Festa de São Benedito, 11.11.1937, Dalmo Belforte de Mattos, Jornal Correio Paulistano
11 de novembro de 1937, quinta-feira. Há 87 anos
A 4 de abril de 1589 morria, no mosteiro de Grigenti, em plena terra italiana, o monge Benedito, conhecido em toda a Sicília pela heroicidade de suas virtudes. Pelo espantoso de seus milagres. E pela cor tisnada, que denunciava a origem africana de sua estirpe.
Já o diziam santo. E, como tal, passou para o hagiológio cristão, sob o nome latino de Benedictus a Santo Philadelpho. Enquanto que os devotos gauleses apelidavam-no de Saint Benoite, le More. Relembrando a ascendência agarena que se fixara na Itália, no tempo em que as galés sarracenas pirateavam até junto ás costas chanfradas das Duas-Sicílias.
E o tempo correu. Os navios negreiros cortaram o Mar de Treva. E quem passasse, dois séculos mais tarde, pelas vielas coloniais da Pauliceia, veria uma turba enorme de escravizados ondear pela rua Nova de São José, subir o beco da Lapa, apertar-se pela rua Direita de São Bento. E alcançar, enfim, o velho largo do Capim, onde os dois templos de taipa de aprumavam, entre milhares de corpos semi-nús...
Os sinos repicavam. Respondiam, ao longe, os campanários irmãos da Boa Morte e dos Remédios, convocando africanos para a grande festa de São Benedito. O patrono da Raça. O santo protetor das senzalas. Aquele a quem os escravizados podiam pedir, como a um irmão. Orago negro cujos pais sofreram o cativeiro, e gemeram ao estalar do chicote nas culturas da Itália.
E os pretos chegavam aos magotes. Chusmas de negros desembocavam da rua do Ouvidor, subiam a ladeira do Piques, enchiam o grotão. Outros vinham do Emboaçava distante, através dos campos fervilhantes de perdizes.
Eram todos bantu´s, da raça forte que fora trazida da Angola, do Moçambique e do Congo, de Loanda e Mossamedes. Havia também mulatos pernósticos, cafuzos nascidos nos quilombos perdidos de Tieté...