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Carta de José de Anchieta escrita de São Vicente: parte II
27 de maio de 156005/04/2024 16:29:53

Passando dois Indios por um caminho perto de Piratininga por onde sempre vamos e voltamos, saiu-lhes ao encontro uma pantera e investiu contra ambos; um dos homens fugiu, o outro, repilindo os impetos da féra, combateu valorosamente não só com flechas, mas tambem com a agilidade do corpo, até que trepou em uma árvore, porém nem mesmo êste meio é bastante seguro contra tais féras, pois são dotadas de grande destreza; esta ficou junto da árvore, vendo se achava alguma subida; labutou toda a noite (porque isso se passou quasi ao entrar do sol), e bramiu, até que, subindo á árvore, ou derribou o homem, ou ele mesmo cansado de tão grande luta e cheio de pavor, caiu.

Em baixo era um lugar alagadiço, coberto de lôdo, no qual ele ao cair afogou-se, de maneira que não pôde ser apanhado pela féra, a qual gastou debalde o resto da noite em diligências para tirá-lo dali; afinal cansada, deitou-se. Ao amanhecer, chegando os outros, que já tinham vindo inutilmente na vespera em auxílio do homem, mataram a féra, que já não podia mais mover-se pelo excessivo trabalho que tivera, e acharam-lhe no ventre o dedo polegar do referido Indio, que se supõe que ela devorara quando ele subia á árvore: viam-se ainda nesta os vestígios das suas unhas.

Existem aqui tambem outros animais (querem que sejam leões), do mesmo modo ferozes, porém mais raros. Ha tambem outro animal de feio aspeto, a que os Indios chamam tamanduá (30). Avantaja-se no tamanho ao maior cão, mas tem as pernas curtas e levanta-se pouco do chão; é, por isso, vagaroso, podendo ser vencido pelo homem na carreira.

As suas cerdas, que são negras entremeiadas de cinzento, são mais rijas e compridas que as do porco, maximé na cauda, que é provida de cerdas compridas, umas dispostas de cima a baixo, outras transversalmente, com as quais não só recebe, como rechassa os golpes das armas; é coberto de uma pele tão dura que é dificil de se atravessar pelas flechas; a do ventre é mais mole.

Tem o pescoço comprido e fino; cabeça pequena e mui desproporcionada ao tamanho do corpo; bôca redonda, tendo a medida de um ou, quando muito, dois aneis; a lingua distendida tem o comprimento de três palmos só na porção que pode sair fóra da bôca, sem contar a que fica para dentro (que eu medi), a qual costuma, pondo-a para fóra, estender nas covas das formigas, e logo que estas a enchem de todos os lados, ele a recolhe para dentro da bôca, e esta é a sua refeição ordinaria: admira como tamanho animal com tão pouca comida se alimente.

As patas deanteiras são robusticissimas, de grande grossura, quasi iguais á coxa de um homem, as quais são armadas de unhas muito duras, uma das quais principalmente excede em comprimento ás de todas as demais féras; não faz mal a ninguem, senão em sua defesa própria: quando acontece ser atacado pelos outros animais sentase e, com as patas deanteiras levantadas, espera o ataque, de um só golpe penetra-lhes as entranhas e mata-os.

É saborosissimo; dirias que é carne de vaca, sendo todavia mais mole e macia (31).Ha outro animal, bastante frequente, proprio para se comer, chamado pelos Indios tapiíra (32) e pelos espanhois "anta"; julgo que é o que em latim se chama "alce” (33).

É uma fera semelhante á mula, um pouco mais curta de pernas; tem os pés divididos em três partes; a parte superior do beiço é muito proeminente: de côr entre a do camelo e a do veado, tendendo para o preto. Levanta-se-lhe pelo pescoço, em vez de crinas, um musculodesde as cruzes até a cabeça, com o qual, como é um tanto mais alto, arma toda a fronte e abre caminho por espessos bosques, separando os ramos daqui e dalí.

Tem a cauda muito curta, desprovida de crinas; dá um grande assobio em vez de grito; de dia dorme e descansa, de noite, corre de um lado para outro; nutre-se de diversos frutos, e, quando não os ha, come as cascas das árvores. Quando perseguida dos cães, faz-lhes frente a dentadas e coices, ou lançase ao rio e fica por muito tempo debaixo dagua; por isso vive quasi sempre perto dos rios, em cujas ribanceiras costuma cavar a terra e comer barro.

Do seu couro, endurecido apenas pelo sol, os Indios fabricam broqueis completamente impenetraves ás flechas (34). Há outro animal que os Indios chamam aig (35) e nós “priguiça”, por causa da sua excessiva lentidão em mover-se; na verdadepreguiçoso, pois é mais vagaroso que um caracol; tem o corpo grande, côr de cinza; a sua cara parece assemelhar-se alguma cousa de rosto de uma mulher; tem os braços comprido, munidos de unhas tambem compridas e curvas, com que o dotou a natureza para podertrepar em certas árvores, no que gasta uma bôa parte do dia e alimenta-se das suas folhas e rebentos (36) : não se póde dizer, ao certo, quanto tempo leva em mover um braço; tendo porém subido, ali se demora finalmente, até que consuma a árvore toda; passa depoispara outra, algumas vezes tambem antes de chegar ao cume; com tanta tenacidade se agarra no meio da árvore, com as unhas, que não se póde arrancá-lo dali, senão cortando-lhe os braços.

Ha tambem outro semelhante a uma pequena raposa e ao qual os Indios chamam sariquéa (37), que exala muito mau cheiro e gosta muito de comer galinhas; tem na parte inferior da barriga uma especie de saco dividido de cima a baixo, em que estão escondidos os seios, e entrando para ele os filhos quando os pare, agarra cada um em sua têta e dali não saem até que, não precisando mais do auxílio materno, possam ficar em pé e andar por si; mas antes, depois da morte da mãe, só com muita dificuldade podem ser arrancados vivosde suas têtas. Já matámos muitas e entre elas uma com sete filhos encerrados na mencionada bolsa.

Existem tambem certos pequenos animais do genero dos ouriços (38), cobertos de cerdas compridas e mui agudas, pela maior parte sôbre o palido, pretas na ponta, as quais, se tocarem em alguma cousa, principalmente carne, entram pouco a pouco por si, semninguem as empurrar; as mulheres brasilicas costumam servir-se delas para furarem as orelhas, sem sentirem dôr.

Eu vi um couro dobrado, de não pequena grossura, transpassado de lado a lado noespaço de uma noite por uma cerda dêsse modo introduzida por si mesma. Ha uma infinita multidão de macacos dos quais se contam quatro variedades (39), todas elas mui proprias para se comer, o que muitas vezes provámos; é comida mui saudavel para doentes (40).

Vivem sempre nos matos, saltando em bandos pelos cumes das árvores, onde se, por causa da pequenez do corpo, não podem passar desta árvore para aquela que é maior, o chefe da tropa, curvando um ramo, que ele segura com a cauda e com os pés, e segurando outro macaco com as mãos, dá caminho aos restantes, fazendo uma especie de ponte, e assim passam com facilidade todos.

As femeas têm mamas como as mulheres; os filhos pequenos agarrados sempre ás costas e ombros das mães, correm daqui para ali, até que possam andar sòzinhos. Contam-se deles cousas maravilhosas, que omito por incriveis. Existe também outro animal muito comum entre nós, chamam-o tatú (41), que habita pelos campos em covas subterraneas, e quasi semelhante aos lagartos pela cauda e cabeça.

Tem o corpo todo coberto da parte de cima por uma concha muito dura, impenetravelás flechas, semelhante á armadura de um cavalo. Cava com muita velocidade a terra para se esconder; quando se mete em sua toca, se não lhe arrancares a perna, debalde te cansarásem puxá-lo para fóra: agarra-se á terra com as conchas e os pés com tanta fôrça que, embora lhe segures a cauda, mais facil será destacar-se esta do corpo, do que a ele da cova: é de delicioso sabor.

Dois generos ha de veados; uns como os nossos de chifres; êstes, são, porém, raros, outros, de côr branca, sem chifres, e que nunca entram nos matos, antes pastam sempre em magotes pelas planicies. (42) Ha abundante multidão de gatos monteses muito ligeiros (43), de gamos, de javalis (44), dos quais ha várias especies. Longe daqui no interior da terra, para os lados do Perú, a que chamam Nova Espanha, ha umas ovelhas selvagens (45), iguais ás vacas no tamanho, cobertas de uma lã branca e linda, das quais se servem os Indios para levar e trazer cargas, como jumentos.

Um dos nossos Irmãos, que andou muito tempo por aqueles lugares, afirma que, não só vira comer, mas tambem comêra da carne delas. Trata-se largamente dessas ovelhas nas cronicas do Perú, vulgarmente escritas em espanhol. Nascem entre as taquaras certos bichos roliços e compridos, todos brancos, da grossura de um dedo, aos quais os Indios chamam rahú (46), e costumam comer assados e torrados. Ha os em tão grande porção, indistintamente amontoados, que fazem com eles um guizado que em nada difere da carne de porco estufada; serve não só para amolecer o couro, mas tambem para comer-se.

Dêstes insetos uns se tornam borboletas, outros saem ratos, que constroem a sua habitação debaixo das mesmas taquaras, outros porém se transformam em lagartas, que roçam as ervas. Encontram-se muitos outros animais de diversos generos, que entendi dever omitir, por não serem dignos de saber-se, nem de contar-se. Seria muito dificil representar por palavras as diversas especies de formigas, das quais ha várias naturezas e nomes; o que, di-lo-ei de passagem, é muito usual na lingua brasilica, por isso que dão diversos nomes ás diversas especies e raras vezes os generos são conhecidos por uma denominação propria; assim, não ha nome generico da formiga, do caranguejo, do rato e de muitos outros animais; das especies, porém, que são quasi infinitas, nenhuma deixa de ter o seu nome proprio, de maneira que com razão te admirarias de tão grande cópia e variedade de palavras. No entanto, das formigas só parecem dignas de comemoração as que destroem as árvores; estas são chamadas Içâ (47); são um tanto ruivas, trituradas cheiram a limão; cavam para si grandes casas debaixo da terra. Na primavera, isto é, em Setembro, e daí em diante, fazem sair o enxame dos filhos, quasi sempre no dia seguinte ao de chuva e trovoada, se o sol estiver ardente; os pais vão adeante e, correndo com a bôca abertade um lado para outro, enchem todos os caminhos, e pregam mordidelas mais crueis do que em outro qualquer tempo, até fazer sangue; seguem-lhes os filhos com asas (48), de corpo maior, e logo voam á procura de novas casas para si, tão numerosos muitas vezes que formam uma nuvem no ar; em qualquer parte que caiam cavam imediatamente a terra, construindo cada um a sua habitação; depois, porém, de pouco tempo morrem, e de seu ventre geram-se inumeros outros filhos, de maneira que não admira haja tão grande multidão de formigas, quando de uma só nascem tantas.

Para ver quando elas saem de suas cavernas ajuntam-se as aves, ajuntam-se os Indios, que ansiosamente esperam êste tempo, tanto homens, como mulheres; deixam as suas casas, apressam-se, correm com grande alegria e saltos de prazer para colher os frutos novos, aproximam-se das entradas dos formigueiros e enchem de agua os pequenos buracos que elas fazem, onde, estando, se defendem da raiva dos pais e apanham os filhos que saem das covas, e enchem os seus vasos, isto é, certas cabaças grandes, voltam para casa, assam-as em vasilhas de barro e comem-as; assim torradas, conservam-se por muitos dias, sem se corromperem.

Quão deleitavel é esta comida e como é saudavel, sabêmo-lo nós, que a provámos (49). Mas umas aves semelhantes ás andorinhas, das quais ha três variedades, aglomeram-se quasi sem conta no ar, e cortam pelo meio com admiravel celeridade aquelas formigas que saem voando, devoram-lhes os ventre, deixando a cabeça com as asas e pernas, e assim acontecem que mui poucas escapam (50).

Encontram-se quasi vinte especies diversas de abelhas (51), das quais umas fabricam o mel nos troncos das árvores, outras em cortiços construido entre os ramos, outras debaixo da terra, donde sucede que haja grande abundancia de cera. Usamos do mel para curar as feridas, que saram facilmente pela proteção divina. Havendo porém, como disse, muitas especies de mel, falarei unicamente de um, que os Indios chamam eiraaquãyetâ, quer dizer, “mel de muitos buracos”, porque estas abelhas têm muitas entradas nas colmeias.

Logo que se bebe dêste mel, toma todas as juntas do corpo, contrai os nervos, produz dôr e tremôr, provoca vomitos e destempera o ventre. Ha pelo mato grande cópia de moscas e mosquitos, os quais, sugando-nos o sangue, mordem cruelmente, maximé no verão, quando os campos estão alagados; uns têm o ferrão e as pernas compridas e subtilissimas; furam a pele e chupam o sangue, até que, ficando com todo o corpo muito cheio e distendido, mal podem voar; contra êstes é bom remédio a fumaça com a qual se dispersam (52).

Outros chamados mariguî, e que habitam á beira-mar, são uma praga terrivel; são tão pequenos que mal os podes perceber com a vista; és mordido, e não vês quem te morde; sentes-te queimar e não ha fogo em parte alguma; não sabes de onde te veiu repentinamente semelhante incômodo; se te coças com as unhas, maior dôr sentes; renovase e aumenta por dois ou três dias o ardor que deixaram no corpo (53).

Em verdade, não é facil dizer quanta diversidade ha de aves ornadas de várias côres. Os papagaios são mais comuns aqui do que os corvos, e de diferentes especies, todos bons para se comerem; alguns deles produzem prisão de ventre; outros imitam a voz humana;outros ha que, comendo o milho quando está granado, voam em bandos e quando estão nesse trabalho, fazem de maneira que, quando descem para comer, fiquem sempre um ou dois no alto de uma árvore, como de vigia, os quais, espiando o lugar por todos os lados, em vendo alguem aproximar-se, tocam rebate e fogem todos; mas se não houver perigo algum, quando os outros fartos sobem, descem os vigias por sua vez para comer (54).

Ha tambem avestruzes, que não podem voar por causa do extraordinario tamanho do corpo (55). Ha ainda outros passarinhos, chamados guainumbi (56), os mais pequenos de todos; alimentam-se só de orvalho (57) ; dêsses ha vários generos, dos quais um, afirmam todos, que se gera da borboleta (58).

Ha outro passaro semelhante ao corvo, parecido com o ganso por causa do bico, o qual mergulhando nos rios, está muito tempo debaixo dagua a comer peixes. Ha tambem outro, de menor corço, mas, quando sacode as asas faz tanto barulho, que as árvores parece que caem por terra (59).

Ha ainda uma ave marinha, por nome guará (60), igual ao mergulhão, porém de pernas mais compridas, de pescoço igualmente alongado, de bico comprido e adunco; alimenta-se de caranguejos e é muito voraz. Passa por uma metamorfose, como que perpétua, pois naprimeira idade cobre-se de penas brancas, que depois se transformam em côr de cinza, e, passado algum tempo tornam-se segunda vez brancas, de menos alvura todavia das da primeira; por fim ornam-se de uma côr purpúrea lindissima; estas penas são degrande estimação entre os Indios, que usam delas para enfeitar os cabelos e braços em suas festas.

Ha ainda outra ave marinha semelhante á ádem, que, em lugar de asas, tem pequenos membros, vestidos de macia penugem; tem os pés quasi na cauda, de maneira que não podem sustentar o corpo e só lhe servem para nadar, quando ela não póde voar nem andar (61).Das aves de rapina ha muitas especies, das quais algumas são de tal tamanho que matam e despedaçam até veados, maximè uma, para a qual, quando está no ninho, não só seus pais que têm com ela particular cuidado, mas todas as outras aves que vivem de rapina, trazem comida como a um principe: têm isto comsigo, que mesmo que passem muitos dias sem comer, mal nenhum isso lhes faz (62).

Ouvi falar de outro genero ainda de aves de prêsa, a qual, quando está aquecendo os filhotes recem-nascidos no ninho, que constroi no mais alto da árvore, se o caçador sobe para tirá-los, não voa, mas, abrindo as asas para protegê-los, conserva-se imóvel,consentindo antes que a apanhem, do que em desamparar os filhos. Ha outra ave que se chama anhima (63), muito grande; quando grita parece o zurrar de um asno.

Tem em cada asa com que três cornos (64), um tambem na cabeça, iguais aos esporões dos galinaceos, porém muito mais rijos; quando acossada pelos cães, não foge, ainda que a grandeza do corpo não a embarace de voar; antes os afugenta, ferindo-os gravemente com as asas assim armadas. Ha ainda galinhas silvestres, das quais se contam três especies: perdizes; faisões; e outras aves todas côr de purpura, outras verdes, outras pardacentas, vistosas na sua multiplice variedade de côres (65).

Isto quanto aos animais. Das ervas e árvores não quero deixar de dizer isto, que as raizes a que chamam mandioca (66), de que nos utilizamos como alimento são venenosas e nocivas por natureza, se não forem preparadas pela indústria humana para se comerem; comidas cruas matam a gente, assadas ou cozidas comem-se; todavia, os porcos e os bois as comem cruas impunemente; se porém beberem o suco que delas se expreme, incham de repente e morrem.

Ha outras raizes chamadas yeticopê (67), semelhantes ao rabão, de agradavel sabor, muito apropriadas para acalmar a tosse e molificar o peito. A sua semente, que se assemelha a favas, é um violentíssimo veneno. Entre outras, ha aqui certa erva espalhada por toda a parte e que muitas vezes vimos e tocámos, a que chamamos viva (68), porque parece ter tal ou qual sentimento: pois, se a tocares de leve com a mão ou com qualquer outra cousa, imediatamente as suas folhas, fechando-se sôbre si mesmas, se ajuntam e como que se grudam; depois, daí a pouco tornam a abrir-se.

Das árvores uma parece digna de notícia, da qual, ainda que outras haja que distilam um líquido semelhante á resina, util para remédio, escorre um suco suavissimo, que pretendem seja o balsamo, que a princípio corre como oleo por pequenos furos feitos pelo caranchoou tambem por talhos de foices ou de machados, coalha depois e parece converter-se em uma especie de balsamo; exala um cheiro muito forte, porém suavissimo e é otimo para curar feridas, de tal maneira que em pouco tempo (como dizem ter-se por experiência provado) nem mesmo sinal fica das cicatrizes (69).

Ha tambem outras árvores que enchem por toda a parte os esteiros do mar, onde nascem, cujas raizes, algumas brotadas quasi do meio do tronco, outras do ponto em que os ramos que rebentam se dirigem para cima, quasi do comprimento de uma lança, se inclinam pouco apouco para a terra, até que no fim de muitos dias chegam ao chão (70).

Na povoação que se chama Espirito Santo é muito comum uma certa árvore muito alta, cujo fruto é admiravel. Êste é semelhante a uma panela, cuja tampa, como que trabalhada a tôrno, com que está pendente da árvores, se abre por si mesma quando está maduro:aparecem então dentro muitos frutos semelhantes a castanhas, separadas por delgadas tiras como interposto septos, muitissimo agradaveis ao paladar. O vaso ou urna, em que estão encerrados, não é menos duro que a pedra, e pode-se facilmente julgar do seu tamanhopelas castanhas que contém, que passam de cincoenta (71).

Ha, além disso, pinheiros (72) de altura estupenda; propagam profusamente ocupando o espaço de seis ou sete milhas. Os Indios dão aos seus frutos, por antonomasia, o nome especial de ibá, isto é, fruto (nome aliás comum aos demais frutos); são compridos como os nossos, mas muito maiores, de casca mole, semelhantes á amendoa das castanhas. Os lugares que ficam para o sententriãonão produzem destas árvores.

Ha diversas árvores de frutos excelentes para comer-se, muitos de suavíssimo cheiro, e de mui deleitavel sabor. Uteis á medicina não ha só muitas árvores, como raizes de plantas; direi, porém, alguma cousa, maximè das que são proveitosas como purgantes. Ha uma certa árvore, de cuja casca cortada com faca, ou do galho quebrado, corre um líquido branco como leite, porém mais denso, o qual, se se beber em pequena porção, relaxa o ventre e limpa oestomago por violentos vomitos: por pouco, porém que exceda na dose, mata. Deve-se, emfim, tomar dele tanto quanto caiba em uma unha e isso mesmo diluido em muita água; se não se fizer assim, incomoda extraordinariamente, queima a garganta e mata (73).

Ha uma certa raiz, abundante nos campos, utilissima para o mesmo fim; raspa-se e bebe-se misturada com agua; esta, se bem que provoque o vômito com bastante violencia, todavia bebe-se sem perigo de vida (74). Ha tambem outra, chamada vulgarmente marareçó; as suas folhas parecem as do bordo, a raiz pequena e redonda, que se come assada ou bebe-se esmoida com agua, exposta por uma noite ao sereno.

Descobriu-se ultimamente outra, que é tida em grande estima e com razão. Esta é oblonga e delgada, contundida e deixada de infusão em agua pelo espaço de uma noite, bebe-se de manhã sem dificuldade, não causa nausea, nem produz fastio; desembaraça, porém, o ventre com abundante fluxo, que cessa logo que se tome algum alimento, o que é comum ás de que falei ha pouco.


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