São Paulo possui a maior colônia de espanhóis do Brasil, por conseguinte foram de suma importância na formação da sociedade paulista. Abaixo uma interessante descrição do historiador Afonso d’Escragnolle Taunay publicada em seu livro São Paulo no Século XVI:
A Fusão do Sangue Castelhano na São Paulo Quinhentista Em São Paulo, desde os primeiros anos, vieram numerosos espanhóis fixar-se, fenômeno muito natural se atendermos à série contínua de navegações castelhanas dirigidas ao Rio da Prata, a alegria com que na pequena Vila se recebiam os novos moradores, a vida livre que nela imperava e, afinal, o fato de, de 1580 em diante, serem todos iberos súditos do mesmo monarca.
Dentre esses espanhóis, o mais celebrado é Bartolomeu Bueno da Ribeira, alcunhado o Sevilhano, a São Paulo chegado com seu pai, Francisco Ramires, em 1571. Parece provir de modesta origem; a este respeito é Pedro Taques inteiramente omisso, ao passo que em diversas atas quinhentistas lhe surge o nome dos “oficiais mecânicos”, como o de um carpinteiro, juiz do seu ofício.
Numa sociedade em formação como a de São Paulo nos primeiros anos, tão mal provida ainda de elementos de civilização, a presença de um mestre de ofício era fato a encarecer-se. Nem desaire podia atingir a Bartolomeu, apesar das Ordenações de Sua Majestade, excluírem dos cargos de eleição os que exerciam ofícios mecânicos.
Casou-se Bartolomeu Bueno com a filha de um dos homens de maior prestígio da Vila: Salvador Pires; uma trineta, portanto, do maioral de Ururaí.
O filho, como todos sabem, tal prestígio angariou que, em 1641, recusou a coroa paulistana. De Bartolomeu Bueno, que viveu muito apagado no século XVI, apenas exercendo os cargos de aferidor a escrivão municipal, em 1591, procedem, entre muitos, dois sertanistas ilustres, seus homônimos, os dois Anhangüera, a quem se deve a incorporação de Goiás ao território nacional. E ainda descende o sábio cronista beneditino, o historiador das primeiras eras paulistas, Frei Gaspar de Madre de Deus. Entre outros castelhanos, cidadãos de São Paulo no século XVI, e troncos de numerosas famílias, citemos ainda os genros de Jorge Moreira: Baltazar de Godoy e Francisco Saavedra.
De Baltazar de Godoy provêm, entre outros, o notável sertanista cujo papel nas descobertas do sul pôs Basílio de Magalhães em destaque notável: Gaspar de Godoy Collaço. Outro espanhol de larguíssima descendência nos nossos dias e a quem predem muitas das principais famílias das regiões povoadas por paulistas foi Jusepe de Camargo, sevilhano, concunhado de Amador Bueno da Ribeira como genro de Domingos Luiz, o Carvoeiro.
Emigrou em fins do século XVI e, em 1595, era juiz ordinário em São Paulo. Devia-lhe o filho, Fernão de Camargo, alcunhado o Tigre, com assassinato do segundo Pedro Taques, encetar o ciclo das tão conhecidas lutas civis dos Pires e Camargos, que ensanguentaram a vila paulistana, ad instar aquelas contendas em que os Capuletos e os Montequios veroneses se celebrizaram e tão comuns na Itália meridional.
Entre os descobridores a essa família pertencentes, citemos Fernando de Camargo Ortiz, devassador dos sertões da Bahia, Tomás Lopes de Camargo, minerador do ouro e um dos fundadores de Vila Rica, José Ortiz de Camargo, que explorou o sertão dos carijós. Ainda foram espanhóis outros patriarcas como Martim Fernandes Tenório de Aguilar, falecido em 1603 nos sertões do rio Paraná, “homem de nobre ascendência, povoador e célebre conquistador de sertões, no posto de capitão-mor da tropa”, diz Silva Leme, e Bartolomeu de Quadros, sevilhano, provedor e administrador das minas. A essa afusão abundante de sangue castelhano atribuem escritores a gravidade da reserva reinante entre os antigos paulistas que bastante os diferenciavam dos demais brasileiros, o sotaque especial característico do seu falar pausado e uma mentalidade e feição muito sua. Personagem de tanto prestígio quanto Jorge Moreira, talvez, foi Salvador Pires, portuense, filho de João Pires, o Gago, emigrado com Martim Afonso de Sousa. Antigo morador em Santo André e lavrador potentado, dava avultada soma de alqueires de trigo ao dízimo, além da colheita de outros frutos, todos os anos, diz Pedro Taques. Procurador da Câmara de São Paulo em 1563 e juiz pela primeira vez em 1573, exerceu grande influência pela situação social, sendo um dos maiores possuidores de índios da Vila, localizados na sua grande fazenda de Patuaí, à margem do Tietê. Faleceu em 1592, e desposara em segundas núpcias Mécia Fernandes ou Mécia Ussú, bisneta de Pequerobi. Sua descendência, alargando-se em número e riquza, e estreitamente aliada aos Taques, tornou-se rival da família dos Camargos, a quem, no século XVII, várias vezes e pelas armas, haveria de disputar o domínio da Vila. Cidadão de não menor influência, deve ter sido Domingos Luiz, alcunhado o Carvoeiro, português, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, fundador da capela da Luz e falecido em 1615. Reunira “grossos cabedais”, como no tempo se dizia. Uma escritura de junho de 1594 nos conta que possuía um renque de casas altas de sobrado, cobertas de telhas, em frente à Matriz; prédios que em São Paulo foram talvez os primeiros a ter mais de um piso, sem contar o Colégio. Já em 1563 o encontramos na vila Piratininga capitão dos índios e, em 1575, procurador da Câmara. Desposara uma bisneta de João Ramalho, e, em segundas núpcias, uma européia, Branca Cabral. Por seus filhos e, sobretudo, seus genros, Amador Bueno e Jusepe de Camargo, conta hoje inumerável descendência. Nesse particular, porém, e no sul do Brasil, ninguém poderá, talvez, levar a palma a outro cidadão paulistano: Estevão Ribeiro Bayão Parente, que na república piratiningana apenas vemos como almotacel de 1587 a 1591. Português, natural de Beja, casado com Madalena Fernandes Feijó de Madureira, portuense, passara a São Vicente e daí a São Paulo. Por seus filhos e filhas deixou o casal prole numerosa como as areias do mar da comparação bíblica. Nem há quem não prenda aos troncos vicentinos que dele não proceda, afirmava Augusto de Siqueira Cardoso, versado, como raros, em tais assuntos. Foi com efeito o seu genro Antônio Rodrigues de Alvarenga, vereador em São Paulo, no ano de 1596, um dos maiores patriarcas paulistas, assim como seu concunhado Bernardo de Quadros. De Estevão Ribeiro procedem dois dos maiores sertanistas do século XVII: Estevão Ribeiro Bayão Parente e João Amaro Maciel Parente, a quem, em 1669, cometeu o governador geral a direção das lutas contra os selvagens do interior da Bahia. Uma filha, de Alvarenga desposou Sebastião de Freitas, português que, em fins do século XVI, foi em São Paulo personagem de prol. Emigrando com D. Francisco de Sousa em 1591, três anos mais tarde o vemos a acompanhar Jorge Corrêa na expedição contra os índios do sertão de Jundiaí, distinguindo-se sempre em todas as operações de guerra. Em 1596, chamado à vereança, armava-o, em 1600, D. Francisco de Sousa cavaleiro, com faculdade régria, lembrando então a dedicação com que sempre acudira aos rebates bélicos, quer contra os silvícolas, quer contra os corsários da costa. Em 1606 obteve a patente de capitão da Vila de São Paulo. Em 1563 emigrara para São Vicente Antônio Preto, homem de grande influência também, relata Pedro Taques. Em 1575 vemo-lo juiz ordinário em São Paulo. Viera em companhia dos filhos, um dos quais, Manuel Preto, tornou-se um dos maiores caçadores de índios do seu tempo. Nas suas devassas do sertão explorou a região parananiana, chegando a atingir o Uruguai. É o fundador da Capela de Nossa Senhora do Ó, ereta em uma fazenda onde fazia trabalhar cerca de mil índios escravizados. Na lista de oficiais da Câmara de São Paulo, homens bons e da governança da terra, no século XVI, ainda se nos deparam os nomes de alguns patriarcas, autores de larga descendência posta em relevo pelos estudos de Pedro Tarques e Silva Leme, tais como os portugueses João Maciel, vianense passado ao Brasil com filhos e filhas, procurador da Câmara em 1580, juiz ordinário em 1593; Pedro Domingues, antigo povoador de São Vicente, alcaide de São Paulo em 1579; Manuel Fernandes Ramos, juiz em São Paulo em 1572, casado com Suzana Dias, neta de João Ramalho e pai de André Fernandes, fundador de Parnaíba, de Baltazar Fernandes, fundador de Sorocaba, e de Domingos Fernandes, fundador de Itú; Baltazar de Moraes Antas, juiz ordinário em 1579, que a São Paulo trouxe três filhas casadoiras e aí as fez desposas “pessoa de conhecida nobreza”. Ciosos de suas prerrogativas fidalgas, fizeram os seus descendentes a primeira das justificações de nobreza consignadas no Registro da Câmara paulistana. Realmente provou Pedro Tarques, seu quinto ou sexto neto, que Baltazar de Moraes Antas provinha de Afonso Henriques, por linhas travessas infelizmente, é bom que se o note. Entre os seus descendentes ilustres da era colonial, citam-se João Pedroso de Moraes, impávido sertanista, cognominado o “terror dos índios”. E, sobretudo, o famoso jesuíta apóstata Padre Manuel de Moraes, queimado em efígie pela Inquisição de Lisboa, pelo fato de haver sido pastor protestante por ocasião da invasão holandesa em Pernambuco e ter-se duas vezes casado em Holanda, além de outros erros graves. Citemos ainda entre os troncos de grandes famílias paulistas e cidadãos de Piratininga, no século XVI:
Antônio Bicudo Carneiro, juiz em 1577, 1579 e 1584, ouvidor da comarca em 1585, genro de Domingos Luiz Grou, este por sua vez genro do cacique de Carapicuíba. Asselvajara-se tanto esse homem que, narra uma testemunha do processo de Anchieta, certo Diogo Teixeira de Carvalho, vivia no meio dos índios como um índio. Foi canonizado quem o fez voltar ao convívio dos civilizados. Citemos ainda Antônio de Oliveira Gago, genro de Jorge Moreira; Simão Lopes, casado com Joana Fernandes, irmã de Meciussú e, portanto, concunhado de Salvador Pires; Simão Jorge, antigo juiz em Santo André e igualmente juiz em São Paulo no ano de 1563 e genro de Garcia Rodrigues Velho. Dele provem o afamado destruidor dos Palmares. Henrique da Cunha Gago, santista, genro de Salvador Pires, juiz em 1576, pertence também ao número dos povoadores de grande descendência hoje.
Cornélio de Azão, minerador flamengo, ao Brasil trazido por D. Francisco de Sousa, com quinhentos cruzados de salário anual – ordenado para a época enorme –, e estabelecido em São Paulo em fins do século XVI, e seu companheiro Geraldo Betimk ou Betting, alemão, igualmente minerador, vêm a ser dos raríssimos não iberos troncos quinhentistas de famílias paulistas. Do primeiro descende o ilustre sertanista que tanto se distinguiu no devassamento do território mineiro: Antônio Rodrigues de Arzão. Genro de Tenório de Aguilar, reuniu Cornélio de Arzão grandes cabedais, perdidos numa demanda com os jesuítas, pelos anos de 1620. Fundiu-se a descendência de Geraldo Betting com os Paes Leme, reaparecendo o nome, lusitanizado, no do filho ilustre do descobridor das Esmeraldas: Garcia Rodrigues Paes Bettim, primeiro guarda-mor geral das minas do Brasil.(Imagem: Aclamação de Amador Bueno - Oscar Pereira da Silva - 1931)