“O Brasil é um grilo de seis milhões de quilômetros talhado em Tordesilhas.” (Oswald de Andrade, Revista de Antropofagia 5, 1928)Publicado em18/09/2022Atualizado em18/09/2022“E outrossim vos damos o dito poder para que em nosso nome, e de nossos herdeiros e sucessores de nossos reinos e senhorios, súbditos e naturais deles, possais concordar, e assentar, e receber e aceitar do dito rei de Portugal e dos ditos seus embaixadores e procuradores em seu nome, que todos os mares, ilhas e terras que forem e estiverem dentro da limitação e demarcação de costas mares e ilhas e terras que quedarem, e ficarem com nós e com nossos sucessores, para que sejam nossos e de nosso senhorio e conquista, e assim de nossos reinos e sucessores deles, com aquelas limitações e excepções e com todalas outras cláusulas e declarações que a nós outros bem visto for. E para que sobre tudo o que dito é e para cada uma cousa e parte dela, e sobre o elo tocante ou dela dependente, ou a elo anexo e conexo em qualquer maneira, possais fazer e outorgar, concordar, tratar e receber e a aceitar em nosso nome e dos ditos nossos herdeiros e sucessores, e de todos nossos reinos e senhorios, súbditos e naturais deles, quaisquer capitulações, contratos e escrituras com quaisquer vínculos, actos, modos, condições, e obrigações e estipulações, penas e submissões, e enunciações que vós outros quiserdes e bem visto vos for.” (Tratado de Tordesilhas, Folio 1v)Em 1494, no dia sete de junho, na cidade de Tordesilhas, na Península Ibérica, foi assinado um tratado que dividia o mundo ao meio. A partir de uma linha reta traçada ao longo de um meridiano, que ia do Polo Sul ao Polo Norte, a 370 léguas a oeste da Ilha de Santo Antão no Arquipélago de Cabo Verde, na África, as terras do chamado Novo Mundo foram divididas entre as duas potências européias. A parte oriental para Portugal e a parte ocidental para a Espanha.
A reta traçada em Tordesilhas se tratava de uma linha virtual sobre um território até então pouco conhecido e mapeado pelos colonizadores. E, dentre as várias marcações, as linhas de Cantinho (1502), Pedro Nunes (1537) e Luís Teixeira (1574) não desenhavam, de fato, meridianos; a cartografia, enquanto ciência, ainda estava em gestação.
Mesmo falhos e diante do desconhecido, os mapas se assenhoram de certezas para criar novas realidades.
Monumentos feitos de pedra e brasão, fincados no chão, ainda são testemunhas de onde se aterrou a linha – não tão reta – do pretendido meridiano, em Belém do Pará, no norte do Brasil, em Cananéia, no sul do estado de São Paulo e em Laguna, Santa Catarina.
Em paralelo às disputas dos mapas, corriam as disputas no território – sempre querendo tudo o que havia nesses chãos. Sob as linhas da retificação e da posse, foram colocadas tantas outras linhas, fluídas, cheias de vida. Populações e seus saberes ancestrais, animais e florestas, rios e minérios.
Definitivamente, o território não é o mapa. E o mapa não é o território. Terra incognita. Insanis mappa.