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Manuel van Dale (f.1627)
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      1 de janeiro de 2022, sábado
O morador, o estante e o proibido: flamengos em São Paulo no contexto ...
Atualizado em 30/07/2025 07:01:28
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O morador, o estante e o proibido: flamengos em São Paulo no contexto da Monarquia Hispânica (1580-1640)Introdução1

Naquele ano de 1628, Madalena Holsquor, recém-viúva de Manoel Vandale, buscava resolver o inventário do marido falecido no ano anterior, para poder voltar à Bahia, de onde o casal havia saído cerca de três anos antes. Cornélio de Arzam lidava com as garras da Inquisição, que fora alcançar-lhe na meridional capitania de São Vicente. Pedro de Sauce tentava aproveitar um perdão real divulgado em Assunção para legalizar sua entrada na América, sem licença, pelo “caminho proibido” de São Paulo.

Em comum: todos flamengos, com suas trajetórias costuradas por passagens e permanências pela vila de São Paulo, na capitania de São Vicente, na terceira década do século XVII. Moradores como Ar-zam, estantes como Vandale ou proibidos como Sauce, classificados dessa forma, são paradigmáticos de uma certa alternância entre mobilidade e estabilidade nas primeiras décadas do século XVII, ressignificadas pelas novas possibilidades abertas pela espacialidade cada vez mais mundializada da Monarquia Hispânica (Gruzinski, 2014; Herzog, 2003).

Em um dos nós dessa trama, São Paulo, a pequena vila interiorana, acantonada num planalto depois dos contrafortes da Serra do Mar, se articulava ao litoral e ao sertão pelos caminhos fluviais e terrestres bem assentados sobre rotas indígenas seculares. E por ali as coisas andavam agitadas naquele ano: além da ansiedade e temor causados pela chegada do visitador do Santo Ofício; o governador do Paraguai, Luis de Céspedes Xeria, passava pela vila para tomar posse de sua governação, optando por fazê-lo pelo caminho proibido de São Paulo, que seguia pelo dificultoso rio Anhembi.

Em carta ao rei, escrita em 9 de novembro de 1628, apontou os moradores da vila como praticantes das “maiores maldades, traições e velhacarias”, que andavam pelas ruas portando escopetas.2 Nessa mesma ocasião, Xeria presenciou a mobilização de uma enorme entrada, formada por três companhias, e que reunia brancos, mamelucos e indígenas, com o objetivo de assediar a região guairenha, no Paraguai, para “recuperar” indígenas “fugidos”. A sucessão de entradas que atravessou os anos de 1628 a 1632 resultou, de fato, na destruição das cerca de 14 reduções jesuíticas da região, no esvaziamento de três cidades castelhanas, e na chegada a São Paulo de milhares de Guarani aprisionados como escravos. Ao final, Xeria terminou sendo acusado de cumplicidade com os “velhacos”.É neste cenário que a trajetória de três “estrangeiros”, flamengos, se conecta a São Paulo em tempos de união dinástica, uma conjuntura que claramente pesará nos destinos e movimentos de nossos personagens. A presença de flamengos, e de neerlandeses em geral, nas 1 Esta pesquisa se vincula ao projeto: “Intercambios culturales, transculturación y castellanización en los territorios del Reino de Portugal y Brasil durante el periodo de integración en la monarquía Hispánica y sus postrimerías, 1580-1668”, SA110P20, Junta de Castilla y León.2 Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia (ABNB). Correspondências. CACH88 [p. 2]

independentista atingiu os Países Baixos do Sul, que incluíam Flandres; assim como os do Norte, de holandeses e zelandeses. Em 1585, os Países Baixos do Sul – flamengos –, voltariam às mãos espanholas, mas o período de conflito gerara uma diáspora entre os habitantes da região (Israel, 1989). Antuérpia, assediada e saqueada pelas tropas espanholas, perderia gradativamente o esplendor que a tornara um dos centros da economia mundial, mas mesmo sobrepujada por Amsterdã e Hamburgo ainda guardaria relativa importância pelas décadas seguintes (Sluiter, 1967; Kellenbez, 1968; Stols, 1973). De todo modo, a identidade flamenga no seio do império espanhol Habsbugo, sempre considerada estrangeira, assim como a portuguesa, seria atravessada cada vez mais pelos atributos da heresia e rebeldia, mobilizando medidas legais e perseguições sazonais.

Em relação ao comércio com Portugal e Brasil, Felipe II inicialmente não o proibiria, mas as tensões crescentes com os “insubmissos” holandeses repercutiriam, inevitavelmente, na política global diante dos neerlandeses, o que incluía os flamengos. Felipe tentara, de modo infrutífero, colocar limites na hegemonia comercial neerlandesa em Portugal, e para tanto mandou apresar navios em 1585 e 1595, sem resultados concretos. Já seu herdeiro, Felipe III, por outro lado, iniciou o reinado ordenando novo apresamento geral, o que geraria um revide de uma armada holandesa que sitiou La Coruña, assediou as Canárias, e depois de uma desastrosa tentativa de atacar o Cabo Verde, uma parte chegou ao Recôncavo Baiano em 1599, onde causou alguns estragos. A criação da Companhia das Índias Orientais, em 1602, em Amsterdã, deixaria claras as grandiosas intenções dos “rebeldes”. Novas tentativas de cerceamento do comércio ocorreram em 1603; em 1604 uma armada holandesa sitiou a Bahia e, em 1605, o rei espanhol proibiu o comércio e a presença de estrangeiros no Brasil, dando-lhes um ano de prazo para que voltassem à Europa (Santos-Pérez, 2013; Santos-Pérez, Souza, 2006).

A “Trégua dos Doze Anos”, firmada em 1609, praticamente deixaria franco o comércio com o Brasil, que se manteve com certa regularidade até 1621, quando encerrou-se o pacto. A criação da Companhia das Índias Ocidentais, ainda em 1621, acendeu novamente o alarma das claras intenções neerlandesas de sacramentar sua hegemonia crescente no Atlântico. Os ataques sucessivos às frotas espanholas, e o assédio à costa das partes do Brasil, inclusive com a tomada de Salvador em 1624, são episódios desse processo. É, portanto, neste estado geral que nossos personagens se veem involucrados: entre uma presença costumeira e permissiva, e uma estrangeiridade suspeita e rebelde.

O estante

Em outubro de 1626, Manoel Vandale (Vandala, van Dale), padecendo de uma “enfermidade que o senhor foi servido” dar-lhe, providenciou seu testamento na vila de São [p. 4,]

Paulo. Depois das missas, velas e esmolas, encomendou seu corpo à tumba da Santa Misericórdia, sob os cuidados dos religiosos de Nossa Senhora do Carmo. Na sequência do ritual, como era comum, elencou suas dívidas, a imensa maioria a receber, as quais deixou à mulher, Magdalena Holsquor, “testamenteira e cabeça de casal”, ademais considerada “mulher nobre e das qualidades que SM manda”. O casal tinha três filhos, Maria de 12 anos, João de sete, e Francisco de cinco. Magdalena, contudo, não cuidaria sozinha do patrimônio, sendo escudada na vila por Antonio Pedroso de Alvarenga, nomeado curador dos órfãos; e Francisco Jorge, que se tornou procurador da viúva. Dentre as dívidas graúdas, algumas estavam na Bahia, como as de Balthazar de Aragão, de 2.000 cruzados, que deixava sob a responsabilidade da mulher e de Balthazar Ferreira; e outras em Portugal, sob os cuidados de Jeronymo Glocens. Estas dívidas ficariam fora do inventário dos bens do defunto, não sendo ali lançadas, já que os oficiais da vila não alcançavam aquela jurisdição e as consideraram meio “embaraçadas”.3

Na vila paulista, Vandale possuía um sítio sobre o qual ainda restava um débito de 13.000 réis. Ali, em meio a plantações de algodão, feijão, bananeiras e árvores de espinho, destacava-se uma casa de taipa de pilão, de dois lanços, com telhas e assobradada, com varandas e corredor. Entre seus bens pessoais, uma quantidade razoável de tecidos e roupas de boa condição, como toalhas de linho feitas em Portugal, tapetes, toalhas de mão de Flandres, lençóis de olanda, pavilhão de panos da Índia, colchas, almofadas, gibões, camisas e ligas de tafetá; ademais de couros para cadeiras de estado e sapatos feitos de “couro da terra”. Magdalena declarou ainda um vestido de picotilho, com saia e saio e suas guarnições, feito de veludo, bocaxim e tafetá que, sozinho, valia 8.000 réis; e uma mantilha que havia deixado no Rio de Janeiro.4Os bens móveis da casa denotavam algum refinamento, com suas caixas de cedro, baús, escritório, frasqueiras e um colchão forrado com pano de Flandres, item raro naquelas paragens de sertanistas. Alguma louça e objetos de cozinha, como tamboladeiras, colheres, garfos, saleiro de prata, almofariz e um espeto com suas grelhas completam um cenário no qual um relativo conforto urbano se misturava à rusticidade do ambiente rural. Uma “moleca do gentio de Angola”, chamada Izabel, e avaliada em 16.000 réis; e as “peças” do gentio brasílico, adjetivadas eufemisticamente de “forras”, também aparecem. Os indígenas eram arrolados, mas não se colocava seu valor: ali nomeia-se um casal, Apolônia e Pantaleão, com a filha Camilla, que se encontrava na casa de outro morador; e dois jovens, Antão e Eugênia.53 Arquivo do Estado de São [p. 5]

As dívidas que se deviam ao defunto somavam mais de 160.000 réis, e contava com dívidas em feijões postos em Santos, no litoral; outra parcialmente paga em milho; caixas de marmeladas, e uma de “recâmbios de uma letra” que Vandale havia passado a Pedro Taques, morador da vila, que ficara de cobrar junto a Jorge Neto Falcão em Pernambuco. Taques tinha sozinho um débito de 33.920 réis.Ao final, o inventário somou mais de 500.000 réis só na vila planaltina, portanto, sem contar os bens e dívidas da Bahia e Portugal. Um polpudo inventário naquela realidade de alguma precariedade econômica. Uma pendenga com o ouvidor-geral Luiz Nogueira de Brito, estacionado no Rio de Janeiro, causou algum transtorno, pois se quis emprestar o dinheiro dos órfãos com juros, ao que a viúva se posicionou contrariamente, alegando que “não se usou nunca nesta vila dar-se dinheiro a ganhos de órfãos”.6 Em meados de 1629, portanto pouco mais de dois anos depois, Madalena voltou à Bahia e desde ali providenciou uma carta precatória do juiz de órfãos solicitando a remessa do montante da fazenda que ficara na vila vicentina.A saga de Vandale encontraria em São Paulo apenas o seu desfecho, pois naquela localidade ele havia se instalado pouco antes de seu falecimento, talvez fugindo da situação na Bahia restaurada, já que existiam suspeitas de cumplicidade sua com os invasores holandeses da sede do Governo-geral, em 1624 (França, 1970). E não seria a sua primeira fuga ou deslocamento furtivo.Vandale era nascido em Amberes (Antuérpia), Flandres, provavelmente na década de 1570, mais ou menos quando as revoltas de cunho protestante e autonomista sacudiram os Países Baixos contra o império espanhol. Ao longo de boa parte do século XVI, a cidade fora um dos mais importantes centros comerciais da Europa (Braudel, 2009). Porto de estrangeiros e de negócios com América, Europa, África e Ásia. Os Vandale eram uma importante família de comerciantes que, além de manter negócios com açúcar na Antuérpia, havia também se estabelecido nas Canárias, ainda no século XVI (Brito, 2012).Não se sabe exatamente quando Manoel chegou à Bahia, mas teria ali já contraído matrimônio em meados da década de 1590. A esposa era Magdalena Holsquor (Hulscher), irmã de Evert Hulscher, conhecido pelo nome aportuguesado de Duarte Osquer, um dos mais importantes comerciantes de açúcar na Bahia, dono de navios e de um engenho em Itaparica em fins do século XVI, este, aliás, destruído nos ataques holandeses de 1604. Duarte era casado com portuguesa, atrelado às redes de governança na Bahia e “tão adaptado à sociedade colonial, que um dos filhos, Antônio da Trindade, entrou para a Ordem de São Bento, na Bahia, alcançando cargos muito elevados” (Xavier, 2018, p. 52).Os Hulscher formavam uma rede comercial, familiar, amplíssima, com integrantes em 6 AESP. “Manoel Vandale”. Inventári [p. 6]



  


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