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Como surgiu o termo “cecê”?
5 de fevereiro de 194711/04/2024 04:11:20

Sabonete Lifebuoy
Data: 15/02/1947
Créditos: Revista O Cruzeiro - Belo Horizonte
(.271.

A origem do vocábulo parte de uma propaganda de sabonetes. A campanha publicitária americana do produto fez grande sucesso ao exaltar a capacidade de combater o B.O.: ‘body odor’ (ou o odor corporal).

Na década de 1940, o produto começou a ser comercializado por aqui com a mesma estratégia publicitária.

Mas, para adequar a linguagem ao público brasileiro, traduziu-se B.O. para C.C., o cheiro do corpo. Consequentemente o termo se popularizou pelo Brasil de tal forma que foi incorporado à língua.

Cabe analisar a oferta de produtos de higiene pessoal que prometiam eliminar uma nova ameaça: o "cheiro de corpo" - "CC".

Em séculos anteriores exalar seu próprio cheiro era algo natural, assim como os próprios odores oriundos de locais considerados, potencialmente, fétidos, como a axila, a boca e o corpo de maneira geral.

Todavia, em meados do século XX, exalar um cheiro natural do corpo tornara-se sinônimo de falta de higiene e de atraso.

A campanha publicitária do sabonete Lifebuoy promovia explicitamente o combate ao "CC" já nos anos 1940. O anúncio era categórico:

Nada de "C.C." (cheiro de corpo) comigo... - Uso Lifebuoy. Sua garantia está no odor puro e refrescante de Lifebuoy. Lifebuoy contém o elemento especial que de fato evita o "C.C.".

E, embora seu odor DESAPAREÇA quase instantaneamente, a ação protetora de Lifebuoy se prolonga por muitas horas.

Você sentirá em todo o corpo uma agradável sensação de frescor, a dar-lhe a certeza de que sua pele, deliciosamente limpa e macia, está mais resguardada e encantadora do que nunca. Lifebuoy é um grande sabonete.

O cheiro defendido pelo anúncio do sabonete Lifebuoy, acima, possuía duas dimensões. A primeira, inerente ao produto: o extermínio do "cheiro de corpo" - "C.C." - e a promessa de uma pele limpa e macia, livre de seu odor natural.

A outra se referia ao próprio aroma do produto. O sabonete Lifebuoy diferenciava-se de outros sabonetes pela defesa da saúde e por seu cheiro nada agradável, de desinfetante.

O objetivo do produto não era ser perfumado, mas exterminar o "cheiro de corpo". Afinal, o que era pior: cheirar a "C.C." ou utilizar um sabonete com cheiro desagradável, mas que, como prometia o anúncio, desapareceria em pouco tempo?

E mais: o odor de desinfetante do sabonete poderia conferir-lhe características de um remédio, capaz de curar o mau odor exalado pelo corpo.

Entre os diferentes produtos e marcas, destacamos os anúncios do sabonete Lifebuoy, analisando sua trajetória desde a autoproclamação de combate ao "C.C." até se tornar um produto bactericida que prometia proteger a saúde da família.

Ao mesmo tempo, analisamos outros anúncios de diferentes marcas buscando comparar os diferentes discursos em torno da substituição do natural pelo artificial.

Outro produto também levado em consideração é o desodorante. Com o silenciamento em torno do "CC", esses produtos tomaram para si a missão de exterminar o "mau hálito das axilas".

Os anúncios deste e de outros produtos serviram-nos de fontes para discutir a questão da necessidade do extermínio do mau cheiro exalado pelo corpo. Feito que, conforme essas mesmas fontes, só era possível graças ao advento de produtos oriundos das indústrias químicas, farmacêuticas e cosméticas.

Lançada pela Unilever, no Brasil, a campanha do sabonete Lifebuoy começou a ser veiculada em 1937 nas rádios brasileiras com o jingle.

"Este é o tal que não usa Lifebuoy", de autoria do publicitário Rodolfo Lima Martensen. Em seu livro de memórias, esse publicitário relatava que a ideia era demonstrar que o odor da transpiração afastava os amigos e as mulheres, e transformava o "tal" num renegado, num marginalizado pelo próprio corpo".

O mesmo Martensen foi o criador do termo "C.C." - "cheiro de corpo" -, que ainda hoje é utilizado como sinônimo de mau cheiro.

Na ocasião do lançamento do sabonete, Martensen traduziu, literalmente, a expressão body odor - "B.O." -, das campanhas nos países de língua inglesa.

A incorporação do verbete "Cê-cê - s. m. - cheiro de corpo, fedor de suor; cê-cê" ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, pode ser considerada um indicador de que a preocupação com os odores naturais ainda se faz presente e de que a campanha conseguira ganhar a atenção dos potenciais consumidores.

Martensen fora contratado para reabrir a agência de publicidade Lintas e promover a marca Unilever no país.

Os executivos da Unilever no Brasil identificaram dois pontos que deveriam ser trabalhados. Um era o fato de considerar o brasileiro um "povo essencialmente limpo".

O segundo argumento era de que, em 1937, o desodorante ainda não era um produto acessível a todos. Dessa maneira, a Unilever oferecia a solução a um baixo custo por meio de um produto acessível.

Ao mesmo tempo, não precisou investir em outra mudança de hábito, o uso do desodorante, produto até então não incorporado no cotidiano do brasileiro.

Nesse primeiro momento de campanha no Brasil, a finalidade do Lifebuoy era ser um sabonete desodorizante e desinfetante, especialmente para aqueles que não podiam (e nem pensavam em) comprar um desodorante.

Martensen relembrava ainda que a escolha de um brasileiro para o comando da campanha para vender sabonete a uma população considerada asseada pelos estrangeiros teria sido uma estratégia acertada da Unilever.

Apesar dessa visão positiva do publicitário escolhido para desenvolver a campanha, outros profissionais, como o publicitário Edeson Ernesto Coelho, classificou a estratégia da campanha contra o "C.C." como o "maior desastre publicitário brasileiro":

"ninguém queria comprar Lifebuoy, ninguém encarava. (...) O sujeito não podia entrar (...) e falar: "Me dá um Lifebuoy". Todo mundo olhava, se afastava, tinha gozação etc.".

Ao colocarmos de lado a discussão publicitária sobre o fracasso ou sucesso da campanha, o fato é que essa lembrança de Coelho evidencia o temor existente em relação ao "cheiro de corpo".

Comprar o produto era encarado como uma confissão de fedor. Mesmo que se afirmasse: "Nada de "C.C." comigo... Uso Lifebuoy", a suspeita instalava-se. Ninguém queria ser condenado por exalar um cheiro desagradável.

Ainda mais que no mercado de bens de consumo da década de 1950, o bom cheiro poderia ser adquirido por meio de diferentes produtos que garantiriam a ocultação/eliminação do "CC" e também prestígio e sucesso pessoal. Em alguns casos, diriam os anúncios, os maus odores causariam até mesmo fracasso profissional.

Esses posicionamentos em relação à compra do sabonete Lifebuoy denotam a ambiguidade do produto. Adquiri-lo poderia ser considerado como uma confissão de seus próprios fedores.

Ao mesmo tempo, se não se corresse o risco de ser apontado como "malcheiroso", sem o sabonete o "CC" permaneceria.

A dubiedade do produto ilustra o próprio empenho da publicidade em transformar potenciais consumidores em compradores de fato, ao tentar convencê-los a substituir o uso de produtos caseiros, tais como o sabão de cinzas ou o banho de cheiro preparado com ervas aromáticas.

Classen, Howes e Synnott consideram o apelo contra o "cheiro de corpo" como estratégia perfeita para uma campanha de marketing que se baseava em "medos anônimos" [nameless fears]:

"os indivíduos não percebiam seu próprio cheiro, também não conseguiam visualizá-lo no espelho, nem mesmo os amigos mais próximos poderiam mencionar esse mau odor".

Dessa forma, a campanha do Lifebuoy também inaugurou, no Brasil, a possibilidade de se abordar o tema abertamente, desafiando esses "medos anônimos" apontados por Classsen, Howes e Synnott.

Ao longo das décadas de 1940 e 1950, a estratégia da campanha deslocou-se da defesa explícita do combate ao "CC" e se voltou para a valorização do perfume do Lifebuoy. A eliminação do termo "CC" das campanhas do Lifebuoy cedeu lugar a uma "perfumada proteção por muitas horas".

Esse silenciamento em relação ao termo apresentava um sabonete capaz de eliminar o cheiro (antes mesmo de seu aparecimento): "... o novo Lifebuoy elimina o odor da transpiração antes mesmo que ele apareça!".

A utilização explícita do cê-cê foi substituída pela presença prolongada do perfume do sabonete e da prevenção contra o odor da transpiração.

Essa estratégia parece confirmar o que Coelho criticara sobre a negatividade da campanha em que se pregava a eliminação do "C.C.".

Isso não significa que o temor em relação ao mau cheiro de corpo tenha desaparecido dos argumentos dos anúncios.

O oferecimento de uma "perfumada proteção por muitas horas" ou de eliminar o "odor da transpiração antes mesmo que ele apareça", trazia implícita a ideia do mau cheiro.

A campanha publicitária indicava também a possibilidade de se adquirir saúde por meio de um produto, que ultrapassaria sua função básica de limpeza.

O sabonete, fabricado "cientificamente", garantiria também saúde. O elemento purificador responsável pelo bom cheiro do sabonete e pelo combate ao odor do suor, também colaborava na manutenção da saúde das crianças e das famílias, e no combate aos micróbios.

"Cuidado com o perigo das impurezas. Na poeira, no chão, em tôda parte! Só o sabonete Lifebuoy possui o ingrediente purificador que protege a saúde".

O combate ao perigo da sujeira e dos germes também foi adotado pelos anúncios, seguindo esse apelo sobre a preservação da saúde. A ameaça dos germes foi uma tônica adotada também por outros anunciantes e produtos.

Em meio a todos esses argumentos do Lifebuoy é necessário destacar aquele discutido neste artigo: a transformação de um sentido, no caso o bom cheiro, num bem material. Agradar ao olfato alheio e não se tornar um incômodo se tornava possível graças a determinadas mercadorias disponíveis na farmácia ou mercado mais próximo.

Fonte: O "CC" e a patologização do natural: higiene, publicidade e modernização no Brasil do pós-Segunda Guerra Mundial

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