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Carro usado: o comércio das mentiras
5 de janeiro de 198306/04/2024 12:57:09

Carro usado, o comércio das mentiras
Data: 01/01/1983
Créditos: Revista Quatro Rodas
(.271.

Um dos assuntos mais sérios que abordei em meu tempo de repórter na QUATRO RODAS resultou em uma das reportagens mais engraçadas que já fiz. Saiu na edição 270, publicada em janeiro de 1983.

A pauta era séria porque mostrava práticas desonestas de alguns comerciantes de carros usados, entre elas uma bastante difundida, que era a alteração da quilometragem registrada no odômetro, mas que se tornava cômica em razão das situações vividas durante a apuração.

Coube a mim e ao saudoso Nehemias Vassão (competente caçador de segredos das fábricas) a tarefa de investigar o que acontecia quando um particular queria vender seu carro nas lojas de usados e outro tentava comprar esse mesmo carro, ou um modelo semelhante, horas depois.

O carro usado por nós foi um Ford Del Rey quatro-portas 1982, verde metálico, que havia sido usado no teste de Longa Duração, que na época durava 30.000 km, e estava com pouco mais de 41.000 km.

Minha missão era me passar pelo particular que saía para vender e a do Vassão era a de verificar quanto os mesmos revendedores pediam pelo modelo igual ou semelhante.

Fizemos nossa pesquisa em São Paulo e no no Rio de Janeiro, só que na Cidade Maravilhosa usamos um Gol 1.3 1980, marrom, que também era da Abril e estava com a quilometragem mais elevada, 88.000 km.

Nossa aventura começou no centro de São Paulo, em uma região conhecida como Boca, que concentrava o comércio de automóveis usados naquela época.

Mal cheguei ao local, fui abordado por um corretor de carros, um tipo de profissional muito comum antigamente, que ficava nas esquinas oferecendo ajuda aos motoristas que queriam vender seus carros.

O trabalho deles era levar o proprietário até as lojas e, por isso, recebiam uma comissão, caso o negócio fosse fechado.

O comerciante falou que o carro era novo para ter rodado tanto e que, por isso, daria um “tapa”no odômetro

Na tabela de preços (em cruzeiros) da Quatro Rodas, o Del Rey quatro-portas 1982 valia Cr$ 1.750.000 (hoje, R$ 75.289, tendo o salário mínimo como referência) e o corretor, depois de uma rápida olhada, disse que conseguiríamos algo em torno de Cr$ 1.500.000, se vendêssemos para um de seus lojistas.

Na primeira loja, o dono disse que pagaria Cr$ 1.600.000 se o Del Rey fosse duas-portas, mas como era quatro-portas sua oferta seria de Cr$ 1.400.000. Argumentei que na tabela da Quatro Rodas o preço era maior e ele disparou:

“A revista não compra e nem vende carros. Já tenho esta loja há muito tempo e o cara que faz essa tabela nunca passou por aqui. Pra mim, ele só anda é de metrô”.

Uma concessionária Volkswagen ofereceu Cr$ 1.750.000 na base da troca por um modelo zero-km. E isso nos incentivou a ir a um revendedor autorizado Ford, onde achávamos que receberíamos provavelmente um valor maior.

Nessa concessionária da Ford, eu entrei dirigindo o Del Rey e o Vassão chegou em seguida, a pé, dizendo-se interessado em comprar um carro semelhante ao nosso.

No momento em que o comprador da loja me explicava que carro quatro-portas era difícil de vender, pois o brasileiro só gosta de modelos duas-portas (o que de fato acontecia na época), o vendedor, notando a resistência do Vassão em adquirir um modelo quatro-portas, dizia que por ser um carro de luxo, executivo, o Del Rey havia acabado com a má imagem do quatro-portas no país.

Outro fato engraçado foi quando eu entrei em uma loja da Avenida Santo Amaro, zona sul de São Paulo, e, eu não sabia, o dono era simplesmente o síndico do prédio em que eu morava. Sem saber o que dizer, falei que estava vendendo o carro da Editora Abril.

Disse que esperava pegar Cr$ 1.700.000. Ele achou caro, mas me explicou que só trabalhava com os modelos da Alfa Romeo, por isso não se interessava.

Só que, tão desavisado quanto eu, o Vassão entrou na loja na mesma hora para simular a compra de um Del Rey e o síndico, apesar de ter achado alto o valor que eu pedia, me chamou de lado e disse que iria tentar vender o carro para o Vassão, por Cr$ 1.800.000, ficando com Cr$ 100.000 de comissão.

Fingindo que não conhecia o colega de redação, aceitei que ele desse uma volta comigo para experimentar o carro. Saímos de lá e nunca mais voltamos. Depois, falei para o síndico que o negócio não foi fechado.

Decidimos vender o carro, de fato, não pelo maior preço que conseguimos, mas para uma loja em que um dos sócios, ao oferecer Cr$ 1.450.000, deixou escapar que o carro tinha pouco tempo de uso para somar quase 42.000 km rodados e que, por isso, teria que dar um “tapa” no odômetro.

Eu fechei o negócio e horas depois o Vassão chegou tentando comprar o carro, mas o vendedor nem deixou que ele visse o Del Rey.

Disse que o modelo tinha acabado de entrar no estoque e que precisaria de um “trato” antes de ser posto à venda.

Vassão voltou na data combinada com o vendedor e notou que, além de mais bonito, com a pintura polida, nosso Del Rey estava com apenas 11.218 km rodados e custando Cr$ 2.250.000, ou seja, 55% a mais do valor pelo qual foi comprado.

A esta altura do texto, você deve estar querendo saber o que aconteceu com o Gol. Depois de vender o Del Rey, em São Paulo, eu e o Vassão viajamos para o Rio de Janeiro, com o VW.

Nas primeiras lojas que visitamos, os comerciantes não se interessaram pelo carro. Mas, depois, conseguimos vender o Gol de fato por Cr$ 700.000, em uma loja do bairro da Tijuca, na zona norte da cidade.

Trinta minutos depois do negócio fechado por mim, o Vassão entrou na revenda falando que queria comprar um carro barato.

Ofereceram um Opala, mas ele recusou. O dono da loja então disse que havia um Gol que acabara de chegar e convidou o repórter a entrar no fundo da loja, onde um funcionário mexia no painel do veículo.

Ainda distante do carro, o comerciante gritou para o funcionário: “Terminou de trocar a bateria?”. Diante da resposta afirmativa, o vendedor deixou Vassão examinar o carro, cujo odômetro já marcava 18.113 km.

A loja carioca pediu apenas Cr$ 150.000 a mais sobre o valor pago, porém, quando o Vassão falou que achava a quilometragem muito baixa para o ano e o estado de conservação daquele modelo, o dono da loja fez o seguinte comentário:

“Esse carro era de um diretor da Editora Abril, sabe? Ele fica lá numa sala com ar-condicionado e sem fazer nada. Por isso, o carro não anda.

Em qualquer ramo de atividade sempre houve bons e maus profissionais. Naquela época não era diferente. Com certeza, nem todas as lojas adulteravam os odômetros.

Mas era um tempo em que a tecnologia tornava fácil esse tipo de fraude e a quilometragem baixa era importante porque os motores não duravam tanto quanto hoje em dia.

Jornalista, trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Sennae 25 anos na Audi
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“Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan [pau-brasil]. Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra ? Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. — Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? — Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? — Para seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. — Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também ? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.

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Aprendi mais, e ainda agora creio, como indubitável, que uma vez dado o direito, dado é também o meio de o conservar e recuperar, quando invadido; pois que a obediência cega é o antagonismo da espontaneidade, que constitui a essência do ente moral chamado homem; e que isto se não modificava no estado social com a criação de um governo.
Rafael Tobias de Aguiar (1794-1857)
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