A primeira confissão - No primeiro dia da graça, 29 de julho de 1591, compareceu à Mesa do Santo Ofício, sem ser chamado, o padre Frutuoso Álvares (65 anos), vigário da igreja de Nossa Senhora da Piedade de Matoim. Após fazer juramento com a mão direita sobre o livro dos evangelhos, prometeu dizer a verdade e confessou:
de 15 anos a esta parte que há que está nesta capitania da Bahia de Todos os Santos, cometeu a torpeza dos tocamentos desonestos com algumas 40 pessoas, pouco mais ou menos, abraçando, beijando, a saber, Cristóvão de Aguiar, mancebo de 18 anos. [...] E assim também tocou no membro desonesto [pênis] [de] Antônio, moço de 17 anos. [...] E assim com outros muitos moços e mancebos que não conhece nem sabe os nomes, nem onde estejam, teve tocamentos desonestos e torpes em suas naturas e abraços, e beijando, e tendo ajuntamento por diante e dormindo com alguns, algumas vezes na cama, e tendo cometimentos alguns pelo vaso traseiro [ânus] com alguns deles, sendo ele o agente, [ativo] e consentindo que eles o cometessem a ele pelo vaso traseiro, sendo ele o paciente, [passivo] lançando-se de barriga para baixo e pondo em cima de si os moços [...] [porém,] nunca efetuou o pecado de sodomia penetrando (ANTT, IL, proc. 5.846, fls. 2-3v).
Padre Frutuoso Álvares fez uma longa confissão. Além dos rapazes citados acima, mencionou, em especial, um moço4 chamado Jerônimo de Parada de 12 ou 13 anos quando se juntaram por 10 vezes e, ainda, muitos outros rapazes que não lembrava os nomes. A esta altura da confissão, Furtado de Mendonça o questionou se dizia aos seus cúmplices que tais torpezas não eram pecados. Respondeu: “alguns compreendiam que era pecado, outros, porém, por serem pequenos demais não entendiam”. Ele, contudo, nunca teve dúvida dos grandes pecados que amiúde cometia, estava muito arrependido e pedia perdão. O vigário de Matoim confessou, inclusive, que há mais de 20 anos, desde quando estava no Reino, vem sofrendo acusações e respondendo a processos pelos mesmos crimes. O visitador, ao que parece, ficou bastante impressionado, observando que o clérigo já era um homem velho, “sacerdote e pastor de almas”, cometera tantos atos torpes e que só há um mês os deixou de praticar. Admoestou-o para que se afastasse de semelhantes pecados e voltasse à Mesa no tempo determinado. [Página 4, 5, 6 do pdf]
Passados poucos dias, 17 de agosto de 1591, foi a vez do jovem Jerônimo de Parada(17 anos) fazer sua confissão. Relatou que há dois ou três anos, num dia de Páscoa, foi à casa do padre Frutuoso Álvares, “velho que já tem barba branca”, amigo do seu pai. Ao entrar, o clérigo começou a apalpá-lo, dizendo-lhe que estava gordo e outras palavras meigas, meteu amão pelo seu calção e acariciou sua natura [pênis] alvoroçando-a. Estando ambos na cama, com as naturas ajudantas por diante, embora o padre solicitasse, não houve polução[ejaculação] de nenhum deles. Passado um tempo, Jerônimo foi visitar seu pai que morava ameia légua de Matoim; chegando tarde da noite, preferiu agasalhar-se na casa do clérigo. Ao estarem na cama, como da vez passada, ele apalpava o falo do religioso, contudo, não houve mais que ajuntamento por diante (ibid., fls. 6-7).
Muitos dias depois, em Salvador, o clérigo pernoitou na casa da avó do rapaz. À noite,o religioso o convidou ao pecado nefando, mas Jerônimo se recusou. Então o padre lhe ofereceu um “vintém”; como ele achou pouco, lhe deu outro “vintém” e, assim, ambos tiraram os calções e deitaram-se na cama. Depois “de terem feito por diante”, o padre pôs-sede barriga para baixo e pediu que Jerônimo ficasse por cima. Dessa forma consumaram o crime de sodomia, o jovem metendo o seu membro viril desonesto no vaso traseiro do clérigo,com derramamento de semente (sêmen) intra vas.
Ante o exposto, o visitador lhe perguntou se o padre o advertiu sobre a gravidade dos pecados que cometiam. Jerônimo respondeu que sim, inclusive, que o vigário o aconselhou que se confessasse a ele mesmo, pois o absolveria (ibid., fls. 7v-8v). O que levaria Jerônimo a praticar tantos atos nefandos com o velho religioso? O estudante não parecia um moço ingênuo que ignorava a gravidade de sua conduta; certamente, não recebera dinheiro uma única vez. Aliás, deixou escapar que ao receber um “vintém” achou pouco, até que ganhou outro, o que sugere que negociações similares poderiam ter sido recorrentes.