Fragmento do percurso escrito e assinado por Pedro Sarmiento sobre o ocorrido ao exército do general Diego Flores de Valdés, que iria fortificar e povoar o Estreito de Magalhães e datado no Rio de Janeyro em 1º de junho de 1583.
Além do pitoresco caso criminal, outro fator de mobilização da vila em torno da
armada foi desencadeado pela mais aguda solicitação de gado para o abastecimento das
naus de Valdés. Em junho de 1583, os camaristas se queixavam da “grande tormenta de fome” ocasionada pela remessa de gado para a armada de “sua Majestade”.
As culpas pareciam recair sobre Valdés. De fato, desde Sevilha, a tibieza do almirante chamava a atenção. Pedro Sarmiento era recorrente nas cartas quanto às dificuldades que Valdés colocava ao bom andamento da expedição. Ao que tudo indica, ir ao Estreito não deve ter empolgado muito o general asturiano, assim como não deve ter empolgado uma boa quantidade de potenciais povoadores e membros da armada que estavam estacionados no Rio de Janeiro.
Dentre os defensores de Valdés, citamos a
significativa carta do capitão Martim de Zumbieta, escrita também em 01 de junho de
1583, do Rio de Janeiro. Como a própria carta de Valdés, Zumbieta reforçava a
importância do Brasil para os interesses da Coroa.
Segundo Zumbieta, o problema das costas do Brasil era seu tamanho, além de
serem “continuadas con las del piru...y no lejos de la costa da mina e santomé...” E
arrematava: “las dilaciones siempre traen consigo grandes inconbenientes...” Via como
única solução a fortificação, a exemplo do que fora feito em São Vicente. Como
Antonelli, sugeria a fortificação do Rio de Janeiro. Entretanto, parecia não se fiar muito nos portugueses e, sob uma verdadeira proposta integracionista, recomendava que, “en todos los puertos e poblaciones desta costa del Brasil”, se colocassem gente de
Castela.242 Identificava certo clima de tensão, por causa dos padres, bispos e
administradores leigos muito “aficionados”, e aconselhava nomear gente de condições
mais “mansos quietos humanas y bien inclinados”, porque onde havia gente levantada
havia padres. Ao final, defendia as ações de Valdés, e dizia o quanto se apiedou do
almirante quando o encontrou em São Vicente “muy desconsolado de ber que la fortuna
le abia sido tan contraria em nesta jornada”. Para isentá-lo, desconfiava da real
possibilidade de defender o Estreito. Acreditava que a chave para a defesa da costa
estava no Brasil e no Rio da Prata, e não em Magalhães.
No quadro da viagem de Valdés, a capitania de São Vicente teve um papel bastante relevante. Segundo carta ao rei enviada em agosto de 1583, o almirante ressaltava a necessidade de que VM “no estime poco el Brasil”, pois apesar de pouco povoada, tratava-se de terra rica. A carta exaltava, recorrentemente, a importância de sua chegada num lugar que vivia sob clima de agitação e subversão, visto que a maioria das pessoas da terra era de gente vinda de Portugal e em quem não se podia confiar; além disso, ingleses e franceses frequentavam livremente o litoral.
Mas, nesse sentido, São Vicente parecia-lhe diferente, já que era “la (capitania) que VM tiene mas obediente en esta costa y de mejor gente y que es tierra de mas ymportancia que ay em estas partes.” As causas enumeradas, com base nas notícias que colhera, sustentavam a tese de que a terra era rica em minérios.
E essa riqueza seria de tal monta que a prata era melhor que a de Potosí. Existiriam ainda cerros de ouro e muito cobre, este último utilíssimo para os engenhos de açúcar. Havia indícios que mostravam a proximidade com as minas de Potosí de, no máximo, trezentas léguas: a circulação de muitos índios chiriguanos e de boatos, junto aos índios, de que no interior existiam homens brancos barbados.
Por fim, cita o caso de um português que matara alguém em São Vicente e fugiu a pé para o Peru, onde recolheu certa quantidade de prata antes de voltar a Portugal. Essas notícias davam a certeza a Valdés de que era temerário que a capitania ficasse sob a jurisdição
de um homem só, como o donatário Pero Lopes de Souza. Ela deveria, isto sim, por sua importância e riqueza, pertencer ao rei, que poderia “recompensar aquello en outra cosa antes que nada desto se entenda”
Segundo ele, escolhera três das maiores naus da armada, com seiscentos homens, para que voltassem a São Vicente e Rio de Janeiro, e ali
estacionassem e fortificassem a região até receberem novas ordens. Em São Vicente, recomendou que desembarcassem povoadores casados com seus filhos e mulheres para receber mantimentos, pois faltava muito na armada.
Depois de enviar Alonso de Sotomayor, pelo rio da Prata, ao Chile, empreendeu uma nova tentativa de cruzar o Estreito, mas de novo foi malsucedido. Para ele, tanto Sarmiento quanto o piloto Anton Pablo tinham dado informações erradas sobre a largura do Estreito, opinião, aliás, compartilhada por Antonelli. [Página 80]