“São Vicente Primeiros Tempos”. Secretaria de Turismo e Cultura da Prefeitura de São Vicente
2006. Há 18 anos
Fontes (1)
citado por Varnhagen em “História Geral do Brasil”, 3ª. Ed., I, pág. 102. “São tantos osportugueses que participam da expedição de Magalhães, que praticamente pode serincluída no ‘ciclo da madeira’ pessoal desocupado depois da extinção da concessão deBixorda e Noronha e, em 1516 el Rei já falava, liberalmente, das ferramentas que deviamser dadas às pessoas que fossem povoar o Brasil, fora do monopólio ou sem ele”(Varnhagen, op.cit.I, pág. 128). Vide “Pauliciae Lusitana Monumenta Histórica”, I, pág.43. Deste documento se infere que Magalhães conhecia os mapas do filho de Reynal e deDiogo Ribeiro, e “...não havia terra assentada ao sul, onde pode sofrer a mesma sorte dosCorte Reais, perdidos na Terra Nova”.O rei D. Manuel foi advertido por Sebastião Álvares, que a frota de Magalhães, compostapor pilotos portugueses e com o roteiro de Cabo Frio e as paragens austrais, ia partir comprojetos audazes. (Carta de 18 de julho de 1519, “Alguns documentos do ArquivoNacional da Torre do Tombo”, pág. 424, Lisboa – 1892 e Queirós Veloso, op. Cit., pág.56. Sobre o roteiro, ibid. pág. 60-1). Não obstante, o rei não ficou surpreso, esperou pelosresultados.Aleixo Garcia à procura do Império Inca(F29) Por aquela época, o português Aleixo Garcia, ex-componente da expedição de Solis,estabelecido em Santa Catarina, procurava informações sobre as fábulas guaranis, quefalavam do “rei branco”, senhor das montanhas coroadas de neve. Melchior Ramirez eHenrique Montes, também ex-integrantes da armada de Solis, não quiseram acompanhar oAleixo Garcia na sua viagem. (E. de Gandia, “História dela Nación Argentina”, II, pág.569, Buenos Aires – 1937 e Mauro Monteiro, em “Aleixo Garcia”, pág. 25, Lisboa -1923). Também, (“Commentaires de Alvar Nuñez Cabeza de Vaca”, in Ternaux Compans,(“Voyages Réletions et Mémoires”).Nesta expedição de Aleixo Garcia, consta que quatro integrantes, entre eles um conhecidocomo “mulato Pacheco”, partiram por trilhas em busca do Rio Paraguai. Há indicaçõesque vararam a região do Chaco até atingir os contrafortes andinos, onde os índios Chanéslhes deram amostras dos metais utilizados pelos Incas. Voltaram carregando diversosobjetos, com a ideia de voltarem com um grupo maior e melhor preparado, para a entradapelos vales, cordilheira acima. (F30) Foi quando os índios Paiaguaces acabaram com aexpedição. Alguns índios sobreviventes levaram a notícia a Melchior Ramirez e HenriqueMontes.Vinte e cinco anos depois Alvar Nuñez Cabeza de Vaca indagaria pessoalmente averacidade dos fatos. Não tivessem os paiaguaces acabado com a expedição de AleixoGarcia, este teria achado o caminho para o Peru antes dos conquistadores espanhóis dolitoral do Pacífico.Ao que tudo indica, segundo o raciocínio e conclusão de diversos historiadores, AleixoGarcia teria utilizado uma antiga trilha indígena, chamada Peabiru. Este caminho partiadas terras de Santa Catarina, passando pelo Paraguai até os Andes e, provavelmente, rotasegura para o império dos Incas. Muito provavelmente as notícias desta expedição e desta [Pàgina 37]
história inicial de São Vicente – povoado – e nos acontecimentos subseqüentes à chegadada armada Afonsina (que começaria o povoamento regular do Brasil, dando legalidadeefetiva à ocupação das terras brasileiras, estabelecendo a lei, a justiça e a administraçãopública, ao ser o povoado de São Vicente elevado à Vila e realizada a primeira eleição dasAméricas).Entre estes, contam-se com os principais: o Bacharel Mestre Cosme Fernandes, e/ouDuarte Peres ou Perez, nome com o qual é identificado pelos historiadores hispânicos,Gonçalo da Costa (genro do Bacharel), Pero Capico, Francisco de Chaves (outro genro doBacharel), Henrique Montes, Melchior Ramirez, Aleixo Garcia, Rui Mosquera, AntonioRodrigues, João Ramalho, Diogo Braga e seus cinco filhos (João, Diogo, Domingos,Francisco e André Braga), Antonio Ribeiro e Pedro Eane. Além destes, os que maistiveram relação com o porto e o povoado de São Vicente ou sua região, podemos citar D.Rodrigo de Acuña, remanescente da armada de Garcia Jofre de Loyasa, em carátertemporário, e os quinze espanhóis, sobreviventes da armada de Solis e outros navios deCaboto, trazidos depois por Martim Afonso da região de Iguape e que, como diz RochaPombo, “não se sabe se foram depois para Piratininga, ou se tomaram o rumo doParaguai”. (Rocha Pombo – obra citada, V.III, pág. 53).
Citamos em geral os povoadores europeus efetivos ou temporários em São Vicente.Faremos agora uma explanação a respeito de alguns dos mais atuantes, historiando o quenos foi possível levantar, com relação a cada um deles. Para explicar melhor alguns fatosque podem esclarecer alguns atos de Martim Afonso, ao dar início, em 1532, aopovoamento regular de São Vicente e do Brasil, começaremos com Gonçalo da Costa,genro do Bacharel Mestre Cosme Fernandes.
Segundo alguns historiadores, Gonçalo da Costa teria vindo para São Vicente em 1510,
onde por volta de 1520 uniu-se a uma das filhas do Bacharel, a quem já encontrou emterras vicentinas, quando da sua chegada, tornando-se braço direito em todos osempreendimentos do Bacharel. Gonçalo da Costa passou dez anos aproximadamente emSão Vicente e durante esse tempo percorreu toda a costa sul do Brasil, tornando-se um dosmaiores conhecedores e exploradores da região do Prata (Revista do Instituto Histórico eGeográfico de São Paulo (V. XXIX, pág. 154). Resolve voltar a Portugal e para isso obtémpassagem a bordo da “Nossa Senhora do Rosário”, nau capitânia de Diogo Garcia deMoguér, em 1530, que viera, segundo Southey, com um galeão, uma pinaça e umbergantim, trazendo como piloto Rodrigo de Aires.
A viagem de Gonçalo da Costa, segundo diversos historiadores, entre os quais FranciscoMartins dos Santos (em “História de Santos”, V. I, cap. III, pág. 18, 2ª. Ed.-1986),prendia-se a uma intimação que recebera seu sogro, o Bacharel, para abandonar a regiãode São Vicente, retirando-se para Cananéia, ou seja, o lugar designado para cumprir a suapena de degredo. Ainda hoje não se sabe de quem partiu a ideia que visava,evidentemente, espoliar o Bacharel, do fruto do seu trabalho e do mérito de suas aliançascom os índios da região. [Página 41]
Alguns acreditam que a ideia teria partido de intrigas de Henrique Montes, invejoso doBacharel, partindo para Portugal pouco antes de Gonçalo da Costa, embora nãoapresentem nenhuma prova documental que fundamente estas afirmativas.
Nessa época eram boas as relações entre o Bacharel e os capitães Pero Capico e depoisAntonio Ribeiro (1º e 2º capitães de São Vicente), não existindo base, portanto, para selevar a sério tais afirmativas sobre a “traição” de Henrique Montes ao Bacharel. Asrelações do Bacharel com as autoridades portuguesas eram boas, visto que desde 1517 SãoVicente, junto com Itamaracá, foi declarada capitania. São Vicente foi fundada por elelogo nos primeiros anos de seu degredo onde Pero Capico foi capitão durante dez anos,conviveu e enriqueceu, sem contratempos, com o Bacharel e sua gente.
Com relação a esta viagem de Gonçalo da Costa, comenta Herrera em “História Generalde las Índias Occidentales”, (ed. De Anvers, 1721, Cap.VI, Década IV, liv. 10, pág. 431 /432: “...fué informada la reyna, que el Rey de Portugal habia escrito a Sevilla a umportuguês llamado Gonçalo de Acosta, que habia muchos años em la província del Brasil,entre los índios, y se vino.....a Castilla, ofreciendole seguro y merced, porque fuese aLisboa, etc.....le rogaron que fuese em una armada que se despachava para aquellas parteshaciendole crecidos partidos y que por no dejarle volver a Sevilla, para llevar su mujer ehojos para dejarlos en Portugal, se ausento sin que le entendiese...”Ainda que através de outra interpretação, o que dá mais força ao depoimento, nota-se queo rei de Portugal mandou chamar da Espanha a Gonçalo da Costa, chegado recentemente,não porque fosse conhecedor das terras do Brasil, mas para decidir com ele em definitivo,se devia usar de outros meios para obrigar o Bacharel, seu sogro, a cumprir a ordem devoltar para Cananéia, lugar de seu degredo, deixando São Vicente para o povoamento queia ser praticado, ou se ele faria isso espontaneamente.Poder-se-ia supor que o rei queria saber também se Gonçalo da Costa aceitaria, dado o seuprestígio entre as tribos do sul do Brasil e o seu conhecimento de toda a região austral, sero chefe da armada que estava pronta no Tejo, e que se destinava, principalmente, àquelepovoamento e à exploração do Rio da Prata.Evidentemente devido à amizade e à fidelidade de Gonçalo da Costa a seu sogro, oBacharel, motivaram a recusa de Gonçalo da Costa e a sua retirada apressada de Portugal,temendo ser detido, como se conclui na declaração de Herrera: “se ausento sin que nadielo entendiese”. Na mesma viagem de Gonçalo de Costa, ia também o Capitão Rojas, seuprotegido contra a raiva de Caboto.
Henrique Montes, um dos sobreviventes da expedição de Solis, amigo de Gonçalo da Costa, embarcara pouco antes deles, num dos navios de Caboto. Desta forma, parece que o início de um dos capítulos mais significativos da história inicial de São Vicente e que só terminaria nos anos de 1534 ou 1535. Tanto parece exato, que, Martim Afonso de Sousa, assumiu o comando da frota (a chamado expresso do Rei, na última hora), comando este que teria sido de Gonçalo da Costa. Nessa frota, Henrique Montes era nomeado prático da região e provedor dos mantimentos, e ainda mais: chegando a São Vicente, Martim Afonso de Sousa doou-lhe as terras de Jurubatuba e Ilha Pequena, o que evidenciaria o pagamento pela suposta traição, esquecendo os acusadores, que ele não era o único morador de São Vicente, que vinham na mesma armada Pero Capico e Pero Eanes.
Gonçalo da Costa chega a San Lucas de Barrameda em fins de agosto de 1530, dirigindo-se para Sevilha, onde a chamado rei, foi encontrá-lo, fato citado por Herrera, atendendo ao pedido do rei, o que era quase uma ordem de D. João.
Dirigiu-se a Portugal, onde deu largas explicações, não só do Bacharel, como sobre os habitantes daquela região e do povoado de São Vicente e das expedições que ali aportavam clandestinamente ou não,quase sempre a caminho do Rio da Prata. Presumindo-se que ignorava, entretanto, quais asintenções do rei, e ao receber dele o convite para chefiar uma armada já pronta, quis saberqual a missão que deveria cumprir. Ao saber o que dele se esperava, pediu alguns diaspara pensar, prazo este que aproveitou para voltar à Espanha, onde ficaria a serviço do rei,e “a cujas armadas serviria com invulgar destemor”, a ponto de participar da armada de 1ºde setembro de 1534, com quem foi Pedro de Mendoza, para colonizar e fundar BuenosAires.
Em seu trabalho “A expedição de Martim Afonso de Sousa”, diz o comandante Eugêniode Castro, na página 51, em nota ao texto, que Gonçalo da Costa, de 1535 a 1537, voltouao Rio da Prata e visitou a costa brasileira, com a armada de Pedro de Mendoza, destinadaà fundação de Buenos Aires.
Em 1540 esteve na mesma costa, por ordem de Cabeza deVaca. Parece ter vindo na armada de Sanabria, mas certamente andou embarcado naFlotilha composta de uma nau e dois bergantins destinados ao Rio da Prata em 1555.Acabou seus serviços para a Espanha, quando morreu na frota de 1559, mandada porRusquim, dispersa por temporal na altura da Ilha de São Domingos e, assim, longe dacosta sul-americana de que fora tão prestimoso informante para a Corte Espanhola e aCasa de la Contratación. Comenta ainda o autor, na mesma obra, à página 17, queHenrique Montes, ao contrário, que até então servira à Espanha nas armadas de Solis e deCaboto, e tivera residência no Porto dos Patos, mal chegado a Guadalquivir na armadaCabotina, desertou das terras espanholas e buscou Portugal, sua pátria, onde foiconfiantemente acolhido. E, mais breve do que Gonçalo da Costa, tornou à terra brasileirana Armada de Martim Afonso de Sousa.Depois da fracassada viagem de Gonçalo da Costa e a Portugal em fins de 1530, nãohouve por parte do rei D. João III respeito ou consideração, aos trinta anos de desterro elutas passadas pelo Bacharel – Fatos mencionados pelo Bacharel, mais tarde, a RuiMosquera, em desabafo, quando buscou refúgio em Iguape, depois de 1532, pressionadopor Martim Afonso, sem considerar o patriotismo revelado durante todos aqueles anos, emque nunca deixara de ser português, mantendo a posse de Portugal, em regiões em que osespanhóis acreditavam pertencer à Espanha, como se pode constatar no depoimento deAlonso de Santa Cruz, de 1530, quando declara no seu “Yslário”: “Estas ilhas (SãoVicente e Santo Amaro), os portugueses crêem ficar no continente que lhes pertence,dentro da sua linha de partilha; eles porém se enganam, segundo está averiguado porcriados de Vossa Majestade com muita diligência... de maneira que a linha não termina no‘puerto de San Vicente’ e sim mais para o oriente, num ponto chamado Sierra de SanSebastian...”“. [Páginas 42 e 43]
Verificada a recusa não declarada de Gonçalo da Costa às propostas do rei, e a sua retiradapara a Espanha, o rei de Portugal se apressou em escrever a Martim Afonso de Sousa acarta de 20 de setembro (seguidamente à conferência com Gonçalo da Costa), ordenandolhe que viesse para Lisboa, a fim de chefiar a armada que já estava pronta, necessitandoapenas de alguns acertos finais. Ele deveria começar o povoamento oficial da terra doBrasil, fundando vilas e povoados “no lugar mais acomodado que lhe parecesse”(recomendação esta que escondia sua deliberação de ocupar o povoado de São Vicente,ainda que à força, expulsando o seu dominador, o Bacharel, tornando-a vila e repartindoterras entre todos os que quisessem ficar habitando no país).
Segundo alguns historiadores, a prova da traição de Henrique Montes seria a “pressa” comque o rei D. João o nomeou Provedor dos Mantimentos da armada de 3 de dezembro de1530,
dias antes da nomeação do próprio Martim Afonso para chefe da mesmaarmada, o que só se daria pelas cartas de D. João datadas de 20 de novembro de 1530, daVila de Castro Verde (Chancelaria de D. João III-liv.43, fls.130V) e “História daColonização Portuguesa do Brasil”, v.III, pág. 125).
20 de novembro de 1530, quinta-feira (Há 494 anos)
Fontes (4)
A sua morte, ocorrida em 1534, quando do ataque das forças de Iguape a São Vicente éapresentada como prova final da sua traição ao Bacharel, sem que os acusadores levem emconta o combate entre as forças de Mosqueira e os moradores da Vila. Por outro lado,ninguém relaciona a sua morte com a fuga de Paulo Adorno para a Bahia, acusado dematar um português nesse mesmo ano. Os acusadores parecem não duvidar.A resolução do rei era de destruir a quem quer que se atrevesse a fazer oposição à suavontade ou às ordens que Martim Afonso levaria, visto que mandou armar fortemente aexpedição, em que “van quatrocientos hombres, sin otros muchos que voluntariamente seembarcaron, para poblar y edificar algunas fortalezas em los puertos, para eso llevaronmucha artilleria, y que desde el puerto de San Vicente, que era de su distrito pensavanentrar por tierra, ao Rio de la Plata...y que ivã em ella Enrique Montes, que havia muchosaños que estava em aquellas partes...” (Antonio Herrera – “Historia General de las ÍndiasOccidentales”- Edição de Anvers-1725, cap. 6º-Década IV- Livro 10º pp – 431 / 432).Desta forma Gonçalo da Costa encerrou o período de suas atividades em São Vicente. Foium notável português que negociava escravos em larga escala no primitivo povoado, queconstruía embarcações no estaleiro de seu sogro, o Bacharel, e que fora um dos melhoresauxiliares na fundação do primeiro núcleo civilizado do Brasil.Somente o rei de Portugal conseguiu derrubar aqueles homens e seus companheiros, coisaque os próprios espanhóis não haviam conseguido dominar, nas terras que elesconsideravam do domínio português. Estes fatos levam, sem dúvida, estes homens quesempre demonstraram fidelidade a Portugal, a voltar-se contra os desígnios do rei D. JoãoIII, passando a servir os interesses da Espanha.Não consta, documentalmente, se Gonçalo da Costa noticiou ao Bacharel, a respeito dosacontecimentos da sua estada em Portugal, após a sua chegada da Espanha, a convite de D.João III, e do que o rei esperava que ele fizesse, mas devemos supor que, de alguma [Página 44]
dito Pedro Correia, e partem em esta maneira: a 1ª. Que foi dada, que é defronte desta Ilhade S. Vicente, que era antes dada pelo Governador a um Mestre Cosme Bacharel, que odito Pedro Correa houve por devolutas...n’esta Vila de S. Vicente, aos 25 de maio de 1542.– Antonio de Oliveira.” (J. J. Ribeiro, em “Cronologia Paulista”- V. I. Transcrição à pág.342).Por este documento sabemos que em 1533/1534 o Capitão-mor e vigário GonçaloMonteiro as concedeu mediante uma primeira escritura pública, onde declara que antes daadministração e governo de Martim Afonso, essas terras haviam pertencido a um BacharelMestre Cosme. Evidentemente esse Bacharel é o mesmo personagem descrito por DiogoGarcía de Moguer e Alonso de Santa Cruz, de 1526 a 1530, habitando o mesmo local, como povoado de São Vicente, a sua fortaleza de pedra, o estaleiro ou arsenal, e seu grandetráfico de escravos (que Pero Correa continuaria nos mesmos locais), em sociedade comseus genros Gonçalo da Costa e Francisco de Chaves, sendo evidente que é o mesmoBacharel de Iguape e Cananéia que, tendo sido intimado pelo rei de Portugal, abandonaSão Vicente, para voltar a seu lugar de degredo, Cananéia (1501 / 1502), onde seriaencontrado por Martim Afonso (1531). Não há notícia de outro Bacharel na nossaprimitiva história, no que concerne à parte sul do Brasil, principalmente do Rio de Janeiroaté o Rio da Prata.O Governador a que a escritura de 1542 faz referência e que dera as terras em causa aoBacharel, não era outro, senão Cristóvão Jacques, enviado como governador das terras oucostas do Brasil, em 1516/1517, ano em que São Vicente e Itamaracá são transformadasem capitanias. Nesse mesmo ano Cristóvão Jacques deixa Pero Capico, como Capitão deSão Vicente, onde ficaria até 1527, quando é substituído por Antonio Ribeiro. Demonstrapois este documento, que São Vicente tivera antes da chegada de Martim Afonso, doisCapitães, e naturalmente um governador Itinerante ou Geral, este último sediado emItamaracá.Pelo exposto, fica bastante clara a existência e identidade do Bacharel Mestre CosmeFernandes, sendo que, na explanação a seguir ficará esclarecido que realmente foi esteBacharel, o fundador do povoado de São Vicente, elevado em 1532 à condição de Vila,por Martim Afonso de Sousa.O Bacharel Mestre Cosme Fernandes, segundo alguns historiadores, era homem deilustração e fidalguia (Ruy Diaz de Gusmán, em “Argentina”, Rocha Pombo em “Históriado Brasil”, V. III pp 152/153).Segundo alguns, a fidalguia é discutível, pelo fato de ser judeu, o que também não estábem esclarecido, ainda que muitos judeus tenham sido feitos fidalgos pelos reis dePortugal, sendo que, um dos casos mais notórios seja o de Gaspar da Gama ou das Índias,que D. Manuel agraciou com esse foral, em retribuição aos grandes serviços prestados aVasco da Gama e a Portugal.Foi punido com o degredo pelo rei D. Manuel, por causa de algum crime político e/oureligioso, ou de outra ordem (fato ainda não esclarecido), mas talvez o de “falar demais coisas que não convinham ao Estado, não servia à política do reino”, como declara RuyDiaz de Gusmán.Como já vimos, o Bacharel veio na armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio,sendo deixado em Cananéia, local considerado na época, pelos portugueses, como últimoponto dos territórios de Portugal.A denominação CANANOR que aparece no perfil geográfico de Ptolomeu deve serinterpretada como CANANÉIA (F 34) que significa “lugar dos judeus ou judeu”, deCananeu, como eram chamados os judeus, o que quer dizer que o Bacharel deixado podiarealmente ser judeu ou judaizante e de real importância. Com esse batismo AndréGonçalves e Vespúcio firmavam e positivavam o fato da sua deixada naquele lugarpredeterminado, que Pero Lopes, em seu “Diário”, revela já saber que se chamavaCananéia.
O “Diário” de Pero Lopes é muito claro quanto à vinda do Bacharel ao lugar de degredo.“E fazendo o caminho de sudoeste demos com hua ilha. Quis a Nossa Senhora e abemaventurada Santa Clara, cujo dia era, que alimpou a néboa, e reconhecemos ser a Ilhade Cananéia... Por este rio arriba mandou o Capitam J. hum bergantim, e a Pedro Annes,que era língua da terra, que haver falla dos índios. Quinta-feira, dezessete dias do mezd’agosto (1531) veo Pedro Annes piloto no bergantim, e com elle veo Francisco de Chavese o Bacharel, e cinco ou seis castelhanos. Este Bacharel havia trinta annos que estavadegredado nesta terra”.
A segurança desta referência de 1531, trinta anos para trás, era exatamente 1501, ano davinda da armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio. Verifica-se pelo confrontodeste documento e as suas descrições com a escritura de 1542, em suas referências aoBacharel Mestre Cosme Fernandes, que toda uma história longa e preciosa foi perdida ouextraviada (intencionalmente), segundo alguns historiadores. As razões disto é que nãoestão bem claras e só podem ser justificados na pessoa do Bacharel, em sua condição dedegredado, de judeu ou envolvido em problemas políticos.
O Bacharel veio de Cananéia logo após ser abandonado (degredado), para estabelecer-seem São Vicente, por volta de 1503 ou 1504, sendo que a região vicentina via-se comomais propícia ao desenvolvimento das suas atividades, e na face ocidental da Ilha de SãoVicente, protegida pela barra imprestável para a navegação de calado em lugar abrigadode surpresas marítimas, fundou o primeiro povoado do Brasil, em condições de ser Vila(os outros dois povoados fundados por ele, Cananéia e Iguape guardam as mesmascaracterísticas, cujo porto de serventia situa-se do outro lado da ilha – lado oriental ou donascente), a uma distância de sete ou oito quilômetros pelas praias, no estuário queVespúcio e André Gonçalves denominaram de Rio de São Vicente, em 22 de janeiro de1502.O povoado de São Vicente, fundado pelo Bacharel Mestre Cosme Fernandes cresceu emimportância, na medida em que o seu fundador crescia nas alianças com os indígenas daregião, devido a seu casamento com uma das filhas do chefe Cacique dos Guaianazes,Cacique Piquerobi, que comandava as tribos da baixada. [Páginas 46 e 47 do pdf]
Com o crescimento dos seus negócios e da sua fortuna, tudo no povoado prosperou, aponto de fazer a fortuna de vários dos seus povoadores, tornando-se São Vicente um doscentros de maior importância para a época.Foi descrito por Diogo Garcia de Moguér e Alonso de Santa Cruz em seus depoimentos de1526 a 1530, que se consolidam, como as mais completas informações que chegaram aténossos dias, com especial destaque para os informes de Alonso de Santa Cruz, primeirooficial de Sebastião Caboto, que descreve o povoado da seguinte forma: “...nesta ilha temos portugueses um povoado chamado São Vicente, de dez ou doze casas, uma feita depedra, com seus telhados e uma torre para defesa contra os índios em tempos denecessidade, etc...”Um dos fatos que chama a atenção é o duplo título usado pelo fundador de São Vicente,Iguape e Cananéia – Bacharel Mestre – hoje conhecido pelo nome completo: CosmeFernandes Pessoa, como já é tratado no seu trabalho de 1895, de autoria de ErnestoGuilherme Young, “Esboço Histórico da Fundação da Cidade de Iguape”, em revisa doInstituto Histórico e Geográfico e São Paulo, V.I, 1895, PP. 49 a 101, e “Histórias deIguape”, mesma revista, 1903, V. III, pp. 222 a 375. Neste trabalho à pág. 229, escreveu opesquisador:
“Não precisamos lançar mão das tradições para saber que o primeiro habitante europeu emIguape foi o Bacharel, desterrado em 1501, e há tantos documentos comprovando que oprimeiro possuidor de terras (excetuando os indígenas) era um homem de merecimento eao mesmo tempo um grande criminoso que jamais poderia voltar ao seu país, era chamadoCosme Fernandes ou Cosme Fernandes Pessoa, que, fazendo uma simples deduçãoracional destes documentos, somos obrigados a acreditar que este grande criminosoCosme Fernandes seja o mesmo Bacharel desterrado”.
Parece que o Bacharel tinha necessidade de resguardar a sua verdadeira identidade,aparecendo sempre com seu título de graduação social. Daí ser tratado, na maior parte dosdocumentos, que a ele fazem referência como Bacharel, apenas, ou Bacharel Mestre,aspecto enigmático da sua vida, que somente agora vai sendo esclarecido, na medida emque aparecem novos documentos, à luz do conhecimento público.Na tentativa de esclarecer este aspecto, o historiador Francisco Martins dos Santos, na suaobra “História de Santos”, 2ª. Edição, 1986, Ed. Caudex, lº volume, pap.III, pp.20/21,fundamenta-se no trabalho de Frei Joaquim de Santa Rosa do Viterbo, “Elucidário daspalavras, termos e frases que em Portugal se usaram e que hoje regularmente se ignoram -Obra indispensável para entender sem erro os documentos mais raros e preciosos que entrenós se conservam”, 1ª. Edição – Lisboa, 1798 / 1799, 2 vis. 2ª. Edição – Lisboa, 1865/2vis.Por fim o historiador Francisco Martins dos Santos nos dá a seguinte conclusão:“Tomando por base os poucos casos existentes e a transformação mais tarde sofrida peloduplo título – BACHAREL MESTRE – temos, então, que BACHAREL MESTRECOSME FERNANDES PESSOA, equivaleria a PADRE MESTRE COSME FERNANDES PESSOA, como vimos tocar um dia ao nosso Frei Gaspar da Madre deDeus, chamado por extenso: DOUTOR PADRE MESTRE JUBILADO”.O título PADRE MESTRE teve grande uso no correr dos séculos brasileiros e chegou atéos nossos dias, dado a grandes sacerdotes, formados em teologia, professores, ou degrande saber, e finalmente a Padres Professores, até do Primário “, continua o historiadorno seu versado estudo até chegar no seguinte trecho onde conclui:“A existência de dezenas de padres judeus ou judaizantes no Peru e no antigo Reino NovaGranada, demonstra que o degredo do PADRE MESTRE BACHAREL MESTRECOSME FERNANDES, com a rigidez e dureza da sua perpetuidade, bem podia ter sidocausado pela apuração do seu judaísmo, numa época em que se processavam as primeirase grandes perseguições religiosas do reinado de D. Manuel (1501)”.Outra explicação estabelece que talvez devido ao título de Mestre, usado pelo Bacharel,seria de graduação maçônica, suficiente para ser degredado em 1501. Nesse tempo aMaçonaria Judaica defendia, reunindo os perseguidos e os que lutavam contra asperseguições e os confiscos, na Espanha e em Portugal, onde para poder continuar a sualuta, utilizavam diversos sinais secretos que permitiam o reconhecimento mútulo entre osdiversos elementos da maçonaria judaica e seus diversos graus. Nesses casos, os maçonsdos diversos graus se reconheciam através de toques rituais, de palavras cabalísticasmudadas constantemente, utilizando diversos alfabetos quando se correspondiam.Eram muitos os maçons judaicos que habitavam o Brasil nos primeiros cem anos de suahistória. Ainda hoje podemos observar nas suas assinaturas conservadas nos documentoshistóricos, públicos e particulares, diversos desses sinais utilizados, hebraicos, fenícios ougregos. O próprio João Ramalho, cujo judaísmo até hoje é objeto de discussão, utilizava nasua assinatura o BETH, 2ª. letra do alfabeto hebraico. Isso explicaria talvez, porque JoãoRamalho vivia no campo, no planalto, à distância do Bacharel Mestre Cosme, outropossível graduado maçônico, talvez em grau equivalente, ao qual ele não podiasubordinar-se.O silêncio oficial mantido a respeito dessa grande e marcante figura da nossa história, teriaa justificativa de tratar-se de um padre ou cônego português expulso para o Brasil, comoelemento judaizante ou maçon judaico de grau elevado, fato que nunca se verificou depoisdisso, em toda a história do Brasil.A circunstância de caber à Igreja a censura dos livros como um dos seus privilégios maisrigorosamente exercidos e de conceder as “imprimatur” finais pelos censores do SantoOfício, reunido isto ao fato do grande sigilo e silêncio verificado neste caso do Bacharel,deixa a forte impressão de estar realmente ligada às revelações do “Elucidário” de FreiViterbo. Nenhuma publicação sujeita à antiga censura da Igreja, faz alusão à possívelorigem ou posição social desta importante figura da nossa história inicial, e muitos nemfazem menção aos fatos, nem ao seu nome. Seria, pois, padre judaizante o fundador de SãoVicente? [Páginas 48 e 49 do pdf]
Em relação à polêmica levantada por diversos historiadores sobre os títulos utilizados porCosme Fernandes Pessoa, de Bacharel e Mestre, e em que se chega a conclusões um tantoquanto desconcertantes como títulos de maçonaria, ou condição de padre, achamosinteressante que, apesar de, nos seus trabalhos ter sido mencionada a carta de Mestre João,participante da armada de Pedro Álvares Cabral, no seu “Descobrimento do Brasil”, cartaesta enviada juntamente a Portugal com a carta de Pero Vaz de Caminha em 1500, nãotenham, esses historiadores se apercebido que o Mestre João se intitula: Bacharel Mestre.Sendo que este Bacharel Mestre João era contemporâneo do “nosso” Bacharel, poderiampelo menos utilizar esta carta como elemento comparativo ou informativo no assunto empauta. Esta carta foi publicada por diversas vezes. Dentre elas citaremos algumas como:“Alguns Documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo” – acerca das Navegaçõese Conquistas Portuguesas – 1892 – pág. 122. Publicada por Varnhagen em 1845, Revistado Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, e na sua “História Geral do Brasil”, I,423, a carta do Mestre João saiu com a assinatura errada, Johannes Emenelaus (comoescreveu Capistrano de Abreu no seu “O Descobrimento do Brasil”, 1883, 2ª.Ed., pág.53,Rio – 1929). A leitura paleográfica mostrou, em vez de Emenelaus, Bachalarius, seja JoãoBacharel, “Alguns Documentos da Torre do Tombo”, pág. 258, Lisboa – 1892.Documento também citado por Francisco Martins dos Santos, em “História de Santos”, jácitado e por Pedro Calmon em sua “História do Brasil, também já citado, este “Johannesartium et Medicine bachalarius” é, sobretudo, importante pela carta que de Porto Seguromandou a D. Manuel em 1 de maio de 1500. Seria também cósmógrafo, que em Lisboaensinava “Longitude de Leste a Oeste” a Mestre Diogo, e cujas lições Pedro Annesdesejou ouvir conforme pedido que dirigiu ao rei em 1509. (Trata-se de documentopublicado entre “Inéditos da Torre do Tombo”, por Frazão de Vasconcelos, in PetrusNonius, fasc.I, pág. 110, Lisboa – 1937. Vide também do mesmo autor, “Pilotos dasNavegações Portuguesas dos Séculos XVI e XVII”, pág. 50, Lisboa – 1942: “... o ditoMestre Diogo ora veio a aprender a sonsacar.” (sonsacar, solicitar).Na publicação “Os Primeiros 14 Documentos Relativos à Armada de Pedro ÁlvaresCabral”, Edição de Joaquim Romero Magalhães e Susana Münch Miranda, Lisboa - 1999.A carta de Mestre João começa assim:“Senhor, O Bacharel Mestre Johann, físico e cirurgião de Vossa Alteza beija vosas realesmanos... etc”. E termina com o seguinte texto:“Do criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor” Johannus artium e medicinebachalarius”.Não queremos dizer com este exemplo, que o “nosso” Bacharel fosse médico ou cirurgião,como era o caso do Mestre João, o que queremos dizer é que o título de “Bacharel” nãoera necessariamente um título de maçonaria ou padres, e que como no caso apresentadopodia, perfeitamente, corresponder a um título acadêmico, tal como em nossos dias.
Quanto ao título de “Mestre”, são múltiplos os exemplos que se encontram ao longo dahistória, onde nos deparamos com a sua aplicação, a diversas atividades profissionais,desde arquitetos, navegantes e pedreiros, marceneiros e tantos outros exemplos. Portanto, não nos prolongaremos mais neste particular. Apresentamos as fontes, para quem quiser seaprofundar nesse assunto.As filhas do Bacharel com o correr do tempo, foram se unindo a outros moradores dopovoado, portugueses e espanhóis, onde resultaria a sua boa relação com os castelhanos –e daí o grande número da sua gente e parentela, que toda abandonou São Vicente,acompanhando o Bacharel de volta para Cananéia, por ocasião de sua expulsão em 1531.A respeito das suas atividades e patriarcado em São Vicente, nenhum documento chegou,melhor do que o relato de Diogo Garcia de Moguér. A carta deste navegante ao rei daEspanha, datada de 1527 e conhecida como “Memória de la Navegación”. Por estedocumento é possível, hoje, se fazer uma avaliação do grande comércio de escravos(índios), que se realizava, através do Porto de São Vicente, e também que o Bacharel eseus genros, Gonçalo da Costa, Francisco Chaves e outros, ainda deviam ser muito ricos,certamente participantes do tráfico de escravos e seguramente com ligação com AntonioRodrigues e João Ramalho. O documento relata:“Memoria de la navegación que hice este viage en la parte del mar oceano desde que salíde la ciudad de La Coruña, que alli me fué entregada la armada por los officiales de S. M.que fué en el año de 1626”. (Mello Moraes – “Cronografia Histórica” – 1886, pá. 150 –transcrição integral)“... 1526 – E de aqui fuemos a tomar refresco en S. Vicente que esta em 24 grados, e allivive um Bachiller y unos yernos suyos mucho tiempo ha que há bien 30 años e alliestuvimos hasta 15 enero del año siguiente de 27 e aqui tomamos mucho refresco de carney pescado y de las vituallas de la tierra para provisión de nuestra nave, e água e lema etodo lo que ovimos menester, e compre de un yerno deste Bachiller un bergantín quemucho servicio nos hizo, y más el propio se acordo con nosotros de ir por lengua al rio (daPrata) y esteBahiller com sus yernos, y hicieron comigo uma carta de fletamiento para lastraer em España con la nao grande “ochocientos esclavos”, e y ola hice con acuerdo detodos mis oficiales e contadores e tesoreros que allegando em el rio mandasemos na naoporque la nao no podia entrar em el rio que era mui grande, y elos no quisieron sinohacermela llebar cargada con esclavos e aí lo hice que así la mande cargada com esclavos,poruq ellos no hicieron nen me dieron la armada que S. M. mando que me diesen, e lo quecon ellos yo tenia capitulado concertado e asentado y firmado de S. M. pero anteshicieeron lo contrario que me dieron la nao grande e no conforme a lo que S. M. Mandava,e no la dieron en tiempo que les fué mandado por S.\M. que me la diesen em entrandoSetiembre, y ellos me la diron medido Enero que no podia yo aprovechar della porqueaqui V. M. lo verá por esta nevegación, y está una gente ali con el Bachiller que comencarne humana y es mui buena gente amigos muchos de los cristianos que se llamanTopies...”Este documento nos dá uma boa ideia da força e variedade das atividades do Bacharel eseus genros. Os diversos produtos que eram comercializados, a existência de um estaleiro,onde eram construídos bergantins, a contratação de “línguas da terra”, o grande comérciode escravos. Tudo isso somado, configura a importância do povoado de São Vicente.Pode-se perceber que era um importante centro de abastecimento das armadas itinerantes, tanto daquelas que navegavam em demanda do Rio da Prata, como daquelas que iam rumoà Europa. É fácil dimensionar a importância e poder do Bacharel, fundador, organizador emandatário de toda a região vicentina.Comparando este depoimento (espanhol) com o de Pero Lopes (português), um dizendoque o Bacharel estava há trinta anos em São Vicente, e o outro afirmando que o Bacharelestava há trinta anos em Cananéia, evidentemente reafirma a idéia de que o dois era amesma pessoa, apenas localizado em duas regiões diferentes e dois lugares, como já foianteriormente explanado.Com o relato de Diogo Garcia e o de Alonso de Santa Cruz, do qual faremos umareprodução mais ampla, poderemos ter uma idéia mais completa e clara do que era opovoado de São Vicente, da vida e das atividades ali desenvolvidas, muito antes da vindade Martim Afonso:“Dentro do Porto de São Vicente há duas ilhas grandes habitadas por índios, e na maisoriental delas, estivemos mais de um mês ancorados. Na ilha ocidental os portugueses têmum povoado chamado São Vicente, de dez ou doze casas, uma feita de pedra com seustelhados, e uma torre para defesa contra os índios em tempo de necessidade. Estãoprovidos de coisas da terra, de galinhas e porcos da Espanha e com muita abundância, ehortaliças”.Alonso de Santa Cruz completa o relato com uma planta da região. Verificamos tambémque esteve com os navios de Caboto, que ele trazia, durante dois meses fundeados noPorto de São Vicente, na atual entrada ao Porto de Santos.A existência e localização do povoado de São Vicente, onde está hoje a cidade do mesmonome, está bem descrita e retratada, complementando a descrição de Diogo Garcia. Tratase do “Yslário” de Alonso de Santa Cruz, lº oficial de Sebastião Caboto, na transcrição doComandante Eugênio de Castro na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico de SãoPaulo, v. XXIX, pág. 150.Podemos afirmar, diante do exposto, que sem o Bacharel e o povoado de São Vicente,com a sua infra-estrutura, com uma povoação estável e sua localização estratégica, pertodo Rio da Prata e do ponto final do meridiano de Tordesilhas, que como sabemos, a sualocalização no sul do continente era muito confusa, tanto para portugueses como para osespanhóis, o povoamento regular e oficial do Brasil não teria começado por São Vicente, esim por outra região, como Itamaracá, em Pernambuco, onde havia uma feitoria criada porCristóvão Jacques, tendo como feitor o Capitão Diogo Dias, trazido de Portugal pelomesmo Cristóvão Jacques; ou pela Bahia onde estava desde muitos anos Diogo Álvares (oCaramuru), ou ainda por Cabo Frio, onde existia um grande centro de exploração de paubrasil.Nenhum desses locais se apresentava com uma vida organizada, consolidada e fecunda,como aquela que o Capitão-mor Martim Afonso viria a encontrar em São Vicente. Comuma penetração no planalto, realizada por João Ramalho, em evidente articulação com oBacharel, Martim Afonso não daria a São Vicente a sua preferência como capitão ou [Páginas 50, 51 e 52 do pdf]
donatário, sem contar se as resoluções do rei de Portugal, e sim a um dos outros pontos do imenso litoral brasileiro.Portanto, somadas todas estas evidências, fazem firmar ainda mais, o fato da escolha proposital do povoado de São Vicente, como ponto inicial para a realização dopovoamento do Brasil, por parte de Portugal. Era pois São Vicente o local ideal para darinício a obra colonizadora, que marcaria para sempre a presença de São Vicente na históriado Brasil Foi a primeira vila e foi ali que se realizou a primeira eleição das Américas eonde começou a nacionalidade brasileira.
Intimado por Martim Afonso, que fundeara em Bertioga, o Bacharel Mestre Cosme abandonou São Vicente aproximadamente em julho de 1531, dirigindo-se para a região de Cananéia, aonde veio a encontrar a armada de Martim Afonso em 12 de agosto, segundo descrição do Diário de Pero Lopes. Ainda não foi provado, não havendo suficientes provas documentais com relação à passagem de Martim Afonso por Bertioga e o seu encontro com João Ramalho naquele ponto, cuja referência já se fez tradição.
Foi depois da chegada de Martim Afonso a Cananéia, que se teria verificado, segundoalguns historiadores, a primeira vingança do Bacharel, oculta sob o que poderia pareceruma infelicidade normal. Francisco de Chaves, genro do Bacharel, informa a MartimAfonso que, não muito longe dali, havia ouro em quantidade, a ponto de o novo capitão deSão Vicente acreditar na informação, confiando-lhe 80 dos seus melhores homens, alémdo chefe (Pero Lobo). Esta expedição nunca mais voltaria das selvas. Pero Lopes, no seu“Diário” descreve o fato da seguinte forma:
“... o Francisco de Chaves era mui grande língua desta terra. Pela informaçam que d’elladeu ao Capitam, mandou a Pero Lobo com oitenta homens, que fossem descobrir pelaterra adentro; porque o dito Francisco de Chaves se obrigava que em dez meses tornava aodito porto, com quatrocentos escravos carregados de prata e ouro. Partiram desta ilha aoprimeiro dia de setembro de mil quinhentos e trinta e hum os quarenta besteiros (*) e osquarenta espingardeiros”. (*) Besteiros = soldados armados de bestas (catapultas, arcos).Preocupado em servir melhor ao rei, Martim Afonso mandou os seus homens nestaexpedição, já que as notícias sobre a viagem de Aleixo Garcia nas proximidades dosAndes, portanto dos Incas, devia ser do conhecimento do capitão-mor e mesmo porquedentre os seus homens, estava Henrique Montes e Pero Capico, que tinham conhecimentodesses fatos, principalmente Henrique Montes, como já vimos anteriormente, que foicompanheiro de Aleixo Garcia em Santa Catarina.
Já para Francisco Martins dos Santos em sua obra já citada, seria desta maneira, a primeira manifestação da vingança do Bacharel, pela sua expulsão de São Vicente. Segundo a sua linha de raciocínio, Martim Afonso não desconfiou de uma cilada por parte do genro do Bacharel (Francisco de Chaves), e nem do próprio Bacharel. Martim Afonso, entusiasmado pela idéia de quatrocentos escravos carregados de prata e ouro, não teria percebido a suposta armadilha, o que nos parece ingenuidade demais, para um homem experiente, como ele.
Outro erro apontado seria a ordem de Martim Afonso, dada aos espanhóis, companheirosdo Bacharel e que ali moravam (em Cananéia), que abandonassem o local e passassem aresidir em São Vicente. A ordem era de caráter político e militar, e muito natural. Nãoconvinha àquele grupo de espanhóis ficar em terra portuguesa desguarnecida e semadministração. Provavelmente estava preocupado com a presença de Rui Mosquera emIguape, como também de Melchior Ramirez, ou mesmo do famoso Aleixo Garcia (cujanacionalidade era duvidosa), capazes de aliciar muitas centenas de índios, pondo em riscoo povoamento de São Vicente (ali bem próxima), e a soberania portuguesa do lugar.Essa intimação (citada por vários autores), teria irritado os espanhóis, deixando-ospredispostos a uma desforra. A oportunidade apareceria somente depois da volta deMartim Afonso para Portugal. O motivo foi, ao que parece, Rui Mosquera, companheirode Caboto, que se recolhera em Iguape, acompanhado de vários patrícios. Segundo RuiDiaz de Guzmán em “La Argentina”, liv, I, cap. 8, repetido pelo Padre Charlevoix, queRui Mosquera já havia dois anos lavrara o canavial na vizinhança de São Vicente, quandochegou o Bacharel, desgostoso dos portugueses, “pelo que falava com alguma liberdademais do que devia.” O capitão da vila, Padre Gonçalo Monteiro, intimou-os a sairem emtrinta dias. Nessa ocasião entrou em Cananéia uma nau francesa. Mosquera e os seushomens a tomaram de surpresa, armaram-se com o que nela encontraram e se fizeramfortes na sua posição. Assegura o Dr. Ernesto Young, em obra já citada:
“Não devemos entrar em controvérsias a respeito de ter sido ele (Rui Mosquera) ou outroqualquer que deu causa à guerra entre o povo de São Vicente e o de Iguape, no intervadode tempo decorrido de 1533 e 1537, porém devemos acreditar que esta guerra teve origemna ordem que Gonçalo Monteiro, Capitão-Comandante do Litoral, nomeado por MartimAfonso, intimando os moradores de Iguape a se reunirem em São Vicente, (ordem acatadapelo Bacharel, que volta para Cananéia). Esta ordem naturalmente não foi cumprida pelosespanhóis, por causa dos desacordos e preconceitos nacionais e, ao mesmo tempo, porcausa das relações familiares existentes entre eles e os indígenas, que eram das maisíntimas”.
O Padre Gonçalo Monteiro, Capitão de Martim Afonso, sabendo o que estava acontecendo em Iguape, fez descer de Piratininga, onde se achavam (ao que parece) os dois cabos de guerra, Pero de Góis e Rui Pinto, homens destemidos e experimentados, investindo-os do comando das forças vicentinas, para atacar antes de serem atacados, o que parece ter sido um erro. A coluna, mista de portugueses e índios marchou sobre Iguape, mas foi infeliz. A vitória das forças de Rui Mosquera foi completa. Os de Iguape, contrariamente às expectativas dos expedicionários de São Vicente, estavam bem armados. Em número de oitenta, portugueses os atacaram. Conclui Gusmán, que Pero Góis foi ferido com uma arcabuzada, muitos ficaram prisioneiros, alguns morreram no campo de batalha e os castelhanos aproveitando esse desbarato, atacaram e saquearam a povoação de São Vicente. [Páginas 53 e 54 do pdf]
A narração de Guzmán, da guerra de Iguape, está confirmada por vários documentos. Assim, a apostila de 29 de agosto de 1537 à carta de sesmaria de Rui Pinto, não havia em São Vicente livro do tombo, por “o haverem levado os moradores de Iguape”. Rui Pinto e Pero de Góis, os dois capitães da malograda investida, não tinham cumprido a ordem de Martim Afonso, quanto à perseguição dos índios dos campos de Curitiba, por estarem ocupados com os de Iguape, consta numa ata da Câmara de São Paulo. (cit.Varnhagen, op.I, pág. 201).
Animados com a vitória e confiantes na sua superioridade, seguiram as forças de Rui Mosquera, por terra e por mar (no navio francês capturado), caindo sobre São Vicente, matando, queimando, saqueando e destruindo, desde a Vila até o Porto de São Vicente (situado na atual Ponta da Praia), onde pilharam trapiches e navios ali fundeados. (Rocha Pombo em “História do Brasil”, vol III). Durante esse ataque morrera Henrique Montes, para alguns o traidor do Bacharel.
Segundo o historiador Pedro Calmon, em “História do Brasil”, vol. I, pág.177, depois disso não há mais sinal do homem misterioso de Cananéia. Rui Mosquera seguiu para Santa Catarina. Dois anos depois da pilhagem em São Vicente de 1534, a rainha da Espanha lhe escrevia, encarecendo o seu auxílio à missão de Gregório de Pesquera, que foi inspirada pelos receios causados pelos aprestos, em Viana, da frota de Pero do Campo Tourinho. A carta da rainha ao Bacharel, em 1536 considerava incontestável o litoral vicentino, dentro da jurisdição espanhola, e estimava-se a sua colaboração. Expressava-se assim:
“Real cédula al bachiller de la Cananea para que preste su ayuda a Gregório de Pesquera, Valladolid, 9 de setiembre de 1536. La reina...bachiller... que residia en la Cananea que es en la tierra que hay en la del Rio de La Plata, sabe que yo hé mandado tomar cierto asiento e capitulación con Gregório de Pesquera Rosa sobre el hacer e crear e grangear ciertaespeceria en esa tierra e le he proveydo de la governación della en cual se va a servir el dicho oficio y entender en la dicha grangeria como del sabreis e por lo que yo he sido informado que vos a que estais en esa tierra muchos dias e teneis en ella vuestra mujer y hijos yo vos ruego y encargo que persona que estareis informando la calidad de ella deyes al dicho Gregório de Pesquera todos los avisos que vierdes que convienen para el bien de la dicha grangeria e le ayudeis en todo aquello que buonamente podeys, comoa persona que va en nuestro servicio y en lo demás que os vierdes que nos podays servir em esa tierra lo hagays teniendo por cierto que mandaré tener memória de vuestros servicios para os hacer a vos y a vuestros hijos la merced que oviere lugar de Valladolid a nueve dias del mes de setiembre de quinientos y trenta e seis años / y ola Reina / Refarendada samano señalada de Beltran y Velásquez.” (Humanidades” , tomo XXV, 1ª. Parte, Buenos Aires – 1936.)
A viagem de Pesquera não chegou a ser realizada. (E. de Gandia, na citada revista). Depois foi comissionado, em 1557, Jaime Resquin, para fundar povoações em São Francisco e São Gabriel, trazendo como prático Gonçalo da Costa. Os espanhóis queriam então impedir que os franceses, instalados no Rio de Janeiro, fossem até lá. Ramón de Castro Esteves, em “Jaime Resquin y su Expedición” - Revista del Instituto de Investigaciones Históricas, nº 61-63, Buenos Aires – 1935. Também malogrou esta expedição. De 1540 é “The Voyage of the Bárbara to Brazil”, edited by R.S. Marsden, The Naval Miscellany, II, London – 1912. [Página 55 do pdf]
Pelo que observamos neste documento, o Bacharel continuava ainda, em 1536, em Cananéia e, por outro lado, a Espanha considerava a região como parte de suas terras, esperando ter no Bacharel um aliado. Outra prova de que os espanhóis acreditavam que toda essa costa estava dentro dos seus domínios, é o que consta em “Comentários”, Álvaro Nunes Cabeza de Vaca:
“Em 1541 foi mandado para socorrer a recente povoação de Buenos Aires”; chegou a Cananéia, bom porto, e “... tomó el governador la posesión de él por Su Majestad”.
Seguiuaté Santa Catarina e também “... tomó la posesión de ella em nombre de su Majestad”.Depois da invasão de São Vicente pelas forças de Iguape, partiram para Santa Catarina epouco depois, embarcaram para o Rio da Prata, coincidindo com a passagem da armada dePedro de Mendoza, em que vinha Gonçalo da Costa, o mais graduado dos genros doBacharel, para fundar Buenos Aires e começar a colonização da Argentina. Quanto aoBacharel, ao que consta na carta da rainha da Espanha, enviada ao Bacharel em 1536, elecontinuava em Cananéia.O que o jesuíta Charlevoix, narrou em sua “História do Paraguay”, Liv, I, ano 1530 até 35,foi transcrito por Frei Gaspar em suas “Memórias”, mas foi tomado como invenção oulenda. Faltou a Frei Gaspar um estudo mais profundo e detalhado do personagem principaldessa parte importante da história de São Vicente – o Bacharel Mestre Cosme Fernandes –o que deixa bastante claro que Frei Gaspar desconhecia a história de São Vicente anteriorà Vila de Martim Afonso, pois não teria recusado os relatos sobre a guerra de Iguape.Vejamos o que conta o padre Charlevoix, na sua obra anteriormente citada:“Sendo arruinada a Torre de Caboto pelos índios timbués, Ruy Mosquera lhe havia feitoalgumas reparações, mas desesperado de se não poder ali conservar contra os índios,tomou partido de se embarcar com sua tropa em uma pequena embarcação que aliconservava, e desceu o rio até o mar, e seguiu a costa do norte; e descobrindo pela latitudede 32 graus (aqui houve engano do autor ou do tipógrafo quanto à latitude) um portocômodo, entrou, e nele fundou uma pequena Fortaleza e achou os naturais do país bemdispostos a fazerem aliança com ele e semeou logo um terreno que lhe pareceu fértil.Poucos dias depois, um cavalheiro português chamado Duarte Peres, que havia degredadonaquela vizinhança, se lhe veio unir com a sua família”.“Duarte Peres não esteve muito tempo em sossego, porque recebeu uma ordem o CapitãoGeral do Brasil em que mandava voltar a seu degredo, e dizer a Rui Mosquera, se queriaficar onde estava, devia prestar juramento de fidelidade a El Rei de Portugal, a quempertencia todo aquele país. Peres obedeceu, mas Mosquera respondeu, de boca, que adivisão da América não estava ainda regulada entre o rei de Portugal e Espanha, e que,enquanto isso, estava resolvido a se conservar no posto que ocupava. Faltavam-lhe armas emunições, mas um navio francês, tendo vindo a ancorar nesta mediação de tempo na ilhade Cananéia defronte do seu forte, pode aproveitar a ocasião para se meter em estado dedefesa, se fosse atacado. Embarca com todos os espanhóis e duzentos índios em doisbatéis, chega de noite ao navio francês, que rendeu e, desarmando a equipagem, a conduzà sua Fortaleza”. [Página 56 do pdf]
Pouco depois foi advertido de que um corpo considerável de portugueses vinha por mar aatacá-lo. Dispôs de uma bateria de quatro peças de artilharia, que havia tirado da suapresa, fez novos entrincheiramentos no seu Forte e meteu uma parte da sua gente ememboscada em um bosque que cobria o lado do mar. Os portugueses eram oitenta,seguidos por um exército de índios, e iam tão confiados no bom sucesso, como iria umgrande juiz a prender um bando de ladrões. Esta confiança aumentou, vendo que se lhesnão disputava o desembarque. Passaram o bosque sem obstáculos, mas apenasdescobriram o Forte, se acharam expostos aos tiros de sua artilharia carregados pelaretaguarda pelos da emboscada, que os haviam deixado passar. O medo se apoderou dosíndios e se comunicou aos portugueses. Todos se dispersaram e à reserva dos que haviamfugido, todos os que escaparam do canhão, foram passados à espada. Mosquera, nãosatisfeito com essa vitória, embarcou com uma parte dos seus valentes, e um grandenúmero de índios, nas embarcações em que tinham vindo os portugueses e navegou a fazerum desembarque no Porto de São Vicente. Ele saqueou a Vila e os Armazéns d’El-Reicom tanta facilidade, que os portugueses, descontentes do Governador, se uniram a ele.Compreendeu o dito Mosquera, muito bem, que os seus bons sucessos, longe de firmaremo seu estabelecimento, não serviriam mais, que o de virem atacar forças a que ele nãopudesse resistir, pelo que transportou a sua pequena colônia para a Ilha de Santa Catarina,onde imaginava que não o viriam inquietar, mas não esteve ali muito tempo, porque em1537 chegou a Buenos Aires com toda a sua colônia que tinha em Santa Catarina e muitasfamílias de índios que se lhe haviam unido.Este relato de Charlevoix, do qual apresentamos a transcrição, nos parece verídico (salvopequenas alterações e confusões observadas).
O historiador Varnhagen na sua “História Geral do Brasil”, 4ª. Edição, Tomo I, cita a existência de um documento, de 1540, referente ao Bacharel, de que a Biblioteca Nacional tem cópia, escrito por um espanhol (anônimo), onde se registraram estes dizeres:
“Em la Isla de Cananéa, y en la tierra firme della hay pobló el Bachille, dejó muchas naranjeras y limones y cidras y otros muchas árboles y hizo muchas casas, que se deploraron después por los pobladores de San Vicente, que tuvieron guerra los unos con los otros, por que pretendia que el Bachiller les havia dar obediência”.
Em sua obra “Argentina”, pág. 54, Rui Diaz de Gusmán faz as mesmas referências aoBacharel, “fidalgo português”, que o forçou D. Ruy Garcia Mosquera a “agasalhá-lo” e atoda a sua casa, filhos e criados, “despeitado e queixoso dos de sua nação, quando esseCapitão se apossou de Cananéia para a coroa de Espanha”, dizendo o seguinte:“Chegou Ruy Mosquera a relacionar-se e fazer comércio com alguns portugueses da costa.Um desses portugueses chamado Duarte Perez, desgostoso dos seus, procurou os arraiaesde Mosquera, e ali foi viver com sua família fazendo causa com os hespanhões e nãoocultando o seu despeito contra Portugal”. Pelo que falava ele com mais desembaraço doque devia, e disso resultou que o capitão daquela costa mandou notificar-lhe que fossecumprir o seu desterro no lugar designado por el-Rei já estavam os hespanhões ali emIguape dois anos vivendo em paz, quando um fidalgo português, chamado Bacharel Duarte Peres se lhes veio meter com toda sua casa, filhos, despeitado e queixoso dos desua própria nação, o qual havia sido desterrado por el Rei D. Manuel para aquela costa, naqual havia padecido inumeráveis trabalhos.”“.Esta passagem é uma prova de que o Bacharel de Cananéia, degredado por D. Manuel em1501 é o mesmo que seria expulso em 1531, por ordem do rei de Portugal, das terras e dopovoado de São Vicente, do qual era fundador. É evidente que os espanhóis identificaramo Bacharel Mestre Cosme Fernandes pelo nome de Duarte Peres ou Bacharel DuartePeres, mas a clareza com que se apresentam esses episódios dos quais o Bacharel deCananéia tomou parte, não deixa dúvidas de que o Bacharel de Cananéia é o mesmoBacharel Duarte Peres.Os relatos de Guzmán mereceram a transcrição de Rocha Pombo, confirmam o que estáexposto. O historiador Varnhagen, em sua obra citada, 2ª. Edição, Tomo I, pág. 165, nosdiz o seguinte:“O fato das hostilidades com os de Iguape se confirma por um livro da Câmara de SãoPaulo (de 1585/1586, fls. 13-V, fl. 14, onde lemos que a razão por que Pero de Góis e RuiPinto não foram contra os índios de Curutiba, que haviam assassinado os oitentaexploradores partidos de Cananéia, foi POR ESTAREM OCUPADOS COM ASGUERRAS DE IGUAPE.”Junto com a declaração do documento mencionado por Varnhagen, pode ser colocada estapergunta: Quem teria ordenado àqueles dois fidalgos portugueses a guerra aos índios dosul?A resposta é encontrada na obra de Pedro Taques “História da Capitania de São Vicente” –Edição Taunay, pág. 67: “é que o donatário Martim Afonso de Sousa, quando seausentara, deixara ordenado se continuasse a guerra pelos cabos dela os fidalgos Pedro deGóis e Rui Pinto, porque lhe haviam morto oitenta homens que tinham mandado ao sertãoa descobrimentos...”Reafirmando ainda estas afirmativas, veremos ainda o que diz Roberto Southry, em sua“História do Brasil”, 1862 – Tomo I, pág. 104:“Destruído o estabelecimento de Caboto, emigrara parte da sua gente para o Brasil, ondenuma baía chamada Iguá, vinte e quatro léguas distante de São Vicente, principiaram afazer plantações, continuando a viver por dois anos em termos amigáveis com osindígenas vizinhos e com os portugueses. Suscitaram-se, então, questões e segundo versãocastelhana (única que temos), resolveram os portugueses cair sobre eles, e expulsaram-nosdo país, disto tiveram aviso, surpreenderam os futuros invasores, saquearam a cidade deSão Vicente, etc...”.
Confirmando estas ocorrências, citamos uma escritura de 1537, lavrada em São Vicente. Azevedo Marques, em seus “Apontamentos Históricos, Geográficos, etc., da Província de São Paulo”, tomo I, pág. 182, declarou existir no Cartório da Tesouraria da Fazenda, Maço 11 – de Próprios Nacionais – documentos a que estão juntos os papéis apreendidos aos extintos jesuítas:
“Gonçalo Monteiro, capitão, com poder de reger e governar esta Capitania de São Vicente, terra do Brasil pelo mui Ilmo.sr. Martim Afonso de Sousa, governador da dita Capitania... Faço saber aos que esta minha carta de confirmação virem em como por Francisco Pinto, cavalheiro-fidalgo, morador em dita capitania, me foi dito por uma petição que o dito Sr. Governador, havendo respeito a ele querer ser povoador e assim outros respeitos, lhe fizera mercê de um pedaço de terra nas terras de Cubatão, indo desta ilha para o rio Cubatão, entrando... (está deteriorado o original) da qual terra diz ser-lhe feita carta e ser datada e assignada pelo dito Sr. Martim Afonso de Sousa, a qual carta lhe fora levada pelos moradores de Iguape quando roubaram os que estavam neste porto mar, e levaram o livro de tombo ............... Dada nesta vila de São Vicente aos 17 dias do mez de Septembro de 1537 – Antonio do Valle, Tabelião Público Judicial e escrivão das datas pelo dito sr. e fez n’este anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1537 – Gonçalo Monteiro...”.
Confirma este documento, o relato de Southey e dos demais autores não portugueses, comprovando também o roubo do Livro do Tombo Vicentino, um detalhe que só pode ser devido à dúvida sobre de quem eram essas propriedades, se de Portugal ou de Espanha, devido às indefinições sobre a localização da linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas.
Diante de todo o que foi exposto, podemos concluir que o Bacharel, identificado pelosespanhóis como Duarte Peres, é o mesmo Bacharel Mestre Cosme Fernandes Pessoa,mencionado pelos diversos historiadores portugueses e brasileiros.Portanto o nome Duarte Peres, que pelos relatos de diversos cronistas espanhóis é opróprio Bacharel, acaba não sendo mais do que o nome adotado pelo Bacharel MestreCosme Fernandes em seus tratos com os castelhanos de Iguape e Cananéia, paraocultamento da sua verdadeira identidade. Após o conhecimento dos fatos e documentoscomprobatórios, como a escritura de 1542, não é razoável manterem-se dúvidas a respeito.A farta documentação, tanto espanhola, como de origem nacional, não deixa dúvidas arespeito da existência do Bacharel, das suas identidades, da sua participação nosacontecimentos: fundação do povoado de São Vicente, da própria guerra de Iguape,elementos e acontecimentos postos em dúvida por diversos historiadores. A importânciahistórica do Bacharel na mais primitiva história de São Vicente, Cananéia e Iguape, e doBrasil, nos parece indiscutível e, considerar o Bacharel Mestre Cosme Fernandes Pessoacomo o verdadeiro fundador de São Vicente (povoado) parece uma questão de justiçahistórica.
Fica evidente que a São Vicente do Bacharel, de Pero Capico e Antonio Ribeiro (seus dois capitães anteriores a Martim Afonso de Sousa), de Diogo Garcia e Alonso de Santa Cruz de 1516, 1526, 1527 e 1530, com suas dez ou doze casas de tipo europeu e mais os tejuparés índios e armazéns para guarda de mantimentos, com sua fortaleza de pedra e torre para defesa contra ataques indígenas, com dois portos, um de pequeno calado e outro de grande calado, com todo o seu comércio, sua indústria naval e seu tráfico de escravos demonstrados e provados, com sua proximidade ao ponto final do meridiano de Tordesilhas e da região do Rio da Prata, faziam com que São Vicente (povoado), além de ser o ponto habitado mais importante da costa brasileira, era também estratégica, política e militarmente o ponto ideal para se dar começo ao povoamento português no Brasil.
Portanto nos parece que a escolha de São Vicente, para sediar a primeira vila do Brasil, não foi um fato acidental, nem criado por capricho do rei de Portugal, nem de Martim Afonso, e sim produto de um estudo e planejamento cuidadoso por parte de D. João III. O historiador Pedro Calmon, em obra já citada, Vol.2, pág.571 nos mostra que:
“Abaixo ficava a costa dos carijós, ou entre o território dos Arachãs (litoral do Rio Grande) e Santa Catarina, dos Patos, com Paranaguá e São Francisco do Sul, baías freqüentadas pelos barcos castelhanos, e Laguna, onde chegavam os traficantes à procura do índio Tubarão, péssimo sujeito, como diz, em 1605 o Padre Jerônimo Rodrigues. Tubarão reatou o comércio de escravos do Bacharel de Cananéia, contemporâneo dasprimeiras expedições.”
Este trecho sugere que o Bacharel de Cananéia continuou o seu comércio de escravos naárea, comércio este retomado depois pelo índio Tubarão. Outra indicação parece ser que oBacharel continuou as suas atividades depois de ter sido expulso de São Vicente em 1531.Segundo o Padre Serafim Leite, em “Novas Cartas Jesuíticas”, pág.221, “o nome Tubarãoperdura numa localidade de Santa Catarina, entre Laguna e Jaguariúna.”Capitulo VIII – O Primeiro Capitão de São Vicente.PERO CAPICO foi o primeiro Capitão de São Vicente, segundo declaração do próprio Rei– Capitão de uma das Capitanias do Brasil – (a outra era Itamaracá), trazido por CristóvãoJacques em 1516/17, e levado de volta para Portugal em 1527, por ele mesmo, segundo oAlvará Régio de 15 de julho de 1526 e retornando a São Vicente com Martim Afonso deSousa em 1532, na qualidade de Prático da região e Escrivão da Armada.A atuação administrativa e militar de Capico em São Vicente é esclarecida pelo Alvarácitado, uma vez que a outra Capitania existente então, a de Itamaracá, eram somente duase era o seu Capitão, o já mencionado Diogo Dias, trazido também ao Brasil por CristóvãoJacques.Tendo voltado ao Brasil, e a São Vicente na Armada de Martim Afonso, Pero Capicopermaneceu na Vila enquanto nela esteve Martim Afonso, lavrando todas as primeirasescrituras de terras e cartas de doação até início de 1533.MELCHIOR RAMIREZ era um dos sobreviventes da Armada de Juan Dias de Solis, e,durante o tempo de permanência no Brasil, desenvolveu suas atividades entre Iguape,Cananéia e a região do Prata, fazendo parte do núcleo espanhol de Mosquera e dos fatos [Páginas 57, 58, 59 e 60 do pdf]
Martim Afonso trazia instruções acerca da posse de todo o território brasileiro, abrangidopelo meridiano de Tordesilhas e poderes para: doação de sesmarias, organização dajustiça, fundação de feitorias (fazer Vilas, como se dizia na época). Trazia tambéminstrumentos de trabalho, vinte e sete nobres, diversos povoadores, oficiais (mestres devárias profissões – carpinteiros, pedreiros, ferreiros, etc.) e quatrocentos homens de armase muita artilharia para defesa de fortalezas, que deveriam ser construídas.A armada de Martim Afonso parte de Lisboa a 3 de dezembro de 1530, chegando às costasde Pernambuco e captura três naus da França carregadas de pau-brasil. Uma é mandadapara Lisboa, outra incorporada na expedição e a terceira posta a pique.Martim Afonso decide dividir as suas forças, partindo Diogo Leite com duas caravelas,para descobrir a costa leste-oeste, chegando à Baía de Gurupí, se não até o Amazonas.Retornando, o capitão-mor seguiu para o sul.
A 13 de março de 1531 Martim Afonso entra na Bahia de Todos os Santos, onde encontrao português Diogo Álvares Correia (Caramuru), que o recebe hospitaleiramente. Estehomem providencial se transformou em fiador ambíguo da lealdade dos índios. Tinhamulher brasílica e vários filhos. Vivia respeitavelmente e, sendo muito amigo dosTupinambás, levava muitos deles à presença do Capitão-mor.
Em 30 de abril Martim Afonso ancora junto à Ilha Rosa, em frente à Barra do Rio deJaneiro, e ao meio dia entra na Baía de Guanabara. Mandou construir uma casa forte.Apelidou-se de Martim Afonso o desaguadouro do Rio Comprido, o sítio onde fundeou.Mandou aparelhar dois bergantins. Mandou quatro homens a verem o país no queconsumiram em dois meses por campos e serras, se internando pelos sertões adentro, àprocura de metais preciosos.
Voltaram depois de andarem por 115 léguas, trazendo de volta muito cristal e a notícia de ouro e prata no Rio Paraguai. (“Diário de Pero Lopes” l, pág. 207). Esta notícia está registrada como sendo um chefe indígena a lhes dizer da existência de ouro e prata, muito grande. Supuseram ser o Paraguai (Capistrano, nota de Varnhagen, l, pág. 150).
Em 1 de agosto de 1531 Martim Afonso parte da Guanabara e chega a Bertioga, ondemanda construir uma estacada (pequeno fortim) feito de taipa, onde deixa alguns homens.Segundo alguns historiadores, teria sido realizada uma reunião entre Martim Afonso eJoão Ramalho (do que não há prova documental), para decidir a sorte do Bacharel MestreCosme Fernandes (a sua expulsão para Cananéia). Embora não mencionado por estesautores, é razoável pensar-se que participasse dessa reunião, o Capitão de São Vicente,Antonio Ribeiro, e fosse ele o encarregado de dar a ordem ao Bacharel de retirar-se, sendoem São Vicente até o momento, o representante da autoridade real e não João Ramalho,como é mencionado comumente.Também não há referências documentais a respeito, assim como do pretenso ataque dosíndios, evitado por João Ramalho. Quanto à estacada (pequeno forte construído de taipa),teria sido desativada por ordem de Martim Afonso, pouco depois da sua chegada a SãoVicente. Outro aspecto a ser mais estudado é o pouco tempo dado ao Bacharel para retirarse para Cananéia, já que a armada Afonsina estava em Bertioga no mês de agosto, quando [Página 91]
inacreditável (400 escravos carregados de ouro e prata), ficou visível: Francisco deChaves, assim como o Bacharel, podia perfeitamente ter conhecimento da viagem deAleixo Garcia aos contrafortes andinos.Pedro Calmon em sua “História do Brasil”, vol 1, pág. 131/132, diz o seguinte:
“Por esse tempo (1520) Aleixo Garcia, português e comparsa de Solís, estabelecido emSanta Catarina, procurava tirar a limpo as fábulas guaranis do Rei Branco”, senhor dasmontanhas coroadas de gelo. Ramirez e Montes (do número dos onze náufragos daexpedição de Solis) não ousaram acompanhá-lo Foram quatro com ele (entre estes omulato Pacheco) em busca do Rio Paraguai; e há indícios de que vararam o Chaco até asprimeiras ondulações andinas, onde os índios chanés lhes deram amostras dos metaisusados pelos incas. Voltaram carregando esses objetos, com a idéia, seguramente, de umacorajosa entrada pelos vales, cordilheira acima, até as espantosas altitudes, quandoacabaram com eles os paiaguazes. Alguns índios sobreviventes levaram Ramirez eMontes, na costa, a notícia da chacina – que Alvar Nuñez Cabeza de Vaca pessoalmenteindagaria, meio quarto de século depois”.
Como é fácil perceber, Henrique Montes é mencionado nesta passagem e ele seencontrava fazendo parte da armada de Martim Afonso.Alguns companheiros de Solis, escapando à sanha dos índios e depois tolerados,confirmaram estes indícios vagos. Na Costa dos Patos alguns deles falavam comentusiasmo de tais riquezas.Cristóvão Jacques colheu tais notícias na Costa dos Patos ou no próprio rio, por cerca de1522, e levou-as ao Reino (Capistrano de Abreu, in “Capítulos da História Colonial, IVed. 1954, pág. 86).E. de Gandia em “História de la Nación Argentina”, II, pág. 569, Buenos Aires – 1937, eMário Monteiro em “Aleixo Garcia”, pág. 25, Lisboa – 1923 e também o “Comentaires deAlvar Nunes Cabeza de Vaca”, em nes Cabeza de Vaca”, em Ternaux Compans,Voyages, Relations et Mémoires Originaux, etc., VI, Paris – 1837; E. de Gandia, em“Históriasss Crítica de los Mitos de la Conquista Americana”, pág. 161 a 169. Estes sãoalguns dos autores que também citam nos seus trabalhos, a viagem de Aleixo Garcia aoscontrafortes dos Andes.Portanto a afirmação de ter sido uma cilada do Bacharel Mestre Cosme Fernandes e deFrancisco de Chaves nos parece no mínimo especulação, visto os testemunhosapresentados. Henrique Montes e Pero Capico, como já citamos, conheciam estes fatos equanto a Chaves e o Bacharel, evidentemente, também os conheciam, tanto quanto (éprovável) o próprio Martim Afonso, portanto não há no nosso entender, base para a falada“cilada”, como forma de vingança pela expulsão do Bacharel, das terras de São Vicente.A idéia do engodo filia-se à “tortuosa” conduta do Bacharel, cujo genro, bem pago porGarcia e Caboto, aderiu afinal à causa castelhana para desempenhá-la com extremaeficiência. Martim Afonso permaneceu em Cananéia por quarenta e quatro dias. [Página 94]
Enquanto Martim Afonso de Sousa realizava em São Vicente uma administração pacífica,ainda que movimentada, sem lutas e sem contratempos, nas outras regiões do Brasil – nasdonatarias concedidas pelo Rei – a oposição dos índios arruinaria a quase todos oscapitães-donatários, impedindo o desenvolvimento por muitos anos de seus territórios.Até mesmo a da Bahia, onde atuava Diogo Álvares em aliança com os índios, encontra aruína e a morte (devorado pelos tupinambás, segundo relatos), o donatário FranciscoPereira Coutinho, e outros.Parece-nos que cabe a Pero Capico uma grande parte de mérito, pelo êxito, quase único,de Martim Afonso de Sousa, terceiro Capitão de São Vicente e primeiro donatário destaCapitania.Fica caracterizada, quanto a São Vicente, a diferença histórica entre Capitania e CapitaniaHereditária (Donataria), notadamente, que vindo como Capitão, Martim Afonso, sendo oterceiro mandatário de São Vicente, só depois, quando já estava em São Vicente é que setornou Donatário, conforme a carta de D. João III, da que transcrevemos um trecho:
“Martim Afonso amigo. Eu, El-Rei vos envio muito saudar; vi as cartas que me escrevestepor Joam de Sousa, e por ele soube de vossa chegada a essa terra do Brasil, e como hieiscorrendo a costa, caminho do Rio da Prata, e assim do que passaste com as naus francesasdos corsários que tomastes, e tudo que nisso fizestes, vos agradeço muito.... Depois devossa partida se praticou, se seria meu serviço povoar-se toda essa terra do Brasil, ealgumas pessoas que requerião Capitania em terra dela. Eu quizera, antes de nisso fazercousa alguma, esperar por vossa vinda para vossa informação fazer o que bem me parecere que na repartição que disso houver de fazer, escolhas a melhor parte, e porém, porquedepões fui informado que dalgumas partes fazião fundamento de povoar a terra do ditoBrasil, considerando Eu com quanto trabalho se lançaria fora a gente que a povoasse,depois de estar assentada a terra, e ter nella feita alguma força, como já em Pernambucocomeçavão a fazer, segundo o Conde da Castanheira vos escrevera, determinei de mandarmarcar de Pernambuco até o Rio da Prata cincoenta légoas da costa a cada Capitania, eantes de se dar a nenhuma pessoa, mandei apartar para vós cem légoas, e para Pero Lopesvosso irmão cincoenta nos melhores limites dessa costa por parecer de Pilotos, e de outraspessoas, de quem-se o Conde por meu mandado enformou, como vereis pellas doaçõens,que logo mandei fazer, e que vos enviará, e depoes de escolhidas estas cento e cincoentalégoas da Costa para vós, e para vosso irmão, mande dar a algumas pessoas, querequeriam, Capitanias de cincoenta légoas a cada huma.”
Segundo Francisco Martins dos Santos, em obra já citada:“A criação da Donataria de São Vicente, como aí se lê, data de 28 de setembro de 1532, ea nomeação de Martim Afonso como Capitão-mor data de 20 de novembro de 1530, commais de dois anos de permeio”.Como se vê na carta do Rei, reserva para Martim Afonso cem léguas nos melhores lugaresda costa. O piloto que Martim Afonso enviara a Portugal, João de Sousa, com as notícias [Página 128]
concretizaram o fato, estabelecendo desta maneira a consolidação da ação povoadoraportuguesa, já que a ação dos Tamoios instigados pelos franceses vinha a comprometer.A história dos povos tem fases áureas e de decadência e São Vicente não foi exceção. Nãofugiu da máxima que diz: “Quando se ganha em extensão, perde-se na profundidade”. Adescoberta do ouro provoca o êxodo de grande parte da população vicentina rumo aosonho da riqueza fácil. Terras de cultura ficaram abandonadas, armazéns vazios, portoparalisado, arrecadação definhando, sem que a Metrópole pudesse fazer nada de imediato.Comentário do Padre Manoel da Nóbrega, em carta de 1552: “... de quantos cá vierem,nenhum tem amor a esta terra, todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja à custada terra”. Em outra carta, do mesmo ano: “Não querem bem à terra, pois têm sua afeiçãonoutras plagas, nem trabalham para a favorecer, como por se aproveitarem de qualquermaneira que puderem, isto é quase geral, posto que entre eles haverá alguns fora destaregra.” Entretanto, com os anos, São Viacente reage.Tocqueville afirma: “Os povos ressentem-se eternamente da sua origem. As circunstânciasque os acompanharam ao nascer e que ajudaram a desenvolver-se influem sobre toda a suaexistência.A relação entre São Vicente e o planalto.(F58) Existiam muitas divergências entre a baixada e o planalto. Enquanto a baixada erauma região agrícola, o planalto tinha “bandeirante” como sua principal atividade. Estadiferença vai se acentuando desde o começo do século XVI.São Vicente continua como Martim Afonso queria; terra de canaviais com engenhos ricos,em contraste com o sentido pastoril do planalto, o que gera um caráter instável nopovoamento paulista. A posição geográfica e as dificuldades apresentadas pelo “caminhodo mar”, tortuoso e irregular, não separavam apenas duas formas de subsistência, sendosertanistas no altiplano e lavradores à beira-mar, e sim duas sociedades de cunhodiferenciado.No planalto eram os desbravadores do sertão que praticavam a caça aos índios hostis,seminômades, sendo a maioria da sua população formada por mamelucos e ainda assim, osmaiores responsáveis pela expansão territorial brasileira. Os jesuítas se opunham a essasatividades.No litoral a população era mais ordeira e afeita à ordem municipal. Os lavradores eramestabilizados nas terras junto ao porto, mais próximas da influência portuguesa, com maiscontato com o exterior do que com a forma de vida do interior. Ainda assim era na regiãoda baixada e no Rio de Janeiro, onde estes homens do planalto encontravam mercado parao comércio de escravos índios, precisamente pelo desenvolvimento da atividade agrícola,que justificava este comércio através da necessidade de muita mão de obra. [Página 136]
No ano de 1609, segundo Pedro Calmon, havia na Ilha de São Vicente quatorze engenhos,o que mostra até que ponto era desenvolvida a agricultura na região, principalmente nacana de açúcar. Trilhas e caminhos.(F59) O Brasil na época em que foi descoberto pelos portugueses, não possuía as estradasque no México e Peru, causaram a admiração dos conquistadores espanhóis e das quetanto se utilizaram para facilitar a conquista dos impérios Inca e Asteca, entre os maisnotórios. No Brasil os portugueses apenas encontraram simples trilhas de índios, que demodo precário, punham em contato seus dispersos núcleos de moradia.No começo serviram para o transporte do pau-brasil, rumo a feitorias instaladas no litoral.Assim também teriam servido para as primeiras entradas pela terra adentro, como a dequarenta léguas, que partia de Cabo Frio e da que faz menção Américo Vespúcio: as doRio de Janeiro e Cananéia, ordenadas por Martim Afonso de Sousa.Quando começam a ser fundadas as povoações do interior, sendo a primeira no planalto dePiratininga (Santo André da Borda do Campo, cujo fundador foi João Ramalho), oproblema de suas ligações com o litoral, seria também o primeiro problema viário doBrasil. A antiga trilha dos Guaianazes, ou trilha dos Tupiniquins, utilizada por Ramalho,transpondo a serra, tornou-se depois Caminho do Padre, como lembrança ao PadreAnchieta, depois Caminho do Mar até os nossos tempos.Segundo o historiador Washington Luís, em sua obra “Estradas Paulistas”, a trilha dosGuaianazes fazia parte de um caminho que chegava até o Peru (ou estrada de conquistados Incas), com dois terminais conhecidos, um em São Vicente e o outro em Cananéia.Muitas foram às trilhas indígenas utilizadas como vias de comunicação entre os povoadose vilas. Essas trilhas indígenas também serviram para a grande expansão territorialbrasileira, motivada pelo movimento bandeirante em suas diversas fases. Depois setransformaram em caminhos do gado e de mercadorias. Por essas trilhas primitivas serealizou o fluxo do comércio, da conquista e da riqueza do Brasil, pau-brasil, preagem deíndios, cana-de-açúcar, gado, ouro, etc.Ao sul o caminho indígena do Peabirú levava os paulistas às povoações espanholas ereduções jesuísticas do Rio Guaira e daí ao Uruguai, Tape e Itatim, zonas correspondentesao atual oeste do Paraná, noroeste e centro do Rio Grande do Sul, sudoeste matogrossensede hoje. O Paranapanema e o Tietê foram vias auxiliares que tiveram o mesmo destino,sendo que o último principalmente no século seguinte.Alguns autores afirmam que este caminho, ou trilha, levava até os contrafortes daCordilheira dos Andes e que foi este o caminho que Aleixo Garcia tomou na suamalfadada expedição. [Página 137]
- Em 12 de julho, moradores das vilas de São Paulo, São Vicente e procuradores das vilasde Parnaíba e Mogi-Mirim (Mogi das Cruzes), fazem nova notificação ao Padre AntonioFerreira.- Em 13 de julho, 215 pessoas se reúnem para pedir a expulsão dos jesuítas da Capitaniade São Vicente. Isto se deu na vila de São Paulo. O governo decide a expulsão dosjesuítas. A população revolta-se com a publicação de ordens do Papa em favor dos índios.- Embarcam em Santos os jesuítas expulsos efetivamente de São Paulo como decorrênciada intromissão destes em favor dos índios, lutando contra o apresamento dos índios paraserem vendidos como escravos.- Em 24 de julho os padres jesuítas retiram-se da Capitania de São Vicente.- Instalam-se na Capitania de São Vicente (nas vilas de Santos e São Paulo, inicialmente),os Franciscanos, iniciando a construção dos conventos. Os Franciscanos, os Carmelitas eos Beneditinos põem-se a favor dos paulistas contra os jesuítas.1641 – Os jesuítas e seus aliados, os índios guaranis, derrotam os paulistas em Mbororé,em 16 de março de sse ano.- Os jesuítas já haviam sido derrotados no sertão da Vila Rica, Guairá, Uruguai e outrasreduções por uma séria de incursões paulistas, que começaram em 1625, com AntonioRaposo Tavares, João Pedroso de Morais, etc. (Apresadores de milhares de índios,trazidos para São Paulo). Continuaram com Manuel Preto em 1629, Raposo Tavares em1630 e 1631, Simão Álvares, e culminaram com Francisco Bueno, Fernão Dias Paes eJerônimo Pedroso de Barros em 1641- Em 6 de abril de 1641, segundo descrição do Padre Cláudio Ruyer, os paulistascomandados pelo Capitão Manuel Peres (ou Pires), são repelidos pelos índios dirigidospelos jesuítas da redução de San Nicolas, entre os quais, além de Ruyer, os padres PedroMola, Romero e Juan de Parras. Armados de arcabuzes e de artilharia, em que se mostramadestrados, os índios vencem os atacantes.- Em setembro do mesmo ano Salvador Correia de Sá e Benavides, governador do Rio deJaneiro e com Jurisdição sobre São Vicente, é desacatado pelos paulistas, fazendo-oregressar de Santos para a Guanabara. Desejava aquela autoridade a volta dos jesuítas àCapitania.1642 – Em 3 de março, alvará de D. João IV mandando restituir os jesuítas à Capitania deSão Vicente. Afirma Serafim Leite, que para Santos eles voltaram nesse mesmo ano.1643 – É desobedecido o Alvará de 3 de outubro de 1642, mandando restituir aos jesuítasas suas casas.1645 – Os oficiais da Câmara da Vila de São Paulo fazem uma súplica ao Papa, fazendover à necessidade de terem sob a sua sujeição os indígenas, sem o que não seria possívelcultivar a terra, ficando prejudicada a remessa anual de “muita quantidade de carne elegumes”, bem como “de muitos mil alqueires de trigo”, com que costumavam socorrer oresto do Brasil e a própria Angola.
1647 – O Padre Domingos Homem Albernaz, partidário dos jesuítas, excomunga a população da vila de São Paulo e abandona a sua paróquia. Os paulistas, para hostilizá-lo, endereçam-lhe um abaixo-assinado e trancam o Caminho do Mar.
1648 – Os paulistas descem a Santos e hostilizam os jesuítas. Pertencem aqueles ao grupodos Camargos.- A 7 de outubro desse ano - Alvará real de perdão aos paulistas de São Paulo, SãoVicente, Santos, Mogi das Cruzes e Parnaíba na questão com os jesuítas e que tomaramparte na sua expulsão da Capitania. [Página 178]
Segundo alguns historiadores, a prova da traição de Henrique Montes seria a “pressa” comque o rei D. João o nomeou Provedor dos Mantimentos da armada de 3 de dezembro de1530, visto que a sua nomeação foi feita em carta de 16 de novembro desse ano, assinadaem Lisboa, dias antes da nomeação do próprio Martim Afonso para chefe da mesmaarmada, o que só se daria pelas cartas de D. João datadas de 20 de novembro de 1530, daVila de Castro Verde (“São Vicente Primeiros Tempos”, 2006. Página 44. Chancelaria de D. João III-liv.43, fls.130V e “História da Colonização Portuguesa do Brasil”, v.III, pág. 125).o Secretaria de Turismo e Cultura da Prefeitura de São Vicente