| 13 de dezembro de 1821, quinta-feira. Há 203 anos |
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| | | O Brasil, embora ainda sob domínio da coroa portuguesa, já não sofria a rigidez do controle de Portugal, outrora presente nas capitanias hereditárias e no início do regime colonial. Em 1821, às vésperas da emancipação brasileira da corte, novos ensaios de mudança da capital dariam os primeiros passos para sair do papel — e pelas mãos de integrantes do governo vigente na colônia.
Nas perspectivas de José Bonifácio, vice-presidente de São Paulo, Brasília também era possível fora do imaginário. Por meio do documento intitulado “Lembranças e apontamentos do governo ‘provizorio’ da Província de S. Paulo”, o estadista aproveitou a influência política para plantar as ideias de mudança da capital dentro dos meandros da legislatura brasileira.
Nesse documento, Bonifácio sugere a transferência da capital do país para o interior. E, incrivelmente, já propõe que ela se instalasse próxima de onde de fato ficou. Sua sugestão era que o Paralelo 15 — entre os graus 15º e 20º, que dividem o planeta horizontalmente, cortando, no Brasil, partes dos atuais estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, além do Distrito Federal — fosse a região delimitada para estabelecer a nova cidade. Bonifácio sugeriu dois nomes para a nova cidade. O primeiro era Petrópole, clara homenagem ao imperador. O segundo nome proposto pelo Patriarca da Independência era Brasília.
Assinado por ele como presidente da Província de São Paulo, por João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg, e pelo brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão III, e aprovado pelo Palácio do Governo de S. Paulo em outubro de 1821, o documento enviado à corte elenca, na nona posição dos “Negócios do Reino do Brasil”, as justificativas para a proposta. E as razões são as mesmas destacadas nos primeiros capítulos desta série especial publicada pelo Jornal de Brasília.
Em primeiro lugar, a questão da segurança: “Deste modo [mudando a capital para o interior do Brasil], fica a Corte ou assento da Regência livre de qualquer assalto e surpresa externa”. Já com um histórico vulnerável no litoral, a questão foi a principal dentre as sugestões.O segundo argumento trata da superlotação da então capital brasileira, estimada em 150 mil habitantes, em 1821: “[…] e se chama para as Províncias Centrais o excesso de povoação vadia das cidades – marítimas e mercantis”. Vale lembrar que a população excedente da cidade carioca, somada à falta de saneamento básico e às abarrotadas vilas no Rio de Janeiro, aumentava nas mentes governantes as preocupações sobre a higiene e prováveis doenças.José Bonifácio também era um vanguardista quanto aos pensamentos sobre quem deveria ocupar as novas terras. Contrariando a economia local, que já perdurava há mais de três séculos nas terras brasileiras, ele pressupõe uma inovação em referência à forma de movimentar o mercado. Quem explica melhor é o professor Kelerson Semerene, coordenador do departamento de História da Universidade de Brasília (UnB).“Uma questão fundamental é que ele era contra a escravidão. Seja por razões humanitárias, por razões filosóficas — ele era um iluminista, um ilustrado, para quem a liberdade é um valor natural de todo ser humano — e do ponto de vista econômico ele também considerava a escravidão pouco rentável, que mais empacava o desenvolvimento do Brasil”, coloca o acadêmico.Como não bastasse a preocupação humanitária, Bonifácio entendia que a escravatura era o início de uma fila de dominós, que desencadeavam, de igual forma, prejuízos no contexto ambiental. “Se você tinha escravos e podia ocupar terras, etc, não haveria investimento em melhoria do solo, por exemplo, bastava derrubar árvores e ocupar novas terras para avançar a agricultura. Ele dizia que, ‘se nós continuarmos nesse ritmo, em 200 anos nossas matas estarão como os desertos da Líbia’”, explica Kelerson. Tais pensamentos libertários, no entanto, seriam aplicados mais de 50 anos depois, não exatamente pelas mesmas preocupações.O alinhamento de Bonifácio também perpassa o âmbito administrativo e estratégico, a fim de manter o controle do governo de forma sistemática, mantendo as negociações comerciais ativas. Esta é a terceira justificativa: “Desta Corte central, dever-se-ão abrir estradas para as diversas províncias e portos de mar, para que se comuniquem e circulem, com toda a prontidão, as Ordens do Governo, e se favoreça por elas o comércio interno do vasto Império do Brasil”, finalizou.Fico, mas quem fica comigo?“A proposta de José Bonifácio de transferência da capital não é uma proposta isolada. Ela está numa ideia de nação, um projeto que ele concebia para o Brasil. Num primeiro momento, para um certo desenvolvimento do que era o território brasileiro dentro do império português, e depois, num segundo momento, para o Brasil enquanto Estado”, expõe o professor Kelerson Semerene.Paradoxalmente, menos de um ano depois da proposição, o próprio Bonifácio seria um dos pivôs da separação do Brasil com a coroa portuguesa. O vice-presidente da província de São Paulo começa a estruturar a independência do comando de Portugal. A família real exigia, a essa altura, entre 1821 e 1822, a volta do príncipe Dom Pedro I para Lisboa. Contrariado pelas imposições da coroa portuguesa, que cada vez mais limava os limites de seu poderio na Regência, em um ato de rebeldia o herdeiro do trono português declara, em 9 de janeiro de 1822, a emblemática frase: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico.”As palavras empregadas simbolizam cada vez mais a aproximação com a ruptura da corte portuguesa. O conceito de “Nação” colocado já anunciaria as pretensões que se concretizariam quase oito meses depois. De São Paulo, por meio de uma carta enviada ao filho de D. João VI, no Rio de Janeiro, em 1º de setembro daquele ano, Bonifácio acende as motivações necessárias para a emancipação.“Senhor, o dado está lançado: de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V.A.R. (Vossa Alteza Real) quanto antes e decida-se, porque irresoluções, e medidas d’água morna, à vista deste contrário que não nos poupa, para nada servem, e um momento perdido é uma desgraça. Muitas cousas terei a dizer a V.A.R., mas nem do tempo nem da cabeça posso dizer”, relatou o vice-governante da província paulista. As palavras o fizeram reconhecido como o Patriarca da Independência. | |
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