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RASULCarta do Frei Bernardo a Juan Bernal Diaz de Luco, do Conselho das Índias espanholas 01/05/1538 3 fontes 1° fonte: Revista trimensal do Instituto Histórico, Geográphico e Etnográphico Brasileiro, tomo XXVI O rio Paraná-pané, cujo nome significa é estéril de peixe, se bem que possante em águas não produz criatura vivente, até que misturando suas águas com as do Pirapó com elas se enriquece de peixes. Nasce este rio, nas remotas campinas de Caayù sobre as eminentes cordilheiras do Brasil, povoadas antes de inumeráveis nativos, mas hoje desertas pelas caçadas dos portugueses. Elevadas e frondosas árvores que parecem querer subir ás nuvens coroam seus vales. Neles encontram plantas aromáticas, madeiras incorruptíveis, cedros, louros, paus amarelos, pau-brasil, e outras mui olorosas e medicinais com varas virtudes, de agradável diversidade e de vivas e variadas cores. Povoaram suas vistosas margens vinte e cinco grandes povoações que bebiam de suas águas; mas existiam muitas outras famílias em crescidíssmo número que viviam sem governo e sem domicilio fixo. Estes nativos plantavam, deitando fogo no terreno e faziam duas colheitas uma no outono, e outra na primavera, porém eram mui preguiçosas para o trabalho, e portanto apesar da fertilidade do solo como pouco trabalhavam, pouco colhiam e continuavam sempre miseráveis. Só sacudiam sua preguiça em ocasiões de guerra que tinham a miúdo com os Tupys do Brasil. Uns e outros comiam seus prisioneiros em festins.
Estes nativos tinham notícia bem que confusa do que há um Deus criador do universo, que todo o gênero humano teve princípio em Adão e Eva; que tudo pereceu pelo dilúvio, salvando-se Noé e sua família na arca. Diziam que Pay Zumé (Apóstolo São Thomé) tinha ensinado esta doutrina a seus maiores; porém nenhum culto tributavam a Deus, nem a outra criatura qualquer. A poligamia simultânea, não é unicamente neles um distintivo de autoridade porque se julgavam mais poderosos, segundo o maior número de concubinas que tinham: mas nesse uso encontravam utilidade, não só para satisfazer seus desejos lascivos, senão também para terem mais copiosa provisão de bebidas que as mulheres preparavam com milho, frutas silvestres e com mel que se encontra copiosamente nos matos, e quanto maior era o número de suas mulheres, maior era quantidade de licores com que saciavam sua paixão desenfreada a embriaguez. [Páginas 252 e 253 do pdf]
A vinda do Apóstolo São Thomé á estas partes da América, e principalmente ao Brasil e ás regiões do Paraguay, está baseada em tais fundamentos, que d´ela não se pode duvidas. Faltam monumentos antigos que testifiquem a vinda de São Thomé, e por tanto a tornem perfeitamente certa, mas é inegável que a tradição constante e uniforme de diversas nações do novo mundo, os sinais e vestígios, e o nome de São Thomé conhecido desde tempo imemorial por elas, fazem probabilíssima sua vinda a estas regiões. Muitos autores, e entre eles o padre Pedro Lozano, trataram difusamente deste ponto. Desde que chegaram os jesuítas ás províncias de Guayrá, Paraná-pané e Tibaxiva, ouviram os gentios falar de São Thomé, ao qual davam o nome de pai Zumé, e dele narravam coisas prodigiosas, e o tinham em conta de varão maravilhoso, cuja memória o tempo no decurso de tantos séculos não pode fazer esquecer.
2° fonte: História da História do Brasil, 1979. José Honório Rodrigues
3° fonte: A Evangelização em Santa Catarina. Parte I: Vida e Morte no Mundo dos Carijós (1500-1650), 1996. Padre José Artulino Besen, professor de História da Igreja Em princípios de 1538, após infrutíferas tentativas de entrar no Rio da Prata, a nau Marañona foi arrastada pela tempestade e se refugiou no porto de São Francisco. Desembarcando com seus companheiros, Frei Bernardo de Armenta não perdeu tempo e iniciou o trabalho de Evangelização. Foi auxiliado por três espanhóis da expedição de Caboto que tinham ficado na terra catarinense e que conheciam a língua nativa. A 1° de maio de 1538 Frei Bernardo escreveu a Juan Bernal Diaz de Luco, do Conselho das Índias espanholas:
"Isto aconteceu pela Divina Providência, pois aqui achamos três cristãos, intérpretes da gente bárbara que falam bem esta língua pelo longo tempo de sua estada. Estes nos referiram que quatro anos antes um nativo, chamado Esiguara (grafado também Etiguara, Origuara, Otiguara), agitado como um profeta por grande espírito, andava por mais de 200 léguas predizendo que em breve haveriam de vir os verdadeiros cristãos irmãos dos discípulos ao apóstolo São Tomé, e haveriam de batizar a todos. Por isto, mandou que os recebessem com amizade e que a ninguém fosse lícito ofendê-los"´.
Estas palavras deixaram os nativos muito impressionados. Esiguara desempenhara o papel de precursor. Em São Francisco, os frades encontraram este campo favorável devido a ele. Esiguara foi um tipo de pregador ambulante servindo-se de linguagem apocalíptica, que tão fundo calava na receptiva alma carijó. O campo estava fertilizado pela sua palavra. Também lhes ensinara entoar hinos e cânticos, através dos quais aprenderam a guardar os mandamentos e a ter uma só mulher de remota consanguinidade.
Quando chegaram os espanhóis, náufragos da expedição de Alonso Cabera, os Carijós julgaram que fossem os irmãos dos discípulos de São Tomé. Receberam-nos com muito amor, levando-os para as suas aldeias, dando-lhes comida e bebida e varrendo os caminhos por onde andavam.
Alguns discípulos de Esiguara receberam os frases com incrível alegria e chegavam a ser chatos, no dizer do Frei Bernardo, com tantos agrados que faziam.
Continua o frade:
"Tão grande é o número de batizados quase nada podemos fazer afora deste ministério. Nem para dormir ou comer há quase tempo. De boa vontade casam com uma só mulher e os que estavam acostumados a ter mais de uma, separam-se das outras. Os velhos, dos quais alguns tem mais de 100 anos, recebem com mais fervor a fé, e o que de nós aprendem, comunicam-no publicamente aos outros".
Frei Bernardo de Armenta viu que sozinho não daria conta do ministério. Entusiasmado, pediu que fossem enviados pelo menos 12 confrades de vida apostólica das Províncias de Andaluzia e dos Anjos, conforme escreveu ao Dr. Juan de Bernal Diaz de Luco:"São tão grandes as maravilhas que Nosso Senhor realiza entre eles que não saberia contar, nem haveria papel suficiente para descrevê-las. Portanto, em nome daquele amor que Jesus Cristo teve pelo gênero humano em querer-nos redimir na preciosa árvore da Cruz, pois toda a sua obra foi para salvar e redimir almas, e aqui temos tão grande tesouro delas, peço que V. Mercê assuma esta empresa como sua e fale a S. Majestade e a esses senhores do Conselho, para que favoreçam tão santa obra, e o favor será que nos enviem 12 frades de nossa Ordem de São Francisco, que sejam acolhidos, e que S. M. os peça na Província de Andaluzia e na dos Anjos. E encarregue S. M. aos provinciais destas Províncias que enviem frades como Apóstolos. E, além disso, que S. M. envie um feitor seu que traga trabalhadores que não tenham ofício de conquistadores."
Este último pedido é indicativo do projeto evangelizados de Bernardo de Armenta e Alonso Lebrón: pedem lavradores que não sejam conquistadores, e missionários que não acompanhem a Conquista. Conforme anotaremos depois, os dois frades tinham muito claro que o anúncio do Evangelho não podia se resumir a um apêndice da obra conquistadora, incapaz de se livrar da violência e da morte.
Estavam convencidos, igualmente, de que o trabalho apostólico ultrapassava a fronteira nitidamente religiosa e se deveria fazer muito para a promoção do nativo:
"Venham também muitos camponeses com perito chefe agricultor, que mais proveitosos são do que os soldados, porque estes nativos devem ser convencidos pelo amor, não pelo ferro".
Dá importância às ferramentas, às espécimes de gado, ovelhas, sementes de cana-de-açúcar, algodão, trigo, cevada e todas as qualidades de frutas, sem esquecer de contratar também mestres de açúcar, para montar engenhos. Inclui também artistas.
Os lavradores que chegassem a São Francisco ou à Ilha de Santa Catarina deveriam estabelecer estreita colaboração com os nativos, que poderiam ajudá-los a plantar canaviais e lavrar as roças. A este projeto missionário deu o nome de "Província de Jesus".
Podemos afirmar que, de um lado, Frei Bernardo de Armenta possuía entusiástico espírito apostólico e se achegou ao nativo sem preconceito, alimentado pelo amor e não pelo interesse; por outro lado, não escapou do projeto colonizador, ao pedir que chegasse agricultores andalusos para trabalhar as terras, das quais fatalmente os carijós passariam a ser servos, deixando de ser donos.
Tal entusiamo fez com que o chefe da expedição temesse perder os frases. Por isso, proibiu-os de saírem da embarcação, o que não amedrontou a Armenta e Lebrón, que ameaçaram Cabrera de excomunhão por violar a liberdade eclesiástica, o Direito Canônico e os privilégios franciscanos, pois não tinha autoridade sobre eles, que não foram enviados pelo Rei e nem socorridos pela sua Fazenda.
Quanto a eles, permaneceram no território catarinense, enquanto seus companheiros foram para o Rio da Prata. Então desceram ao sul, fundando uma missão entre os nativos carijós na região chamada Mbiaça (Laguna). Percorreram o litoral catarinense num raio de 80 léguas. [Páginas 60, 61 e 62, 2, 3 e 4 do pdf]
4.2 - O Mito do Pai Sumé
Em sua carta a Juan Bernal Diaz de Luco, a 1° de maio de 1538, Bernardo de Armenta fala que Esiguara anunciava a seu povo que após ele "viriam os verdadeiros discípulos de São Tomé"."
Isto que dizer que já estava vivo no meio carijó o mito Apóstolo Tomé que teria estado na América e anunciado a Evangelização posterior. Estamos diante de um mito cujo desenvolvimento supõe o encontro de três tradições: a dos primeiros cristãos americanos, a dos primeiros frades e a dos jesuítas.
Os primeiros cristãos que chegaram à América devem ter utilizado o mito para convencer os nativos a aceitarem o Evangelho. No Paraguai, Perú, Bolívia já se tinha implantado o mito. Com a chegada de Frei Bernardo de Armenta e Alonso Lebrón, os nativos devem ter fundido neles a imagem mítica de São Tomé nas Américas.
Os frades entendiam sua missão não como um trabalho estável, mas como preparação para a chegada de outros evangelizados, o que de fato ocorreu em 1539, com a chegada de seis franciscanos ao Rio da Prata. Isto confirmou as palavras que se colocavam na boca de São Tomé:
"Chegaram outros sacerdotes em suas terras, e que alguns virão apenas rapidamente, pera logo retornar, mas que os outros sacerdotes, que chegarão com cruzes nas mãos, esses serão seus verdadeiros padres, e ficarão sempre com eles, os farão descer até o rio Paranapané, aonde farão duas grandes reduções, uma na boca do Pirapó e outra no Itamaracá".
São exatamente os dos locais onde, naquele tempo, os jesuítas organizaram as reduções de Loreto e Santo Inácio. Neste momento já estamos diante da terceira tradição: a dos Jesuítas, que identificaram o mito do Pai Sumé (São Tomé) com os frades, com ele buscando legitimidade histórica e religiosa para seu trabalho.
Pai Sumé é o enviado de Deus que prepara seu caminho, que prega a Boa-Nova, que anuncia o estabelecimento definitivo do Cristianismo. Neste sentido, Lebrón e Armenta, andarilhos por Mbiaça, Itapocu, Campo, Ubay e Pequiri, formam um mito metade realidade, metade idealidade. [Página 64, 6 do pdf]
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