de su contenido y en la exactitud de sus detalles. Sorprende a la verdad la perfección de esta magnífica pieza cartográfica, y cierto es que si los jesuitas no hubieran compuesto más que esa obra maestra serian por ella muy acreedores a nuestra gratitud” (FURLONG, 1936, Tomo I, p. 26).

Sem desdenhar o deslumbramento, e sem fazer coro a tais louvores, convém destacar que no âmbito da historiografia sobre o Rio da Prata do século XVII o mapa Paraquaria [...] é, certamente, um documento/monumento, de natureza visual, entreos mais conhecidos e referenciados pelos pesquisadores.

A citação de Furlong e a relevância dessa peça cartográfica nos estudos rio-platenses coloniais ensejam relembrar a noção de documento: “[...] que não é um material bruto, objetivo e inocente, mas que exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro: o documento é monumento” (Le Goff, 1990: p.09-10).

São inúmeros os estudos sobre o Paraguai do século XVII que recorrem a esse artefato cartográfico com diversas finalidades sendo a mais recorrente a abordagem sobre as fundações, os ataques bandeirantes e as translações de povoados jesuítico guarani do Guairá, Itatim e Tape (LEVINTON, N.; SNIHUR, E., 2015).

Além do mais o Paraquaria [...] tem sido acionado para coadjuvar a leitura de outras fontes históricas do mesmo período ou simplesmente para agregar valor estético a publicações e produções visuais que não necessariamente propõe uma problemática geo/histórica, mas que simplesmente intentam oferecer à contemplação um artefato de notável valor histórico, geográfico e artístico. [Páginas 15, 16 e 17 do pdf]

Todavia, embora seja “conhecido” pelos especialistas em Paraguai colonial, epor grande parcela do público acadêmico não especializado, o que efetivamente se sabesobre a autoria, as circunstâncias da elaboração e a circulação do Paraquaria [...] épouco; esse é sempre creditado à obra de Furlong. Além da “epígrafe” acima o autorobservou que esse mapa só poderia ser resultado do trabalho cartográfico de váriaspessoas, pois seria impossível que “[...] un solo hombre pudiera componerlo sin tener [Página 18 do pdf]

servido de recursos cartográficos, em sua crônica Conquista Espiritual [...] (1639)Montoya não apresenta qualquer mapa. Da mesma forma, a Historia ProvinciaeParaquariae Societatis Iesu, de Nicolás del Techo (1673), tampouco exibe qualquercarta geográfica. Para ambas, o Paraquaria [...], ou pelo menos algum fragmento dele,teria sido extremamente oportuno.Pensamos que qualquer busca por uma explicação deve considerar que, casooutra editora tivesse editado o Paraquaria [...], o resultado visual teria sido de talmaneira distinto que já não seria o “mesmo” mapa. Para respaldar essas conjecturas,vale destacar que, em meados do século XVII, nenhuma editora na Espanha ou nomundo era capaz de competir em qualidade técnica com as gravuras e a arte tipográficada firma Blaeu. Segundo Brotton o Atlas maior sive cosmographia Blaviana (GrandeAtlas ou cosmografia de Blaeu), onde o Paraquaria [...] foi inserido, foi considerado omaior e melhor atlas até então publicado:Em tamanho e escala ele superava todos os outros atlas então em circulação, inclusiveos esforços dos grandes predecessores Ortelius e Mercator. Era uma verdadeira criaçãobarroca. Somente a primeira edição tinha onze volumes, com 3.368 páginas escritas emlatim, 21 frontispícios e a quantidade espantosa de 594 mapas, num total de 4.608páginas. Durante a década de 1660, foram publicadas edições em francês, holandês,espanhol e alemão com ainda mais mapas e textos. (Brotton, p. 293)Com sua bela tipografia, decoração esmerada, coloração requintada e encadernaçãosuntuosa, o Atlas maior de Blaeu não teve paralelo na impressão do século XVII(Brotton p. 324).Evidentemente, nos meios intelectuais europeus e jesuíticos a vigorosa atividadeeditorial/cartográfica da firma Blaeu era bem conhecida e, com certeza, admirada. Paraos jesuítas, terceirizar a edição para a firma Blaeu seria garantia de que o materialcartográfico, por eles produzido, receberia um tratamento gráfico singular.

Por outro lado, Blaeu devia ter interesse em demonstrar que continuamente“atualizava” seu atlas. A constante “atualização” e ampliação dos atlas era anunciadanos próprios títulos e, propalada como sinônimo de excelência. Talvez, motivado poressa lógica, a partir 1658, no capítulo sobre o Rio da Prata, onde antes figurava oParaguay, Ó Prov. [...], passou a figurar o Paraquaria [...]. Ou seja, Blaeu substituiu omapa elaborado por De Laet e Hessel Gerritsz, (baseado em fontes quinhentistas), poroutro elaborado, in loco, por missionários da Companhia de Jesus. Porém ao longo de34 anos (1631-1665), em quatro distintas edições, os atlas da firma Blaeu mantiveram omesmo texto (duas páginas copiadas de De Laet). [Página 22 do pdf]
*Apropriações, impropriedades editoriais e produções cartográficas relativas à representação do rio da Prata de La Plata em atlas neerlandeses do século XVII. História Unisinos, vol. 24, núm. 3, pp. 458-472, 2020. Universidade do Vale do Rio dos Sinos

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