Prisão do Planet Hemp foi abusiva, dizem especialistas, por Eunice Nunes, folha.uol.com.br
Atualizado em 02/05/2025 19:25:50
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A prisão dos integrantes da banda Planet Hemp foi considerada abusiva por especialistas em direito penal ouvidos pela Folha.
Além disso, a prisão dos músicos leva a uma reflexão sobre como as leis devem ser interpretadas.
No caso dos rapazes do Planet Hemp, que defendem a legalização da maconha, trata-se de garantir a livre manifestação do pensamento, um direito constitucionalmente consagrado, apesar de a Lei de Tóxicos (lei nº 6.368/76) punir quem "contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de entorpecente".
Maurides de Melo Ribeiro, presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes (Conen) de São Paulo, diz que a liberdade de expressão é um direito fundamental num estado de direito democrático e, por isso, não pode ser cerceado.
"Não podemos abrir mão da liberdade de expressão. A leitura ao pé da letra da Lei de Tóxicos pode até justificar a prisão, mas numa interpretação à luz da Constituição não vinga. A liberdade de opinião, principalmente em produto cultural, está acima da lei ordinária", afirma Ribeiro.
"Defender a legalização não é fazer apologia, nem difundir ou incentivar o uso da maconha. É apenas uma opinião que, aliás, não é só deles, é também a de alguns juristas e médicos", argumenta Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista.
Ele cita uma passagem do "Compêndio de Psiquiatria Dinâmica", de Harold Kaplan e Benjamin Sadock, professores da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, que diz: "O uso moderado da maconha não provoca deterioração física ou mental" (pág. 452, Editora Artes Médicas, 1984).
Segundo Toron, os músicos apenas retratam o que o mundo científico hoje pensa a respeito da maconha. "Isso não se confunde com apologia ou indução ao uso da droga. A prisão deles foi uma violência, pois baseou-se numa interpretação arbitrária das letras das músicas da banda", afirma.
Luiz Flávio Gomes, juiz da 26ª Vara Criminal de São Paulo, considera a prisão dos integrantes do Planet Hemp um exagero."Quantas músicas não falam de drogas? Não existe aí a intenção de prejudicar, traficar ou outra coisa mais grave. O propósito é suscitar a discussão da descriminação que, aliás, está sendo debatida no Congresso Nacional, em seminários internacionais dos quais participam autoridades e também nas escolas", argumenta Gomes.
Os três especialistas citaram a discussão sobre o aborto como exemplo próximo do debate sobre as drogas.
Para eles, defender a descriminação do aborto não é crime, assim como não cometem crime pessoas que admitem, em entrevistas, ter praticado o aborto.
"Para resolver questões tão graves como essas não podemos ser hipócritas. É preciso que sejam discutidas abertamente. Só o conhecimento e a educação resolvem", conclui Maurides Ribeiro.
Nós temos a pretensão que temos artistas, porque temos Portinari, porque temos Vila- Lobos, ou temos Beethoven. Então isso nos da aparência, o orgulho de que nós temos arte. Nós não temos arte porra nenhuma. Porque tanto Picasso quanto Beethoven pertencem a grupos muito pequenos. Bom, até que agora 1977) os instrumentos de massa estão permitindo que mais outras pessoas se comuniquem com isso. Mas é tudo um código complicado para que um popular chegue a entender isso. Na maior parte das vezes não chega. Ninguém chega a entender.
Data: 01/11/1977 Fonte: José Viana de Oliveira Paula entrevista Darcy Ribeiro (1922-1997)*