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Ferrovias: Educação, trabalho e juventude
11 de junho de 200605/04/2024 09:15:17

Oficina da E.F.S.
Data: 01/01/1928
Créditos: Fon Fon/RJ
Alunos da Escola Politécnica de SP (efs) (fepasa) (vila Santana) .237.

Maria Angela Borges Salvadori - Educação, trabalho e juventude: Os Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional e o perfil do jovem ferroviário.

Os Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional foram escolas técnicas criadas por diversas companhias férreas do estado de São Paulo, voltadas para a formação de jovens ferroviários.

A Sorocabana foi pioneira nesse processo, enviando anualmente alguns alunos para a Escola Mecânica anexa ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

As primeiras iniciativas ocorreram em 1924 e os resultados levaram ao projeto mais amplo de criação dos Centros.

Em 1931, começava a funcionar o Curso de Ferroviários na Escola Profissional de Sorocaba.

Em pouco tempo, a iniciativa privada das companhias de trens contou com o apoio e subsídio do governo do estado de São Paulo:

Em 1934, por meio das Secretarias de Educação e Saúde Pública e de Viação e Obras Públicas, eram criados os Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional que rapidamente se expandiram pelo território paulista, servindo também de modelo para iniciativas do gênero em outras partes do Brasil.

Em 1937, já existiam nove centros localizados nos municípios de Jundiaí, Rio Claro, Campinas, Araraquara, Bebedouro, Bauru, Pindamonhangaba, São Paulo e Sorocaba.

Tais escolas mantinham cursos diretamente voltados para a formação do pessoal das oficinas (Diretoria de Recursos Humanos da Ferrovia Paulista S. A., s/d).

Este texto traz uma análise preliminar das propostas e ações desses centros ferroviários de ensino e seleção profissional, articulando-as tanto às discussões sobre o movimento operário quanto à construção de mecanismos de medição e definição do perfil do jovem trabalhador ferroviário que implicaram em diferentes concepções de juventude, particularmente aquelas relacionadas à experiência dos jovens das classes populares.

Em outras palavras, trata-se de pensar as relações entre juventude, trabalho e educação a partir das práticas de seleção e formação utilizadas por algumas das empresas ferroviárias paulistas.

Neste sentido, pretende estabelecer um diálogo com o artigo de Bianca Barbagallo Zucchi relativo às ações da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, publicado na Revista Histórica n.º4, de agosto de 2005.

Entender tais práticas - bem como as visões de juventude que elas, simultaneamente, veiculam e ajudam a construir - implica relacioná-las ao contexto mais amplo do mundo do trabalho, particularmente no final dos anos 1910 e início dos anos 1920.

Os cursos de ferroviários nasceram ligados aos projetos de uma geração de engenheiros da Escola Politécnica que, influenciados pelos princípios tayloristas introduzidos no país pelo industrial Roberto Simonsen por volta de 1919, apostaram na preparação “racional e metódica” da mão da obra.

Assim, por exemplo, o escritório de Ramos de Azevedo (por três décadas diretor do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo) foi um dos pioneiros na introdução dos padrões tayloristas de organização da produção levando-os conseqüentemente às propostas educacionais do Liceu.

O engenheiro Roberto Mange, professor de desenho de máquinas na Escola Politécnica de São Paulo, um dos fundadores do IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho) no início da década de 1930, foi por anos diretor da Escola Mecânica anexa ao Liceu, de onde nasceram, tempos depois, os Centros Ferroviários (MORAES, 2003).

Nesse processo, Mange foi também responsável por estabelecer parcerias com o Instituto de Higiene de São Paulo, particularmente com sua seção de psicotécnica, para a incorporação dos princípios da ciência psicológica e da psicometria nos métodos de seleção e formação profissional.

O surgimento destas escolas voltadas à seleção e formação do jovem trabalhador ferroviário deve ser compreendido num contexto de acirramento dos conflitos sociais e como tentativa, por parte dos empresários, de esboçar uma resposta aos avanços e conquistas do movimento operário, particularmente intenso entre os anos 1917 e 1920.

O próprio Simonsen, ao publicar seu Trabalho Moderno, em 1919, já salientava que o controle absoluto do processo produtivo - via mecanização e racionalização - seria um dos mais convenientes recursos para a repressão ao movimento operário, constituindo-se numa das primeiras falas de economia política no Brasil (DE DECCA, 1984).

Organizar o trabalho, promover a saúde e propiciar a educação tornam-se, a partir da década de 1920, três questões básicas por meio das quais devem ser equacionados os problemas sociais brasileiros. As palavras de Maria Antonieta Martinez Antonacci podem bem sintetizar este projeto:

[...] o domínio patronal se materializa na crescente divisão do trabalho, na hierarquização das funções, na burocratização/requalificação dos trabalhadores, na operacionalização da Psicologia, da Fisiologia, Higiene, Sociologia do Trabalho, etc.

Todos estes recursos, destinados a simplificar e padronizar o processo de trabalho para reduzir as várias maneiras de executar uma tarefa a uma única forma, racionalmente determinada e facilmente controlável, foram apreendidos em sua historicidade.

E as perspectivas uniformizantes que desencadearam, como meios para destruir processos de trabalho organizados com base no "saber-fazer" do operário, nas formas de intervenção e adaptação autônomas dos trabalhadores, abriram espaços para reorganizações através de princípios e normas que, por serem "científicos", eram externos aos trabalhadores. (ANTONACCI, 1993, p. 10).

Em síntese, trata-se de analisar os Centros Ferroviários a partir de sua constituição em um contexto de construção de um modelo de modernidade para o país, particularmente para São Paulo, que se articula no entrecruzamento dos saberes médico, educacional e da engenharia e na aposta em um padrão de ciência racional, cartesiana e positivista.

Assim, ao saber médico, especialmente em sua ênfase sobre as preocupações com a higiene, caberiam os cuidados com o corpo; à educação, caberia a tarefa maior de construção da nacionalidade a partir da formação moral e instrução técnica dos brasileiros e, finalmente, à engenharia, caberiam as preocupações com a organização dos espaços, desde os pequenos espaços - a moradia salubre, por exemplo - até os grandes espaços do trabalho - a fábrica - e de circulação de pessoas e mercadorias - as ruas, os bairros, as cidades (HERSCHMANN, PEREIRA, 1994, p. 13).

Esta estreita relação entre saúde, trabalho e educação pode ser verificada em vários artigos publicados na Revista de Educação, ligada à Diretoria Geral do Ensino do Estado de São Paulo, em especial nos anos 1930.

O volume VI, de junho de 1934, por exemplo, reproduzia a palestra feita por Juventina Santana no Centro de Cultura Intelectual de Campinas.

Preocupada com a "complexidade do problema social" após a Primeira Guerra Mundial, a autora entendia que os conhecimentos médicos eram fundamentais para o bom andamento das sociedades, pois erros na escolha da profissão conduziam a problemas de "revolta" e mesmo ao crime e/ou à vadiagem.

Assim, a medicina tanto deveria contribuir para o estabelecimento de condições físicas específicas exigidas por diferentes ofícios quanto, na vertente psiquiátrica, garantir uma análise objetiva das disposições mentais dos indivíduos em relação às profissões que, por ventura, viessem a escolher (Santana, 1934, p. 56).

Considera-se neste trabalho que é no interior desse projeto autoritário de modernidade - cuja implantação, contudo, não ocorre sem resistências - que devem ser pensadas as propostas de educação profissional em geral e de formação do ferroviário, em particular.

A idéia do controle aparece em diferentes documentos relacionados aos Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional.

Numa "Separata dos Relatórios referentes aos anos de 1930 a 1933", publicada pela Estrada de Ferro Sorocabana em 1934, especialmente dedicada à análise das ações educativas do Centro, afirma-se que, "em vista do caráter industrial desses dois últimos anos de instrução (caracterizada no texto como sendo de regime "menos escolar e mais industrial"), o mestre instrutor não tem mais influência direta sobre a formação do aprendiz" (p. 10); no primeiro número da Revista Idort, Roberto Mange defendia os métodos dos Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional, baseados na nítida separação entre os espaços dos aprendizes e o espaço operário da fábrica e no uso das séries metódicas, em substituição à presença de um mestre instrutor; segundo ele, no modelo anterior de aprendizado, “[...] os aprendizes são jogados na oficina de trabalho, aprendem como querem e como podem e não raro copiam processos defeituosos de trabalho, adquirem vícios" (MANGE, 1932, p. 16).

Observa-se, portanto, um esforço em isolar o aprendiz do contato com os demais ferroviários, entendendo este contato como nocivo, como ameaça de contágio.

As falas dos envolvidos na criação e manutenção desses centros, aliás, são plenas de metáforas ligadas à saúde e ao corpo, metáforas que encontram na imagem da própria ferrovia enquanto sistema circulatório um de seus emblemas.

Ainda de acordo com Mange, a saúde do "corpo nacional" dependia, assim, dos "portadores da ação vitalizadora - os glóbulos vermelhos", ou seja, os ferroviários. Daí a emergência dos esforços para a boa seleção e bom preparo do futuro trabalhador ferroviário (MANGE, 1936, p. 6).

O historiador Alcir Lenharo, estudando os anos 1930 e, depois, o período do Estado Novo, entre 1937 e 1945, mostrou a recorrência desta aproximação entre corpo e sociedade ou, em outras palavras, o uso recorrente da metáfora do corpo para “diagnosticar e medicar a sociedade”, enfatizando o caráter conservador destas comparações:

“quase sempre se visa a obtenção de métodos políticos apropriados à preservação da estrutura social tal como se encontra; poucas vezes tem-se em mira transformá-la” (LENHARO, 1986, p. 139).

Olhar para as práticas desses Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional implica também em considerar as especificidades desta escola que, embora se diferenciasse das demais, de ensino "regular", chamava para si procedimentos que estavam vinculados claramente à educação naquele período:

organização de classes homogêneas, seleção de alunos, orientação vocacional, seriação, exames, crença no papel regenerador da educação, vinculação entre escola, educação, higiene e saúde como vetores para a construção da nação e, em especial, a inclusão dos conhecimentos produzidos pela psicologia experimental então considerados alicerces de uma pedagogia científica.

Simultaneamente, os Centros eram também fábricas nas quais os alunos, enquanto aprendiam, produziam peças que eram efetivamente utilizadas na ferrovia e nas quais os símbolos do trabalho fabril eram bastante evidentes:

as máquinas, os uniformes de trabalho, os logotipos das companhias, a distribuição dos espaços, entre outros.

E, ainda, estudar tais centros ajuda a pensar sobre os significados sociais atribuídos à juventude ou, antes disso, o modo como essa categoria foi pensada e construída naquele período, particularmente com a influência dos saberes médico, biológico e psicológico.

A experiência de seleção de futuros alunos nos Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional indica que a psicologia, ou uma certa psicologia de forte influência nos meios educacionais e escolares naquele período, e a psicometria promoveram uma leitura da juventude - de modo especial da juventude operária, já que assim podemos chamar esses jovens que prematuramente, logo após o término da escola primária, com cerca de 13 anos, ingressavam no mundo do trabalho, ainda que pela porta da escola - que buscava individualizar a experiência e desqualificar o sujeito a partir de sua sujeição a todo um sistema de classificação cujos critérios lhe eram exteriores ou alheios, porém impostos como verdadeiros já que oriundos de conhecimentos científicos.

O que se observa é a valorização do diagnóstico do especialista - o médico, o psicólogo e o engenheiro - nos processos de recrutamento de futuros alunos em detrimento da vontade do sujeito, da sua escolha, o que significa pensar em estratégias de poder muito próprias da modernidade que, pautadas por um padrão iluminista de ciência e de racionalidade, justificam-se e ganham legitimidade.

Assim, o princípio dessa nova formação era o apagamento da condição do trabalhador ferroviário em relação ao seu pertencimento a um grupo e um esforço por dar-lhe uma nova identidade que, construída a partir do ingresso nos CFESP, vinculava-se mais a atributos e qualidades individuais - dimensão do tórax, habilidades motoras, acuidade visual, rapidez de gestos, aspectos do desenvolvimento mental e emotivo, desenvoltura no tratamento com as séries metódicas - do que por uma experiência social compartilhada.

Esta "sujeição do sujeito" buscava operar desde os processos de escolha dos futuros alunos até os cursos de aperfeiçoamento mantidos pela instituição.

Neste sentido, cabem bem aqui as primeiras falas de Benjamin sobre a noção de experiência, em 1913, quando era ainda bem jovem. Àquela época, ele afirmava ser a experiência uma "máscara do adulto", "inexpressiva", "impenetrável", sempre a mesma.

Benjamin (2002, p. 22) dizia que dois tipos de pedagogos se debruçam sobre os jovens: uns, cheios de experiências, complacentemente esperam que os arroubos juvenis sejam aniquilados pelas responsabilidades impostas pela idade adulta; outros, segundo ele ainda mais cruéis, "querem nos empurrar desde já para a escravidão da vida".

Nos anos 1930, a proposta de formação profissional conduzida pelo CFESP pareceu aproximar-se mais desta segunda opção.

Bibliografia

ANTONACCI, Maria Antonieta Martinez. A vitória da razão (?). São Paulo: Marco Zero, 1993.

BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34: 2002.

DE DECCA, Edgar Salvadori. “A ciência da produção: fábrica despolitizada”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, p. 47-79 (n.º 6).

FEPASA (Diretoria de Recursos Humanos). A ferrovia no Estado de São Paulo e a capacitação profissional, 1930-1980. São Paulo: FEPASA, s/d.

HERSCHMANN, Micael, PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. “O imaginário moderno no Brasil”. In. HERSCHMANN, Micael, PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (Orgs.). A invenção do Brasil moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 9-42.

LENHARO, Alcir. A sacralização da política. Campinas, SP: Papirus, 1986.

MANGE, Roberto. Ensino profissional racional no Curso de Ferroviários da Escola Profissional de Sorocaba e Estrada de Ferro Sorocabana”. In: Revista IDORT, São Paulo, ano I, número 1, janeiro de 1932, p. 16-38.

MANGE, Roberto. Formação e Seleção Profissional do Pessoal Ferroviário. São Paulo, Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional, 1936 (Publicação n.º 1).

MORAES, Carmem Sylvia Vidigal. A socialização da força de trabalho. Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2003.

SANTANA, Juventina. “A orientação profissional e o que neste sentido tem feito o S.P.A. do Instituto Caetano de Campos em São Paulo”. In: Revista da Educação. São Paulo: Diretoria Geral do Ensino do Estado de São Paulo, vol. VI, junho de 1934, p. 51-69.
Ferrovias: Educação, trabalho e juventude
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É de notar que em época tão remota já o fundador de Sorocaba tivesse construído a maior ponte que existiu em todo o sul do Brasil até o Senhor D. Pedro I.
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