Sorocaba no Império: comércio de animais e desenvolvimento urbano, por Cássia Maria Baddini
junho de 2000. Há 24 anos
1.1 -A OCUPAÇÃO DE SOROCABA E O DESBRAVAMENTO DO SULSorocaba era núcleo de povoamento desde a primeira metade do séculoXVII, quando o paulista de Parnaíba, Baltazar Fernandes, possuidor de uma extensasesmaria às margens do rio Sorocaba, ali se instalou com a família e cerca de 500 índiosescravizados, na altura da foz do atual córrego Lageado, então chamado do Moinho, parafundar um novo povoado.
A região era conhecida desde os fins do século XVI, quando Afonso Sardinha descobriu as minas de ferro do morro de Araçoiaba, instigando o governador-geral D. Francisco de Sousa a iniciar a instalação de equipamentos para uma fábrica de ferro, motivando a fundação de um povoado nas proximidades, por volta de 1599 - 1600, a vila de Nossa Senhora do Monte Serrat.
Mas o isolamento da fábrica e a falta de pessoal capacitado para a produção fez fracassar essa primeira investida. Como consequência, o povoado se esvaziou nos anos seguintes e muitos se transferiram para uma área distante cerca de três léguas, mas mais adequada às necessidades de sobrevivência: os campos do Itavuvu, à margem do rio Sorocaba, para onde foi transladado o pelourinho e estabelecida a vila de São Felipe.
Baltazar Fernandes se estabeleceu mais ao sul desse povoado, e, planejando a fundação de uma nova vila, fez construir uma capela na parte alta da margem esquerda do rio Sorocaba, dedicando-a a Nossa Senhora da Ponte. O novo núcleo atraiu parte da população de São Felipe e prosperou. Em 1661, ele enviou uma petição ao governador-geral da Repartição do Sul, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, solicitando nova transferência do pelourinho de São Felipe para o povoado de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba, o que foi aprovado por Provisão de 3 de março de 1661: residiam na vila, então, mais de trinta casais.
A população era composta, basicamente, por pessoas livres pobres eescravos índios, que cultivavam gêneros de subsistência. As famílias mais ricas epoderosas - geralmente aparentados de Baltazar Fernandes - investiam nas expediçõesde caça ao gentio, em direção aos sertões do centro-sul do Brasil.Aluísio de Almeida identifica o final do século XVII como o período áureodas expedições sorocabanas dirigidas para os sertões de Cuiabá e Goiás. Lembra onome de sertanistas como João Antunes Maciel, Pascoal Moreira Cabral, André deZunega e Braz Mendes Pais, primeiros moradores da região. Alguns de seus [Página 23]
Administrador, mas logo depois o largou para se dedicar exclusivamente à carreirapolítica.Em 1831, foi nomeado Presidente da Província de São Paulo, e em 1834deputado geral. Exerceu os cargos conjuntamente, ausentando-setemporariamente da cadeira da presidência, que assumiu até 11 de março de 1835.Em 1840, foi novamente nomeado Presidente da Província na ascensãoliberal que acompanhou o “golpe da Maioridade”, mas ocupou o cargo somente até julhode 1841, sendo demitido pelo Gabinete conservador. No ano seguinte, organizou apublicação do periódico O Tebyreçá, de cunho liberal, através do qual promoveu umacirrado debate político sobre a monarquia.66 Em maio desse mesmo ano liderou, juntocom Feijó, a revolta liberal que teve Sorocaba como centro propagador, sendo entãoaclamado Presidente da Província pelos revoltosos.67Mas já em junho, as forças rebeldes estavam controladas pelas tropasmonarquista, e Rafael Tobias acabou preso. Em 1846, foi anistiado junto com os demaislíderes da revolta de 1842 pelo Gabinete liberal, após o que foi eleito deputado provincialem 1846 - 47 e disputou a senatoria nesse último ano, mas não foi escolhido dentre ostrês nomes enviados ao Imperador. Desde então, sua trajetória política declinou.Entretanto, em Sorocaba se manteve como a figura de maior prestígiopolítico. Também era a maior fortuna local: seu inventário, de 1857 (ano de sua morte),relaciona 463 escravos, 9 fazendas espalhadas pela região - 7 delas de criação de bois ecavalos, 1 de café e outra de “terras de sesmaria” - 3 sítios e, na cidade, 2 terrenos, 1chácara e 17 casas.68Atuava ativamente no comércio de animais, criando e negociando seupróprio gado. O investimento na produção de café e açúcar - possuía em Itapeva daFaxina, ao sul de Sorocaba, uma fazenda de criação associada à cultura de cana - era secundário.
Dois episódios ligados diretamente a Tobias mostram a ingerência do poder local sobre a arrecadação de impostos sobre animais. Um foi o conflito deflagrado após a morte de seu pai em 1818, com o novo arrematante do Novo Imposto, Antonio da Silva Prado. Outro, foi durante a revolta liberal de 1842. Nessa ocasião, o dinheiro existente no Registro - 17 contos de réis -foi confiscado pelos rebeldes para os gastos do movimento. Era seu administrador Elias Aires do Amaral, aparentado de Tobias.69
Durante o Império, a Lei de 1o de Outubro de 1828, que definiu umRegimento comum às Câmaras Municipais, foi a principal diretriz de organização dopoder local. Ela restringiu a autonomia dos antigos Conselhos na disposição dos benspúblicos e no poder judiciário, submetendo-os ao Conselho de Província. Essa instânciade poder se tornou responsável pela aprovação das principais atribuições dasmunicipalidades: a organização do orçamento e a elaboração de posturas.
A transformação das Câmaras em corporaçõesadministrativas, como especifica o artigo 24 do Regimento, não foi imposta semresistência do poder local. O governo imperial precisou expedir, ao longo do século XIX,uma grande quantidade de leis, decretos, avisos e resoluções para definir procedimentosadministrativos e inibir práticas herdadas do período colonial, principalmente no que sereferia ao provimento de cargos públicos e arrecadação de impostos.Levindo Ferreira Lopes relacionou todas as determinações ditadas pelogoverno imperial sobre a Lei de 1o de Outubro de 1828 até o ano de 1883, e verificou umgrande número de Avisos e Decretos expedidos especialmente após 1860, queregulamentavam a arrecadação das rendas gerais nos municípios e especificavam asincompatibilidades entre cargos municipais.70 Essas determinações refletem apreocupação em limitar a ingerência do poder local sobre o aparelho de governo,representada pelos arrematantes de impostos e pelo domínio das Câmaras Municipaispelas principais famílias da localidade.Em Sorocaba, o domínio dessa elite sobre a Câmara e o Registro deAnimais foi garantido durante o Império, mas sob novas condições de organizaçãopolítica: as duas instituições foram submetidas ao controle do governo central etransformadas em órgãos administrativos.Com respeito às Câmaras, a Lei de 1o de Outubro de 1828 definiu suascompetências, conferindo relevo especial à elaboração das posturas municipais, que emgeral garantiriam “meios de promover e manter a tranquilidade, segurança, saude, e
69 Também contribuíram somas particulares, como do próprio Tobias, do Barão de Tatuí e do presidente da Câmara Municipal de Sorocaba, José Joaquim de Lacerda, além de 6 contos pertencentes ao cofre municipal. Segundo Catelli, “a soma desses valores é treze vezes maior do que as despesas da Câmara Municipal de Sorocaba no ano de 1842”. CATELLI JR., Roberto. Poder local - consolidação e revolta. Sorocaba - 1823/1842. Dissertação (Mestrado em História) - Departamento de História, FFLCH, Universidade de São Paulo, 1993.
70 LOPES, Levindo Ferreira, Camaras Municipaes, Rio de Janeiro: Livraria Popular de A . A . da Cruz Coutinho, 1884.[p. 58 e 59]
Em 1856, as eleições municipais de 7 de setembro deram novamentevitória aos conservadores. Os liberais, alijados do poder, fraudaram a votação de 2 denovembro, para escolha dos eleitores de paróquia. Logo no dia seguinte, a Câmara sereuniu em sessão extraordinária para elaborar um ofício ao Presidente de Província,narrando os acontecimentos e pedindo a anulação daquela eleição.81Infelizmente, não foram encontradas as Atas seguintes, entre 4 denovembro de 1856 e 24 de outubro de 1864. Essa grande lacuna também não pôde serpreenchida com a análise da imprensa do período, pois o único periódico da época, OMonitor, encerrou sua publicação em dezembro de 1856, e até 1866 não houve outro nacidade.81 “Sessão extraordr5 em 3 de 9br° de 1856. Prezida do Sr. Santos”. Anais..., MHS, livro 53, fólio147 f.
Foi justamente durante esse período, em 1858, que Vicente de OliveiraLacerda foi nomeado administrador do Registro de Animais. Era administrador do Correioem Sorocaba desde o início da década de 1840, à época da revolta liberal. Naquelaocasião, com a dispersão do movimento, foi demitido logo depois da destituição daCâmara rebelde, que era presidida pelo seu pai, José Joaquim de Lacerda. Em 1844,com a retomada do poder pelos liberais, voltou a ocupar o posto. Sua nomeação para oRegistro em 1858 indicava a ascensão desse grupo político. As eleições seguintes, em1860, marcaram o retorno dos liberais na administração municipal.
Os conservadores só retornariam à administração municipal em 1868,animados pela dissolução da Câmara dos Deputados e do Conselho de Ministros. Nessaocasião, os eleitores suplentes de Sorocaba, todos eles conservadores, enviaram umarepresentação ao Presidente de Província acusando irregularidades no processo dequalificação de votantes. Em resposta, o governo provincial anulou os trabalhos da Juntade Qualificação e determinou que as eleições municipais daquele ano fossem feitas combase na qualificação anterior - o que fortaleceu o grupo conservador da cidade, que saiuvitorioso do pleito.A Câmara Municipal, reconhecendo que os conservadores tinham respaldodo governo provincial, oficiou diretamente ao Imperador reclamando das irregularidadesno processo eleitoral, não tendo a votação sido presidida pelo juiz de paz mais votado dacidade, que era o liberal José Leite Penteado. Tratava-se, em verdade, de umaarticulação dos conservadores para assegurar a vitória do partido.A resposta veio logo em seguida, a 8 de janeiro de 1869: que osvereadores eleitos fossem empossados. Com isso, os empregados da Câmara foram substituídos por partidários conservadores - como sempre ocorria, aliás, a cadareorientação política da vereança.Mas o domínio dos conservadores durou pouco: em 29 de janeiro, umofício do Presidente de Província ordenava a restauração da antiga vereança e aimediata convocação de novas eleições, informando sobre a anulação da última eleição,pela Portaria do governo de 20 de janeiro.82Essas desordens na administração municipal mostram o quanto o poderlocal - e com ele, a administração do Registro de Animais - refletia as disputas políticasentre conservadores e liberais nas diversas esferas de poder.Na década de 1870, um outro grupo político entraria na disputa pelaadministração municipal: os republicanos, cujo Clube local foi fundado em 1874. Até ofinal do Império, esses três partidos políticos estiveram representados, em maior oumenor número, nas vereanças que se seguiram. Os liberais ainda fizeram a maioria daCâmara Municipal em 1873 - 1876, 1877 - 1880, 1881 - 1882 e 1883 - 1886, perdendoem representatividade para os conservadores na última vereança do Império: 1887 -1890. Reflexo do longo período de domínio do Gabinete liberal, seguido da destituição enomeação do Gabinete conservador em 1885. Quanto aos republicanos, emboranumericamente menos representativos na cidade, garantiram a participação nasvereanças de 1873 - 1876, 1881 - 1882 e 1883 - 1886.
Vicente de Oliveira Lacerda administrou o Registro até 1878. Nesse ano,foi nomeado para substituí-lo o coronel Antonio Augusto de Pádua Fleury, liberal, quehavia sido vereador em 1861 - 1864 e juiz de paz em 1876. Nas listas de votantes dacidade para 1876 e 1878 foi relacionado como “lavrador”.83 Exerceu o cargo até suamorte, em junho de 1882, sendo então substituído por Antonio Paes de Madureira,também partidário liberal, proprietário de uma fábrica de cal no município, então oprincipal produto de exportação local.
Deixou a administração do Registro em 1885 para assumir a do MercadoMunicipal, para a qual foi nomeado pela Câmara em 22 de dezembro. Em seu lugar ficouJoaquim de Almeida Pedroso, relacionado como “empregado público” nas listas devotantes de 1876 e de 1878.8482 “Acta da Sessão extraordinária da Camara Mu [p. 65 e 66]
Antonio Paes de Madureira foi novamente nomeado administrador doRegistro em 1889, ocupando o cargo até a sua extinção em 1891.A correlação entre poder municipal e controle da arrecadação de impostossobre animais foi permanente durante todo o período imperial. Todos os administradoresdo Registro, de 1826 até 1891, estavam ligados a grupos políticos, e já haviam ocupadocargos públicos. Essa parecia ser uma condição para a nomeação. Também eramsorocabanos ou residentes há muito tempo na cidade.85A ingerência do poder local sobre o provimento do cargo era determinante.A cada reorientação política da Câmara, os vereadores preparavam nova lista tríplicepara substituição do administrador e eram, invariavelmente, atendidos. Esseprocedimento garantia a acomodação dos interesses locais sobre a cobrança deimpostos ao aparelho de Estado.Essa situação já caracterizava a arrematação de impostos sobre animaisdesde a instalação do Registro de Sorocaba. Os arrematantes provinham das famíliasmais antigas e ricas da localidade, com forte influência sobre o poder local.Durante o Império, o processo de centralização do poder delimitouespaços de atuação política aos grupos locais. Analisando a estrutura burocrática doEstado Nacional nesse período, José Murilo de Carvalho conclui que a interferência doPoder Moderador sobre diversas instâncias da organização política - expressão máximada centralização do poder - permitia o controle da disputa entre partidos.86O provimento de cargos públicos por nomeação do Presidente deProvíncia, que era diretamente escolhido pelo Imperador, assegurava o equilíbrio entreas esferas de poder local e central. A cada queda de Gabinete e reorientação política, oPresidente era substituído e novas eleições convocadas. Em Sorocaba, a Câmaraacompanhava essa nova orientação, assim como os demais cargos municipais denomeação e a administração do Registro. A competência do poder central sobre aorganização do quadro de funcionários públicos era, em parte, repassada para asCâmaras: partia dos novos vereadores a dispensa de empregados e as novas propostas
85 Entre os administradores não nascidos em Sorocaba, tem-se Vicente de Oliveira Lacerda,natural de Parnaíba e cuja família se mudara para a vila quando ainda era criança, e o coronel Antonio Augusto de Pádua Fleury, natural de Goiás, mas que se fixou em Sorocaba, aí constituindo família e negócios.
86 “Pode-se dizer que a interferência do Poder Moderador favorecia antes que dificultava a representação da minoria, na medida em que tornava temporária a derrota de um dos partidos. Na verdade, era ela que possibilitava a existência do bipartidarismo. Em sua ausência, dificilmentehaveria possibilidade de conflito regulado". CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras: a política imperial, São Paulo: Vértice / Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de janeiro, 1988, p. 152. [p. 67]
O telhado tinha beirais, elemento construtivo típico da arquitetura daépoca. No terceiro módulo da torre, há um relógio no meio da janela - doação do riconegociante Francisco Lopes de Oliveira.No final do século XVII foi construído um outro edifício religioso, um poucomais deslocado do centro urbano: a capela de Santo Antonio, no caminho para o sul e naestrada para Campo Largo. Segundo Aluísio de Almeida, essa capela primitiva selocalizou na atual rua da Penha, altura da rua Professor Toledo, que hoje compõem aárea central da cidade.3 Na segunda metade do século XVIII foi construída uma novaigreja de Santo Antonio, na beira da estrada que seguia para o sul mas mais próxima davila, numa de suas entradas, em terreno doado pelo então provedor do Registro deAnimais, Luiz Teixeira da Silva. No seu entorno foi aberto um largo para facilitar apassagem das tropas, que ficou conhecido como largo de Santo Antonio. A estrada quedele seguia para os campos além-Supiriri também se tornou conhecida como estrada deSanto Antonio. Esse templo atraiu moradores para as imediações e condicionou otraçado urbano daquela área.O núcleo urbano cresceu timidamente até meados do século XVIII, poismuitos moradores se ausentavam com frequência, envolvidos em expediçõesexploratórias, e os lavradores, que eram a maioria, habitavam sobretudo os bairros doentorno. Essa característica da ocupação começou a mudar na segunda metade doséculo XVIII, à medida que se intensificava o uso da região para passagem de tropas. Ainstalação do Registro em 1750 foi uma circunstância favorável ao seu uso parainvernada dos animais em trânsito, instigando os proprietários da região a transformarseus quintais em pastos de aluguel. Os menos favorecidos, que não possuíam terraspara alugar, passaram a oferecer seus préstimos para o trato das tropas enquantoestivessem ali estacionadas.O uso da região para passagem de animais estimulou a ocupação e aexploração de terras próximas ao Registro e ao longo do caminho das tropas,incentivando os pedidos de “datas” de terra urbana sobretudo nos anos de maior trânsitode gado.4A localização do Registro favoreceu a formação de pastos nos terrenosdas margens do rio Sorocaba e do Supiriri, seu afluente pela margem esquerda, queservia de orientação aos condutores de gado. A passagem e concentração das tropas [Página 78]
Na época da visita de Saint-Hilaire, as tropas entravam em Sorocaba pelarua da Penha e pela estrada de Santo Antonio, alcançavam o largo de Santo Antonio,seguiam em direção da rua do Hospital até a embocadura da rua das Tropas, no final daqual ficava o Largo das Tropas, usado para estacionar temporariamente os animais queesperavam a liberação do pátio do Registro para atravessá-lo. Esse último largo tinha umformato irregular, e embora fosse propriedade particular, constituiu-se em área de usopúblico desde o século XVIII. Em 1841, Rafael Tobias de Aguiar, seu proprietário, fezdoação permanente de parte dessa área à Câmara Municipal.13Mas então o largo apresentava outra configuração. Algumas construçõesparticulares haviam avançado sobre ele, acompanhando o enfileiramento de casas na ruadas Flores, aberta nas primeiras décadas do século XIX. É possível que essa ruatambém tenha sido usada para a passagem de tropas, pois o seu traçado sugere oencurtamento do caminho entre a rua do Hospital e a ponte. No entanto, não foramencontrados indícios que comprovem esse uso.Como conseqúêcia, o largo diminuiu e se dividiu em duas porções: amenor, em frente à igreja do Rosário, em construção desde 1812, passou a denominar-seLargo do Rosário; a maior, conhecida como Largo das Tropas, também passou a serchamada Largo de Santa Gertrudes, em homenagem à mãe de Rafael Tobias, doadordaquele terreno.Durante todo o Império, o sentido do trajeto das tropas acompanhou ocurso dos rios Supiriri e Sorocaba, atendendo a necessidade dos condutores por grandesespaços e aguada fácil para os animais. Boa parte desses terrenos, especialmente os damargem esquerda do rio Sorocaba no trecho transitado pelo gado, eram propriedadesparticulares transformadas em pastos de aluguel. Por esse motivo se constituiu o largodas Tropas, para permitir a parada dos animais sem obrigação de pagamento.As margens do Supiriri e sobretudo do Sorocaba, no trecho mais próximodo núcleo de ocupação urbana, eram vitais para a manutenção da população local, e porisso foram, desde a instalação do Registro, motivo de conflitos entre moradores,condutores de tropas e proprietários. O acesso à margem do rio Sorocaba até 1825 erafeito pela rua das Tropas, que cortava quintais particulares que se alugava, em época de13 Na Ata da Câmara Municipal de 17 de agosto de 1841, consta a leitura de um requerimento docoronel Rafael Tobias de Aguiar, ex-Presidente da Província, “offerecendo hum terreno, queoutr´ora arrematou em asta publica no lugar denominado jogo da bolla, e fez demollir o edifficioque alli existia para alargar o patio da ponte, e pedindo por conceguinte, que esta Camara emtempo algum concinta edificar-se edifficio algum publico, ou particular naquelle lugar".- “SessãoExtraordH de 17 de Agosto de 1841. Prezida do Snr. Paes”. Anais..., MHS, livro 21, fólio 165 f. [Página 85]
Após a correição geral de 1825, em que foram abertas três novas ruas - a da Margem, do Conselho e 7 de Setembro -, o caminho das tropas foi ligeiramente alterado, na entrada da vila pelo caminho do sul. A rua da Penha, embora ainda utilizada para passagem dos animais, foi pouco a pouco sendo substituída nesse uso pela 7 de Setembro. A estrada de Santo Antonio se manteve como importante via de acesso ao Registro para as tropas invernadas nos campos além-Supiriri. A estrada e rua do Piquesserviu, com exclusividade até 1838, para conduzir as tropas invernadas no Itavuvu e Terra Vermelha. Nesse ano, foi aberta a estrada de Porto Feliz, que aliviou o tráfego do gado nessa direção.
Observando a planta da vila em 1840, nota-se que o trajeto das tropaspouco se alterou, e que a expansão urbana atingiu os caminhos transitados pelosanimais. Foram abertas novas ruas à direita da de São Bento, ligando o centro da vila àvárzea do córrego do Itararé e margem do rio Sorocaba, como as ruas do Conselho em1825 e da Constituição em 1828. Outras ruas datam da mesma época: o Beco do Inferno,ligando a rua de São Bento ao curral do Conselho27, e a rua do Itararé, que descia da ruada Ponte até a rua da Composição.28 Essas vias estão indicadas na planta n. 2.Em 1839, para dar acesso à bica de água potável existente no quintal doMosteiro e doada em 1835 pelos religiosos para uso público, a Câmara deliberou aabertura de duas novas ruas. Já havia um caminho tosco aberto desde 1836, poucodepois da doação, para dar acesso à fonte29, mas somente mais tarde é que foi alinhado.A primeira rua foi aberta em abril de 1839 e seguia da rua da Constituiçãoaté a bica. Dada as imposições do relevo e a existência de casas particulares naquelaárea, essa nova rua não seguiu o alinhamento da rua da Constituição, como se podeobservar na planta n. 2. Talvez por esse motivo tenha se tornado conhecida como Becoda Bica, Beco do Teatro de Santa Clara - inaugurado nesse mesmo ano - ou ainda Becoda Boa Vista.3027 A primeira deliberação de calçamento do Beco do Inferno data de 18 de julho de 1838.Provavelmente, a rua já existia toscamente aberta desde fins do século XVIII, quando a casa daCâmara foi instalada na rua de São Bento. “3a Sessão Ordr* de 18 de Julho de 1838. Presida doSnr. Sousa”. Anais..., MHS, livro 21, fólio 8 f.28 Em 6 de julho de 1835, a Câmara deliberou o “aterrado da travessa da rua da ponte, que vai paa rua nóva", mas até 1838 a obra não foi concluída, pois nesse ano foi novamente deliberado oaterro do “passo do Itararé", permitindo assim que a rua avançasse sobre o córrego até alcançar arua da Constituição. “Secção Extraordr3 de 6 de Julho de 1835. Presida do Sr. Neporn”’. Anais...,MHS, livro 16, fólio 95 v.; “2a Sessão Ordr3 de 17 de Outubro de 1838. Presida do Snr. Souza”.Anais..., MHS, livro 21, fólio 19 v.29 “3a Secção Ordr3 de 14 de Janeiro de 1836. Presida do Sr. Neporn0”. Anais..., MHS, livro 16, fólio131 v. [Página 94]
Na rua do Rosário havia os sobrados da família Lopes de Oliveira, ricosnegociantes e fazendeiros também ligados ao comércio de animais. Manoel Lopes de Oliveira veio de São Paulo com a família em 1782, atraído pelas possibilidades comerciais da vila. Seu filho, Antonio, casou-se em Sorocaba em 1802. Era rico negociante de fazendas secas, e construiu um grande sobrado no início do século XIX na então rua das Tropas. Possuía uma grande extensão de terras na margem do rio Sorocaba, que alugava a condutores em época de trânsito intenso de tropas. Foi quem doou, em 1812, o terreno contíguo à sua residência para construção da igreja do Rosário, que só ficou pronta em 1874.
Possuía uma fazenda no Sarapuí, ao sul de Sorocaba, onde em meadosdo século seu filho, também chamado Antonio, plantou café, algodão e cereais.Provavelmente a usasse, também, para criar ou invernar animais que negociava duranteas feiras.
Além do filho homónimo havia outro, de nome Manoel, que se ligou,através de casamento, com famílias de fazendeiros e criadores de gado de Itapetininga,contribuindo para aumentar a riqueza e o prestígio político da família na região.Manoel foi chefe liberal em Sorocaba até a sua morte, em 1867. Foivereador da Câmara Municipal em 1833 - 1836 e em 1841 - 1842, durante a revoltaliberal, na qual tomou parte ativa ao lado de Tobias. Foi nomeado prefeito em 1838 eComandante Superior da Guarda Nacional da Comarca em 1856. Atuava como grandenegociante de fazendas secas e de tropas, e foi em meados do século o maior produtorde algodão arbóreo em sua chácara, na estrada dos Morros. A Chácara Amarela, comoera conhecida, abrigou a primeira fábrica de tecidos da província em 1852, que funcionoucom teares mecânicos trazidos da Europa. A falta de conhecimento técnico e mão-deobra apropriada fez fracassar, no entanto, o empreendimento poucos anos depois.38Antonio Lopes de Oliveira Jr. também militava, como toda a família, nopartido liberal. Foi vereador em Sorocaba em 1845 - 1848 e chefe liberal depois da mortede Manoel, em 1867. Atuava como negociante, tendo instalado sua loja na rua das Floresem meados do século. Anos depois, provavelmente no início da década de 1860, mudouse para o sobrado que fora de seu pai na rua do Rosário, vizinho ao que o irmão Manoelconstruíra. Foi Antonio quem se encarregou do término da igreja do Rosário em 1874. [Página 99]
Dessa forma, verificamos que a partir dos croquis de 1661, apresentados napágina a seguir, a estrutura urbana inicial de Sorocaba estava constituída. Comopodemos notar, a partir da leitura de Baddini, nessa épocafoi aberta a rua Boa Vista, ligando a residência de Baltasar Fernandes àIgreja. Também foi construída a ponte de madeira sobre o rio Sorocaba,abaixo da foz do Ribeirão do Moinho e na direção da capela, a fim deestabelecer a comunicação com as vilas do planalto, como Parnaíba eSão Paulo. Em 1750, ela serviria para definir a localização do Registro deAnimais, que seria instalado na sua embocadura, na margem direita dorio, em direção da saída para São Paulo. (...) Da capela até a ponte foiaberto um caminho, cujo trecho inicial seguia em linha reta na direçãodo rio Sorocaba, desviando-se levemente à direita para compor umoutro trecho que, também em linha reta, iria alcançar a ponte. Na partealta, próximo ao Mosteiro, passou a ser conhecido como rua São Bento;a partir de seu desvio para a direita, em direção à ponte, como rua daPonte. Desde os primórdios da ocupação local, essas duas ruasrepresentaram o [início do] núcleo urbano, a partir do qual seestruturou o traçado da cidade. (Baddini, 2002, ps. 99, 100)
A foto, apesar de muito posterior ao período em estudo, mostra a rua doRosário a partir do quarteirão da rua Direita. Observa-se a largura avantajada da rua,definida em função da passagem de tropas nas primeiras décadas do século XIX. Dolado esquerdo da igreja do Rosário, que também aparece na foto, havia uma rua abertaem 1824 que se comunicava com a margem do rio Sorocaba, conhecida como Beco dosLopes. Na década de 1880, ela passou a ser chamada, na nomenclatyra oficial datCâmara Municipal, de Travessa do Rosário. Ela também está assinalada na planta n. 2.
Na década de 1830, a Câmara Municipal, estimulada pela intensificação da passagem de tropas pela vila - de 17.511 animais registrados no livro do Novo Imposto para 1830 chegou a 37.835 em 1834 - cuidou da conservação e melhoria das vias de acesso a Sorocaba. Em novembro de 1833, época do ano em que se registrava maior número de tropas em trânsito, deliberou o conserto de “duas ruas aquem do Supirírí”- a que seguia para os campos de Itavuvu, em continuação do beco do Hospital - a rua doPiques - e a estrada de Santo Antonio.39 Esses caminhos serviam para a passagem das tropas que seguiam até o Registro.
9 de setembro de 1833, segunda-feira (Há 191 anos)
Fontes (1)
Nos anos seguintes, foram realizadas outras obras para melhoria doscaminhos transitados pelos animais, demonstrando a preocupação da Câmara emgarantir esse uso da vila. Em julho de 1834, foram feitas “percintas”, obra rústica e depouca durabilidade feita provavelmente para evitar a erosão e deslizamento de terra porocasião de chuva e que geralmente precedia o calçamento, na rua do Piques e, no mêsseguinte, novo alinhamento na rua da Margem.40Em setembro de 1834, a Câmara discutiu com proprietários “a repoziçãoda agoa do Supiriri pelo seu antigo leito afim de obstar arruina da Rua na passagem domesmo Supiriri”, reclamada pela população, demonstrando estar atenta ao uso queparticulares faziam do rio.41A mudança do leito do rio foi feita para favorecer os pastos de doisgrandes proprietários daquela margem: o sargento-mor José Joaquim de Lacerda e ocapitão Francisco Lopes de Oliveira. Apesar do procedimento irregular dessesproprietários, a Câmara só tomou providência contra o abuso quando concluiu, atravésde exame requerido pelos moradores das imediações, que o desvio havia provocado aruína do aterro. Mesmo assim, os dois proprietários ainda solicitaram à Câmara “os39 “Sessão ordinaria de 9 de 9br° de 1833. Presidência do Sr, Nepomuceno”. Anais..., MHS, livro14, fólio 37 f.40 Não foi encontrada referência sobre o uso do termo em relação a obras públicas nos dicionáriosconsultados. A compreensão leva em conta indicações da própria documentação.41 “Sessão Ordinaria de 10 de 7br° de 1834. Presidência do Sr. Nepomuceno". Anais..., MHS, livro16, fólio 16 f. [Página 102]
Dessa demarcação, se tem a localização precisa apenas do largo do Piques, onde em 1838, por deliberação do governo provincial, foi instalada uma forca, e daquele na entrada da rua da Penha. Estes, e os demais, estão assinalados na planta n. 2 com círculos tracejados, a indicar a provável localização.
A ordem para instalar uma forca na vila foi recebia em julho de 1838: "1o. Sessão Ordinária de 16 de julho de 1838. Presidência do Sr. Sousa".
Ela foi revogada em 1844, quando em outubro desse ano, o juiz municipal de Sorocaba rogou a Câmara "que se mande desmontar a forca d´esta cidade, e guardar seus aparelhos", no que foi atendido. "4o Sessão Ordinária de 29 de outubro de 1844. Presidência do Snr. Paes".
Os largos definiam áreas do “rossio” para uso público, e ao mesmo tempopermitiam a orientação da ocupação do entorno, sinalizando os alinhamentos das datasconcedidas.
A abertura de ruas e largos e a doação de datas, indícios da expansãourbana, foi acompanhada da melhoria e abertura de novas vias de acesso à vila. Entre1836 e 1839, a Câmara se ocupou em melhorar o caminho para o sul e o trajeto entreSorocaba e Porto Feliz, usados por condutores de tropas. Em 1836, deliberou aconstrução de uma nova ponte sobre o rio Sarapuí na “Estrada geral que desta Va seguepa a Come3, de Coritiba e Prov3 de S. Pedro do Sul, bem como a construcção d’uma novaponte no Rio Sor3 na Estrada, que desta segue paPorto Feliz, Capivari, e Pirassicaba”58Foi feita, nessa ocasião, apenas a ponte no Sarapuí, que era mais urgente pelanecessidade dos condutores, ficando a outra obra adiada até maio de 1838.A nova ponte na estrada para Porto Feliz, modificada na sua localização,sugeriu a abertura de um outro caminho até Sorocaba. Em outubro desse mesmo ano, aCâmara realizou exame e orçamento para a construção da nova estrada, cujo plano foienviado ao governo provincial nesse mesmo mês.59 A Câmara Municipal solicitou aliberação da verba restante da obra da ponte para aplicação na abertura da estrada.No entanto, o governo provincial não parecia ter pressa, pois seis mesesmais tarde, em abril de 1839, a Câmara repetiu o pedido. A aprovação veio três mesesmais tarde, em julho. A obra era urgente e necessária, pois se aproximava o período deadensamento da passagem das tropas. Em setembro, o presidente da Câmara Municipal[Página 109]
nos bairros, correspondentes a 3.428 habitantes no núcleo urbano e 8.053 nos 25 bairrosdo seu entorno. O que equivalia a 30% dos moradores residentes na vila.63 Essaporcentagem corresponde também à do ano de 1846, para o qual as listas nominativasrelacionam 2.365 habitantes livres na cidade e 5.717 nos bairros, somando o total de8.082 habitantes.64A área urbana se expandiu na proporção que atraiu a população doentorno. Esse processo teve um grande impulso a partir da década de 1830, com oaumento do volume de tropas em trânsito. A atração que os terrenos próximos aoRegistro e ao caminho percorrido pelos condutores passou a exercer sobre os moradoresda região preocupou a Câmara. A abertura de largos nas entradas da vila e a imposiçãode restrições sobre a doação de datas foram expedientes para controlar a ocupação daárea urbana, desconsideradas no entanto quando se tratavam de interesses da própriaelite local.
Em outubro de 1839, a Câmara fez nova demarcação do “rossio”, a fim demelhor controlar a ocupação das terras urbanas. Foi mantida a demarcação original doséculo XVIII, que estabelecia o “rossio” em um quarto de légua - cerca de 1,5 km - emquadra, a partir do centro da vila.65
A demarcação foi feita enquanto a municipalidade doava diversas datas de terra na beira da estrada de Santo Antonio, uma das mais importantes entradas de tropas na vila. Em 1842, ela foi utilizada para delimitar a área de cobrança da Décima Urbana, pois permitia o englobamento das chácaras situadas dentro do “rossio”, mas até então livres do imposto. Essa nova circunscrição da área de cobrança se devia à transformação da Décima Urbana em contribuição municipal, determinada pela Lei Provincial n. 10, de 22 de Fevereiro de 1842.66
Naquele ano, o imposto foi lançado sobre as seguintes ruas da vila: da Penha, travessa da Penha, da Ponte, da Contagem, Direita, da Matriz, da Boa Vista, da Composição, da Margem, do Rosário, da Constituição, de Santa Clara, do Comércio, das Flores, do Hospital, do Supiriri -trecho inicial da estrada para Porto Feliz -, travessa de Santo Antonio, de São Bento, de Santa Gertrudes, de Santa Cruz.67 Também foram taxadas as residências existentes além dessas ruas e dentro do “rossio” demarcado em 1839:
“Seguindo pela estrada que se derige para São Paulo the o Corrego denominado = lavapêz pela estrada que vai para os morros the ao Portão que vai para a Chacara de Joze Martins da Costa Passos - pela estrada que vai para S. Francisco the ao corrego Tabacahu - pela estrada que vai para Otinga athe o Portão de João Gonçalves = pela estrada que segue da Rua do Rozario a terra vermelha, athe a Casa de Francisco Xavier de Sousa, e pela estrada que vai para o Piques, athe atravessa que segue para o Potreiro das herdeiras do falescido Bento Gonçalves da Olivra ficando esta travessa excolhida”68
Essa demarcação persistiu durante todo o Império, passando a significarnão só a área de coleta de impostos como a própria delimitação da cidade, comomostram o Regulamento para a Praça de Mercado Provisório de 1877, o Código dePosturas de 1882 e a Lei Municipal n. 5, de 20 de Dezembro de 1894.69A localização do Registro, dentro do “rossio” da vila e o envolvimento dapopulação local com o trânsito e comércio de animais influíram sobre a expansão urbananas primeiras décadas do século XIX. A Câmara Municipal atuou como instânciareguladora do uso do espaço urbano para a passagem de animais, cuidando damanutenção e melhoria dos caminhos de acesso à vila, promovendo a abertura de novasruas e largos e controlando a doação de datas segundo a necessidade dos condutores eo interesse do grupo dominante local. O poder municipal, por estar em mãos de grandesnegociantes, proprietários e capitalistas que tinham no comércio de animais umaimportante fonte de riqueza, atuava diretamente sobre a passagem de tropas na vila, e [Páginas 111 e 112]
Apesar da intensa agitação política que tomou conta de Sorocaba em outubro de 1823, os Aires mantiveram-se no poder e asseguraram a vitória do partido liberal nas eleições municipais desse mesmo ano. O controle do processo eleitoral permitiu arranjos políticos que assegurassem os interesses ameaçados de ricos proprietários, como Américo Antonio Aires, os quais adquiriram datas de terra com dispensa de edificação em áreas privilegiadas do "rossio". Nesse ano, o próprio sargento-mor Américo Antonio Aires foi eleito juiz ordinário da Câmara.
Após a correição geral de 1825, em que foram abertas três novas ruas - a da Margem, do Conselho e 7 de Setembro -, o caminho das tropas foi ligeiramente alterado, na entrada da vila pelo caminho do sul. A rua da Penha, embora ainda utilizada para passagem dos animais, foi pouco a pouco sendo substituída pela 7 de Setembro. A estrada de Santo Antônio manteve-se como importante via de acesso ao Registro para as tropas invernadas nos campos Além-Supiriri. A estrada e rua do Piques serviu, com exclusividade até 1838, para conduzir as tropas invernadas no Itavuvu e Terra Vermelha. Nesse ano, foi aberta a estrada de Porto Feliz, aliviando o tráfego do gado nessa direção. [Página 118]
As Atas da Câmara Municipal registram, para essa época, algumaspropostas para desviar o trânsito de animais da cidade. Observando as plantas deSorocaba nos diferentes momentos do século XIX, verifica-se que o caminho das tropasbasicamente não mudou, e que as terras à margem do Supiriri, na extensão entre a ruaNova de Santo Antonio e a margem do Sorocaba, foram preservadas. Essa áreacompreendia algumas antigas chácaras de ricos negociantes da cidade, e atraiupopulação, no decorrer do século XIX, em função da passagem frequente de tropas.Durante todo o Império, porém, a Câmara garantiu alguns trechos dessa área para livreuso dos condutores, indeferindo todos os pedidos de datas nessa região.Em abril de 1866, época do ano em que chegava à cidade maior númerode tropas, alguns moradores enviaram à Câmara um requerimento de abertura da rua daMargem até o Supiriri, para aliviar o trânsito de animais pela rua do Hospital e facilitar oescoamento. Mas a Câmara indeferiu o pedido, porque comprometia os interesses deproprietários particulares, cujos quintais avançavam para a margem e, portanto, seriamatravessados pela abertura daquele prolongamento. Em 1854, quando o total de animaispassados pelo Registro atingiu o pico de 50.000 ao ano, a Câmara deliberou a aberturada rua da Margem até o Supiriri, mas alguns proprietários daquela área, sentindo-seprejudicados, representaram ao Presidente de Província contra aquela deliberação,sendo atendidos.130Em 1873, durante os trabalhos de construção da ferrovia, algunsmoradores da rua do Hospital solicitaram à Câmara esse mesmo prolongamento, masmais uma vez a petição foi indeferida. No ano seguinte, ela foi novamente solicitada eigualmente indeferida.131 Na década de 1870, a finalidade da abertura já não era facilitaro escoamento das tropas, mas desviar o trânsito de animais da rua do Hospital. Osmoradores argumentavam que a passagem do gado arriscava a segurança dos usuáriosda futura estação e enfeiava uma parte da cidade que seria valorizada pela ferrovia.Defendiam a idéia de que o trânsito de tropas deveria ser definitivamente afastado docentro urbano.A Câmara, embora aceitasse a justificativa e até cumprisse o compromissode solicitar ao governo provincial verba para abertura de uma outra rua para passagem dos animais, não se empenhou nesse projeto. Alegava sempre falta de recursos paraarcar com as despesas e enviava requerimentos pouco convincentes ao Presidente deProvíncia solicitando empréstimos, nunca sendo atendida. A realização de outras obraspúblicas da época com o concurso de capital particular mostra que esse era umexpediente que garantia a implementação de melhorias, desde que interessantes à elitelocal, como o calçamento de ruas, a reforma e construção de prédios públicos. O que nãoera o caso do desvio do trânsito de tropas pela cidade, que além de corresponder aosinteresses dos negociantes de animais e proprietários de pastos de aluguel, favorecia ocomércio local ao atrair para o centro urbano os condutores e compradores de tropas.
Nos anos seguintes, nada foi feito para desviar o trânsito do gado pela ruado Hospital. A questão foi retomada novamente em 1881 (6a Sessão ordinaria da Camara Municipal aos 17 de Janr° de 1881) pelo representante republicano da recém-empossada Câmara Municipal, o vereador Antonio Joaquim Dias, que propôs a reivindicação à Assembléia de uma verba de 5:000$000 “para a abertura d’uma rua que retire a passagem das tropas por dentro da cidade”.´32 A idéia era desviar o trânsito de animais não somente da rua do Hospital, mas também das demais ainda utilizadas para esse fim: a de Santo Antonio, a 7 de Setembro, a do Cemitério e a do Piques. A planta n. 4 mostra o trajeto dos animais pelas ruas da cidade.
17 de janeiro de 1881, segunda-feira (Há 143 anos)
Fontes (1)
Três dias depois de aprovada essa proposta, o jornal Diário de Sorocabapublicou uma nota criticando essa atitude da Câmara, acusando-a de favorecer osinteresses de privilegiados negociantes e moradores daquelas ruas. Em nome dapopulação urbana, reclamou aos “novos edis [que] não esqueçam de outros[melhoramentos] de mais urgente necessidade, como a feitura de um chafariz, da praçadefinitiva de Mercado, no que pódem colher mais geral sympathia”.´33A crítica era pelo gasto excessivo - cinco contos de réis - que a aberturado novo caminho exigiria para uma cidade ainda carente de recursos básicos, como ofornecimento de água potável e a organização de uma estrutura de abastecimento devíveres. Ela expressa um questionamento corrente na época. Apesar da Câmara já teraprovado a proposta, ela não chegou a ser enviada à Assembléia para aprovaçãodefinitiva.A imprensa expressava o pensamento de um influente grupo local,particularmente atento com a administração pública. Ela muitas vezes cumpria o papel devigilante tanto das ações das autoridades como do comportamento de grupos ou pessoas. [Páginas 144 e 145]
Sorocaba no Império: comércio de animais e desenvolvimento urbano