'Pedro, escravo, “mandado pelo Altíssimo para absolver os pecados”: religiosidades, insurgências e autonomia escrava (Bahia, c.1790 a c.1830) - Alex Andrade Costa - 01/01/2020 Wildcard SSL Certificates
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Pedro, escravo, “mandado pelo Altíssimo para absolver os pecados”: religiosidades, insurgências e autonomia escrava (Bahia, c.1790 a c.1830) - Alex Andrade Costa
    2020
    Atualizado em 22/08/2025 04:38:46

    
    


culto em si mesmo, o objetivo é desvendar os elementos internos e externos que possibilitaram o seu surgimento e como eles estão relacionados aos acontecimentos que marcarama Bahia em fins do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, especialmente orecrudescimento do tráfico contrastado com a crescente demanda dos escravizados pormaior autonomia sobre suas vidas. O culto do Santo Padre, então, é um sintoma do quadrode insurgência e rebeldia de grupos oprimidos pela escravidão e pobreza na região.Da penúria aos quilombos: fugas, comércioe outras formas de autonomia escrava

O culto liderado pelo Santo Padre se deu na vila de Barra do Rio de Contas, situada nafoz do rio de Contas, cerca de cinquenta léguas ao sul de Salvador, e a meia distância entreas vilas de Camamu e Ilhéus. A maior parte dos lavradores cultivava produtos de primeiranecessidade, principalmente a mandioca, e era proprietária de poucos escravos com os quais,não raro, precisava dividir a labuta nas roças para garantir o sustento. Balthazar da SilvaLisboa, ouvidor e juiz conservador das matas na comarca de Ilhéus, descreveu as modestascondições dos habitantes da região:

no interior de suas casas vivem quase nus, em fraldas de camisa, sem terem uma camaem que repousem, e da mesma maneira suas mulheres e filhas, que não pode para asmesmas olhar muitas vezes pela indecência com que aparecem: estes são os ricos, osquais uma vez que os seus escravos, a quem não sustentam, nem vestem, lhes trazemo marisco, o peixe, e algumas ervas, e da zona a mandioca, provendo para fornecimentoda sua dispensa a Carne do Sertão, não invejam aos mais ricos e poderosos do mundo(Lisboa, [1803] 1915, p. 6).

De forma semelhante, Spix e Martius (2016, p. 158), ao cruzarem a Bahia em 1818, anotaram sobre a comarca de Ilhéus que “a indolência e a pobreza ali andam unidas”. Ao apresentarem as precárias condições de vida das pessoas livres, os cronistas lançam luz para ascondições de vida dos escravizados, cujos senhores deveriam garantir a subsistência básica,por obrigação moral e jurídica: “porque a quem o serve, deve o senhor de justiça dar suficiente alimento” (Antonil, 1982, p. 90). Contudo, isso era muito difícil. Um levantamentodos inventários da região, entre 1800 e 1850, evidencia a ampla pobreza: 48,7% deles alcançaram, no máximo, um conto de réis, ou seja, quase a metade dos inventariados viveu em [p. 6 do pdf]

deve ter interferido muito na escolha do padroeiro daqueles grupos rebeldes (Mott, 1996,p. 110-138).Robert Slenes (2008, p. 197) considera que a flexibilidade no ritual e no uso dos símbolos religiosos de diversas origens é uma das marcas da religião centro-africana, tornando-aadaptável às diversas circunstâncias. O fato de pessoas comuns assumirem a identidade dedivindades ou de autoridades da Igreja, numa leitura apressada, pode significar uma catequese imperfeita ou mera simulação. Contudo, deve-se considerar que a tradição africanacentro-ocidental não substituía suas cosmologias por outras, mas procurava similitudesentre as diferentes tradições. Esses fatores também estão presentes em práticas religiosasconsideradas sincréticas que permanecem coexistindo com práticas católicas “tradicionais”,até os dias atuais.A criação ou adaptação de ritos católicos por parte de gente escravizada, como o cultodo Santo Padre, foi estimulada pelo clima de insatisfação diante da exploração e penúria aque eram submetidos. Contudo, soma-se a isso um desamparo espiritual, favorecido pelainexistência de uma presença efetiva do clero na região. No interior do Brasil, muitos moradores passavam anos sem ver um sacerdote, sem participar de missas ou receber os sacramentos. No caso de Barra do Rio de Contas, o vigário, Sebastião dos Mártires Gramido,tinha idade avançada e já não era tão frequente em seus compromissos, até porque tinha umvasto território para dar conta. Conforme relata o ouvidor de Ilhéus sobre Barra do Rio deContas, “a igreja, [...] com duas irmandades de S. Miguel e Sacramento, a qual tem 500$000rsde fundo com um só pároco, sem um outro sacerdote que o ajude, ou que possa servir noseu impedimento de moléstia”.38 Sobre isso, Roquinaldo Ferreira (2012, p. 180-181) identificou que a diminuta presença de padres em Luanda originou uma religiosidade multifacetada em finais do século XVIII, com elementos do cristianismo e da religião africana, um“cristianismo angolano”, ou, como o próprio bispo local denominou à época: um misto de“superstição e religião”.A religião sempre ocupou um espaço importante nas relações sociais e isso era percebido pelas autoridades em relação aos grupos considerados perigosos, entre eles os escravizados e africanos em geral, objetivando, não apenas conforto espiritual, mas, sobretudo, ocontrole social, evitando fugas, levantes e formação de quilombos. Como narra Balthazarda Silva Lisboa, queixando-se sobre a parca assistência religiosa à comarca, “a religião é omais poderoso freio dos mortais; porém uma vez que os homens se familiarizam com oscrimes pela falta de conhecimentos da religião não são instruídos e avivados nas ideias da fé que professam, eles se abandonam aos prazeres dos sentidos”.39Alguns senhores e autoridades locais, portanto, podiam ver no culto do Santo Padre um espaço controlado para oexercício da autonomia, ainda que relativa, dos escravizados, evitando a rebeldia coletiva,as fugas e aquilombamentos. Ignoraram, contudo, que a existência do culto, per se, já constituía uma forte contraposição à ordem estabelecida, rompendo hierarquias e reafirmandoo lugar de resistência ante as estruturas sociais vigentes.Considerações finaisO culto do Santo Padre deve ser compreendido para além de uma manifestação religiosa,se inserindo na esteira de reações de escravos e libertos em torno de projetos de liberdadee contra as estruturas vigentes. A comunidade escrava das comarcas de Ilhéus e Valença,especificamente, por conta da vida de penúria de muitos senhores, explorou as brechas dosistema e, aproveitando-se de todas as fragilidades existentes – geografia do lugar, distânciado poder central, descontrole senhorial –, reivindicou espaços de autonomia. Desse modo,as fugas, quilombos e a realização do culto do Santo Padre, se apresentam como elementosinsurgentes de pessoas oprimidas pelos diversos desafios cotidianos, principalmente a sobrevivência, construindo estratégias de vida para enfrentar suas necessidades cotidianas(Mintz, Price, 2003, p. 113).O culto liderado pelo Santo Padre, assim como os quilombos, fugas temporárias, tentativasde levantes e outras ações reivindicatórias coletivas, expressam a inconformidade com a posição que ocupavam. Todas essas ações, então, visavam alcançar espaços de autonomia maiores, desde uma roça, a condição de comercializar um produto ou o direito de ir e vir. Trata-sede frestas, porém muito significativas, de liberdade, que se relacionam com a formação de umcampesinato mais ou menos independente, evidenciado nos quilombos, onde pudessem controlar o seu tempo e as suas atividades, além de celebrar o culto que bem entendessem.Barra do Rio de Contas e todo o seu entorno formava o que foi denominado de “camponegro”, ou seja, “uma complexa rede social que se tornou palco de lutas e solidariedadeconectando comunidades de fugitivos, cativos nas lavouras, libertos, lavradores, fazendeiros,autoridades policiais e outros tantos sujeitos que vivenciaram os mundos da escravidão”(Gomes, 2006, p. 45). Finalmente, quilombolas, escravizados e libertos diluíram as fronteiras físicas e simbólicas daquela sociedade, forçando ações que os colocava em confrontocom os poderes civis e eclesiásticos. [p. 18, 19 do pdf]





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