Um roteiro do cineasta Joaquim Pedro de Andrade analisado pelo crítico Ismail Xavier, folha.uol.com.br
9 de março de 2002, sábado Atualizado em 13/02/2025 06:42:31
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Casa-Grande, Senzala & Cia (Roteiro Inédito)Joaquim Pedro de AndradeOrganização: Ana Maria GalanoAeroplano (Tel. 0/xx/21/2529-6974)304 págs., R$ 40,00ISMAIL XAVIERRoteiros como o de Joaquim Pedro de Andrade repõem a questão da autonomia relativa do gênero. Reforçam a prática editorial que nos convida a lê-los como "peças literárias", embora continuem lá as cifras do futuro filme, as marcas que apontam para outro meio. Não assumo aqui uma defesa incisiva da autonomia, pois não perco de vista a obra em projeto, mas está claro que a leitura deste roteiro vale "per se", e seria uma pena se ele recebesse apenas a atenção de potenciais diretores de um filme que o cineasta não pôde realizar antes de sua morte, em 1988. Se a regra for essa, melhor será que assumamos todos, privadamente, essa posição, vivendo o prazer e o desafio da tradução imagética de um texto complexo em suas sugestões. Quando digo desafio, não penso apenas na composição da experiência focalizada, a dos séculos 16 e 17, mas também no terreno da própria relação entre palavra e imagem, pois o cotejo não é de mão única; envolve reversibilidades que estão no centro das duas experiências, a do cinema e a da literatura.Há, no roteiro, um exemplo de tais transportes numa sequência protagonizada pelo jovem padre Abaré, figura da inocência curiosa e em constante movimento, ora com ares franciscanos perante a natureza, ora exibindo sua ingenuidade explosiva na lida com os índios, no que é sempre corrigido pelo grande mestre em política, o padre Manuel (figura inspirada em Manuel da Nóbrega). Na sequência que interessa, Abaré caminha pelo mato, empenhado nos "Exercícios de Perfeição" jesuíticos. Primeiro, temos a sua leitura em voz alta de uma passagem dos "Exercícios": "Os lábios não devem estar contraídos nem em demasia abertura. Evite-se o franzir da testa ou do nariz, pois cumpre que se leia no rosto, espelho da alma, a serenidade interior". Em seguida, o roteiro indica: "Enquanto lê, vai corrigindo a expressão do rosto, até atingir uma máscara de profundo vazio".A ironia que aí se desenha tem nuances claras para o leitor do roteiro que estaria, nesta altura, habituado à personagem e ciente de que a tônica de Joaquim Pedro de Andrade não seria a de tomar o jovem -fonte de comédia, mas personagem simpático- como instrumento para uma caricatura dirigida ao aspecto conceitual dessa experiência, mas jogar justamente com a ambiguidade entre o que é pessoal (de Abaré) e o que é da doutrina do "espelho da alma", hoje um clichê incorporado ao senso comum do próprio cinema, terreno onde, enfim, restaria produzir visualmente o senso de vazio que o texto enuncia.Em outra sequência -nomeada "Atolando o Pé em Carne"-, a montagem remete a uma passagem específica de "Casa-Grande e Senzala": "O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne". Gilberto Freyre aí condensa a imagem da "intoxicação sexual" dos primeiros tempos da Colônia, com ênfase para o drama dos jesuítas, assunto que o roteiro transforma ironicamente em "leitmotiv".É em torno da experiência da catequese que o filme acentua os dados contraditórios da empreitada colonial com maior força, pela própria natureza desse pólo de regramento em nada imune à corrupção e às intrigas do poder que muitas vezes o nivelam a tudo o mais. O toque efetivo de candura, isolado na empreitada, vem das palavras de Caminha ouvidas na sequência de abertura do roteiro, não por acaso nomeada "Terreal Paraíso". Mas sua descrição amigável dos nativos é sugestão poética do primeiro encontro, logo rebaixada por um comentário de nobre português em que "paraíso" se resume à promessa contida no corpo das índias. Com esse gesto redutor, o comerciante planeja a empreitada e deslancha a narrativa, de resto povoada de europeus malandros, cuja vocação é articular sexo, posses materiais e jogo do poder. Em tal arranjo, o pólo visto como o mais saudável é o primeiro, modo de isentar a libido desregrada de conotações negativas (em contraste com o olhar de Paulo Prado). Na prosa de Joaquim Pedro de Andrade, o sexo mostra, de preferência, sua dimensão de festa, tanto quanto os esforços de contenção quase sempre motivam o riso, mas a comédia corrosiva se reserva à guerra conjugal da casa-grande, feita de machismo e ressentimento feminino, de prevaricações condenadas no púlpito, porém usadas como moeda de troca no jogo político.A encenação da vida cotidiana incorpora a erudição de Gilberto Freyre e o que este acentua como traços gerais da vida em família e das relações interpessoais na colônia. Mas o roteiro não é uma adaptação do livro. Além da distância formal entre ensaio e narrativa, há também o leque de referências extraídas de outros historiadores, pois a pesquisa intensa é um dado sempre lembrado pelos que acompanharam o cineasta na fatura, em especial Ana Maria Galano, autora, com Lula Buarque, do diário de trabalho que acompanha o roteiro.O diálogo com Freyre, embora central, se ajustou a outros enfoques. O cineasta trata os senhores com mais sarcasmo e descarta os atenuantes trazidos pela moldura de uma teleologia da civilização luso-tropical e sua valoração retrospectiva do patriarcalismo. Se o ensaísta o inspirou na organização dos motivos da vida colonial, ligados à forma peculiar com que se deu aqui o confronto de culturas, sob o domínio europeu, o que interessa a Joaquim Pedro de Andrade é menos o elogio à miscigenação ou à sagacidade de qualquer dos grupos em confronto do que a descrição de situações de fato que recebem um comentário lacônico, valendo um "assim se deu" que mescla vários tons de representação.A sua atenção aos grandes conflitos de classe e etnia -batalhas entre índios e portugueses, o ataque ao quilombo dos Palmares- desenha um império da violência que insere os dados de permanência -esses que marcam a "diferença brasileira" na empresa colonial-, numa perspectiva disposta a sublinhar, mais do que tudo, os limites da convivência tolerável e da mistura dos códigos na casa-grande ou nos aldeamentos. Perspectiva disposta a salientar a mão pesada dos poderes, a "ratio" mercantil dos senhores, as "razões de Estado" dos jesuítas.
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