1° fonte: Darcy Ribeiro
O elogio é um tanto mais compreensível quando se recorda que Mem de Sá, com suas guerras de sujigação e extermínio, estava executando rigorosamente o plano de colonização proposto pelo padre Manoel da Nóbrega em 1558. Esse plano inclemente é o documento mais expressivo da política indigenista jesuítico-lusitana. Em sua eloquência espantosa, um dos argumentos de que lança mão é a alegação da necessidade de por termo à antropofagia, que só cessará, diz ele, ponto fim "boca infernal de comer a tantos cristãos". Outro argumento não menos expressivo é a conveniência de escravizar logo aos índios todos para que não sejam escravizados ilegalmente. Senão vejamos:
[...] se S. A. os quer ver todos convertidos, mande-os sujeitar e deve fazer entender aos cristãos por a terra dentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhoriar como se faz em outras partes de terras novas [...]
Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa e terão serviços de avassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S. A. terá muita renda nesta terra porque haverá muitas criações e muitos engenhos, já que não haja muito ouro e prata. [...]
Esse parece também o melhor meio para a terra se povoar de cristãos e seria melhor que mandar pobres, como vieram alguns, e por não trazerem com que mercassem um escravo, com que começassem sua vida, não se puderam manter, e assim foram forçados a se tornar ou morrerem de bichos; e parece melhor mandar gente que senhoreie a terra e folgue de aceitar nela qualquer boa maneira de viver, como fizeram alguns dos que vieram com Tomé de Souza [...]
Devia de haver um protetor dos índios para os fazer castigar, quando o houvesse mister, e defender dos agravos que lhes fizessem. Este deveria ser bem salariado, acolhido pelos padres e aprovado pelo governador. Se o governador fosse zeloso bastaria o presente.
A lei que eles hão de dar é defender-lhes, comer carne humana e guerrear sem licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois tem muito algodão, ao menos depois de cristãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos; fazê-los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com esses padres da Companhia para os doutrinar. (Apontamentos de coisas do Brasil, 8 de maio de 1558 in Leite 1940: 75-87) [Páginas 50 e 51]