A linha divisória de 1750, 81 Entre o Uruguai e o Iguaçu, 81 Estudo do artigo 5o do Tratado, 82 O Pepiri já era o limite do Brasil desde o século XVII, 83 As Sete Missões Orientais, 85 O mapa manuscrito duplicado de 1749 feito em Lisboa, chamado “Mapa das Cortes”, as três cópias feitas em Lisboa em 1751 e as três de Madri. Declarações escritas pelos plenipotenciários nos dois mapas primitivos e nas seis cópias, 86 VInstruções gerais aos comissários demarcadores, assinadas em Madri a 17 de janeiro de 1751, 97 Os comissários principais, 100 Oposição ao tratado, 101 Revolta dos guaranis e guerra de Misiones, 101 Comissão Mista que fez a demarcação em 1759 e 1760, 102 Uma invenção de 1789. Transformações por que passou, 103 A invenção de 1789 destruída com a apresentação da instrução particular de 27 de julho de 1758, agora encontrada em Simancas, 105 Nunca existiu um dos dois documentos citados em apoio da pretensão argentina, 110 A demarcação de 1759. Subindo o Uruguai em busca do Pepiri, 111 Rio Mbororé, limite da ocupação espanhola, 111 Rio Itacaraí, ponto extremo das viagens fluviais dos guaranis de missões em 1759, 112 Antigo posto para observar os movimentos dos brasileiros de São Paulo, 112 O guia Arirapi. A viagem que antes fizera ao Pepiri, 112 Jaboti-Guaçu ou Pepirí-Miní, 113 Salto Grande do Uruguai, 113 Rio Pepiri ou Pequiri, 113 Dúvidas do comissário espanhol. Viagem Uruguai acima para verificar a posição do Apiterebi e do Uruguai-Pitã, 114 Rios Apiterebi e Uruguai-Pitã (segundo rio que teve este nome), 114 Mapa da Comissão Mista brasileiro-argentina.ntina. Dois erros históricos a corrigir.Sinais da antiga dominação brasileira, 117 Pequeno Salto da Fortaleza, 117 Conferência de 7 de março de 1759. Exposição feita pelo primeiro comissário espanhol. Todos concordam em que o rio indicado pelo guia é o Pepiri do Tratado. Voltam para a foz do Pepiri, 117 Termo de identificação do Pepiri (8 de março de 1759), 119 Inscrição: – “R. F. Ano de 1759”, 121 Latitude da foz do Pepiri, 122 A longitude não pôde ser determinada em 1759. Determinação de 1788, de 1887 e de 1889, 122 Reconhecimento do curso do Pepiri em 1759 pelos geógrafos de Portugal e Espanha, 123 Afluente Pepirí-Miní, 123 Regressam os geógrafos não tendo podido chegar à cabeceira principal, 124 Seção do Pepiri que foi explorada, 124 Seção que não foi explorada, 125 Resolvem os comissários descer o Uruguai, de acordo com o artigo 6oda instrução particular, 125 Viagem para o Paraná, 126 Chegada ao Iguaçu, 127 Salto Grande do Iguaçu, 127 Descobrimento do rio Santo Antônio, 128 Resolve-se explorar o Santo Antônio, 128 Reconhecimento do Santo Antônio, 129 Afluente Santo Antônio Mirim, 129 Suposta nascente do Pepiri, 129 Nascente do Santo Antônio, 130
Declaração assinada pelos comissários (3 de janeiro de 1760), 130 Informação do comissário principal da Espanha, 131 Mapa de 1760, assinado no dia 8 de abril em São Nicolau de Missões, 132 O mapa de 1760 é documento da maior importância porque já apresenta o Pepiri com o nome de Pepiri-Guaçu, 132 Os adjetivos guaçu e mirim ou miní, 132Mapas em que o Pepiri demarcado em 1759 figura com o nome de Pepiri-Guaçu, e mapas em que figura com o de Piquiri. [sem p]
RAS DO BARÃO DO RIO BRANCO58e continua, na direção sul, pelo curso deste último rio, até a sua foz na margem direita do Uruguai, e depois por este, águas abaixo, até a embocadura do Quaraí.Essa linha de limites compõe-se, assim, de três seções perfeitamente distintas: a do Iguaçu, a do Uruguai, e a que liga essas duas, formando a fronteira do território intermédio.O governo brasileiro e o argentino estão concordes quanto às duas fronteiras do Iguaçu e do Uruguai, mas discordam quanto à determinação dos dois rios que, afluindo para aqueles em direções divergentes, devem constituir definitivamente a fronteira internacional do território intermédio.O Brasil sustenta que essa fronteira deve ser formada pelo Pepiri-Guaçu e pelo Santo Antônio.A República Argentina reclama para limites, desde 1881, dois rios mais orientais. Até 1888 eram o Chapecó e o Chopim. Nessa data transferiu a sua pretensão do Chopim para o Jangada.O território contestado ficou tendo assim os seguintes limites: ao norte, o Iguaçu; ao sul, o Uruguai; a oeste, o Santo Antônio e o Pepiri-Guaçu; e a leste, o Jangada e o Chapecó. O governo argentino dá ao Chapecó o nome de Pequirí-Guazú e ao Jangada, o de San Antonio Guazú.2Esse território forma a maior parte da comarca de Palmas, nos estados do Paraná e de Santa Catarina, nos Estados Unidos do Brasil, e confina a oeste com o território argentino de Misiones*, e ao sul com o estado brasileiro do Rio Grande do Sul.A área contestada é de mais de 30.621 quilômetros quadrados, ou 11.823 milhas, ou 1.313,6 léguas inglesas quadradas, o que 2 Os nomes Pepiri e Pequiri escrevem-se indiferentemente, terminando por – y – ou por – i –.Guaçu, na língua dos índios chamados guaranis e tupis, significa – grande – e mirim ou mirin, – pequeno. Os portugueses escreviam – guaçu – ou – guassu. Os brasileiros adotaram a grafia – guaçu.Os espanhóis, e seus descendentes argentinos, escrevem – guazú. O adjetivo – mirim – ou – mirin, – assim escrito pelos portugueses e espanhóis desde os primeiros tempos da conquista até o século passado, foi afinal transformado pelos espanhóis, argentinos e paraguaios em – minín – e – miní.Santo Antonio, em português, e San Antonio em espanhol, são um e o mesmo nome. * A partir de 1953, tornou-se a Província de Misiones. (N.E.) [p. 58]
deixar lugar a dúvidas e contestações. O quarto dos pontos de deflexão ficava do mesmo modo bem assinalado pela foz do Iguaçu.Com o Pepiri dava-se mais a circunstância de desembocar esse rio não só mui perto do Salto Grande, mas também na paragem em que o Uruguai, vindo desde as suas nascentes com o rumo de oeste, volta rapidamente dirigindo-se para o sul. Desde que, subindo por esse rio, a linha divisória se dirigia para o norte em busca do curso do Paraná, a escolha de afluentes que tornassem mais rápida a ligação das duas grandes fronteiras fluviais estava naturalmente indicada. Seguir além do Salto Grande e do Pepiri, continuando a subir o curso do Uruguai seria mudar inteiramente de rumo na direção do leste, como querem hoje os argentinos, e desviar-se, portanto, cada vez mais do objetivo que era o norte e o Paraná.
Acresce que em despacho de 8 de fevereiro de 1749, dirigido ao embaixador em Madri, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Marco Antônio de Azeredo Coutinho, explicou com toda a clareza, e nos seguintes termos, a proposta do Pepiri ou Pequiri para limite:
Se houver escrúpulo sobre o nome do rio Pequiri, por onde o plano (o projeto de Tratado) encaminha a fronteira para chegar ao Iguaçu, poderá dizer-se, que fique pelo rio que desaguando no Uruguai formar com o curso do mesmo Uruguai a linha mais chegada ao rumo do norte, e que desde as cabeceiras do tal rio se busquem as do mais próximo que desaguar para o Iguaçu, e que por ele se estabeleça o confim.21
No Tratado de 1750, o Pepiri ou Pequiri, – desde 1760 Pepiri, Pequiri, ou Pepiri-Guaçu – era assim designado: Pepirí ou Pequirí e depois, duas vezes, Pepirí, no artigo 5o; rio Pepirí, no 14; e Pequirí no 16.No artigo 14 lê-se que o rei da Espanha também cede todas e quaisquer povoações e estabelecime [p. 83]
reconhecimento e demarcação entre o Uruguai e o Iguaçu, e, assim, os seus trabalhos são os únicos que importa examinar.O governo português nomeou seu comissário principal, ou primeiro comissário, na divisão sul, o general Gomes Freire de Andrada, depois conde de Bobadela, e o espanhol o marquês de Valdelírios.Já então era grande a oposição que encontrava o tratado de limites.Os jesuítas do Paraguai dirigiam representações ao rei da Espanha e ao vice-rei do Peru, reclamando contra a cessão das Sete Missões ao Oriente do Uruguai, e pedindo ao rei que reconsiderasse o seu ato. Esses documentos, como hoje se sabe, foram redigidos pelo padre Pedro Lozano. Nos arquivos da Espanha encontram-se outras representações, dos padres Joseph Quiroga, Luís Altamirano e Carlos Gervasoni, do bispo de Tucumán e dos governadores desta província e da do Paraguai. Por outro lado, os jesuítas em Portugal, cumprindo as ordens recebidas do prefeito geral em Roma, empregavam toda a sua influência na corte de Lisboa para obter de dom José I, que sucedera em 31 de julho de 1750 a dom João V, a anulação do tratado de limites. Também os negociantes portugueses e ingleses, interessados no comércio da Colônia do Sacramento, levantavam grandes clamores contra a ajustada entrega desse porto e cidade aos espanhóis, e o general Vasconcelos, que defendera vitoriosamente a mesma praça durante o assédio de 1735 a 1737, tentava demonstrar, em um parecer, que o tratado muito prejudicava os interesses de Portugal e punha em perigo a segurança dos seus domínios na América. Foi sob esses maus auspícios, irritada nos dois países a opinião pública contra o tratado, que se procurou dar começo à sua execução, tornando efetiva a entrega dos territórios cedidos e o levantamento e demarcação das fronteiras. Os demarcadores prosseguiram lentamente em seus trabalhos desde Castilhos Grandes até Santa Tecla nas cabeceiras do rio Negro e do Ibicuí. Chegados a esse ponto, foram obrigados a retroceder porque lhes saiu ao encontro um troço de guaranis das missões (1754), intimando-lhes a retirada e declarando que “não havia direito para tirarem-lhes aquelas terras, que Deus e São Miguel lhes tinham dado”. [p. 101]
Pouco depois atacavam outros guaranis o forte português do rio Pardo. Desde o século XVII tinham os jesuítas armado e disciplinado militarmente os seus índios para resistir aos ataques dos paulistas. Naquele momento, e no auge do seu poder, julgaram poder opor-se com vantagem às decisões das duas coroas de Portugal e Espanha. Já em 1748 o superior das missões, em carta arrogante, dizia: “Não tememos exércitos estrangeiros. Nada de fora nos pode perturbar”.
Esgotados todos os meios de persuasão, marchou contra as missões do Uruguai um pequeno exército composto de tropas do Brasil e de Buenos Aires sob o comando dos generais Gomes Freire de Andrada e Joseph Andonaegui. A 10 de fevereiro de 1756 os guaranis foram completamente vencidos na batalha de Caá-ibaté, perto das nascentes do Cacequi e as tropas aliadas puderam, quase sem mais resistência, ocupar as Sete Missões Orientais.
Estes acontecimentos retardaram a demarcação e por isso só em 1759 pôde a segunda partida começar os seus trabalhos. Compunha-se ela, por parte de Portugal, do coronel de engenheiros (depois general) José Fernandes Pinto Alpoim, primeiro comissário; capitão Antônio da Veiga d’Andrada, segundo comissário e astrônomo; alferes Manuel Pacheco de Cristo, geógrafo; e mais 109 homens.
Por parte da Espanha, de dom Francisco de Arguedas, do conselho do rei; primeiro tenente da armada real (depois chefe de esquadra) dom Francisco Millau y Maraval, segundo comissário e geógrafo; o primeiro tenente, também da armada, dom Juan Norberto Marrón, astrônomo; e mais 111 homens. A Missão Especial do Brasil pode apresentar o Diário original escrito e assinado pelos três comissários portugueses e cópia autêntica do Diário espanhol.49 [p. 102]
Os defensores da pretensão argentina têm dito constantemente que nas instruções dadas aos comissários o rio Pepiri era designado com estes sinais:“Rio caudaloso, com uma ilha frondosa em frente da sua boca, um grande recife dentro da sua barra e estar esta águas acima do Uruguai-Pitã.” No memorandum de 30 de janeiro de 1883, do ministro das Relações Exteriores da República Argentina, doutor Victorino de la Plaza, repetindo uma invenção de 13 de novembro de 1789, tinha dito:
O mapa manuscrito e expressamente levantado por ordem das cortes para servir de base ao tratado, situava o rio Pepiri ou Pequiri mais acima do Uruguai-Pitã, ou seja na parte oriental de sua foz. Sabe-se que o mencionado Pepiri ou Pequiri era um rio caudaloso, com uma ilha frondosa em frente de sua foz e um grande recife em frente de sua barra.
Na Memória apresentada em 1892 ao Congresso argentino, o ministro doutor Zeballos, aceitando uma informação inexata, escreveu o seguinte:As instruções dadas aos demarcadores, encarregados de traçar as linhas acordadas, descrevem o rio Pequiri nestes termos: ‘Rio caudaloso, com uma ilha frondosa em frente de sua foz, um grande recife em frente de sua barra, que se encontram águas acima do Uruguai-Pitã, afluente meridional do Uruguai’.50
Em 13 de novembro de 1789 (30 anos depois do primeiro reconhecimento do Pepiri), o comissário espanhol Alvear disse em ofício dirigido ao seu concorrente português Róscio, que o mapa de 1749 situava o Pepiri acima do Uruguai-Pitã e que em 1788 fora encontrado esse Pepiri “com os sinais que o caracterizassem como caudaloso, com uma grande ilha frondosa em frente de sua foz, e um grande recife dentro de sua barra.”51
Alvear não falava em instruções: limitava-se a aplicar ao antigo Pepiri do Tratado de 1750 os sinais característicos do rio descoberto em 1788, insinuando artificiosamente que em 1759 o Pepiri era conhecido por esses sinais.Semelhante invenção bastou, entretanto, para que dois outros comissários espanhóis, Jurado e Requena, dissessem o seguinte, em 1800, na sua Memoria Historica de las Demarcaciones de Limites:Os caracteres com que dita instrução e o mapa relacionado com ela, elaborado com acordo igual, se assinalou o Pepiri-Guaçu, foram: rio caudaloso, com uma ilha frondosa em frente de sua foz; um grande recife em frente de sua barra e estar esta águas acima do Uruguai-Pitã.Outra Memória espanhola, escrita em 1805, inspirando-se na invenção de 1789, e no acrescentamento de 1800 disse:Rio caudaloso, com uma ilha frondosa em frente de sua foz; um grande recife dentro de sua barra e achar-se esta águas acima do Uruguai-Pitã.Posteriormente Oyárvide, em Memória escrita no começo deste século* e Cabrer em outra terminada em Buenos Aires no ano de 1835, reproduziram a invenção de Alvear, mas não se animaram a repetir o suposto trecho das instruções de 1751 e 1758, redigido em 1800 e 1805.A Memória de 1892 do Ministério das Relações Exteriores da República Argentina, fundando-se sem dúvida em citação fantasiada por algum dos muitos escritores que na imprensa têm discutido esta questão, apresenta redação diferente das duas de 1800 e 1805; e é assim que a invenção de 1789, passando por sucessivos acréscimos e transformações, chega à presença do árbitro na forma final em 51 “Dentro de su barra”, segundo a cópia autêntica que a Missão Especial do Brasil possui, do que era impossível, e teve descuid
49 “Diario / da / Segunda Partida da / Deuizão da América / feita pelo coronel de artelharia / Jozè Fernandes Pinto / Alpuym.” Este comissário assinava sempre – [p. 103, 104]
Diz o Diário dos demarcadores espanhóis:
Dia cinco (5 de março, 1759). Levou a vanguarda a partida espanhola, e seguimos a mesma costa ocidental68 em que nos achávamos. E voltando a SSE, a que corre o rio, em cuja direção ficam dois pequenos recifes imediatos um ao outro, deixamos dois jorros de água que caiam precipitados por entre penhas, os quais julgamos serem da chuva forte, que havia caído a noite antecedente. Não deram curta fadiga as muitas pedras, e pouca água que tinha o rio que volta a ESE, e nesta direção tem recife, que termina em uma pequena ilha de pedra, e sarandis,69encostada à margem setentrional, a qual se cobre com as crescentes, e detrás desta na distância de dois terços de légua do Itaioá, está a boca de um rio que só se pode ver depois de montada a ponta da da ilha, o qual disse o guia era o Pepiri que buscávamos.70 Os comissários o fizeram vir a sua presença e juntos os mais oficiais das duas nações se lhe perguntou que rio era aquele. Respondeu de novo que o Pepiri; e que com este nome o havia conhecido na viagem que alguns anos atrás fez com os do seu povo, ao lugar que chamavam a Espia.
Neste tempo trazia o dito rio tão pouca água que mostrava dar muito curta navegação; e sabendo-se por outras notícias que o Pepiri tinha um recife perto de sua boca, foram os comissários, e o astrônomo de Portugal reconhecê-lo, e se achou a meia légua dela. Apesar disso, vendo que não se havia chegado à latitude em que o Mapa das Cortes situa o Pepiri, e que tão pouco se conformava a posição daquele em que nos achávamos, que estava antes do Uruguai-Pitã, que deságua pela banda oposta, quando naquele se figura depois. Para ratificar este mapa, e depois qualquer gênero de dúvida que, contra o testemunho do guia, podia suscitar, o qual era só (ainda que também era ele o único não só entre os presentes, mas também entre todos os povos de Missões, que o pudesse dar por não haver ficado outro índio que houvesse navegado acima do salto), e que podia não se lembrar corretamente por haver passado bastantes anos, depois que só o andou uma vez, resolveram os dois comissários ir no seguinte dia rio acima, e que se levantasse o mapa desta parte, para que a confrontação das notícias que dava de antemão dos rios Apiterebi e Uruguai-Pitã até onde dizia haver chegado, com a verdadeira situação deles nos assegurasse do seu conhecimento e prática.
No dia seguinte, os comissários, astrônomos e geógrafos subiram em canoas o Uruguai. A um quarto de légua (cerca de 1,65 km) do Pepiri viram na margem esquerda do Uruguai a boca de um arroio inominado, hoje arroio Pari. Continuando no rumo de NE, passaram pelos recifes que formam os rápidos agora chamados corredeira do Pari, e adiante, quando o rio apresenta uma volta que vem de leste e SE, transpuseram novos rápidos, conhecidos presentemente por corredeira dos Macacos Brancos. Aí, perto de uma ilha de pedras, viram na margem direita a foz do rio “a que o guia chamou de Apiterebi”, distante uma légua e um quarto (cerca de 8,25 km) do Pepiri. Prosseguindo com o rumo de SSE e depois de E, chegaram a uma curva do rio que vinha de NE, e então encontraram outros rápidos, designados atualmente por Corredeira do Guarita.
Diz em seguida o Diário:
Segue o rio sua volta a NE, e NE um quarto N, e no princípio desta direção à distância de perto de 20 léguas e do Pepiri, entra pela banda oriental um rio tão grande que disse o guia era o Uruguai-Pitã, fim do seu conhecimento.
Esta distância de 20 léguas (cerca de 15,4 km) entre a foz do Pepiri a oeste, e a do Uruguai-Pitã, a leste é tópico importante, pois vai aparecer nas instruções espanholas dadas posteriormente aos comissários incumbidos de fazer a demarcação dos limites de acordo com o Tratado de 1777. A expedição entrou no Uruguai-Pitã: Entramos por ele um pedaço para ver se a cor de suas águas combinava com seu nome, que quer dizer Uruguai vermelho, e se achou que tiravam alguma coisa a essa cor. A largura dele, que se mediu a muito pouca distância de sua boca é de 49 toesas e 4 pés (cerca de 90,4 m), e seu fundo de 6,11, 12, 14 e 16 pés de rei (entre 1,95 m e 5,2 m), e navegando perto de meia légua, conserva o fundo de 12 (3,9 [p. 114]
Não distante deste segundo recife, se achou encostado à ribanceira um pilão velho de madeira, que pelo seu feitio conheceram os paulistas ser de seus compatriotas, que o deixariam em algumas de suas viagens e incursões que faziam aos índios por esta parte, onde se viu também um pequeno roçado de muitos anos, que se atribuíam aos mesmos. As margens e o fundo do rio são de pedra na maior parte, com ribanceira alta, e colina de um a outro lado, menos elevada que as medições do salto, e sempre coberta de árvores.No dia 7 de março os comissários continuaram a subir o Uruguai, passando por uma ilha de pedras (ilha da Fortaleza) e chegaram até o pequeno salto de 2 metros de altura (6 pés ingleses) conhecido por Salto da Fortaleza.74 Daí regressaram para o Pepiri, como se vê no seguinte trecho do Diário espanhol: Dia sete (7 de março, 1759). Continuamos para diante, seguindo o rumo de ENE, em que a queda da lomba entra pela mesma banda setentrional um arroio, e voltando o rio a SE ¼ E, e nesta direção, a pouco mais de meia légua (cerca de 3,3 km) se encontra uma ilha pequena, e alta de pedra,75 passada a qual se viu um grande salto, que fizemos juízo tivesse uma toesa (cerca de 1,82 m) de altura, formando degraus por onde se despenhava impetuosamente, a água embaraçava passar adiante.76 Paramos defronte da ilha, e se enviou uma canoa pequena para de mais perto examinar o salto, com ordem de que se por algum lado o pudesse passar, continuasse navegando até dar volta a uma ponta que se divisava adiante, e se examinasse se pela margem ocidental entrava algum rio, que se conformasse melhor com o “Mapa das Cortes”. Acompanharam-na até o pé do salto alguns oficiais que disseram ser preciso para poder seguir a navegação fazer uma manobra de arrastar canoas, semelhante à que se havia feito no Salto Grande, nem a gente da pequena canoa, que andou por terra um trecho, achou rio algum. [p. 117]
74 Quadro F 3 no mapa no 25 A (da Comissão Mista); quadro G 11 no mapa no 29 A (da Missão Especial do Brasil). 75 Ilha da Fortaleza. 76 Salto da Fortaleza.68 Margem direita do Uruguai. 69 Sarandi, arbusto cujo nome científico é Phyllanthus Sellowianus. A espécie foi descrita por M. Mueller (d’Argovie), autor da Monographie des Euphorbiacées (
À vista deste estorvo, e não dando os vários arroios pequenos, que tão repetidos entravam por aquela banda, esperança de que houvesse um rio tão grande, chamaram os comissários, astrônomos e geógrafos das duas nações, e juntos todos77, propôs o de sua majestade católica os motivos que havia tido para não ser o Pepiri o que havia dito o guia; não só por não acomodar-se sua latitude e posição com a que lhe dá o citado mapa, como porque depois de tantos anos podia aquele estar esquecido do terreno e rios. Expostas assim as razões, que depois de feito o exame lhe fizeram avançar a dúvida, as quais estribavam na asseveração do dito guia, que no mês de novembro de 1757 lhe haviam dito, e assegurado no povoado de São Xavier, que não só havia estado no Pepiri (ao qual se chegaria no mesmo dia que se saísse do Salto Grande do Uruguai, o que também havia repetido várias vezes no curso da viagem), senão que havia passado mais adiante, e assegurando agora que só havia chegado ao Uruguai-Pitã, se convencia que ficava atrás o rio que ele havia conhecido com o nome de Pepiri, nem podia ser outro que o que havia sido designado, porque este era o único a que se podia chegar no mesmo dia que se saísse do salto; e como por outra parte as notícias que deu dos outros dois rios Apiterebi e Uruguai-Pitã, que conhecia se achavam conformes a sua verdadeira situação, se viu que lhe não haviam dormido as espécies; fora disto, a sua verdade se achava comprovada com os outros mapas impressos, e com alguns manuscritos feitos pelos índios, nos tempos que navegavam por esta parte78 nos quais põem o Uruguai-Pitã depois do Pepiri, perto de cuja boca se havia achado o recife, que por notícia se sabia tinha este, e concluiu dizendo: que senão obstante estas razões ficava algum receio ou dúvida, ou ocorria a alguém outra diligência que pudesse dar, se era possível, mais segurança na determinação do rio, a propusesse, pois estávamos no tempo de poder executá-la. 77 Esta conferência de 7 de março de 1759 teve lugar junto ao Salto Pequen
77 Esta conferência de 7 de março de 1759 teve lugar junto ao Salto Pequeno ou Saltinho da Fortaleza. 78 A Memória de 1892 do Ministério das Relações Exteriores da República Argentina parece atribuir ao conselheiro Paranhos (visconde do Rio Branco) a primeira citação desses mapas impressos e manuscritos que dão o Uruguai-Pitã acima do Pepiri. É verdade que isso se lê no Memorando de 1857 (texto português, IV vol.; tradução inglesa, III vol.), mas quem primeiro afirmou o fato foi o comissário espanhol Arguedas na conferência de 7 de março de 1759. E nesta exposição há de ficar provado que Arguedas disse a verdade, pois todos os mapas impressos anteriores ao dos plenipotenciários de 1749 dão a foz do primeiro Pepiri, no Uruguai, abaixo da do primeiro Uruguai-Pitã.[p. 118]
Convieram todos em que não havia dúvida de que era aquele o Pepiri, o qual sempre era rio considerável, ainda que neste tempo lhe víssemos poucas águas, as quais igualmente se viam no mesmo Uruguai, e com este acordo se resolveu voltar ao mesmo acampamento, onde chegamos às quatro horas e meia de navegação para baixo, havendo passado não sem risco, porém sem desgraça, os recifes, pelo meio de seus canais, nos quais com algum vento pela proa, se levantavam furiosas ondas, que metendo repetidos golpes de água nas canoas, nos molharam a todos; e acabado de chegar, caiu uma forte chuva, que durou até perto da noite. Em seguida, e com a data de 8 de março de 1759, vem o termo do reconhecimento e identificação do rio Pepiri ou Pequiri. O Diário espanhol, vertido para o português, começa assim no dia 8: “Certificados todos de que o rio em cuja boca estávamos era o Pepiri, se fez e se firmou o seguinte ato de reconhecimento”.Eis esse documento reproduzido segundo os dois originais, português e espanhol:Todos concordam em que rio indicado pelo guia é o Pepiri do Tratado.Termo de identificação do Pepiri.
TEXTO EM PORTUGUÊS
“Os comissários da segunda partida de demarcação JoséFernandes Pinto Alpoim por sua majestade fidelíssima, e dom Francisco Arguedas por sua majestade católica, ouvido o parecer unânime dos astrônomos, geógrafos, e oficiais das duas nações, os quais em virtude das razões expostas na junta antecedente, e da afirmação do índio guia Francisco Xavier Arirapí, sargento da sua povoação de São Xavier, cujo conhecimento, e notícia destes rios se comprovou com a conformidade que se achou entre as que deles dava, e sua verdadeira situação, disseram lhe não ficava a menor dúvida, de que era o Pepirí o rio que o dito guia assinava e em cuja boca estavam acampadas as partidas; e assim declaramos que reconhecemos este pelo rio Pepiri determinado no artigo 5o do tratado de limites, por fronteira dos domínios de suas majestades fidelíssima e católica; em consequência do que a demarcação começada na povoação de São Xavier, e seguida águas acima do Uruguai até a boca deste, deve continuar por ele seguindo o seu curso até as suas cabeceiras, sem embargo de se não achar a sua efetiva posição conforme a que se dá no mapa de demarcação dado pelas duas cortes, não devendo, conforme a declaração assinada nas costas dele pelos excelentíssimos senhores plenipotenciários Thomás da Silva Teles, visconde de Ponte de Lima, dom Joseph de Carvajal e Lancastre, atender-se ao dito mapa senão enquanto este se acha conforme ao tratado; e para que em todo o tempo conste este ato de reconhecimento, e termo da divisão de limites fizemos a presente declaração, firmada por todos os abaixo-assinados.
Boca do rio Pepiri, 8 de março de 1759.José Fernandes Pinto AlpoimAntônio da Veiga d’AndradaManoel Pacheco de Christo”
TEXTO EM ESPANHOL
“Los comisarios de la segunda partida de demarcacion don Francisco Arguedas por s. m. c. y Joseph Fernandez Pinto Alpoym por s. m. f. oído el parecer unanime de los astronomos, geographos y oficiales de las dos naciones, quienes (en fuerza de las razones expuestas en la junta antecedente, y de la aserción del indio vaqueano Francisco Xavier Arirapí, sargento de su pueblo de San Xavier, cuyo conocimiento, y noticia de estos ríos se comprobó con la conformidad que se hallo entre las que de ellos daba, y su verdadera situacion) dijeron no les quedaba la menor dudade que era el Pepiri el rio, que dicho vaqueano designaba, y en cuya boca estaban acampadas las partidas, declaramos, que reconocemos este por el rio Pepirí determinado en el artículo 5o del tratado de limites por frontera de los dominios de sus majestadas catholica y fidelísima y en su consecuencia, que la demarcación empezada en el pueblo de San Xavier, y seguida aguas arriba del Uruguay hasta la boca de este debe continuar siguiendo su curso hazia sus cabezeras, sin embargo de no hallarse su efectiva posicion conforme á la que le dá el mapa de la demarcacion dada por las dos cortes, no debiendo, segun la declaracion signada en el reverso de el por los exmos. sres. plenipotenciarios don Joseph de Carvajal y Lancaster, y Vizconde don Thomas da Sylva Teles, attenderse á dicho mapa sino en cuanto este se halle conforme al tratado, y para que en todo tiempo conste este acto de reconocimiento, y lindero de la division de términos, hicimos la presente declaracion firmada por todos los infrascritos.Boca del rio Pepiri, y Marzo 8 de 1759.Francisco Arguedas.Francisco Millau.Juan Marrón.”79[p. 120]
Depois continua o Diário espanhol:
O rio Pepiri, ainda que mais comumente se devia chamar Pequiri, cujo nome significa rio de Piabas (peixes pequeninos), pelas que nele se acham, lhe conservaremos o primeiro nome de Pepiri por ter a pronunciação mais suave, e para o contradistinguir de outro Pequiri, que pela banda oriental deságua no Paraná, acima do seu Salto Grande;80 sendo aquele o primeiro rio notável, ou que se possa chamar caudaloso, que igualmente entra no Uruguai pela margem setentrional, acima do Salto Grande deste, convindo a demarcação que por ela se faz, com a que fez o terceiro grupo pelo rio Gatimim, em que a ambas serviu de lindeiro o primeiro rio caudaloso, que acima dos seus saltos deságua no Paraná e Uruguai;
e ainda que este do qual o Pepiri só dista pouco mais de uma légua (cerca de 6,6 km), seja uma marca natural das mais visíveis e duradouras para reconhecer em todo o tempo este rio, como também o é, quando o Uruguai está baixo, a ilha imediata a sua boca,contudo por ser um ponto dos mais principais da nossa divisão, se parou nela para fazer algumas observações de longitude e de latitude, com que poder com mais precisão e segurança determinar sua posição, e numa ponta que a margem oriental do Pepiri forma com a setentrional do Uruguai, em que deságua, e pertence, segundo a demarcação, ao domínio de Portugal, se cortaram árvores, deixando no meio uma só, com 13 pés de altura (cerca de 3,96 m), em que se pôs uma Cruz, e em seus braços se gravou essa nota R. F. (rei fidelíssimo, título do rei de Portugal), Ano de 1759. No Diário português as últimas linhas do trecho acima dizem assim:... e em uma ponta que a margem oriental do Pepirí forma com a setentrional, se fez um desmonte de árvores, deixando no meio, só uma de 13 pés de alto, na qual se pôs uma Cruz, e nos seus braços se gravarão estas letras – R. F. (rei fidelíssimo) Ano de 1759.80 A posição do outro Pequiri, afluen [p. 121]
A linha divisória não passava por este rio e, assim, a sua posição no mapa não era ponto de importância ou interesse. E as instruções dadas aos comissários em 1758 não diziam, como se inventou em 1789, que o Pepiri devia ser procurado águas acima do Uruguai-Pitã.
Já se provou em outro lugar (pp.141 e 142), e citando a estampa no 27 (vol. V desta exposição), que o Salto Grande está representado no “Mapa das Cortes” logo abaixo da foz do Pepiri. O cartógrafo português de 1749 deixou de escrever a palavra – Salto, – mas pôs o sinal distintivo das cataratas, segundo a convenção em uso naquele tempo. Em 1759, – e parece que desde 1750, – já os jesuítas das missões davam também o nome de Pepiri ao primeiro rio acima do salto, sem dúvida porque preferiam para limite o Pequiri o Pepiri brasileiro, mais oriental, ao seu antigo Pepiri abaixo do salto.
Até 1749, como se vê em um mapa dessa data, do padre Joseph Quiroga,129 eles chamavam Apiterebi ao primeiro rio acima do salto, porque ainda então – como na descrição de Lozano (1745) – o rio a que aplicavam o nome de Pepiri era o que na demarcação de 1759 apareceu com o de Mandií-Guaçu e hoje tem o de Soberbio, no território argentino de Misiones.130
Todos os antigos nomes de afluentes da margem esquerda do Uruguai que se encontram nos mapas dos jesuítas e na descrição de Lozano estavam mudados quando os comissários fizeram em 1759 a viagem de São Xavier em busca do Pepiri. Já não existiam abaixo do Salto Grande os nomes de Yaguarape, Ñucorá, São João, Iriboba e Uruguai-Pitã (“Uruguai-Vermelho”).131
No 9 ( vol. V): “Mapa de las Misiones de la Compañia de Jesus en / los ríos Paraná y Uruguay conforme à las mas modernas observaciones de Latitud y Longitud; hechas en los pueblos de dichas Misiones, y à las relaciones anti- / guas y modernas de los padres Misioneros de ambos ríos. Por el padre Joseph Quiroga de la misma Compañia de Jesus en la Provincia de el Paraguay / Ano 1749. / Ferdinandus Franceschelli sculp. Romæ 1753.”
Este mapa é muito inferior aos anteriores dos jesuítas. Só é interessante por mostrar que naquela data ainda os jesuítas conheciam por Apiterebi o Pepiri ou Pequiri dos paulistas. Tendo sido gravado em 1753, acrescentaram-lhe então a linha divisória, como no Tratado de 1750, passando pelo primeiro rio acima do Salto do Uruguai. 130 Mapa no 29 A, quadro F 9. 131 As antigas denominações e as mudanças ocorridas depois constam do seguinte quadro:[p. 165]A este último coube na demarcação de 1759 o nome de Paricaí ou Piracaí. Em 1788, o geógrafo espanhol Oyárvide encontrava o mesmo rio com os nomes de Piray ou Cebollatí.132 Hoje é conhecido por Turvo.133Em um mapa espanhol manuscrito, que deve ter sido feito no rio da Prata antes de 1760 e foi retocado em parte nesse, ano vê-se o antigo Uruguai-Pitã dos jesuítas ainda com o seu nome primitivo e tendo a foz entre as dos rios Ipané e Guanumbaca na margem oposta.134Dessas frequentes mudanças de nome fala o mesmo Oyárvide nos seguintes termos:... A palavra Toropi, do idioma guarani, significa couro de touro, e assim se presume que, por alguma circunstância da espécie substituiriam ao nome de Ibicuí o de Toropi, segundo vemos o propenso que são a essas mutações, não só estes índios, mas ainda os espanhóis povoadores por onde viajamos, variando com facilidade os nomes dos lugares e rios, segundo os acontecimentos que lhes fazem maior impressão ou novidade. Por isso é que lugares bem conhecidos dos mesmos guias chegam a estranhá-los se não se os designam com os nomes com que eles os distinguem, apesar de que sempre foram designados como se lhes perguntava.135 [p. 166]
Conseguintemente, os dois governos reconheciam então para o mesmo rio estes três nomes: Pequiri, Pepiri-Guaçu e Pepiri.A Memória de 1892 do Ministério das Relações Exteriores da República Argentina pretende que o Tratado, empregando o adjetivo guaçu (grande), quis designar rio diferente de Pepiri ou Pequiri de 1750. Diz a Memória:Compare-se o texto do Tratado de 1750 com o de 1777 e se notará, desde logo, que o primeiro dá como limite, ao leste, em Misiones, o rio Pequiri ou Pepiri; e como essa vaga denominação produzira as confusões dos comissários de 1759, o segundo pacto determinou o rio, qualificando-o por seu acidente primordial, de ser um grande rio e não uma pequena corrente ou arroio.Desta forma, o Tratado de 1777 resolve definitivamente o assunto, mudando o limite ao sistema dos rios grandes ou do leste, acima do Uruguai-Pitã.Esse sistema de rios orientais ainda não estava inventado quando foi redigido o Tratado de 1777. Não existia também então o terceiro Uruguai-Pitã a que a Memória se refere. O Tratado de 1777 não fala em rio desse nome. Em outro lugar (p. 132) já se explicou esta questão dos adjetivos guaçu (grande) e miní (pequeno), mostrando que pelo fato de ter sido dado em 1759 a um afluente do antigo Pepiri o nome de Pepirí-Miní, o rio principal ficou habilitado para ter no seu nome o acrescentamento de guaçu.
Ficou também demonstrado com o mapa anexo ao Diário dos primeiros demarcadores, que desde 1760 o antigo Pepiri ou Pequiri ficou sendo chamado Pepiri-Guaçu (p.132). Com este nome ele já figura nos mapas assinados em São Nicolau de Missões, no dia 8 de abril de 1760, pelos comissários da primeira demarcação. A prova de que o nome Pepiri-Guaçu pertence desde 1760 ao rio demarcado em 1759 está no citado mapa, que, com o Diário original, é submetido ao exame do árbitro.146
Com o mesmo nome de Pepiri-Guaçu, o antigo Pepiri ou Pequiri 146 Fac-símile colorido e nLdemarcado em 1759 figura nos seguintes mapas (além de outros manuscritos) anteriores ao Tratado de 1777:
1) América Meridional, de Silveira Peixoto, 1768, manuscrito;147
2) Parte da América Meridional, por Alexandre J. Montanha, 1773, manuscrito;148
3) América Meridional, de Olmedilla, 1775, gravado em Madri.Com o nome de Pequiri, nos dois seguintes mapas espanhóis:
4) Capitania Geral do Rio da Prata, por Francisco Millau, 1768, manuscrito;149
5) Território de Montevidéu e do Rio Grande, pelo mesmo F. Millau, 1770, manuscrito.150
O autor destes dois últimos mapas é o mesmo geógrafo espanhol que teve parte no reconhecimento de 1759. Ambos os mapas devem ser considerados oficiais, e o de 1770 traz até a declaração de que foi feito por ordem de Bucareli, capitão general das Províncias do Rio da Prata. A linha de limites nele proposta passa pelo Pequiri e pelo Santo Antônio demarcados em 1759.
O mapa de 1768, de Millau (no 15, vol. V), é também muito interessante porque mostra os limites da ocupação espanhola e portuguesa naquele tempo e os territórios habitados por índios selvagens.Em ambos os mapas, o Pequiri (Pepiri-Guaçu) e o Santo Antônio são os rios demarcados em 1759. O Uruguai-Pitã é o segundo rio desse nome, isto é, o atual Guarita, que foi visitado naquele ano pelos primeiros demarcadores.
Estes mapas de Millau, mantendo o nome Pequiri e o de Olmedilla, dando ao antigo Pepiri ou Pequiri o nome de Pepiri-Guaçu adotado nos mapas oficiais de 1760, explicam a dupla denominação que se lê no Tratado de 1777.
As duas autoridades, Olmedilla e Millau, são espanholas, e não podem ser recusadas pela República Argentina. O rio Pepiri-Guaçu ou Pequiri e o Santo Antônio nos mapas desses geógrafos oficiais são os de 1759, e, portanto, os rios de que cogitava o conde de Floridablanca ao redigir o artigo 8o do Tratado de 1777 eram esses mesmos de 1759, isto é, os dois que formam a fronteira atual do Brasil com a República Argentina. É anacronismo atribuir aos negociadores do Tratado de 1777 esse “sistema de rios orientais” só criado em 1789 pelos comissários espanhóis. A questão de nomes e adjetivos está explicada com os mapas oficiais espanhóis e com os exemplos já citados, e que poderiam ser multiplicados, de rios (e até arroios) que são qualificados guaçus porque têm por afluente um mirim ou miní.Outra prova gráfica, e espanhola, de que quando foi assinado o tratado se entendia por Pepiri-Guaçu e Santo Antônio os dois rios demarcados em 1759, está no mapa do Paraguai, de 1787, por dom Félix de Azara151. Neste o Pepiri-Guaçu brasileiro tem os seguintes nomes: O rio principal, “R. Pepiry” e “R. Pepiry-Guazú”; o maior afluente oriental, “R. Pequirí ó Pepiry-Mini.”Azara emprega, portanto os três nomes: Pepiri, Pequiri e Pepiri-Guaçu.Desses documentos cartográficos, todos sumamente importantes para o exame do litígio atual, o mais precioso é o mapa da América Meridional de dom Juan de la Cruz Cano y Olmedilla,152
147 Reprodução parcial com o no 15 A, vol. VI. Título: “Carta geographica / da / America Meridional / ... Por /Antonio Martins da Sylveira Peixoto...”. Datada em Vila Rica (hoje Ouro Preto), 1768. 148 Reprodução de uma parte deste mapa, no 16 A, no vol. VI. Título: “Mappa geographico / de hua parte da America Meridional desde o Tropico de Capricornio té a barra do Rio da Prata / ...”. Por Alexandre José Montanha, capitão Engenheiro. Ano de 1773. 149 O original guarda-se no Ministério de Estado em Madri. A Missão Especial do Brasil apresenta uma cópia autenticada; um fac-símile reduzido de todo o mapa, com o no 13 A (vol. VI); e um fac-símile da parte em que está compreendido o território hoje contestado. Esta reprodução parcial tem o no 15 no vol. V, e é representada com o colorido do original. Título: “Plano / de la capitania general / de las tres Provincias del / Rio de la Plata, Paraguay, Tucuman / del mando del Ex.mo Señor d.n Fran.CO Bucareli y Vrsva / ... año 1768. / ... Echo por el Teniente de Navio de la Real Armada d.n Francisco Millau y Maraval.”. 150 Cópia autenticada do original no Depósito Hidrográfico de Madri. Título: “MAPA / que comprehende el / Pays que se extiende por la Cos / ta de el Mar, entre la Ciudad de Montevideo y el Riogrande... Hecho de orden de el Ex.mo Señor d.n Francisco Bucareli y Ursua, siendo Capitan general de las Provincias de el Rio de la Plata, por el Teniente de Navio de la Real [p. 186]
até a sua confluência com o rio Uruguai, porque à distância de 20 léguas (aproximadamente 15,4 km), seguindo a margem oriental do rio Uruguai, se encontrará o lado oposto à foz do rio Pepiri. O rio Uruguai-Pitã é bem conhecido pelos índios de missões, principalmente pelos do povoado de Santo Ângelo, que são os mais próximos, e se passam suas vertentes pelo caminho que vai à Vacaria.” O rio Uruguai-Pitã, ou Uruguai-Puitã, não é citado em nenhum dos artigos do Tratado de 1777. As instruções espanholas aconselharam aos demarcadores que seguissem o seu curso unicamente porque, à vista do mapa de Olmedilla, e de todos os mapas anteriores, parecia que isso facilitaria a sua chegada às proximidades da foz do Pepiri-Guaçu. A distância indicada de 2 0 léguas entre a foz do Uruguai-Pitã e a do Pepiri-Guaçu mostra bem que as instruções se referiam ao Uruguai-Pitã cuja embocadura foi reconhecida em 1759 pelos primeiros demarcadores, isto é, ao segundo rio a cuja foz foi dado esse nome de Uruguai-Pitã.173A descrição do Uruguai por Lozano já mostrou que pela margem esquerda desse rio estendiam-se grandes florestas (p. 156 neste vol.). Os guaranis de missões ignoravam completamente o curso dos afluentes da margem meridional do Uruguai porque essas florestas eram habitadas então, e ainda no começo deste século*, por índios selvagens e ferozes.Miguel Lastarría, que foi secretário do vice-rei Vertiz, escrevia em 1804:
Os bárbaros tupis vagam pelos grandes e espessos bosques do Uruguai e demais rios que entram nele pela margem oriental, estendendo-se cerca de 80 léguas (cerca de 530 km) de frente para o norte e muito no interior dos domínios portugueses, desde as cabeceiras do Piratini para o rio Curitiba ou Iguaçu e as primeiras vertentes do Jacuí ou Igaí...174
Não tendo a menor notícia sobre o curso desses rios, os jesuítas ligavam arbitrariamente em seus mapas as cabeceiras de alguns com as embocaduras de outros conhecidos sobre o Uruguai. Olmedilla, guiando-se por esses mapas, traçou do mesmo modo o curso desconhecido do Uruguai-Pitã, ligando as cabeceiras do antigo Trigoti, que os guaranis de missões supunham ser as do Uruguai-Pitã, à foz do rio que sobre o Uruguai tinha esse nome.175
Deste modo, supondo chegar à embocadura do Uruguai-Pitã, reconhecida em 1759, o astrônomo português José de Saldanha e o geógrafo espanhol Gundin, comissionados por Veiga Cabral e Varela, foram ter, em 1788, à foz do Trigoti, hoje rio da Várzea.
Daí desceram o Uruguai em busca da foz do Pepiri-Guaçu, que devia estar, segundo as instruções, 20 léguas (cerca de 15,4 km) águas abaixo, mas, como era natural, sendo diferente o ponto de partida, não puderam chegar ao verdadeiro Pepiri-Guaçu. Desceram até o Apiterebi, e, voltando águas acima, acreditaram que o rio hoje chamado das Antas era o Pepiri-Guaçu. Deixaram em uma árvore a seguinte inscrição:“(Inscrição) feita depois da redescoberta do Pepiri-Guaçu. Maio 9, 1788”, e as letras R. F. (rei fidelíssimo), do lado oriental, e R. C. (rei católico) do lado ocidental.
Voltando ao acampamento dos primeiros comissários, encontraram um Diário da demarcação de 1759 e verificaram, então, que nem era o Uruguai-Pitã o rio em que se achavam, nem era o Pepiri-Guaçu o rio em que haviam deixado a inscrição.Diz o Diário de Saldanha:
Quinta-feira, 10 de Julho (1788). Passado todo o mês de junho em justas e reflexionáveis averiguações entre os principais comissários, se seria, ou não o Pepiri-Guaçu dos demarcadores passados aquele mesmo que nós agora tínhamos encontrado, apareceu enfim no poder do comissário espanhol um especificado e bem feito Diário da demarcação em 1759, e sobre a mesma diligência do Pepiri-Guaçu, com a leitura do qual ficamos todos desenganados. Nem era o Uruguay-Pitã ou rio da Picada, posto que assim nomeassem às suas cabeceiras os antigos mapas, nem era o Pepiri-Guaçu o que nós tínhamos ultimamente abalisado, posto que tivesse alguns indícios.
Um semelhante engano em coisa tão importante necessitava pronto remédio; ele não havia outro mais do que o voltar segunda vez ao Uruguai, aproveitar o tempo que ainda se conservava bom e acudir com brevidade às canoas que se tinham deixado no rio da Picada...Veiga Cabral e Varela expediram novamente os mesmos Saldanha e Gundin em busca do verdadeiro Pepiri-Guaçu, dando-lhes para esse fim, como guia, um extrato do Diário dos primeiros demarcadores. Saldanha, descendo pelo rio da Picada (o antigo Trigoti e falso Uruguai-Pitã) entrou no Uruguai e seguiu águas abaixo. Gundin, antes de descer o Uruguai, fez um reconhecimento águas acima, e descobriu a foz de um rio onde deixou a seguinte inscrição:
“Louvamos-te, ó Deus. 4 de Agosto de 1788.”Saldanha em 26 de julho descobria a foz do verdadeiro Uruguai-Pitã e no dia 28, a do Pepiri-Guaçu. Dias depois (13 de agosto, 1788), ali chegava o geógrafo espanhol Gundin e também reconhecia o rio como o verdadeiro Pepiri-Guaçu do tratado, pregando em uma árvore a chapa de cobre que para esse efeito lhe dera Varela, e na qual estavam gravadas as seguintes palavras:
“Até aqui Deus nos ajudou. Pepirí-Guazú. 1778.”A inscrição posta por Saldanha no dia 28 de julho foi esta:“Sem teu auxílio, nada somos, ó Deus. Pepiri-Guasú. 1788.”Ficou assim reconhecida, de comum acordo, a foz do Pepiri-Guaçu do tratado.
Mas no ano seguinte, o primeiro comissário espanhol Varela levantou a questão que agora vai ser resolvida, pretendendo que na demarcação de 1759 tinha havido erro, e que o Pepiri ou Pequiri do Tratado de 1750 era o rio descoberto por Gundin no dia 4 de agosto de 1788, por isso que esse rio estava águas acima do Uruguai-Pitã.[p. 205, 206]
Deste modo ficou havendo um terceiro Uruguai-Pitã, mais oriental que o segundo (de 1759), e pretendeu-se que o Pepiri-Guaçu fosse sendo deslocado para o oriente à medida que o nome – Uruguai-Pitã – era assim transferido de um para outro rio.Essa pretensão deu lugar a uma discussão por vezes muito apaixonada entre os segundos comissários Róscio (português) e Diego de Alvear (espanhol).Este último, segundo as instruções do seu chefe Varela, exigiu o reconhecimento em comum do rio descoberto por Gundin, o rio que os portugueses chamavam Caudaloso, e a que os espanhóis quiseram aplicar o nome de Pepiri-Guaçu.O principal comissário português admitiu a exploração desse rio, com o único fim de obter que os espanhóis se prestassem também a reconhecer até a sua nascente principal o verdadeiro Pepiri-Guaçu. A exploração do rio de Gundin foi feita por Chagas Santos (português) e Oyárvide (espanhol). Este deu ao rio o nome, nunca reconhecido pelos portugueses, de Pequirí-Guazú.As instruções de Alvear a Oyárvide, em 17 de novembro de 1789, contém estes trechos dignos de nota:176Sendo importante ao serviço de sua majestade reconhecer e levantar o mapa do rio que entendemos ser o verdadeiro Pepiri-Guaçu, descoberto por nosso geógrafo da Primeira Divisão, dom Joaquim Gundin, e que entra no Uruguai como que a 6 léguas (cerca de 40 km) a leste do Uruguai-Pitã pela margem setentrional, determinei pôr a cargo de vossa mercê a execução dessa obra, fiando-me de seu zelo e atividade seu mais cabal desempenho... Para fazer aqui um serviço de ainda maior importância se o rio, correndo muitas léguas, saísse em campo aberto, com se pode esperar do grande caudal e largura de sua boca, vossa mercê procurará averiguar, com toda diligência, ou informado e auxiliado pelos habitantes do campo, que os poderá ver, ou guiado pelas conjecturas físicas a que o induza naturalmente a vista ou configuração do terreno, se há naquelas imediações outro rio cujas vertentes confrontem e possam ligar-se com as de nosso Piquiri que, flu[p. 207]
São Carlos, São José, Candelaria, Mártires, São Cosme, Santana, São Nicolau e São Miguel.
A de Asumpción, fundada em 1630 na margem direita do Uruguai e do Acaraguay ou Acarana,185 foi transferida em 1637 para a foz do Mbororé,186 porque aquela posição pareceu aos jesuítas muito exposta aos ataques dos paulistas, que transitavam livremente pelo território hoje contestado, conhecido então por Ibituruna, segundo antigo roteiro dos mesmos paulistas.
Os índios caingangs ou coroados, que habitavam esse território e os extensos bosques ao sul do Uruguai, ao oriente do Salto Grande, eram inimigos irreconciliáveis dos guaranis, e não permitiam que estes e os jesuítas espanhóis se aproximassem, ao passo que deixavam franco o caminho para os paulistas e até os auxiliavam em seus ataques contra as missões.
Os guaranis do Paraguai e tupis do Brasil falavam e falam todos a língua abañeenga (“língua dos homens”), denominada pelos portugueses – língua geral dos Brasis – porém mais conhecida hoje pelo nome de guarani, que lhe deram os jesuítas do Paraguai. Os caingangs ou coroados, impropriamente denominados Tupis pelos jesuítas do Paraguai e pelos espanhóis, falam língua muito diferente do abañeenga, e estão compreendidos no grupo dos crens ou guerengs, segundo a classificação de Martius, aceita por todos os antropologistas.187 Isso explica os nomes geográficos da região a leste do Pepiri-Guaçu e Santo Antônio, desde o Campo Erê até o lado oriental do Chopim e Chapecó.
Desse território hoje contestado, partiu, em março de 1641, descendo o Uruguai em 300 canoas, a expedição que, segundo os cronistas da Companhia de Jesus, se compunha de 400 paulistas e 2.700 índios aliados, e foi destroçada no ataque de Mbororé, onde os jesuítas a esperaram com um exército de 4.000 guaranis.188 Apesar, porém, da vitória, verdadeira ou suposta, os índios da missão de Asumpción de Mbororé abandonaram imediatamente esse lugar, como já haviam abandonado o Acaraguay, e foram incorporar-se aos da missão de Yapejú, a mais meridional das do Uruguai.
Em 1657 deixaram Yapejú para ir fundar um pouco ao sul da foz do Aguapeí a povoação de La Cruz. No mesmo ano do combate de Mbororé, os jesuítas das missões entre o Uruguai e Paraná foram com os seus índios atacar dois fortes que os paulistas ocupavam, um no Tabati, outro no Apiterebi.
O Tabati, onde antes estivera a missão de São Xavier, é o afluente da margem esquerda do Uruguai a que os jesuítas davam o nome de Yaguarape nos seus mapas de 1722 e 1732, e que em 1759, segundo os demarcadores portugueses e espanhóis, era conhecido por Itapuã. Hoje tem o nome de Camandaí.189
O rio que os jesuítas chamavam então Apiterebi era, como ficou provado, o primeiro acima do Salto Grande, isto é, o que os paulistas conheciam por Pequiri ou Pepiri. Os jesuítas aplicavam este último nome ao Mandií-Guaçu de 1759, hoje Soberbio,190 abaixo do mesmo Salto Grande.
Estivesse, porém, o entrincheiramento de que se trata no artigo e suposto Apiterebi dos jesuítas, ou no pequeno rio a leste que ainda hoje conserva esse nome,191 o importante é que no território hoje em litígio já esses brasileiros ocupavam em 1641 uma posição fortificada, segundo o padre Lozano, cronista da Companhia de Jesus na província do Paraguai. Diz ele que os guaranis das missões, depois de tomarem o forte do Tabati, foram atacar o do Apiterebi. “Passaram rapidamente a outro forte chamado Apiterebi e, atacando-o, obrigaram os mamelucos192 a porem-se em fuga, deixando nele o que tinham de provisões, munições, e cativos e fugiram tão cheios de medo, que jamais para o futuro, até o dia de hoje*, se atreveram a infestar a província do Uruguai…”193
Nesta última informação enganou-se o padre Lozano, pois elepróprio refere, em outro lugar da sua obra, que no dia 9 de março de 1652 os paulistas, repartidos em quatro corpos, atacaram novamente as missões entre o Uruguai e o Paraná, o que é confirmado por diversos cronistas e alguns documentos ainda inéditos.194
As crônicas e relações, impressas ou manuscritas, dos jesuítas do Paraguai e as de São Paulo, no Brasil, dão testemunho de que pouco depois de expulsos os espanhóis e seus missionários da província do Guayrá (1630-1632), ou, – para precisar mais, – desde 1636 e 1638, todo o território limitado a leste pelo Paraná e ao sul pelo Uruguai era dominado pelos paulistas.
Depois de 1638 eles percorriam livremente todas as terras que se estendem ao sul e a leste do Uruguai, onde apenas duas vezes foram atacados: a primeira em 1639, em Caazapaminí, entre o Ijuí e o Piratini,195 e a segunda em 1641, no forte do Tabati, como já se disse. Do segundo desses combates não dão notícias as crônicas de São Paulo. No primeiro (19 de janeiro de 1639), sabe-se que ambos os lados se declararam vencedores. Os paulistas eram comandados por Antonio Bicudo, e os espanhóis e guaranis pelo governador do Paraguai, dom Pedro Lugo, e pelo padre Alfaro, que foi morto nessa jornada.
Um antigo roteiro paulista, conservado até hoje e citado por Varnhagen, visconde de Porto Seguro,196 fala no morro ou serra de Bituruna, “que vai afocinhar no Uruguai”, e no campo que ali se estende. Varnhagen diz que esse roteiro é prova evidente de que os antigos paulistas conheceram a região modernamente chamada Campo de Palmas, mas essa prova, como acaba de ser demonstrado, não é a única. Ibituruna era, com efeito, o nome dado no século XVII à região entre o Uruguai e o Iguaçu,197 e os montes Bituruna do roteiro paulista não podiam ser senão os da divisória das águas que correm para aqueles dois rios. Essas elevações do terreno ligam-se, a oeste das nascentes do Pepiri-Guaçu, com outras que, começando no Salto Grande do Iguaçu, vão terminar no do Uruguai.
Tendo reconquistado os territórios que entendiam pertencer-lhes, passaram os paulistas a empregar-se principalmente no descobrimento e exploração das minas de ouro no interior do Brasil (Minas Gerais e Goiás), e no extremo oeste (Mato Grosso). Puderam assim os jesuítas voltar ao lado oriental do Uruguai, transferindo para aí em 1687 as missões de San Nicolás e São Miguel e criando cinco outras: São Luís Gonzaga (1687), São Borja (1690), São Lourenço (1691), São João Bautista (1698), e Santo Angelo (1706).Esta última, ao norte do Ijuí198 era a mais próxima do atual território contestado, mas ficavam de permeio os extensos bosques da margem esquerda do Uruguai habitados por selvagens.Desde 1706 nunca mais variaram os limites orientais e setentrionais da ocupação espanhola no território chamado de Misiones. Ao sul do Uruguai os bosques ocupados pelos selvagens fechavam qualquer comunicação com o território hoje reclamado. Ao ocidente e ao norte desse rio, São Xavier, sobre a sua margem direta,199 e Corpus, sobre a esquerda do Paraná,200 continuaram a ser, como eram desde 1641, as posições espanholas mais avançadas e próximas da fronteira do Brasil no Pequiri ou Pepiri, depois Pepiri-Guaçu. O afluente Mbororé201 ficou sendo o limite das possessões espanholas no Alto Uruguai. Daí para cima não se aventuravam por terra os índios de Misiones. Em 1759 ainda subiam em canoas até o Itacaraí,202 mas em 1788 já não se aproximavam tanto da fronteira do Brasil no território agora reclamado.Tudo isto é afirmado pelos comissários espanhóis que fizeram as duas demarcações em virtude dos Tratados de 1750 e 1777.Dois trechos do Diário espanhol da primeira demarcação relativos ao Mbororé e ao Itacaraí já foram transcritos (p. 111). Na Memória de Oyárvide lê-se o seguinte em nota extraída doDiário espanhol de 1788:Até o arroio Itacaraí, dizem os demarcadores passados, chegam os índios das povoações à coleta da erva, que embalam e conduzem rio baixo em balsas... No presente, já não se estendem tanto, pois, mais próximos ao povoado de São Xavier fazem sua coleta da dita erva mate.203E no Diário de 1789:Por fim, chegamos a um rio de bastante caudal de água que os guias chamam Cebollatí, e desde aqui para o norte já não têm conhecimento dos terrenos, pois desde este rio para o sul é que só chegam os ervais a que costumam vir a fazer suas coletas...204Este rio Cebollatí,205 afluente da margem esquerda do Uruguai, é o que no tempo da anterior demarcação, em 1759, era conhecido por Paricaí e nos mapas de 1722 e 1732 dos jesuítas, assim como nos de d’Anville e no “das Cortes”, figura com o nome de Uruguai-Pitã, abaixo do Salto Grande, como ficou demonstrado.Até meados do século XVIII os jesuítas de Misiones mantiveram no Uruguai junto ao Iaboti ou Pepirí-Miní,206 – acima do Itacaraí, porém a oeste do Salto Grande do Uruguai, e, portanto, do Pepiri ou Pequiri, – um posto de observação para dar aviso dos movimentos dos brasileiros de São Paulo, ou paulistas.O fato é confirmado em um trecho já citado do Diário dos comissários espanhóis na demarcação de 1759 (p. 112 neste volume).Quando os espanhóis da segunda demarcação não podiam encontrar um só prático que conhecesse o Uruguai da foz do Cebollatí, hoje rio Turvo, para cima, e menos ainda o território hoje contestado entre o Uruguai e o Iguaçu, o marquês de Loreto, vice-rei do Rio da Prata, escrevia na data de 13 de novembro de 1788:203 Memória de Oyárvide, em Calvo, Recueil Complet de Traités, t. [p. 217, 219]
Perto das cabeceiras do rio Saudade, afluente ocidental do Chapecó, e na longitude da foz deste rio, encontram-se ainda hoje, no Campo Erê, os chamados muros, que evidentemente são restos de fortificação antiga. No alto de uma colina vê-se aí um cone truncado, cuja parte superior é formada por uma plataforma de 36 metros de diâmetro, e cujo talude apresenta hoje três metros de altura. O primeiro comissário brasileiro explorou pessoalmente o lugar em 1887 e mandou fazer escavações nas vizinhanças, verificando que em torno dessa posição tinha havido um entrincheiramento formado por uma dupla estacada circular revestida de terra.Assim, pois, além do forte do Pepiri, a que os jesuítas chamavam a princípio Apiteribi, tiveram os paulistas nesse território outro acampamento entrincheirado.Os índios do Brasil, do Paraguai e do rio da Prata não faziam construções de terra ou de pedra. Suas aldeias eram protegidas apenas por uma estacada circular. Só na foz do Amazonas, e na ilha de Marajó, que em tempos pré-colombianos foi habitada por povo de civilização mais adiantada, se encontram algumas colinas artificiais que serviram de estações funerárias.Não podem ser atribuídas aos espanhóis ou aos jesuítas da província do Paraguai as antigas fortificações de que se trata. Os últimos nunca tiveram missões ou estabelecimentos nesse território, e sempre se conservaram muito apartados dele, mantendo apenas em suas proximidades o destacamento de que se fez menção, para espreitar os paulistas. O caminho seguido na transmigração de 1631 mostra o cuidado com que os missionários evitavam a passagem por esse território. Só dez anos depois, quando foram atacar o forte dos paulistas no Pepiri, estiveram acidentalmente os guaranis de missões nessa fronteira do Brasil. Os espanhóis, porém, nunca pisaram o território hoje contestado e suas vizinhanças senão nas duas ocasiões em que foram com os portugueses fazer a demarcação determinada pelos tratados de 1750 e 1777. Não há documento algum com que se possa demonstrar a presença de outros espanhóis nesse território durante os três séculos que formam o período colonial.Em alguns mapas modernos espanhóis e argentinos, está traçado erradamente ao longo do rio Iguaçu o percurso da célebre e [p. 121]
além de numerosas fazendas. Os habitantes eram, e são, em sua quase totalidade, brasileiros. Desde 1836 e 1838 ocupavam permanentemente o Campo de Palmas. O governo argentino não podia ignorar o estabelecimento dos brasileiros nessas paragens, porque tinha no Rio de Janeiro uma legação, e documentos oficiais tornaram público o fato desde 1841. Se julgava ter direito ao território a leste do Pepiri-Guaçu e Santo Antônio, devia ter protestado contra a sua ocupação administrativa, como protestou contra a das ilhas Malvinas ou Falkland pelos ingleses.
Em 1841 o presidente da província de São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, anunciava em seu Relatório à Assembleia Legislativa Provincial a ocupação do Campo de Palmas por duas expedições saídas de Curitiba, então cabeça de uma comarca que fazia parte daquela província brasileira. As expedições de que tratava então o presidente de São Paulo, dirigidas pelo major da Guarda Nacional Joaquim José Pinto Bandeira e por Manuel de Almeida Leiria em 1838, já tinham sido precedidas por três outras, a saber: uma que partiu de Palmeiras em 1836 sob a direção do padre Ponciano José de Araújo, vigário dessa freguesia, e de José Joaquim de Almeida, depois coronel da guarda nacional; e duas que saíram de Guarapuava, tendo por chefes José Ferreira dos Santos e Pedro de Siqueira Côrtes.
Em 1840 foi destacada para o Campo de Palmas uma companhia de municipais permanentes sob o comando do capitão Hermógenes Carneiro Lobo, companhia essa criada pela Lei de 16 de março de 1837 da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo para o fim especial da ocupação do Campo de Palmas;222 e, estando o pessoal das diferentes expedições em azeda disputa sobre a partilha das terras, foram eleitos árbitros para resolver a dificuldade o advogado João da
222 Na Revista do Instituto Historico e Geographico do Brasil, Tomo XIV de 1851, p. 425 a 438, está publicada a Notícia da descoberta do Campo de Palmas na comarca de Coritiba, Província de São Paulo, de sua povoação, e de alguns successos que alli tem tido logar até o presente mez de Dezembro de 1850, escripta e offerecida ao Instituto Historico pelo sr. Joaquim José Pinto Bandeira. Na p. 430 lê-se o seguinte: – “... como, porém, a Assembléia Provincial, pela Lei de 16 de Março de 1837, tinha criado uma companhia de Municipais Permanentes para com ela fazer-se por parte do governo a descoberta destes campos, mandou o governo que fosse ali destacada para proteger os fazendeiros.” [p. 239]
brasileira, – reclamava e protestava contra a jurisdição das autoridades de São Paulo no Campo de Palmas, sustentando que todo o território a leste do Pepiri-Guaçu e do Santo Antônio pertencia à província de Santa Catarina.A reclamação de Santa Catarina tornou-se pública e deu lugar a discussões. Também o relatório de 1841, do presidente de São Paulo, foi documento público, impresso e distribuído como são todos os documentos dessa natureza.
Em 1842 o capitão Pedro de Siqueira Côrtes, novo comandante do destacamento de municipais permanentes, começou a abrir uma estrada para os campos de Curitiba, e os fazendeiros uma outra para Palmeiras, e em 1846 um terceiro caminho, mais curto, passando pelo Porto da União, no Iguaçu. A Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo votara por vezes fundos para a abertura desta última estrada.227
Em 1845, por ordem do presidente de São Paulo, general Manuel da Fonseca Lima, depois barão de Suruí, se deu começo à abertura da comunicação com o Rio Grande do Sul, pelo Passo de Goio En e por Nonoai. O general Caxias, então presidente do Rio Grande do Sul (outra província brasileira) animou e auxiliou esses trabalhos.A Lei no 14, de 21 de março de 1849 da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, elevando a vila a antiga freguesia de essas usurpações recentes não beneficiariam de maneira alg [p. 241]
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