Publicado a obra "Diário da Navegação da armada que foi à Terra do Brasil em 1530 sob a capitania-mor de Martim Affonso de Souza" - 01/01/1839 de ( registros)
Publicado a obra "Diário da Navegação da armada que foi à Terra do Brasil em 1530 sob a capitania-mor de Martim Affonso de Souza"
1839. Há 185 anos
A obra foi publicada sob o título de Diário da Navegação da armada que foià Terra do Brasil em 1530 sob a capitania-mor de Martim Affonso de Souza, escritopor seu irmão Pero Lopes de Souza. Publicado por Francisco Adolfo de Varnhagen.Lisboa, Tip. da Sociedade Propagadora de Conhecimentos úteis, 1839.Do ponto de vista puramente histórico, como acentuou Varnhagen,quando o reimprimiu em 1861, o seu simples aparecimento rasgou, de umjato, páginas e páginas de intermináveis conjecturas de Frei Gaspar da Madre de Deus e de Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão e aboliu dúvidasacerca da existência de Caramuru. Nenhum outro documento lançou maisluz sobre várias questões intrincadas da primeira época da nossa história,porque serviu para esclarecer um período de vinte anos, quando a Cartade Pero Vaz de Caminha era apenas a revelação do que se passara durantedias.Do ponto de vista etnográfico, o Diário revela uma vez ou outracontribuições interessantes sobre o aborígene brasileiro, tanto da Costa doPau-brasil como da costa do Prata. [1]Com a indiscutível autoridade que lhe resulta dos seus profundos conhecimentos paleográficos, diz-me o Snr. Pedro de Azevedo — muito douto e erudito 1.° bi- bliothecario da Bibliotheca Nacional de Lisboa, antigo 1.° conservador do Arquivo Nacional da Torre do Tom- bo e eminente professor da cadeira de paleografia da Faculdade de Letras de Lisboa — que a letra do texto (não exclusivamente, aliás, de um único punho, como se nóta na //. 5) é realmente romano-restaurada (bas- tarda ou italiana), mas, do 3.° ou 4.° quartél do século XVI, ao passo que a que usava Pero de Gois éra gótica cursiva, conforme se verifica em duas de suas cartas au- tografas arquivadas na Torre do Tombo (ambas dirigidas a D. João III) e em uma outra também autografa exis- tente na Biblioteca de Évora, a ultima das quais foi conhecida de Varnhagem, pois a cita na sua "HISTO- RIA GERAL". Das 41 folhas que o compõem, 11 estão completa- mente em branco, uma tem no centro da primeira lau- da um grande espaço também em branco, e uma outra (fl. 37) só está escrita na terça superior da sua primeira lauda. . .A leitura attenta e refletida do Códice patenteia- nos ainda nas paginas que antecédem a partida de Pero Lopes de Sousa do Porto de São Vicente para Portugal, em 22 de Maio de 1532 — cértas anomalias cronológicas que não ^podemos nem devemos deixar de pôr em es- pecial e merecido destaque. Referimo-nos á anómala falta de correspondência ou exacta correlação entre os dias da semana e os do mês, que se nóta — a) desde o dia 1° de Março até 31 de Abril de 1531, e — b) desde 21 de Outubro deste anno a igual data de Janeiro do anno seguinte . . . Com toda a razão e mais do que justificado reparo notára já o Dr. João Mendes de Almeida, que "o Diário da navegação salta de domingo, 19 de Feve- reiro, para sexta-feira, 1.° de Março! E, depois, de se- gunda-feira ,11 de Março, para sabbado, 12!!" Na edição de 1861, também Varnhagem havia nota- do, em referencia ao 1.° de Março: "Se a 18 de Fevereiro foi sábado, o ultimo deste mez (28) foi terça-feira. Por- tanto o 1.° de Março cahiu em quarta-feira, como aliás sabemos que cahiu, fazendo o computo ordinário. A conta dos dias seguiu errada, e nem se emendou no dia 12, passando de terça-feira (aliás segunda-feira) ONZE a Sabbado DOZE; e assim andou errada, até que entra- ram em S. Vicente". O dia 19 de Fevereiro de 1531 caiu, efectivamente, num domingo. Como este ano não foi bissexto, e Fe- vereiro terminou numa terça-feira, o primeiro dia de Março caiu numa quarta-feira, e não na sexta-conforme de facto se lê no Códice (fl. 7). Por tal motivo, erra- dos estão também os dias da semana correspondentes aos dias 3 a 6, 8, 10 e 11 deste mês mencionados no Có- dice. Em todos estes oito dias, as anomalias implicam uma diferença ou avanço de dois dias semanais; isto é, estaria cérta a cronologia se se tratasse do mês de Março — do anno de 1532, que foi bissexto, ou do anno de 1538. Nos restantes dias de Março — em que á segunda- feira 11 se segue o sabbado 12 — e em todo o mês de Abril, as anomalias já não implicam um avanço de dois dias semanais, mas sim um recúo de um dia de semana, como se se tratasse dos meses de Março e Abril do anno de 1530, no qual o dia 12 de Março coincidiu realmente com um sábado, acabando o mês de Abril, portanto, também num sábado." . . . Sobre o caso observava Varnhagem em 1839 : "DIZ O TEXTO QUE SEGUNDA FEIRA FOI 11 DE MARCO E SEGUE LOGO QUE SÁBADO FOI 12, DO- MINGO 13 E ASSIM SUCESSIVAMENTE (Fl. 8) TO- DOS OS OUTROS DIAS ERRADOS. é A ANOMALIA TÃO CLARA QUE NOS DISPENSA MUITOS COMMEN- TARIOS, COM OS QUAES NADA ADIANTÁRAMOS POREM DE QUEM SERIA O ENGANO — DO COPISTA 82 FRANCISCO MARTINS DOS SANTOS OU DO AUTOR? NÓS DUVIDAMOS QUE FOSSE DO PRIMEIRO..." Em verdade, o manuscrito de que se trata não é, no seu conjunto, um verdadeiro Diário náutico; nem o é, quanto a mim, o minucioso Roteiro da Viagem de D. João de Castro, de Lisboa a Gôa em 1538. O manuscrito dado á publicidade por Varnhagem é antes uma trun- cada relação do itinerário e viagem de Pero Lopes de Sousa, capitão de um dos navios de Martim Afonso de Sousa — relação, narrativa ou crónica baseada muito embora num Diário de bordo, que não chegou até nós" "TERÇAFEIRA PELA MENHÃA FUI NenHUM BA- TEL DA BANDA D´ALOESTE DA BAHIA. E ACHEI HUM RIO ESTREITO, EM QUE AS NAOS SE PODIAM CORREGER, POR SER MUITO ABRIGADO DE T0- DOLOS VENTOS: E Á TARDE METEMOS AS NAOS DENTRO COM O VENTO SUL. COMO FOMOS DEN- TRO MANDOU O CAPITAM J. FAZER HUA CASA EM TERRA PARA METER AS VELAS E ENXÁRCIA. AQUI NESTE PORTO DE SAM VICENTE VARÁMOS HUA NAO EM TERRA. A TODOS NOS PARECEU TAM BEM ESTA TERRA, QUE O CAPITAM J. DETERMINOU DE A POVOAR, E DEU A TODOLOS HOMES TERRAS PARA FAZEBEM FAZENDAS; E FEZ HUA VILLA NA ILHA DE SAM VICENTE; E OUTRA NÓVE LÉGUAS DENTRO PELO SARTAM, Á BOBDA DHUM BIO, QUE SE CHAMA PIBATININGA " Neste trecho o erro coméça pela primeira palavra: TER- ÇAFEIRA, que não foi terça-feira como diz o Códice (á fl. 26) e sim segunda-feira, 22 de Janeiro. Nesta palavra, aliás, o próprio Códice está rectificado, visto que primitivamente escreveram nelle — SABBADO PELA MENHÃA — para ris- carem depois, substituindo essas palavras por: TERÇAFEI- RA PELA MENHÃ. Ésta é uma das provas irrefutáveis da indecisão do copista, mostrando que o "Diário" foi recom- posto de cabeça, annos depois da viagem, por algum piloto em cuja posse estivessem os fragmentos do original, — de- teriorados ou prejudicados, de tal forma, que lhe fosse im- possível uma perfeita reproducção. Em seguida, encontramos a phrase : FUI NebHUM BATEL DA BANDA D´ALOESTE DA BAHIA E ACHEI HUM RIO ESTREITO, apparentemente regular, mas, em verdade, tão errada quanto os dias e datas apontados. Observados os erros e falhas de todo o Códice e feito um pequeno exame dessa expressão, vemos que um erro ahi, teria sido muito fácil de praticar. Nótem-se as palavras usadas a cada passo no referido Códice: TODOLOS HOMES — TODOLOS VENTOS — TODOLOS SANTOS — TODOLOS DIAS — franca influencia castelhana exercida sobre o por- tuguês do autor, cousa aliás commum na época em que os portuguezes faziam uso indifferentemente dos dois idiomas em suas cartas e noticias, e em que o convívio entre os dois póvos era grande, e seremos obrigados a admittir que, ori- gináriamente a expressão em fóco teria sido assim: FUI N^HUM BATEL DA BANDA DE LO ÉSTE DA BAHIA ou FUI NenHUM BATEL DA BANDA DELO ÉSTE DA BAHIA ou ainda FUI NenHUM BATEL DA BANDA DALO ÉSTE DA BAHIA de onde se originou a alteração apontada, effectuada pelo pouco escrúpulo dos indigitados copistas, pela fusão ou junc- ção feita por elles das palavras que encerravam exacta- mente a determinação do ponto onde fundeou a Armada de Martim Affonso, fazendo assim, com que, um facto que se verificára NO ÉSTE, passasse a se ter verificado NO OÊSTE. Esse engano do copista ou dos copistas, torna-se tanto mais possível, quanto mais certeza se tem agóra pelo exame scientifico da calligraphia usada no documento seiscentista, de que o Códice ou "Diário" foi escripto ou copiado no ter- ceiro ou no ultimo quartél do século dezeseis, como bem de- terminou o paleógrapho português Snr. Pedro de Azevedo, occasião em que, o indigitado copista influenciado pela exis- tência da villa de São Vicente junto á terceira barra e não podendo reproduzir o texto original, compromettido pelo tempo ou pela traça, resolveu completar a phrase tal como lhe parecia que devia ser. Eis o ponto confuso que tanta tréva gerou sobre a nossa história inicial, tréva alimentada e diffundida por Calixto em télas memoráveis, que tivéram o condão de perpetual-a em detrimento da verdade dos nossos primeiros dias. Não dizemos isto, simplesmente porquê pensemos que assim seja ou porquê pretendamos que também aqui, uns erros justifiquem os outros, e sim, porquê, como já tivémos occasião de citár, temos provas incontestáveis de que o Porto de São Vicente, declarado no "Diário*, ficava a LÉSTE do ponto onde então se achava fundeada a Armada affonsina (junto á actual Praia do Góes) ou seja, no actual estuário de Santos, lógo apóz a Ponta da Praia, que éra o "rio estreito" citado na descripção e não a OÉSTE. [2]