Decreto proibia expressamente a entrada de carros de bois na cidade, por causa do rangido barulhento que faziam
31 de dezembro de 1916
04/04/2024 17:04:54
Essa medida provocou uma greve dos carreiros, os condutores dos carros de bois. Em episódio que ficou famoso na cidade, o prefeito municipal Nascimento Filho é chamado a negociar com os líderes do movimento. O encontro se realiza no bairro do Cerrado, então um arrabalde de Sorocaba e, desde o tempo dos tropeiros e das famosas feiras de animais, uma importante via de entrada para o núcleo urbano. Lá chegando, o prefeito se deparou com um grande número de carros de bois, todos perfilados e carregados de lenha. Os líderes do movimento realizavam discursos inflamados. O prefeito tudo ouviu pacientemente, mas não cedeu e manteve a proibição. [Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Páginas 167 e 168]
A paralisação tinha sido motivada por um edital da prefeitura, publicado no final de 1916, proibindo o canto dos carros de boi no perímetro urbano. O prefeito municipal POLITEIA: Hist. e Soc. Vitória da Conquista v. 6 n. 1 p. 177-192 2006
* Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. Bolsista da Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). E-mail: rlpcarvalho@yahoo.com.br.DISCURSOS DO PROGRESSO E PERSISTÊNCIADA TRADIÇÃO: A REMODELAÇÃOURBANA DE SOROCABA (1914-1921 / 1938-1943)Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho*178POLITEIA: Hist. e Soc., Vitória da Conquista, v. 6, n. 1, p. 177-192, 2006.Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho
Nascimento Filho foi chamado a negociar com os líderes do movimento. O encontro se realizou no bairro do Cerrado, então um arrabalde de Sorocabae, desde o tempo dos tropeiros e das famosas feiras de animais, uma importante via de acesso para o núcleo urbano. Lá chegando, o prefeito encontrou um grande número de carros de bois, todos perfilados e carregados de lenha. Os líderes do movimento realizavam discursos inflamados. O prefeito tudo ouviu pacientemente, mas não cedeu e manteve a proibição.
Decreto proibia expressamente a entrada de carros de bois na cidade, por causa do rangido barulhento que faziam
“Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan [pau-brasil]. Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra ? Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. — Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? — Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? — Para seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. — Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também ? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.