A chegada a São Paulo (do livro "A botada dos padres fóra")Prosseguia a caminhada da caravana vinda de Santos, com menos dificuldades agora, dado que o caminho do Padre José já se fazia no planalto. A vila de São Paulo era informada diariamente dos passos da comitiva. Sabia-se onde estava, quantos eram os seus componentes, quando devia chegar.
A cada notícia corriam os boateiros a divulga-la, exagerando como é do ofício a significação dos fatos, o que contribuía para aumentar a inquietação geral. Inutilmente os homens mais prudentes recomendavam calma, lembrando a disposição em que estava a Câmara, no sentido de resolver a pendência como melhor fosse ao povo. A necessidade de uma violência a quase todos dominava.
- É um desaforo! - dizia um dos mais ardegos jovens de São Paulo, - Estes padres volta e meia a nos aborrecer com seus papéis e suas falas! Nativo é lá com eles, para sua fazenda e o seu regalo! Nós aqui, que morramos de fome! Raios os partam! - blasfemou.
- É isso mesmo! - aplaudia outro. - Abramos-lhes as portas, que eles deitarão arrogâncias para ai e, levantando os aldeados de São Miguel e Pinheiros, nos porão a todos agrilhoados! Defendamo-nos, parente! Vá de tocar a rebate, que senão já se vai tudo por água abaixo...
Era na rua de Martim Afonso que conversavam, sob os largos beirais de uma casa de venda de coisas de comer, embuçado casa qual na capa de baêta que espancava a frialdade da hora. Botas altas, chapéus de feltro grosso emplumado, calções (ilegível) de algodão, entraram . Pediram vinho. E o negociante, servindo-os, foi se queixando das dificuldades:
- É uma candonga conserva-lo, "porque, em madeira fura-lhe a boca logo, e talhas de barro não nas ha..." Os freguezes não puderam entabolar a palestra que se lhes entorreirava, porque entrou alguém pela casa a dentro, com grande espanto.
- Que é lá, homem? Donde vem com tamanha furia?
O recém-chegado, ofegante, sentou-se num banco de três pernas que havia para um lado e, contendo a custo as respirações explicou:
- Os padres estão chegando! Devem estar nas alturas de Tabatinguera.
Os dois paulistas entreolharam-se, sorveram dum trago o copo de vinho que lhes estava á mão e sairam apressados, enquanto o terceiro ficava a descansar, sorvendo também o seu trago. Na rua, que era um lençol de neblina, assuntaram:
- Que fazer? - Tocae os sinos a rebate! - Feito!
E rumaram, para o Carmo, outro para São Francisco. Dai a pouco, a vila inteira estava alarmada. Todos os homens validos deixavam seus misteres e vinham para a praça a saber de que se tratava. Verificado que eram os padres Macetta e Mansilla e Costa Barros, o visitador indesejável, concertou-se tacitamente a recepção, no páteo do Colégio, aonde naturalmente esperavam eles por termo á sua caminhada dolorosa.
Para lá foram todos, capas lançadas ao ombro, batendo rijos os (ilegível) das botas de couro crú, que deixavam rastros cavados enlameadas ruelas da aldeia.
Anoitecia, quando apontou a comitiva na estrada. Os mais afoitos, foram-lhe ao encontro, tendo-se-lhes na catadura a ira de que estavam possuídos. Mas foram cautos. Como a escolta vinha municiada ,não convinha ameaça-la tão logo. Juntaram-se para aproximarem. Sorriu-lhes a idéia de que talvez fosse de paz aqueles enviados. E dispuseram-se a caminhar.
Á medida que á vista dos padres avultava aquele (ilegível) de chapéus no largo do Colégio, caia em seus ouvidos o éco de um "zangarcio", como de colmeia em ação.
- Serão reclamações? - indagou, curioso, Costa Barros. - No lo sé! - respondeu Macetta. - Los paulistas não são hombles de aclamaniones... - Son unos desalmados! - atalhou outro.
E quando puderam apurar as ouças, era tarde. O povo estava amotinado, imprecando-os em tão altos brados que os (ilegível) pávidos de espanto. - Qué haremos? - balbuciou padre Macetta, tremendo e coxeando. - Retroceder, não! - disse o outro. - Que seja tudo pelo amor de Deus!...
E prosseguiram cabisbaixos, enquanto percebiam nítidas as vozes:
- Ladrões! - Falsários! - São inimigos! - É preciso botá-los fora! - Vamos, paulistas!
No largo do Colégio, caíram-lhe sobre a pele, aos (ilegível) e cacholetas, gritando-lhes no rosto os maiores desaforos arremangados em demonstrações de força, num ranger de dentes que era deveras de atemorizar. Padres Macetta e Mansilla desandaram a correr, enquanto Costa Barros com a escolta se (ilegível).
Á porta da igreja que olha para o patero, qual não foi o espanto dos padres, ao verem o pedado madeiro mal lavrado a lhes barrar o ingresso. Baldadamente fizeram-no soar os nós dos dedos enquantos os populares lhes apertavam o cerco, protegidos agora pelos formidáveis muros do templo e cada vez mais violentos.
- Não pode! Não pode! - gritavam vozes (ilegível) aqui e ali. - Não abram! Não abram, que não queremos desrespeitar a igreja!
Ao alarido acudira o reitor, as mãos alçadas, o gesto contra feito, pálido e nervoso, a exclamar:
- Que é isso, gentes? Calma, calma meus filhos! - São esyes inimigos, que nos vêm aqui á nossa casa! Não nos recebaes, padre reitor! - Mas, como? - Como, não? São uns falsários... - Ladrões! - aparteou outro. - Não os deixaremos entrar. - Por caridade... - suplicara o reitor, mas inutilmente.
Não houve como refrear os revoltados, que teriam posto em (ilegível) os viajores, se não fosse a prudência de alguém que, aproveitando-se de um momento azado, fez com que os dois jesuítas se evadissem para a casa de Manoel Fernandes Sardinha, amigo que era dos padres do Colégio, pondo-os a coberto de imediado perigo de vida.