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Filho do ferrero
setembro de 1554. Há 470 anos
Em 1550, quando caçava nas "picadas" da Ilha Guaimbê, cercanias da Prainha Branca (península do "rabo do dragão"), o Artilheiro alemão à serviço das autoridades portuguesas foi raptado pelos Tupinambás.Dentre muitas situações de perigo, Hans Staden participou de combates deflagrados pelos Tupis na Capitania de Santo Amaro. Esteve na batalha de Boissucanga, onde capturam o filho (de mesmo nome) do Capitão Jorge Ferreira e outro mameluco que chamava-se Jerônimo [Braga], parente consanguíneo de Diogo Braga (colono de Buriquióca). Cortaram-nos em pedaços e assaram a carne num banquete antropofágico em Maembipe (São Sebastião). Auxilia na fuga de dois cativos (irmãos) mamelucos da família Braga, um de nome Diego.Desenrolando-se numa saga de vida e morte para Staden, enquanto prisioneiro dos canibais Tamoios. [2]

FGEREROCoMO [TRATARAM o s PRESOS NA VOLTA. CAPUT XLIH.Era no mar, a duas boas léguas distante da terra, onde foram capturados, e voltaram o mais de pressa possível a terra para pernoitar outra vez no mesmo logar, onde j a estiveramos. Ouando chegámos a Meyen bibe era de tarde e o sol estava entrando.

Levaram então os prisioneiros, cada um para sua cabana; mas a muitos feridos desembarcaram e logo mataram, cortaram-n-os em pedaços e assaram a carne Entre os que assaram de noite havia dous mammelucos que eram christãos.

Um era portuguez, filho de um capitão e se chamava George Ferrero, e a sua mãe era selvagem. O ou-tro chamava-se Hieronymus; este era prisioneiro de um selvagem que morava na cabana onde eu estava e cujo nome era Parwaa.Elle assou Hieronymus de noite, a mais ou menos um passo distante de onde eu estava deitado. O mesmo Hieronymus (Deus lhe falle na lma) era parente consanguineo de Diego Praga. Nesta mesma noite, quando elles se tinham acampado, fui entrar na cabana na qual conservavam os dois irmãos, para fallar com elles, porque tinham sido meus bons amigos em Brickioka, onde fui preso.Então perguntaram-me se deviam ser devorados; eu respondi que isso deviam deixar á vontade do Pae Celeste e de seu amado filho Jesus Christo, o crucificado por nossos pecados, em cujo nome éramos baptizados até a nossa morte. «No mesmo, disse eu, tenham fé, pois Elle me tem conservado tanto tempo entre os selvagens e o que Deus todo poderoso fizer comnosco, com isso devemos nos conformar.»

Perguntaram-me ainda os dois irmãos como ia seu primo Hieronymus; eu lhes disse que elle fora assado ao fogo e que eu tinha visto já comerem um pedaço de filho de Ferrero. Choraram então; eu os consolei e disse que de certo sabiam que eu estava Ia havia cerca de 8 mezes e que Deus tinha me conservado.
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Isso fará elle comvosco também, confiem

Filho do ferrero
1 de setembro de 1554, quarta-feira (Há 470 anos)
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, disse eu. Eu sinto isso mais do que vós, porque sou de unia terra extranha e não estou acostumado aos horrores desta gente; mas vos nascestes aqui e aqui fostes

Filho do ferrero
1 de setembro de 1554, quarta-feira (Há 470 anos)
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. «Sim, responderam, eu tinha o coração endurecido por causa da minha própria desgraça e por isso os não lastimava mais.» Estando assim a fallar com elles, chamaram-me os selvagens para minha cabana e me perguntaram que conversa cumprida tinha eu tido com elles.

Senti muito ter de os deixar e lhes disse que se entregassem a vontade de Deus, e que podiam via- (pie misérias havia neste valle de lagrimas. Responderam-me que nunca tinham experimentado isso tão bem como agora e que se sentiam mais alegres por eu estar com elles.

Sabi então da sua cabana e atravessei todo o acampamento, vendo os prisioneiros. Andei assim sósinho e ninguém me guardava, de modo que desta vez podia bem ter fugido, porque estávamos numa ilha, Meyenbipe chamada, cerca de 10 léguas de caminho de Brickioka; mas deixei de o fazer por causa dos christãos presos, dos quaes ainda havia quatro vivos. Assim pensava eu: «si eu fugir, fican zangados e os matam logo; talvez Deus nos preserve a todos.» E assentei de ficar com elles para consolal-os, como realmente fiz. E os selvagens estavam muito contentes commigo porque eu antes tinha dito, por acaso, que os inimigos viriam ao nosso encontro. Como eu tinha adivinhado isso, disseram (pie eu era melhor propheta que o maraka delles IOOCAPITULO XLIIICOMO DANSAVAM COM OS SEUS INIMIGOS, QUANDO PERNOITAMOS,NO DIA SEGUINTE. CAPUT 44 .

No dia seguinte chegámos não longe do seu paiz, ao pé de uma grande montanha denominada Oeearasu. Alli acamparam para passar a noite. Fui então á cabana do rei chefe (Konianbebe chamado) e lhe perguntei o que pensava fazer com os mammelucos.

Elle disse que seriam devorados e prohibiu-me fallar com elles, porque elle estava muito zangadocom elles; deviam ter ficado em casa e não ter ido com seus inimigos em guerra contra elle. Eu pedi a elle para deixal-os viver e vendel-os aos seus amigos, outra vez. Elle repetiu-me que seriam devorados.

E o mesmo Konian Bebe tinha uma grande cesta cheia de carne humana diante de si e estava comendo uma perna, que fez chegar perto da minha bocca, perguntando si eu também queria comer. Eu respondi que nenhum animal irracional devora o outro, como podia então um homem devorar um outro homem? Cravou então os dentes na carne e disse: «Jau ware sche (jauar e xé)», que quer dizer: sou um tigre, está gostoso!Com isto, retirei-me de sua presença. — TOT —-Esta mesma noite ordenou elle que cada um levasse seus prisioneiros para a frente do matto, ao pe da água, num logar limpo. Isto se fez. Reuniram-se então fizeram um grande circulo e dentro ficaram os prisioneiros. Obrigaram todos osprisioneiros a cantarem e chocalharem os idolos Tammaraka.Quando os prisioneiros acabaram o canto começaram, um depoisdo outro, a fallar com coragem: «Sim, sahimos como costumafazer gente brava, para apprender a comer os nossos inimigos.Agora vós vencestes e nós aprisionastes, mas não fazemos caso disso! Os valentes morrem na terra dos inimigos; a nossae ainda grande; os nossos nôs vingarão em vos*. «Sim, respon-1 0 2deram os outros, vós já acabastes a muitos dos nossos, porisso queremos nos vingar de vós.»Acabada esta disputa, levou cada um seu prisioneiro,outra vez, para o alojamento.Três dias depois partimos novamente para a terra delles;cada um levou seu prisioneiro para a sua casa. Os que eramde Uwattibi, onde eu estava, tinham capturado oito selvagensvivos e três mammelucos que eram christãos, a saber: Diegoe seu irmão, e mais um cbristão chamado Andorico; estetinha sido aprisionado pelo filho do meu senhor. E maisdous mammelucos que eram christãos levaram assados para acasa, para lá os devorar. Tínhamos levado onze dias na viagem, ida e volta.



CAPITULO XLIVCOMO O NAVIO FRANCEZ AINDA LÁ ESTAVA, PARA O QUAL METINHAM PROMETT1DO LEVAR QUANDO VOLTASSEM DAGUERRA, ETC, COMO FICA REFERIDO. CAPUT XLV.Quando chegámos outra vez a casa, pedi a «lies que melevassem para o navio francez porque já tinha estado naguerra com elles e tinha ajudado a capturar seus inimigos,dos quaes ja deviam ter ornado que eu não era nenhumportuguez.Disseram-me que sim, que iam levar-me; mas que queriamprimeiro descançar e comer mokaen (moquem), isto é, a carneassada dos dous christãos.CAPITULO XLVCOM O FO I QU E ELLE S COMERAM A ASSD O O PRIMEIR O DO S DOI SCHRISTÃOS, A SABER: JORG E FF.RREIRA , O FILHO DOCAPITÃO PORTUGUEZ. CAPUT 46 .Havia um rei de uma das cabanas, defronte daquella em que eu estava. Este era chamado Tatamiri, forneceu o assado e mandou lazer bebidas, como era o costume delles; reuniramse então muitos delles para beber, cantar e ficar alegres. No dia seguinte, depois de terem bebido muito, aquentaram outra \ez a carne assada e a comeram. Mas a carne de Hieronymus — io3 —estava ainda dentro de uma cesta, pendurada ao fumeiro na cabana onde eu estava, havia mais de três semanas; estava tão secca como um páu por ter estado tanto tempo ao fumeiro sem que a comessem. O selvagem que a possuía era chamado Parwaa. Este tinha ido algures buscar raizes para fazer a bebida que serviria na occasião de comer a carne de Hieronymus. Assim passou o tempo e não queriam levar-me para o navio antes de ter passado a festa de Hieronymus eterem acabado de comer a sua carne. Emquanto isso, foi-seembora outra vez o navio francez, sem eu saber porque haviamais ou menos oito milhas de caminho de onde eu estava.Quando soube desta notícia fiquei muito triste; mas osselvagens diziam que costumava geralmente voltar todos osannos, com o que me tinha de contentar.CAPITULO XLVICOMO O DEUS TODO PODEROSO ME FEZ UM SIGNAL. CAPUT XLVII.Eu tinha feito uma cruz de um páu ôco e a tinha levantado em frente da cabana, onde eu estava. Muitas vezes fizahi a minha oração ao Senhor e tinha ordenado aos selvagens(pie a não arrancassem porque havia de acontecer uma desgraça; porém desprezaram minhas palavras. Uma vez que euestava com elles em uma pescaria, uma mulher arrancou acruz e a deu a seu marido para esfregar (polir)no páo, queera redondo, uma espécie de rosário que fazem de conchasmarítimas. Isto me contrariou. Logo depois começou a chover — loq —muito e durou a chuva alguns dias. Vieram á minha cabana epediram-me que eu fallasse com meu Deus para lazer cessar achuva, porque sinão parasse impediria a plantação, visto serchegado o tempo de plantarem. Eu disse que era culpa dellesporque tinham offendido meu Deus, arrancando o madeiro; eera ao pé deste madeiro que eu costumava fallar com o meuDeus. Como elles acreditaram que esta era a causa da chuva,ajúdou-me o filho do meu senhor a levantar de novo a cruz.Era mais ou menos a uma hora da tarde, calculada pelo sol.Logo que a cruz se levantou ficou immediatamente bom otempo, que tinha estado muito tempestuoso antes. Admira-— 105 -ram-se todos e pensavam que meu Deus fazia tudo que euqueria.

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