Chegaram a uma região campestre arborizada de pinheiros. Viajando um mês, sofrendo muito de fome e moléstias, chegaram a uns montes, entre os quais havia um chamado Itapuca – serra das pedras compridas, – com pedras pretas, de mais de um metro de comprimento, e arredondadas como se fossem pedaços de madeira. Houve muita dificuldade em atravessar essa serra mateada de jequitibás e palmitos.
Seguiram-se vinte dias de viagem por uma região de campos pretos e secos, quase sem erva, que terminou junto a uma serra chamada Itawobo, “Serra de pedras verdes”. Com mais dois dias chegaram às margens do Rio Iawary; que, dizem, nasce nas montanhas de Potosi, no Peru.
Aí ficaram dois meses por terem achado roças plantadas pelos índios, porém abandonadas. Depois continuaram para adiante até outras roças, onde demoraram seis meses. Deste ponto o grosso da expedição voltou ao Rio de Janeiro, correndo o risco de ser atacada pelos Pories, Lepos, Tomenos e outras tribos.
Knivet e mais doze companheiros, ficando no sertão, construíram uma canoa e, descendo o Rio Iawary durante uma semana, encontraram uma pequena aldeia abandonada, onde acharam linhas de pesca tendo pepitas de ouro amarradas, bem como pedras coloridas, verdes, vermelhas, azuis e brancas. Tomaram o ouro e as pedras preciosas como demonstração de que não estavam longe de Potosi.
Depois de atravessarem essa região, chegaram os retirantes a um rio que corria do Tucuman para o Chile, expressão esta que, como vimos antes, equivale a dizer: --- correndo de leste para oeste, rio, que é o mesmo Tietê, no trecho a jusante do Salto de Itú, onde se detiveram quatro dias, “fazendo canôas para o atravessarem , pois havia tantos jacarés, que ninguém se atrevia a passa-lo a nado”.
Passado o Tietê, Knivet e seu séquito encaminharam - se para a montanha de todos os metaes, que, como vimos, é o muito conhecido morro de Araçoyaba, já a esse tempo explorado, e onde, conforme o próprio narrador, havia “diversas qualidades de metais, cobre, ferro, algum ouro e grande porção de mercúrio.”
Nessa montanha, descrita então como muito alta e toda despida de arvores, é que Knivet encontrou a cruz ali assentada por Pedro Sarmento, com uma inscrição assinalando a posse do rei de Espanha e uma pequena capela com duas imagens, uma de Nossa Senhora e outra de Cristo Crucificado, fato que muito aterrou os tamoios, os quais julgaram ver nestes sinais, a vizinhança de alguma povoação portuguesa, e, portanto, o perigo iminente de caírem em poder dos seus inimigos tradicionais.
Efectivamente, os portugueses já a esse tempo tinham começado uma povoação na localidade. Em 1591, Affonso Sardinha tinha ai mandado construir dois pequenos fornos para fundição de ferro.
Em 1599 ou começos de 1600, d. Francisco de Sousa, governador das minas, tinha mandado fazer alli as primeiras edificações, começando uma povoação que se chamou Itapebuçú. Knivet e seu sequito de tamoyos te riam chegado a essa montanha de todos os metais, a julgar-se pelas notações do narrador, ai pelos meados de 1599.
A capelinha e a santa cruz que, no local, encontraram, datariam decerto de alguns anos antes, talvez da época de Affonso Sardinha. Acalmados os tamoyos e persuadidos por Knivet a prose guirem na jornada para o mar, tomaram os retirantes o rumo proximamente do sul, procurando as terras auríferas do vale do Sarapohy e vizinhanças da atual Pilar. [p. 381]
Basílio de Magalhães, no seu já citado "Expansão geográfica", diz que a expedição de Martim de Sá, composta de 700 portugueses e 2000 nativos, teria partido não em 1596, como supúnhamos, mas em 14 de outubro de 1597, isto é, um ano após. Sendo assim, vê-se que nada teria de comum uma expedição com outra, a não ser a região do Parahyba percorrida por ambas. O que parece não restar dúvidas é quanto a participação dos paulistas na expedição de Martim de Sá. Esta teria sido uma reedição da de Salema, vinte e três anos antes. [O Bandeirismo Paulista e o recuo do meridiano, 1924. Alfredo Ellis Junior. Página 39. Páginas 55 e 56]
Knivet fazia parte da expedição do famoso pirata Cavendish, e escreveu a história de sua viagem que foi publicada em inglês no início do século XVIII.40
Cavendish foi náufrago e prisioneiro de Salvador Correa de Sá. Antonio Knivet integrou a bandeira de Martim de Sá, saindo do Rio de Janeiro em 1597, passando por Parati, Ubatuba, até o planalto. Ficaram aproximadamente um mês nas proximidades de São José dos Campos. A situação era de fome, pois nas aldeias só havia batata, e já haviam morrido 180 homens. A desordem e a indisciplina completaram o desastre. Nas margens do Jaguary dispersou-se a expedição e por outros trilhos começou a viagem de regresso.41
Antonio Knivet relatou sua viagem dizendo que desceu por uma semana o rio Jaguari com bandeirantes que procuravam seus inimigos Tamoios. A partir daí caminharam rumo sudoeste:
(...) fomos ter a uma montanha grande e selvagem e chegamos a um lugar cujo solo seco e de uma cor escura, crespo de colinas e penhascos, onde vários ribeiros tinham ai suas origens.42
A montanha era o morro do Lopo e, conforme Teodoro Sampaio, o rio seria o Guaripocaba de Bragança Paulista.43 [Páginas 9 e 10]