O mais valente e respeitado chefe dos guayanazes, ramo da tribo dos tamoyos, Tebyreçá foi em S. Paulo o mais forte elemento auxiliar da conquista dos portuguezes. Seu peito e seu prestigio entre os selvagens forão mais de uma vez muralhas de ferro, que seus irmãos das florestas não puderão derribar em seus ímpetos guerreiros contra os conquistadores civilizados.
Em 1553 os jesuítas passarão de São Vicente para além da Serra do Mar e foram fundar o Colégio de S. Paulo, berço da villa e depois cidade do mesmo nome. Tebyreçá, que então provavelmente tomou com o batismo o nome de Martim Affonso de Mello ligou-se á elles e logo ainda mais amigo daquelles padres, do que do próprio João Ramalho, em 1554 foi principalmente o seu braço de bravo e forte guerreiro, e o seu poder sobre os nativos de sua cabilda, que salvarão os jezuitas e o seu collegio de ataque tremendo que contra elles dirigirão muitos colonos portuguezes e mamelucos.
Em fins de agosto de 1553, Nóbrega visitou a recém-criada aldeia em que se concentravam os índios em processo de conversão, separados dos demais (LEITE, v.1, p. 522-523). A seu pedido, Tibiriçá e seus comandados ergueram uma pequena e modesta choupana, onde em janeiro seguinte vieram morar alguns dos jesuítas (LEITE, v.2, p. 110-111 e nota n.36).
A escolha de um sítio apropriado no campo para a localização do núcleo de catequese – “em muito boom sitio posto, o milhor da terra”, diria o Padre Manuel da Nóbrega em carta de 1556 (LEITE, v.2, p. 84) – teve de levar vários fatores em consideração. Entre eles dois muito importantes: a topografia e a hidrografia.
O assentamento em acrópole, muitos metros acima do nível dos cursos d’água que banhavam o sopé da colina sobre a qual se ergueria o aldeamento jesuítico (chamada Inhapuambuçu – monte que se vê de longe, segundo alguns), permitia aos moradores gozar não apenas de uma pureza de ares característica dos lugares altos, como também de algumas vantagens do ponto de vista defensivo, tais como, um vasto descortinamento dos arredores e uma ampla proteção proporcionada pelas íngremes escarpas voltadas para o Rio Tamanduateí e para o Ribeirão Anhangabaú (PETRONE, 1995, p. 137-140).
Os historiadores alegam ainda razões de subsistência para justificar a escolha do sítio da nova aldeia. Não devemos nos esquecer que, com a chegada dos europeus transferidos de Santo André, em 1560, os campos planaltinos se mostrariam muito favoráveis à criação de animais domésticos, sobretudo de gado vacum, nas pastagens alagadiças situadas a nordeste, próximas das margens do Tietê e do Tamanduateí (Guaré), e que a pesca foi também uma atividade econômica de grande relevância para a nascente povoação. O próprio Padre Manuel de Nóbrega fazia questão de ressaltar, em carta de 1556, que a aldeia de Piratininga estava provida “de toda abastança que na terra pode aver” (LEITE, v.2, p. 284).
O que não se via até há pouco suficientemente ressaltado, contudo, como um dos fatores determinantes da escolha do local onde depois se fixaria a nova casa jesuítica – com a grande exceção de Pasquale Petrone (PETRONE, p.140-141) talvez –, era a preexistência nas imediações de um intrincado sistema de trilhas indígenas que cortavam em todos os sentidos a lombada interfluvial. Essas veredas poriam os irmãos da Companhia em comunicação direta com o litoral vicentino, com as aldeias planaltinas dos índios aliados e com o distante Paraguai, cujo fascínio durante muito tempo manteve bem aceso o fervor catequético dos inacinos, sobretudo do Padre Manuel da Nóbrega.
Cumpre, porém, chamar a atenção para um ponto controvertido acerca do modo como se deu a escolha do sítio onde foi erguida a casa jesuítica no planalto piratiningano. Indícios nos levam a pensar que, contrariamente à história oficial divulgada pelos jesuítas, foram os próprios índios desejosos de serem convertidos pelos padres da Companhia que se teriam reunido, sozinhos, numa aldeia, sem contar para a escolha de sua localização com a presença ou, quem sabe, sequer com a orientação de Nóbrega e seus companheiros (AMARAL, 1971,v.1, p. 128-129). [Páginas 12 e 13]
De tudo isso se conclui facilmente, portanto, que o Ribeiro Piratininga jamais poderia ser o Rio Tamanduateí (antes de tudo por uma questão de volume; um é rio, o outro ribeiro). Junto do Ribeiro Piratininga estava situada a aldeia de mesmo nome, onde primitivamente habitava Tibiriçá, enquanto perto do segundo curso d’água, de volume maior, no alto de uma colina, se assentaram no princípio do segundo semestre de 1553 os índios que desejavam ser convertidos pelos padres de Jesus (numa aldeia a que os jesuítas atribuíram logo depois o mesmo nome de Piratininga). [Página 19]