A uma das pegadas mostradas na Bahia, de que dá conta Vasconcelos, referiu-se provavelmente o Padre Manuel da Nóbrega, onde escreveu, em carta de 1549, que “sus pisadas están senaladas cabo a un rio, las quales yo fuy a ver por más certeza de la verdad, y vi con los proprios ojos quatro pisadas muy senaladas con sus dedos, las quales algunas vezes cubre el rio quando hinche”.
Segundo os índios, quando o santo deixou aquelas pisadas, ia fugindo dos índios que o queriam flechar, e lá chegando, abriu-se o rio à sua passagem, e ele caminhou por seu leito a pé enxuto, até chegar à outra parte, de onde foi à índia.
Contavam, além disso, que, querendo os gentios ílechá-lo, voltavam-se as setas contra eles mesmos, e os matos se abriam, deixando lugar a uma vereda, por onde seguia São Tomé sem estorvo.
O caso das flechas que se tornavam sobre si, atingindo os próprios atiradores, chegou a impressionar um moderno etnólogo, ao ponto de levá-lo a ver nele o indício de alguma arma do tipo do buméVangue, que tivesse existido outrora entre os Tupi da costa.
A versão de Vasconcelos precisa, por outro lado, que, perseguido dos índios, a tanto induzidos pelos seus feiticeiros ou pelo inimigo do gênero humano, o apóstolo fizera caminho por um monte tão íngreme que era impossível acompanhá-los e que, chegando ao lado oposto, com o circuito com que o buscaram, lhe deram tempo de fugir, e o viram ir pelo mar, deixando frustrados os seus intentos...
O que no Oriente se dera, segundo algumas notícias, onde consta que junto ao lendário sepulcro do apóstolo em Melia- por, no lugar onde foi posta a laje com as pisadas, chegara a manar uma fonte, também teria ocorrido no Brasil. Aqui, e em certas partes da América habitadas dos espanhóis, os rastros de pés humanos impressos em rochas, e atribuídos ao apóstolo das índias, eram associados não só à presença de cruzes, como ainda de fontes, conforme o testemunho de Jaboatão 9 . De uma destas fontes tratara Vasconcelos, e estaria no Toqué Toqué, dentro da barra da Bahia, a poucos passos do rochedo das pegadas e na raiz do próprio monte onde, segundo tradição do gentio, descera o santo seguido dos inimigos. Dela corria água doce e pere- nemente fresca. Essa fonte chamava-a, ali, o vulgo, de São Tomé milagrosa, e eram várias as razões desse nome. Uns diziam que aparecera milagrosamente entre a pedra viva, assim como a de Moisés arrebentara do deserto.
Outros cuidavam que nasceu do simples toque do pé do santo, de onde o nome de Toqué Toqué, guardado pelo lugar. Havia ainda os que notavam o fato de conservar constantemente o mesmo teor de água, sem que esta redundasse nas invernadas ou faltasse nas secas, como de ordinário acontece a outras fontes. Alguns, finalmente, pretendiam que suas águas faziam curas milagrosas, extinguindo toda espécie de enfermidades.
Outro fato, que parecia aproximar a devoção de São Tomé no Brasil e no Oriente, relaciona-se ao culto das relíquias. Segundo alguns escritores, assim os cristãos como os muçulmanos e gentios, tinham na Ásia o costume de trazer pendentes do pescoço pequenos pelouros feitos do barro da sepultura do apóstolo.
Aqui, segundo parece, generalizara-se o uso, entre os mais devotos, de rasparem a parte da rocha onde ficara a impressão das pisadas para consigo levarem as raspas em relicários.
Foi, em parte, a esse hábito que, segundo o autor da Crônica da Companhia , se deveu o desgaste das ditas rochas, até o paulatino desaparecimento das pegadas que já nos meados do século XVII eram invisíveis, posto que a lembrança delas ainda a guar- dassem os antigos.
Além disso era sua existência atestada em certas cartas de doação, onde se lia, por exemplo: “Concedo uma data de terra sita nas pegadas de São Tomé, tanto para tal parte, tanto para outra [...]”
E o mesmo Vasconcelos, que fala das bordoadas do Itajuru, também nos refere como, perto daquele penedo, havia uma extraordinária fonte, de águas vermelhas, medicinais, especialmente contra o mal-de-pedra. Contudo, as próprias raspas das lajes marcadas pelos pés do santo, que muitos traziam penduradas ao pescoço, não seriam dotadas de virtudes medicinais semelhantes? Além disso, em Itapuã, não só costumavam, os que ali passassem, ir contemplar as pisadas de São Tomé - um pé descalço, o esquerdo, gravado na própria substância da pedra, enquanto o de São Vicente parecia antes uma pintura natural, bastante viva, mas limitada a superfície -, como havia quem nelas pusesse o próprio pé, tendo para si que desse modo alcançaria melhor saúde 76 . Ao lado do São Tomé taumaturgo, do terapeuta, e também do mestre de conhecimentos úteis, de que se valeriam depois os índios, como o do próprio plantio e preparo da man- dioca, ou o do uso da erva-mate, cabe lugar importante ao São Tomé engenheiro. E ainda Vasconcelos quem nos refere como, no Recôncavo da Baía de Todos os Santos, o caminho chamado do Mairapé, feito de areia dura e pura, de cerca de meia légua pelo mar afora, foi milagrosamente aberto pelo apóstolo. O qual, fugindo certa vez à fúria das flechas, quando se amotinou con- tra ele o gentio durante uma das suas pregações, foi levantando o mar aquela estrada por onde passasse a pé enxuto à vista sua, cobrindo logo o princípio dela de água, para não poderem per- segui-lo os adversários, que na praia ficaram aturdidos diante de coisa tão extraordinária. Dali em diante passaram a cha- mar à mesma estrada milagrosa Mairapé, que vale o mesmo, em sua linguagem, que caminho do homem branco, pois assim chamavam a São Tomé, não tendo eles visto até àquela data outro branco. - 141 - o mito brasileiro de Sumé. Na passagem pela lagoa e na senda por entre os juncais não haveria um desdobramento do caso de Mairapé, que o santo abriu mar adentro, para fugir, também aqui, à sanha dos gentios? A persistência destes motivos deduz- se ainda das alusões do próprio Nóbrega às pisadas de Zomé que ele fora ver na Bahia em 1549, “e vi com os próprios olhos”, diz, sinaladas junto de um rio. Ao que lhe informaram, deixara o santo aquelas pisadas, em número de quatro, e bem nítidas, com seus dedos, no momento em que ia fugindo dos índios, “e chegando ali se lhe abrira o rio, e passara por meio dele, sem se molhar, à outra parte. E dali foi para a índia” 15 . Por outro lado, no caso das vistosas e formosíssimas aves que acompanha- vam o Pay Tumé no Peru caberia pensar naqueles pavões que andam associados ao mito no Oriente. Contudo, o informante [1]
São Tomé teria estado na Bahia e deixado suas pegadas em pedras, de acordo com entendimentos de lendas indígenas relativas a uma divindade branca, que chamavam de Zomé. Em 1549, poucos dias após chegar na Bahia, Manoel da Nóbrega ouviu a lenda de "pessoa fidedigna".A lenda de Zomé (ou Sumé e outras grafias) tem provavelmente base em relatos dos primeiros europeus no Brasil. Em Salvador, a lenda existiu em dois lugares distintos: São Tomé de Paripe e Itapuã.Na Praia de Piatã existe, hoje, um antigo cruzeiro que marca a tradição ao culto de São Tomé, em Salvador, provavelmente construído antes de 1916 e fazia conjunto com uma antiga e rústica ermida dedicada a São Tomé. A tradicional Festa de São Tomé ocorre de 20 a 21 de dezembro.São Tomé pregou na Ásia e morreu na Índia. No início do século 16, a América ainda era considerada, por muitos, como sendo parte das Índias, na Ásia. Tempos depois, passou a ser chamada, por alguns, de Índias Ocidentais. Lendas de S. Tomé existem em várias partes da América. Outras histórias de pegadas de São Tomé existem, por exemplo, em Malayattoor, na Índia, e no Pico de Adão, em Sri Lanka.No Brasil, referências dos índios a São Tomé aparecem desde 1515, na Nova Gazeta da Terra do Brasil (Newen Zeytung auss Presillg Landt), bem como em várias cartas jesuíticas, nas obras de Frei Vicente do Salvador e de Simão de Vasconcellos, além de vários outros autores.Em 15 de abril de 1549, Nóbrega escreveu, da Bahia, ao Padre Simão Rodrigues, o Superior Provincial da Companhia de Jesus, em Portugal. Nóbrega relatou que já existiam clérigos na Bahia e que as raízes (provavelmente mandioca), com as quais se faziam pães, foram trazidas por São Tomé, conforme a tradição local. Nóbrega ainda escreveu: "Estão daqui perto humas pisadas figuradas em huma rocha, que todos dizem serem suas. Como tevermos mais vagar, avemo-las de ir ver".Em 10 de agosto, Nóbrega escreveu ao Padre Azpilcueta Navarro, em Coimbra. Após uma referência à uma versão tupinambá do Dilúvio, Nóbrega relatou: "Têm notícia igualmente de S. Thomé e de um seu companheiro e mostram certos vestígios em uma rocha, que dizem ser deles, [...] Dele contam que lhes dera os alimentos que ainda hoje usam [...] não obstante dizem mal de seu companheiro..."Ainda em agosto de 1549, Nóbrega escreveu aos padres de Portugal, relatando a lenda de Zomé (ou Somé, ou Sumé. Não se sabe como Nóbrega escreveu, pois essa carta original, em português, foi perdida, restando uma tradução em espanhol com a grafia Zomé):"Dizem eles que S. Thomé, a quem eles chamam Zomé, passou por aqui, e isto lhes ficou por dito de seus passados, e que suas pisadas estão sinaladas junto de um rio, as quais eu fui ver por mais certeza da verdade, e vi com os próprios olhos, quatro pisadas mui sinaladas com seus dedos, as quais algumas vezes cobre o rio quando enche. Dizem também que, quando deixou estas pisadas ia fugindo dos índios, que o queriam flechar, e chegando ali se lhe abrira o rio, e passara por meio dele sem se molhar, e dali foi para a Índia. Assim mesmo contam que, quando o queriam flechar os índios, as flechas se tornavam para eles, e os matos lhes faziam caminho por onde passasse: outros contam isto como por escárnio. Dizem também que lhes prometeu que havia de tornar outra vez a vê-los."Pelas cartas de Nóbrega, seriam quatro pegadas sobre uma rocha em um rio, "perto" do atual Centro Histórico de Salvador. Seriam provavelmente as pegadas em São Tomé de Paripe, cuja Igreja fica próxima tanto da Baía de Aratu, quanto da Bahia de Todos os Santos. Relatos posteriores indicam que as águas cobriam tanto as pegadas de S. Tomé de Paripe, quanto à de Itapuã, conforme a maré.A partir de 1552, aparecem referências a romarias das pegadas de S. Tomé. Uma carta dos Meninos Órfãos ao Padre Doménech, em Lisboa, de 5 de agosto, relatou que os meninos participaram da romaria das pegadas da Aldeia. "Ao chegar, era meia maré-baixa, e vimos as pegadas que as cobre a maré cheia...". Fizeram uma grande cruz de madeira e a fixaram com pedras no local. Nessa época, quem organizava as romarias às pegadas de São Tomé era o irmão Vicente Rodrigues, como relatado em sua carta de 17 de setembro, daquele ano, aos padres de Coimbra. Ele confirmou ter levado uma cruz, em procissão, até o local das pegadas "que estão perto daqui". Em 1552, os índios daquela Aldeia construíram uma casa e uma ermida para os jesuítas, em Paripe, junto às pegadas.É com a carta do jesuíta Francisco Pires, daquele ano de 1552, que fica claro, que aquelas romarias eram em Paripe e não em Itapuã. Pires escreveu: "O irmão Vicente Rodrigues está daqui quatro léguas pela Bahia a dentro" [...] e é junto donde dizem estar as pegadas de S. Thomé", não podendo, assim, ser em Itapuã, que fica fora da Baía de Todos os Santos. Apesar disso, o escritor baiano Alfredo do Valle Cabral (1851-1894) registrou, no livro Cartas Jesuíticas II - Cartas Avulsas (1931), uma nota àquela carta: "(Vicente Roiz, estava, a quatro léguas da Bahia, em Itapoan)". Mas não há dúvida que uma lenda de São Tomé também existiu em Paripe e, tudo indica, que seria a mesma referida por Nóbrega, pois uma baía pode ser confundida com um rio (talvez Aratu), jamais as praias de Itapuã.A tradição de São Tomé, em Salvador, foi ricamente relatada pelo historiador baiano Alberto Silva, em seu livro A Cidade do Salvador (1957). Alberto Silva citou, em seu livro (p. 89), um texto atribuído a Francisco Pires, dando como referência "Cartas Avulsas, pg. 130" e citou: "Sucedem-se, então, as romarias, as procissões, os rezamentos, estabelecendo-se desta guisa o culto da pisada santa. E tão conhecida ficou desde então a pedra sagrada de Itapoã que se tornou logo ponto de referência de demarcação das terras circunvizinhas". Conferi a dita carta, na dita página (Cartas Avulsas, edição de 1931). Conferi também a mesma obra na edição da USP, 1988. Trata-se de uma carta do Padre Francisco Pires aos irmãos de Portugal, mas o texto citado simplesmente não existe na carta. É a mesma carta referida no parágrafo acima e o texto da página 130 é aquele que faz referência a "Bahia a dentro".Vicente do Salvador (História do Brasil, 1627) citou que, na fuga para não ser comido pelos índios, S. Thomé teria dado uma única passada da praia até a Ilha de Maré, distância de meia légua. Ele citou apenas uma pegada impressa em uma pedra naquela praia. Vicente do Salvador, sendo natural de Matoim, do outro lado da Baía de Aratu, devia conhecer bem tal lenda.As referências, no século 16, às pegadas de S. Tomé, em Salvador, seriam todas de Paripe, apesar da confusão de alguns autores com as pegadas de Itapuã, onde existem duas ou três.Século 17Somente no século 17 aparece referência de pegada em Itapuã.O historiador baiano José Alvares do Amaral (Resumo Chronologico e Noticioso da Provincia da Bahia desde o seu descobrimento em 1500) citou, no século 19, que na data de 21 de dezembro de 1602, dia de S. Tomé:"Foi descoberto por um pescador à beira mar, no lugar denominado São Thomé, caminho de Armações, Freguesia de Brotas desta Cidade, o sinal de um pé humano bem gravado numa pedra, atribuindo-se ser o do glorioso Apóstolo S. Thomé, [...], deixando sinais iguais àquele, contando-se seis, desde S. Vicente até a Bahia, em cujo terreno fora a última de suas pegadas naquele sítio que por esse milagre tomou o nome de São Thomé".[...] "A pedra com o sinal do pé ainda existe naquele lugar, junto à praia, ficando às vezes coberta pelas areias, que trazem as marés grandes".José Álvares do Amaral (1822-1882) não citou sua fonte, mas parte do texto indicado tem alguma similaridade com o de Rocha Pitta (veja abaixo), do século 18. O caminho de Armações era parte da orla oceânica de Salvador e esse nome tem relação com a pesca de baleia. Amaral conhecia bem as histórias dessa região, vem dele o nome do bairro Amaralina, dada por seu filho de mesmo nome. Além disso, ele nasceu em um engenho depois de Itapuã, atualmente Lauro de Freitas.O jesuíta Simão de Vasconcellos (Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil, 1663), faz a referência tanto às pegadas de Paripe, quanto à de Itapuã. Ele nasceu em Portugal, cresceu na Bahia, onde estudou e foi mestre no Colégio dos Jesuítas. Em sua Crônica, escreveu:"Nesta Bahia fora da barra, em outra praia semelhante, distante como duas léguas da cidade, aonde chamam a Itapoá, vi com meus olhos, e vêm cada dia os nossos Padres, e o povo todo, em outro pedaço de recife, ou laje, uma pegada de homem perfeitíssima, metida de impressão na sustância da pedra, e a parte posterior para a terra, a anterior para a água. A esta vindo eu de uma aldeia de Índios, notei que concorriam todos os que trazíamos em nossa companhia, ainda os que iam com cargas: perguntei a um deles a causa (que era eu novo no caminho) responderam-me todos: Pay, Sumé pipuer a angába aé (é que está ali a pegada de S. Thomé). Então lhes pedi me levassem a ela; vi a pegada que disse, de um pé descalço, esquerdo, assim e da maneira que se fora impresso em barro brando. Tem-na os Índios em grande veneração, e nenhum passa, que a não visite, se pode; e tem para si que pondo-lhe o pé, fica melhorado seu corpo todo. [...] está a mor parte do tempo coberta com o mar, e só aparece em vazantes maiores.Dentro da barra da mesma Bahia, como três léguas de distância, em a paragem que chamam S. Thomé, ou Toque Toque, em outra praia, e em outro pedaço de laje semelhante, deixou o mesmo Santo outras duas pegadas de seus pés impressas na sustância da pedra, na mesma forma que a da laje da Itapoá, e em distância uma da outra, o que requer a proporção dos passos ordinários de um homem que caminha. Foram sempre em todo o Brasil tidas, havidas, e veneradas por pegadas do Santo Apostolo milagrosas, entre os Portugueses. E a tradição antiquíssima dos Índios derivada de pais a filhos, é na mesma forma que acima temos dito; que são pegadas de um homem branco, com barba, e vestido, que naquelas partes andara, e tratara com eles de outro modo de viver muito diferente, chamado por nome Thomé; do qual afirmavam estes particularmente, que certo dia exasperados seus avós com a novidade de sua doutrina, ou induzidos de seus feiticeiros, ou do inimigo comum da geração humana, arremetendo para prendê-lo, e ele se fora retirando direito à praia, fazendo caminho por um monte abaixo, tão íngreme, que era impossível segui-lo por ali; e que enquanto por outra parte com algum circuito o buscaram, tivera tempo de fugir; e o viram ir pelo mar, deixando frustrados seus intentos, e por memória de sua repugnância, aquelas pegadas impressas na pedra sobredita. Esta tradição é constante: averiguaram-na os Padres de nossa Companhia, que no mesmo lugar residiam antigamente; os quais reconheceram sempre, e veneraram aqueles sinais como do Santo, e como coisa sobrenatural. No cume do monte, por onde desceu, fundou a devoção do povo uma Igreja em honra do Santo, e em memória da dita tradição; a qual Igreja se bem foi sempre venerada, e visitada dos fieis ; no tempo presente o é com mais continuação, e concurso, pelos efeitos extraordinários, tidos por milagrosos, que ali experimenta a fé comum dos enfermos, e necessitados."A paragem de São Tomé, referida por Simão de Vasconcellos, é São Tomé de Paripe, onde existe a Igreja referida, fundada em 1552, em uma colina. Na continuação de seu relato, o jesuíta citou uma milagrosa fonte de São Tomé, de água doce, que brotava de outro penedo, junto às ditas pegadas e que existiam romarias até essa fonte. Mas ele relatou não ter visto as referidas pegadas, no caso de São Tomé de Paripe, embora visse a laje onde disseram que elas estavam.Simão de Vasconcellos também menciona a lenda de Mairapé, um caminho feito por S. Tomé no Recôncavo, a cerca de 10 léguas de Salvador, feito de areia sobre o mar, com meia légua de comprimento. Segundo a lenda, S. Tomé fez esse caminho quando fugia dos índios, logo coberto por água para que não pudessem segui-lo. Essa parece ser uma variação da lenda contada anteriormente por Vicente do Salvador.Século 18Rocha Pitta (Historia da America Portugueza, cerca de 1724) acreditava que São Tomé havia pregado na América e citou que seis sinais do Santo se conservavam desde São Vicente até a Bahia, " em cujo termo fora o último o das suas pegadas em um sitio, que por este milagre chamam S. Thomé, donde diziam os gentios, que perseguido dos seus antepassados, o viram, com admiração de todos, fazer transito sobre as ondas, e por elas passaria a outras partes das suas missões, a que deu glorioso fim em Ásia, na cidade de Meliapor, onde foi martirizado."Alberto Silva citou uma carta de sesmaria, datada de 14 de setembro de 1729, que fazia referência à pedra de S. Tomé, em Itapuã, como marco de divisão de terras.O poema Caramuru, de Santa Rita Durão, de 1781, contou a lenda de Sumé e suas quatro pegadas em um penedo, em um rio, como referido por Nóbrega.Século 20Uma reportagem do jornal A Tarde, de 14 de fevereiro de 1916, citada pelo historiador baiano João da Silva Campos (Tradições Bahianas - Revista do IGHB, n.56, 1930), com o título: Heranças do fetichismo A adoração da "Pedra de São Tomé" É crença que São Tomé deixou-lhe o rastro, informava que a pedra era pequena, elevando-se uns dez centímetros fora da areia e perto do mar. A reportagem ainda relatou:"Os fiéis, humildes pescadores, ergueram em frente à mesma, fora do alcance das marés, uma palhoça encimada por uma cruz, dando-lhe as honras e o prestígio de templo da devoção. Para ali são constantes as romarias de devotos, conduzindo velas e outras oferendas ao milagroso pé.""Todos os anos, nos primeiros dias de fevereiro, é a festa maior. Os moradores circunvizinhos e romeiros de mais longe, cantam com acompanhamento de harmônicas, violas, cavaquinhos e pandeiros; e rezam. De quando em quando a farra é interrompida para serem entoadas ladainhas, de joelhos, ao pé da cruz, em cujo pedestal crepitam velas acesas. E essa espécie de culto pagão, misto de coisas profanas e sagradas, dura oito dias."O repórter de A Tarde, citou que o velho provedor Pedro de Jesus, que seguia na romaria, ouviu a tradição de seus avós e que a devoção seria de tempos imemoriais.Em 1930, Silva Campos citou em seu artigo que a Festa de São Tomé seguia o seguinte programa: Na véspera, à tardinha, retiravam a imagem do Santo da Igreja Matriz de Itapuã e seguiam até a ermida que ficava em frente à pedra de São Tomé, rezavam e depois começava a folia "uma pandega formidável". A imagem retornava em procissão, na manhã seguinte, e rezava-se uma missa na Igreja Matriz, em louvor ao Santo. À tarde, com menor animação, a festa recomeçava no terreiro da Capela de São Tomé. Silva Campos ainda relatou que ia muita gente da Cidade, inclusive cavalheiros de gravata.No final de 1953, Alberto Silva, relatou ter fotografado uma pegada em uma pedra, em um lugar chamado Unhão, na entrada de Itapuã, adiante de Piatã. Existe mesmo a pedra do Unhão, que fica em frente à Vila Militar, entre Piatã e Itapuã, e tem a marca que lembra um pé, segundo relatos.Alberto Silva também esclarece que as pegadas de São Tomé de Paripe estariam na Pedra da Toca, que foi cortada, em 1927, para a passagem da rodagem local, justo no ponto onde estariam as pegadas. Entretanto, o historiador baiano Gumercindo da Rocha Dorea teria visto tais pegadas no final do século 20, como citado por Thiago Cavalcante (As pegadas de São Tomé: Ressignificações de Sítios Rupestres, 2008).Em 1990, Ana Clélia Barradas Correia esteve, em Salvador, em pesquisas para a sua Dissertação de Mestrado em História pela UFPE: Nos Passos do Herói-Santo: na História, na Arqueologia e na Mística Popular (1992). Ela relatou ter visitado a pedra do Unhão, no início de Itapuã, e constatou restos de vela no local, que atribuiu ao culto. Moradores da área, entretanto, atribuem aquelas marcas a São Lázaro ou a São Francisco de Assis. Além disso, os baianos bem sabem que oferendas, aos santos ou orixás, ocorrem em toda a Orla de Salvador, o ano todo. Na época de sua visita, o Cruzeiro de São Tomé contava com uma cobertura de palha (foto acima). Essa pesquisadora esteve na Festa de São Tomé, em Piatã, em 20 de dezembro de 1990, mas não viu a pedra com a lendária pegada de S. Tomé. Segundo ela, a população dizia que a pedra ficava a maior parte do tempo encoberta pelas águas ou pela areia. Uma das versões dizia que a pedra só aparecia de sete em sete anos, mas ninguém consultado sabia dizer exatamente onde estava a pegada santa. Correia citou ainda que a pegada de S. Tomé tinha o calcanhar voltado para a terra e os dedos para a água. Ouviu também que existiria a pata de um cachorro, marcas do cajado do Santo e a figura de uma cruz.O Cruzeiro de São Tomé e a Antiga "Capela"Na Praia de Piatã ainda existe, hoje, o Cruzeiro de São Tomé. Eu também visitei o local e tirei as fotos mais acima, em outubro de 2016. Conversei com pescadores da Colônia de Itapuã, que fica na área. Um deles me disse morar na região há mais de 60 anos e que ele sempre conheceu o Cruzeiro do jeito que é hoje. Provavelmente, o mesmo referido por Alberto Silva, em 1953.Pela reportagem de 1916, os romeiros rezavam de joelhos ao pé da cruz, que tinha um pedestal. É provável que fosse o mesmo Cruzeiro existente hoje. A ermida no local, também referida naquela reportagem, poderia ser bem antiga, talvez do século 19. Ainda existia, em 1930 e provavelmente compunha um conjunto com uma Capela rudimentar, talvez apenas uma cobertura de palha.A pesquisadora Ana Clélia citou, em sua Dissertação, que o Cruzeiro havia sido pintado recentemente, de azul e branco, antes da Festa de 1990.Hoje, a Festa e as Pegadas de São ToméUm dos pescadores que consultei disse-me que a procissão anual, ao local, parou depois que a organizadora faleceu. Também disse que a pedra com a pegada de São Tomé e a do cachorro fica normalmente encoberta pelas águas. Outro pescador e barraqueiro, junto ao Cruzeiro, confirmou que a dita pegada fica, em frente ao Cruzeiro, normalmente encoberta pelas águas, mas aparecia na época da Procissão, que continua, segundo ele, a ocorrer em dezembro.Com base no relato dos pescadores e na minha visita ao local, existiriam duas pedras com formas de pegadas, em frente ao Cruzeiro. Uma normalmente encoberta pelas águas, referida pelos pescadores e coerente com a referência de Simão de Vasconcellos, no século 17. A outra, que vi e fotografei (mostrada acima), fica bem perto do Cruzeiro, mas as águas só chegam até ela na maré alta. A pegada vista por Alberto Silva, em 1953, no Unhão, seria uma terceira. Cabe ainda notar, que as rochas submersas nas praias de Salvador são comumente habitadas por pinaúnas, cujos espinhos literalmente cavam as rochas ao longo dos séculos.Com base nas referências acima, a Festa de São Tomé começa tradicionalmente na noite de 20 de dezembro e termina no dia seguinte, dia de São Tomé. Ana Clélia Correia informou que havia uma missa campal e palanque armado na praia, em tempos anteriores a 1990. Havia a banda de música do Corpo de Bombeiros e a festa profana durava uma semana.