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Carta do Padre Manuel da Nóbrega ao Padre Miguel de Torres
08/05/1558
2 fontes

1° fonte: Darcy Ribeiro
O elogio é um tanto mais compreensível quando se recorda que Mem de Sá, com suas guerras de sujigação e extermínio, estava executando rigorosamente o plano de colonização proposto pelo padre Manoel da Nóbrega em 1558. Esse plano inclemente é o documento mais expressivo da política indigenista jesuítico-lusitana. Em sua eloquência espantosa, um dos argumentos de que lança mão é a alegação da necessidade de por termo à antropofagia, que só cessará, diz ele, ponto fim "boca infernal de comer a tantos cristãos". Outro argumento não menos expressivo é a conveniência de escravizar logo aos índios todos para que não sejam escravizados ilegalmente. Senão vejamos:

[...] se S. A. os quer ver todos convertidos, mande-os sujeitar e deve fazer entender aos cristãos por a terra dentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhoriar como se faz em outras partes de terras novas [...]

Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa e terão serviços de avassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S. A. terá muita renda nesta terra porque haverá muitas criações e muitos engenhos, já que não haja muito ouro e prata. [...]

Esse parece também o melhor meio para a terra se povoar de cristãos e seria melhor que mandar pobres, como vieram alguns, e por não trazerem com que mercassem um escravo, com que começassem sua vida, não se puderam manter, e assim foram forçados a se tornar ou morrerem de bichos; e parece melhor mandar gente que senhoreie a terra e folgue de aceitar nela qualquer boa maneira de viver, como fizeram alguns dos que vieram com Tomé de Souza [...]

Devia de haver um protetor dos índios para os fazer castigar, quando o houvesse mister, e defender dos agravos que lhes fizessem. Este deveria ser bem salariado, acolhido pelos padres e aprovado pelo governador. Se o governador fosse zeloso bastaria o presente.

A lei que eles hão de dar é defender-lhes, comer carne humana e guerrear sem licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois tem muito algodão, ao menos depois de cristãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos; fazê-los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com esses padres da Companhia para os doutrinar.
(Apontamentos de coisas do Brasil, 8 de maio de 1558 in Leite 1940: 75-87) [Páginas 50 e 51]



2° fonte: “A língua geral em São Paulo: instrumentalidade e fins ideológicos”. João Batista de Castro Junior, Universidade Federal da Bahia - Instituto de Letras - Programas de Pós-graduação em Letras e Lingüística
Substituir tais símbolos, recodificando psicolinguisticamente a mentalidade indígena, era tarefa das mais árduas. O ideal de transformar “selvagens em homens, e homens em cristãos, e os cristãos em perseverantes na fé” (BOXER, 1977:89) revelava-se, muitas vezes, um trabalho de Sísifo, como se vê das notas de desesperança que pervagam as cartas jesuíticas, especialmente de Nóbrega e Anchieta. Em missiva escrita já a 08 de maio de 1558, dez anos do início da obra missionária, o jesuíta português assim se lamenta (2000:290):

Depois que fui entendendo por experiência o pouco que se podia fazer nesta terra na conversão do gentio, por falta de não serem sujeitos, e pouca esperança de se a terra senhorear por ver os cristãos desta terra como sujeitos ao mais triste e vil gentio de todo o mundo, e ver a pouca ajuda e os muitos estorvos dos cristãos destas partes, cujo escândalo e 147 mau exemplo é bastante para não se converterem posto que fora o melhor gentio do mundo.






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