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¨ RASUL


Viagem
07/09/1926
1 fontes

1° fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXV, 1927
Excursionando...

Primeiro excursão (7 de setembro de 1926)

Manhã clara de setembro: nem fria, nem quente; fresca, suave e aromática como as manhãs primaveris de nossa terra. A gaze tenuíssima da cerração matutina adelga-se, esbate-se e some, mostrando-se o céu de cor rose-azulado, deslavado, desbotado, como lilases desabrochadas aos primeiros beijos do sol. A vista espraia-se na contemplação da paisagem rebrilhante como a de um esmalte de Limoges. A manhã é de setembro: de 7 de setembro, data gloriosa que engalana a alma brasileira e todas as cidades do país onde, panejam bandeiras desfraldadas.

Inicia-se a excursão. O automóvel ronca, buzina e parte. Roda, corre, quase vôa. A estrada, cor de ocre, serpenteia pela imensidade verde dos campos; sóbe as lombadas; desce os declives das colinas; desenrola-se em aterros pelos tabuões de águas encrespadas pelas virações; corta matagais sombrios, emaranhados e verdejantes, de velhas árvores esgalhadas e musgosas onde zumbem mosquitos e tatalam enxames de borboletas azuis; atravessa clareiras, abertas como claraboias no recesso da mata, perfumadas pelo cheiro forte dos balsamos, dos óleos e das reginas vegetais.

Passa nas lufadas de vento a fragrância perfumosa, rescendida da mata, das flores roxas do manacá. Fréchas de luz riscam de ouro o âmbito verde-negro de verdura. Cuitelos fendem o espaço como relâmpagos. Ressoa o canto longínquo do Paulo-pires.

A soberta vegetação, abundantíssima em jacarandá-rosa, óleo-vermelho, sassafraz, cedro, jequitibá, canela de veado, sucupira, aroeira rajada, crissiuma e páo d´alho, indica á vista atilada e experiente do caboclo, pela diferença das espécies arbóreas, a qualidade superior da terra de cultura.

É assim que Jéca conhece a terra - olhando a mata. Jéca não percisa de análise química ou geognóstica...

E o auto trepidando, roncando, buzinando, em vertiginosa carreira, vai "crispando" pela estrada a fora. As paisagens desfilam aos olhos do excursionista como em tela cinematográfica - rapidamente.

Ladeando a estrada, estirada nas elevações do planalto dilatam-se campos amarelentos, cobertos de cupins e entouceirados de barbas de bode e indaiás. Descortinam-se, do espigão, planícies verdes extensíssimas e as mais longínquas raias do horizonte recortado pela linha sinuosa de montanhas violáceas.

A rodovia sempre plana convida a corridas desenfreadas. Não há empecilhos. Raríssimas são as porteiroas. Substituem-nas os matadouros de grade.

Galgando distâncias, em furiosa disparada, o auto abre caminho, fonfoneando, por entre povoados. Passa o primeiro. Piragibú de Cima. Este, e Cajurú, são povoados na comarca de Sorocaba.

Rancharia de barro e sapé. Meia duzia de bilocas de lado a lado da estrada. Uma capelinha branca. Um coreto enfeitado de bandeirolas de papel multicor. Uma paineira velha sorrindo em flores cor de rosa... Um carro de bois, de roda quebrada, com um caboclo meio sentado, meio de cócoras, picando um rolete de fumo. Caipirada de ar aparvalhado espia da porta, espia da janela, espia atras um do outro... Caipira não olha... espia! Crianças matutas, magricelas e atarantadas, agarram-se ás saias de chita das mães. As mães fingem que não vêem... mas espiam "de banda". A cachorrada ladrando dispara em corrida atras do auto.

Galinhas voam em torvelinho esvoaçando penas brancas pelo ar. Porcos e leitões grunhindo fogem do caminho. Cabras espirrando e cabritos aos pinotes, trepam pelos barrando vermelhos. Um gato magro, seco, arrepiado, gato de caboclo, com o rabo espetado para o ar, atravessa a estrada como um corisco... excomungando a sorte, maldizendo da vida!

E o auto roncando sempre. Roncando e "chispando". Corre pelo campos. Passa o segundo povoado. Cajurú. É como o primeiro. Ranchos caipiras, cachorros escanzelados, gatos esfomeados, leitõezinhos chorões...

Numa volta de estrada surge inopinadamente um fantasma... Um fantasma não. Um espantalho de tico-tico... Também não. Um maturrango de barbicha esfarripada cavalgando seu matungo! Alto como um arganaz, magro como um arenque. Arqueia valentemente as compridas pernas pela pança do cavalicoque. Não vá o lazarento passarinhá á passagem da bicha que vem "trovejando"!... Passa o auto como uma bala levantando o poeirão da estrada. E some o Jéca "apurado" com o tordío na nuvem de pó.

Do alto cuma colina divisa-se o casario duma cidade. É Itú, Itú, a bandeirante. Itú, a fidelíssima, Itú, a republicana. Bem lhe assentam o gibão d´armas e o barrete phrygio. Bem lhe condiz a divisa "Amplior et liberior per me Brasilia". O auto atravessa a cidade que plange sonoramente pelos rilhões das igrejas. Na placidez, na quietude, na tranquilidade das ruas, dos casarões antigos de antigas rotulas, sente-se a nostalgia revogativa de um passado longínquo... passado envolvo em névoas de sonho, com expedições partindo para o "Eldorado" e sinhás moças de mantilhas em preces genufletidas diante de Nossa Senhora da Candelária... Linda e evocativa cidade! Relíquia de tradições bandeirantes! Velho coração paulista palpitante e sonhador!

Acelerando segue o auto. Salto de Itú. Anuncia-o o estrondejar das águas espumosas, branquejantes, turbilhonantes, precipitadas em avalanche na formidável queda. Depois, Indaiatuba. Depois, campos, novamente. Campos vastíssimos de jaraguá e catingueiro onde pascem nédias vacas com terneiros mamujantes. Voam Anús pretos que assentam balanceando nos chifres do gado deitado á sombra das caneleiras. Voam bandos de pintassilgos dos ingazeiros debruçados á beira dos rios. Voam curiós buscando os brejaes. Extensos renques de eucaliptos cortinam a estrada. Surgem as fazendas. Tapetes verdes de cafezais marchetam-se de pontos brancos das casas dos colonos. É o ouro verde paulista. Finalmente, Campinas. [Páginas 269, 270, 271 e 272]






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