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“Na capitania de São Vicente”. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil
195704/04/2024 03:52:17

Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)

Na capitania de São Vicente. Luís, Washington, 1869-1957. Publicador : Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial. Data de publicação : 2004.

Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil, escreveu “Na capitania de São Vicente”, uma obra de pesquisa rigorosa, de análise criteriosa e de valor histórico indiscutível. Está ela repleta de citações que avalizam as opiniões emitidas, de observações que, estribadas na documentação autêntica e nos testemunhos de coevos fidedignos, retificam erros consagrados.

Tudo com a indicação das fontes. Preocupado, aliás, que sempre tinha em mente. "Para documentar minhas opiniões - manisfestaria a Luiz Castanho de Almeida em 12 de março de 1957 - cito sempre o autor, o livro e as devidas páginas em que me apoiei". []

ocasião, abdica de sua “liberdade rude”, para tornar-se súdito obedientede um monarca distante e indiferente e vassalo de seus prepostos prepotentes.De seus escritos, ressaltará alguém, a vernaculidade, demonstradora de seus conhecimentos do idioma, o instrumento capital para oexercício da exposição.

Mas, das críticas, a mais eloqüente é a de Capistrano de Abreu. Carteavam-se ambos. Washington, por intermédio de Paulo Prado, amigo comum, e mesmo diretamente, buscava com o mestre elementos sobre o Caminho do Mar – um dos temas que o atraíam, tendomesmo cogitado de dedicar-lhe um livro,15 via essa que, no Governo do Estado, iria recuperar – dele recebendo relatos de viajantes estrangeiros que registraram suas impressões a respeito.

Desse relacionamento, partiu a oferta do livro pelo autor.Washington registra a reação do exigente historiador.“De 1893 a 1930, a minha vida foi absorvida por atividade executiva, que não me permitiu nada escrever, salvono período de 1900 a 1903, em que escrevi algumas páginas sobre a História de S. Paulo, que Capistrano deAbreu, em carta que foi trazida pelo Sr. Paulo Prado, julgou capítulo quase definitivo da História do Brasil. Perguntando a Capistrano por que a restrição do quase, respondeu-me ele que, na bibliografia citada por mim como base dotrabalho, indicava eu as “tradições de S. Paulo”, de que devia desconfiar, segundo ele.”16Para a consagração de qualquer autor, era o suficiente. Aerudição e o rigor crítico de Capistrano de Abreu tinham a força de irre [Página 22]

Almeida 40– cito sempre o autor, o livro e as devidas páginas em queme apoiei.” Não era dos que, egoisticamente, sonegam as fontes...Ainda ao mesmo investigador, no ano de seu falecimento, dá orol de sua produção histórica e confidencia seus projetos nessa área. Solicita-lhe algumas informações de seu interesse e, para justificar o pedido,faz a exposição.“Escrevi há tempos um ensaio sobre a Capitania de S.Paulo e, recentemente, outro sobre a Capitania de S. Vicente;estou escrevendo atualmente alguma coisa sobre a Provínciade S. Paulo, no tempo do Império, e pretendo, se tiver tempoe saúde, escrever sobre o Estado Federado de S. Paulo, naRepública.”41Quanto ao São Paulo republicano, ressalva.“De passagem lhe digo que nada escreverei sobre asinterventorias de S. Paulo, no tempo da Ditadura, porquetendo sido parte, ou, vítima, sinto que não teria a necessáriaserenidade para delas tratar com imparcialidade.”Era a consciência do historiador criterioso, a extravasar naspalavras do homem honrado que sempre foi.Remanescem, em seu arquivo, páginas inúmeras sobre este seuplano. Sob o título São Paulo, Província Imperial, há dois volumes,segundo a indicação do autor. Precede-os nota manuscrita.

“Neste trabalho apenas o primeiro capítulo, embora incompleto e imperfeito, pode ser publicado. O capítulo sobre o caminho do mar precisa ser refundido. Os outros são esboços, que esperam desenvolvimento. Sobre a viação férrea basta resumir o que escreveu A. Pinto, que é completo. W. Luís.” Impertinente seria a análise crítica dessas palavras. É o juízo do autor, rigoroso sempre, quando se é humilde. E ficou demonstrado [Página 35]

tânia havia naufragado, tendo se salvado o seu comandante, mas “perecendo seis pessoas afogadas e uma de pasmo.” Conseguindo, entretanto,reunir todos os sobreviventes nos navios salvos, Martim Afonso de Sousa“tomou conselho com os pilotos e mestres e com todas as pessoas quepara isso eram e todos acordaram e assentaram que ele, Martim Afonso,não deveria ir pelo rio Santa Maria (Rio da Prata) arriba por muitas razões”, sem dúvida por haver sido reconhecido que o Rio da Prata já havia sido descoberto pelos espanhóis e estava na demarcação destes peloTratado de Tordesilhas, ficando assentado que só Pero Lopes de Sousasubisse o rio.

À vista desse concerto e determinação, Pero Lopes de Sousa, a 23 de novembro de 1531, partiu Rio da Prata acima levando em um bergantim 30 homens, tudo em boa ordem de guerra; e, como pôde, explorou esse rio até os Carandis, onde meteu padrões portugueses, e, como a ordem era de voltar em 20 dias, daí regressou a se reunir à esquadra.

Naturalmente fez observações astronômicas, naturalmenteteve, ou já tinha tido, notícias das explorações nesse rio realizadas porSolis, por Caboto, por Diogo Garcia. Ele a respeito nada diz.É fora de dúvida, segundo o Roteiro, que toda a esquadra retornou a Cananéia, de onde haviam partido para o interior do continente,em direção ao Paraguai, os 80 homens com Pero Lobo.

Em Cananéia demorou-se a esquadra 7 dias, sem ter tido notícias de Pero Lobo e de sua expedição. Daí partiu para o porto de S. Vicente, onde surgiu, pela primeira vez, sob o comando de Martim Afonso de Sousa, a 22 de janeiro de 1532 e onde foi deliberado que permanecesse “até ver recado da gente que tinham intimado descobrir pela terra a dentro” (R. I. H. G. B. Vol. 24; pág. 67 – linha 10).

O episódio da ida de Tibiriçá desde o planalto até S. Vicente com 500 sagitários,tendo à frente João Ramalho, não encontra fundamento nos documentos queconsultei; antes é contrariado por já haver nessa época moradores em S. Vicente.Já Aires do Casal havia feito essa observação, na sua Corografia Brasileira.

Pela análise dos acontecimentos, em que tomou parte a expedição de Martim Afonso de Sousa desde o cabo de Santo Agostinho, para o norte e para o sul, pelo que ela fez, deduzo, e como deduzemoutros cronistas, que a sua missão foi:

1º – Expulsar do Brasil os franceses que aí já começavam a se estabelecer, comerciando com os índios.
2º – Descobrir minas de ouro e prata e mais metais preciosos que se esperava existir, muito abundantes, mais a leste das que os espanhóis se haviam apoderado, e que então desvairavam o mundo excitando a cobiça geral.
3º – Reconhecer toda a costa e saber o que pertencia a Portugal, nos termos do Tratado de Tordesilhas. Esperava talvez D. João III que o seu domínio incluísse o Rio da Prata.
4º – Fortalecer civilmente e fortificar militarmente os diversos pontos na costa do Brasil, dentro da demarcação portuguesa, para assegurar os senhorios do rei de Portugal, e nelas estabelecer postos de ocupação, cravando padrões portugueses de posse.

Os trabalhos de Martim Afonso de Sousa foram grandes eneles “passou muitas fomes e muitas tormentas e por derradeiro lhe daruma tão grande que se perdeu a nau, em que ia, e escapou em uma tábua”.9 Os seus resultados, porém, foram nulos, ou quase. Martim Afonso,não há dúvida, fez o que pôde, e tudo por ordem e conta de D. João III;mas o que fez foi incerto, precário e pouco duradouro.Os franceses, negociantes de pau-brasil, foram expulsos então, mas continuaram esse tráfico com os indígenas, e pouco depois,chegaram a fundar a França Antártica no Rio de Janeiro e a se estabelecerno Maranhão.No reconhecimento da costa da América portuguesa poucoadiantou ao que já se sabia ou suspeitava, continuando tudo mais oumenos atrapalhado. É verdade que mandou por padrões portugueses norio da Prata, os quais, porém, não permaneceram. Mas é verdade, também,que o rei, que escrevera pretender conceder capitanias desde Pernambucoaté o rio da Prata nos seus domínios, dando apenas, ao sul, indeterminadafronteira a de Pero Lopes de Sousa.

Na própria distribuição das capitanias de “S. Vicente” e de “Santo Amaro” ao comandante da esquadra e ao autor do Roteiro da expedição, as informações geográficas obtidas foram tão incertas e confusas, que originaram intermináveis demandas judiciais, entre os herdeiros desses dois navegadores, causando-lhes dificuldades e prejudicando enormemente o desenvolvimento da colônia.

As minas de ouro não foram descobertas, nem descoberto caminho para elas, não recebeu recado da gente que mandara a descobrir pelo sertão adentro. Apesar disso, no sertão, e naquele tempo, mesmo as más notícias andavam lentamente, mas sempre andavam.

De índio a índio, de tribo a tribo, de aventureiro a aventureiro, Martim Afonso veio a saber que a expedição de Pero Lobo – comandante dos 80 homens – havia sido completamente trucidada pelos carijós próximo à foz do rio Iguaçu no rio Paraná. Esse mau sucesso é narrado nos Comentários de Cabeça de Vaca à viagem que fez, por terra, de Santa Catarina a Assunção em 1541 (R.I.H.G.B. Vol. 56, pág. 218, Parte 1ª) e é ele confirmado num requerimento dirigido ao Capitão-Mor Jerônimo Leitão, a 10 de abril de 1585, pela Câmara de S. Paulo em que se refere à matança dos 80 homens de Martim Afonso (Livro de Atas, Vol. 1, pág. 276) Câmara que, sem a menor sombra de dúvida, não leu os Comentários de Cabeça de Vaca, e nem deles jamais teve conhecimento. Nesse mesmo requerimento a Câmara informou também que Martim Afonso de Sousa, quando se foi desta terra, deixou determinado a Pero de Góis e a Ruy Pinto que levassem a guerra a esse gentil carijó, que vagava ao sul, guerra que eles, entretanto não fizeram conforme se vê na ata citada. Nessa expedição temerária e infeliz, perdeu Martim Afonso de Sousa um quinto do seu pessoal, 81 homens em 400.

Não fortificou militarmente as feitorias portuguesas estabelecidas por iniciativa particular na costa do Brasil, nem dispunha de meiospara o fazer. Não fundou vilas, nem tinha poderes para as fundar, comoadiante veremos apesar das referências de Pero Lopes de Sousa, tendoapenas nomeado tabeliães e concedido sesmarias de terras, que, evidentemente, nessas feitorias, criaram laços civis com a metrópole.

Durante a sua permanência em S. Vicente, desde 22 de janeiro de 1532 até meados de maio de 1533, onde esteve a esperar recado da expedição de Pedro Lobo, conforme o dizer de Pero Lopes de Sousa, daí fez, provavelmente, partir outras expedições pelo sertão à procura deminas de ouro, conforme narram cronistas espanhóis, com grandes erros cronológicos. O seu intuito foi, a meu ver, descobrir e apossar-se a leste, do ouro que Cortez e Pizarro tinham encontrado a oeste.

Desiludido quanto ao descobrimento de minas, resolveu voltar para Lisboa.A sua presença e a de sua esquadra deram algum movimentoa S. Vicente. Quando partiu de S. Vicente para Lisboa, onde chegou emmeados de agosto de 1533, deixou, segundo dizem, Gonçalo Monteirocomo capitão e substituto10 e aí ficaram, sem dúvida, algumas pessoasda esquadra, conforme estavam autorizadas pela carta régia. Mas não foram muitas.Não teria ele muita gente para deixar, e esta não era povoadora.Da sua esquadra, composta de 5 navios ao partir de Lisboa, segundo oRoteiro, mandou ele as duas caravelas – Rosa e Princesa – sob o comandode Diogo Leite a percorrer a costa norte do Brasil, donde voltaram diretamente para Portugal.A nau capitânia naufragou ao sul, perto das águas do rio daPrata. A 22 de maio de 1532 (R.I.H.G.B., Vol. 24, pág. 67) fez partirpara Lisboa Pero Lopes de Sousa com as naus, (no plural o que querdizer duas pelo menos) pois “gastadas como estavam pelo buzano e agente do mar vencendo todo o soldo sem fazer nenhum serviço a el-rei,comendo os mantimentos da terra”, não seria acertado permanecer nascostas do Brasil. Há referências ao desgarro da nau S. Miguel, sob ocomando de Heitor de Sousa. É verdade que ele apresou três naus francesas e as incorporou à sua esquadra. Dessas três naus uma foi queimada, eoutra foi destinada a João de Sousa para levar a Lisboa ao rei de Portugalnotícias da expedição. Incorporou à sua esquadra uma nau que ia para [Páginas 68, 69, 70 e 71]

dra de circunavegação chegou ao Rio de Janeiro a 13 de dezembro de 1519,aí estacionando treze dias, tendo tido contacto com os indígenas. Pigafetta escreveu que “ficou estranhamente impressionado pelos novos frutos”, que aí viu: os “ananases”, que são parecidos com grandes pinhasredondas e têm gosto muito doce, magnífico, e as “batatas” a que encontrou sabor semelhante ao da castanhaea“cana-de-açúcar”, “a canadoce”.Já em 1519, a cana-de-açúcar era conhecida na costa do Brasil, e,parece, que os selvagens já a apreciavam. É apenas uma reportagem dePigafetta, mas suficiente para mostrar que não seria preciso ir à ilha daMadeira para trazer a São Vicente a cana-de-açúcar (Stefan Zweig – Fernão de Magalhães, trad. de Maria Henriques Oswald, F. K. L. pág. 140, 2ªed. da Livraria Civilização).

Martim Afonso de Sousa e seu irmão Pero Lopes de Sousa, ao que parece, fizeram um contrato com João Venist, Francisco Lobo e Vicente Gonçalves para formação de um engenho para fabricação de açúcar, ato agrícola comercial para o qual os dois Sousa, entraram apenas com as terras, entrada tão vã, como a doação da capitania por D. João III, igual à que os Papas fizeram às nações ibéricas, quando por elas distribuíram o mundo a descobrir. Atribui-se-lhe também a providência de proibir que os colonos subissem ao planalto e que fossem ao campo.

Jordão de Freitas diz que foi esse contrato feito em 1534. Martim Afonso só recebeu o Foral a 6 de outubro de 1534 e a carta de doação em 20 de janeiro de 1535. (H. C. Port. no Brasil, Vol. 3º), mas cita Frei Gaspar da Madre de Deus, como fonte de informação.

Não se compreende o motivo de tal proibição. Evitar que descobrissem o caminho das minas tão cobiçadas? Isso é pueril, pois que redundava apenas na impossibilidade de alargar a conquista do interior, pela ocupação do planalto, “de bons ares e de bons campos”, próprios para produção de mantimentos e criação dos gados, de que o litoral tanto precisava para poder subsistir. Além de pueril, seria contraditório ou incoerente fundar uma povoação no campo, como afirma Pero Lopes, a 9 léguas do mar, e proibir que a esse campo fossem os colonos. [Página 88]

Aliás essa proibição não se encontra em nenhum documento colonial. A provisão expedida por D. Ana Pimentel, mulher e procuradora de Martim Afonso, em 11 de fevereiro de 1544, da qual alguns cronistas deduziram a revogação dessa proibição, a esta não se refere, nem do seu contexto se infere que ela tivesse havido. Ao contrário é nessa provisão que se acha a proibição de ir ao campo no tempo em que os índios andassem em sua santidade (?), dependendo a ida de licença do capitão loco-tenente, licença, da qual sempre prescindiram os colonos para entrar ao sertão.

Os franceses traficavam pau-brasil e papagaios com os indígenasem Cabo Frio, iniciando “um comércio que ia tomando pé”. Por motivodas guerras religiosas na França, alguns deles vieram fundar na baía deGuanabara, no Rio de Janeiro, a França Antártica, apossando-se do território que o rei de Portugal considerava seu, segundo o Tratado de Tordesilhas e que doara a Martim Afonso; fizeram o forte Coligny, deram onome de Villegaignon a uma ilha, tentaram fundar a cidade de Henriville,estabelecendo a religião reformada calvinista, tudo dentro da donatariade Martim Afonso, pois que a Capitania de São Vicente começava a 13léguas ao norte de Cabo Frio. Martim Afonso, valente e destemido soldado português, católico, donatário da capitania por mercê de D. JoãoIII, não tomou uma decisão, não deu uma ordem, não disse uma palavra, não fez um gesto sequer para auxiliar seu rei, para defender a sua fé,para conservar as suas terras. Pelo menos os cronistas, sempre reverentes eas crônicas locais sempre generosas para com ele, nada dizem a respeito. [Página 89]

VOLTANDO do sul, onde fora até o rio da Prata, e depois de aportar em Cananéia, a esquadra de Martim Afonso de Sousa só chegou a S.Vicente, a 22 de janeiro de 1532, onde a todos

“pareceu tão bem esta terra que o Capitão I determinou de apovoar e deu a todos os homens terras para fazerem fazendas; e fez umavila na ilha de S. Vicente e outra a nove léguas dentro pelo sertão a borda de um rio que se chama Piratininga; e repartiu a gente nestas duas vilase fez nelas oficiais, e pôs tudo em boa ordem de justiça, de que a gente tomou muita consolação com verem povoar vilas e ter leis e sacrifícios e celebrar matrimônios, e viverem em comunicação das artes; e ser cada um senhor de seu; e vestir as injurias particulares e ter todos os outros bens davida segura e conversável”.

São palavras de Pero Lopes de Sousa, no seu Roteiro, relatandoa expedição exploradora de 1530 a 1532.São palavras de encantadora simplicidade e quase bíblicas. Averdade é, entretanto, que, quando chegou a S. Vicente em 1532, Martim Afonso de Sousa já lhe achou o nome e já aí encontrou moradores estabelecidos.Nesse tempo, S. Vicente já era um porto conhecido, com lugarmarcado nos rudimentares mapas da época, uma espécie de pequena feitoria portuguesa, de iniciativa particular, visitada por esquadras para o tráfico de escravos, onde se forneciam vitualhas necessárias à navegação delongo curso, se construíam bergantins e se contratavam línguas da terra.Antes da arribada a S. Vicente, o próprio Pero Lopes de Sousa,no seu Roteiro, por duas vezes a esse porto aludiu, quer na sua ida aoRio da Prata, quer na sua volta de lá, o que mostra a existência do portoe o conhecimento que dele tinha a esquadra (Roteiro R.I.H.G.B., vol. 24,pág. 33 e 63).Nos seus estudos sobre mapas antigos, que se referem ao Brasil,(R.I.H.G.S. Paulo, vol. 7, pág. 227 e segts.), Orville Derby observa que noAtlas de Kurstman já se encontram dois que mencionam os nomes “Rio S.Vicente”e“Porto de S. Vicente”, depois da ilha de S. Sebastião e antes deCananéia, na mesma latitude de S. Vicente atual. Ensina Orville Derby que“a data dos mapas de Kurstman é certamente posterior a setembrode 1502, quando a Lisboa chegou à informação neles representada; masprovavelmente anterior a junho de 1504 quando chegaram notícias quetornaram tristemente célebre a ilha de Fernando de Noronha, que não seacha neles representada”.Comandando uma expedição, partida de Corunha cm 1526,com o fim de explorar o Rio da Prata, Diogo Garcia chegou a S. Vicente a15 de janeiro de 1527 – cinco anos antes de Martim Afonso – e, narrouter encontrado o bacharel e seus genros, aí moradores mucho tiempo haque ha bien 30 años. Deles comprou um bergantim, se abasteceu de água,lenha e todo o necessário para a viagem, contratou um dos genros porlíngua (intérprete) até o Rio da Prata.De acordo com todos os seus oficiais, contadores e tesoureiros,fez com esse bacharel e seus genros um contrato para transportar nosseus navios, quando de volta, 800 escravos para a Europa.1 “Nesse porto [Páginas 93 e 94]

A outra vila, feita a nove léguas do litoral para o sertão, à borda de um rio que se chamava Piratininga, mencionada por Pero Lopes de Sousa, nem sequer se lhe indicou o nome, nem foi ela posta sob invocação religiosa, numa época em que o intenso fervor católico dava nome de “santos” a todos os acidentes geográficos do litoral e do interior nos descobrimentos feitos.

Apesar de investigações cuidadosas e de minuciosos exames locais, até agora não se sabe onde tal vila foi situada, ou mesmo se foi situada; o rio Piratininga jamais foi identificado, e com esse nome talvez não tivesse existido rio algum.

Piratininga (nenhuma etimologia satisfatória para essa palavra), era uma região situada no planalto. A Câmara da Vila de S. Paulo, que às vezes se denominava “S. Paulo do Campo”, “S. Paulo de Piratininga”, “S. Paulo do Campo de Piratininga”, concedeu datas de terras em “Piratininga, termo desta vila” no “caminho de Piratininga”, “indo para Piratininga”, “no caminho que desta vila vai para Piratininga” etc. (Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 3.º, pág. 168, Registro Geral, vol. 1.º, págs. 10, 72, 88, 98, 100, 108, 129, 283).

“Índios de Piratininga”, qualificam as sesmarias de terras concedidas aos índios de Pinheiros e aos de S. Miguel de Ururaí, por Jerônimo Leitão em 12 de outubro de 1580 (Reg. Geral, vol. 1º, pág. 354), o que não deixa a menor dúvida que Piratininga estendia-se desde Carapicuíba, incluindo Pinheiros, até Ururaí. Piratininga era, pois, uma vasta região do campo vagamente indicada no planalto.

É por isso que, em Piratininga, sem que se fizesse menção da qualidade de vila, como era de uso nesses documentos, foi concedida à sesmaria de Pero de Góis, sendo a respectiva posse dada alguns dias depois na ilha de S. Vicente. Martim Afonso teria nessa ocasião chegado até a morada, a povoação de João Ramalho, pela vereda de índios que, então, ligava o planalto ao litoral. Aí nessa zona, nos campos de Piratininga, vizinhos da sesmaria de Ururaí, por Jaguaporecuba, não se sabe bem onde, já afeiçoado aos costumes da terra, João Ramalho vivia maritalmente com filhas de morubixabas, tendo numerosa descendência e dispondo de grande influência sobre Tibiriçá e outros.

Martim Afonso, quando de S. Vicente subiu ao Planalto, reconheceu talvez que a povoação de João Ramalho constituiria um posto avançado de importância no caminho, que por ela passava, trilhado pelos índios, e que ia até o Paraguai, onde se imaginavam situadas as fabulosas minas que ele procurava, pelo sertão adentro, desde o Rio de Janeiro e de Cananéia. Por esse caminho transitaria mais tarde Ulrico Schmidt.

Foi a pretensa vila a que se referiu a complacência de Pero Lopes, foi o lugar que Martim Afonso primeiro povoou segundo se escreveu mais tarde. [“Na capitania de São Vicente”. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Páginas 101 e 102]

ele os reuniu e os ajuntou para, aproveitando todas as povoações dessecampo, formar uma vila.

O seu silêncio a respeito mostra que a vila, que se diz feita em 1532, por Martim Afonso, não existiu, ou já não existia em 1553. Aliás o abandono, a extinção, a mudança de sedes de vilas, nos primeiros tempos coloniais, foi fato vulgar. A própria vila que o Governador-Geral acrescentou, a Bertioga, conforme escreveu, também desapareceu; e damesma maneira, mais tarde, desapareceriam as que D. Francisco de Sousacriou – Cahativa, Monserrate – junto a lugares, onde se esperava querica fosse a exploração de minas.

Tomé de Sousa não iria acrescentar mais uma vila no campo,se outra próxima já aí existisse, ele que achava demais duas na ilha de S.Vicente, nem ousaria suprimir uma existente, e substituí-la por outra, eleque “houve medo” de desfazer uma vila a Martim Afonso – a de S.Vicente – por se achar perto da de Santos. Entendeu ele e ordenou outravila, no começo do campo de S. Vicente com os moradores que aí estavam espalhados, que chamou Santo André. São palavras textuais na carta,cujo trecho transcrevi.Alguns historiadores e cronistas brasileiros, de incontestávelautoridade, levaram muitos dos seus continuadores a concluir que JoãoRamalho fundara uma vila, a vila de Piratininga, povoação em que estava,onde primeiro Martim Afonso povoou, depois chamada Santo André daBorda do Campo, da qual mais tarde se fez São Paulo do Campo dePiratininga. Não está aí a verdade.

Nessa carta de 1º de junho de 1553, Tomé de Sousa informouao rei – e da veracidade dessa informação não se pode duvidar – que nocomeço do campo, na Capitania de S. Vicente, acrescentara ele uma vilaa Martin Afonso, em lugar onde reunira moradores, que nesse campoestavam espalhados, a fez cercar, deu-lhe o nome de Santo André, porque onde a situou estava uma ermida sob a invocação desse apóstolo edela fez capitão João Ramalho, natural do termo de Coimbra, que Martim Afonso já achou que “na terra quando cá veio”.

Informou ele claramente: “ordenei outra vila no começo do campo desta vila de S. Vicente demoradores que estavam espalhados por ele e os fiz cercar e ajuntar parase poderem aproveitar todas as povoações deste campo”...

Está aí expresso que povoação não era vila, pois que para formar uma vila fez ele ajuntar todas as povoações do campo.

A informação enviada a D. João III é categórica e circunstanciada, designando o lugar em que ele fundou a vila, dando a razão donome e indicando o motivo da criação.Por outro lado, Manuel da Nóbrega, em 1554, diz em cartadirigida a D. João III:“Está principiada uma casa na povoação de S. Vicente onde serecolheram alguns orphãos da terra e filhos do Gentio; e do mar dezléguas, pouco mais ou menos duas léguas de uma povoação de João Ramalho, que se chama Piratinin onde Martin Afonso de Sousa primeiropovoou, ajuntamos todos os que Nosso Senhor quer trazer à sua Egreja,e aqueles que sua palavra e Evangelho engendram pela pregação, e estesde todo deixam seus costumes e se vão extremando dos outros e muita esperança temos de serem verdadeiros filhos da Egreja e vai-se formandoformosa povoação e os filhos destes são os que se doutrinam no colégio deS. Vicente”.3Nessa carta, cujo trecho vai aqui transcrito, diz Manuel daNóbrega que “a dez léguas do mar e a pouco mais ou menos duas léguasda povoação de João Ramalho, que se chanta Piratinian, onde MartimAfonso de Sousa primeiro povoou, ajuntamos todos que N. S. quer trazerà sua Egreja”. Note-se que Tomé de Sousa informa que Martim Afonsojá achou João Ramalho quando cá veio.O lugar, em que morava João Ramalho, era, pois, uma povoaçãoe não uma vila, como se vê, e aí Martim Afonso primeiro povoou, querdizer, aí esteve, e, aí, passou a sesmaria de Pero Góis, talvez aí deixassealguns homens de sua esquadra. [Páginas 109 e 110]

Em 1553, a vila de Santo André já havia sido criada4porTomé de Sousa e instalada por Antônio de Oliveira em nome do donatário com a presença do provedor Brás Cubas.Manuel da Nóbrega viera ao sul em companhia do Governador Tomé de Sousa, autoridade que ele muito considerava, e cujos atosadministrativos não podia ignorar na insignificante capitania de S. Vicente. Entre esses atos estava a fundação de Santo André. Portanto, em1554, se o Padre Manuel da Nóbrega quisesse marcar a distância que havia entre a formosa povoação, em Piratinim, que se ia fazendo e essavila de Santo André, escreveria que “a sua formosa povoação estava aduas léguas de Santo André”; e, entretanto, escreveu que ela estava aduas léguas da povoação de João Ramalho.Em outra carta escrita em 1556,5 em que informou que a

“formosa povoação” estava em bom sítio, posto o melhor da terra,de toda a abastança que na terra pode haver, em meio de muitas povoações de índios – e perto da vila de Santo André, que é de cristãos e todosos cristãos desejariam ali viver, si lhes dessem licença, ali foi a primeirapovoação de cristãos que nesta terra houve em tempo de Martim Afonsode Sousa (Cartas Jesuíticas, vol. 1º, pág. 154)”.

O anotador dessa carta no volume 1º pág. 155, das Cartas Jesuíticas, diz que ela foiescrita em 1556, de Piratininga. Esta anotação não está certa quanto ao lugar –Piratininga – o que é fácil de se verificar. Nóbrega escreve nesta “capitania de SãoVicente”, onde ele se encontrava e onde estavam situadas a vila de S. Vicente e acasa de Piratininga; mas por duas vezes e escreva nesta vila de S. Vicente e porvezes se refere àquela casa de Piratininga. Esta é um demonstrativo que indicaproximidade ou presença, e aquela é outro demonstrativo que indica distância,afastamento do lugar em que se está. Portanto, Manuel da Nóbrega dizendo nestavila de S. Vicente estava em S. Vicente, e referindo-se àquela casa de S. Paulo dePiratininga, mostra que nela não se achava. Ainda, referindo-se a Piratininga,emprega o advérbio ali, que também mostra distância, e não aqui se estivesse emS. Vicente, como estava.Essa carta trata principalmente “de indagar se aquela casa de Piratininga devia serpara meninos, ao que aos padres não parecia bem, mas se assim o quisesse o rei fazer,deveria a sentença pertencer-lhe, ficando aos jesuítas somente a direção espiritual;ou, então, se devia ela ser colégio da Companhia, o que seria melhor para o rei.O que é interessante de fazer notar é que em 1556, ainda os padres da Companhianão sabiam se aí se faria casa ou colégio. [Página 111]

Nesta outra carta de 1556 já se refere ele, e por duas vezes, àvila de Santo André, e afirma que ela era de cristãos; não diz, porém,que fosse ela criada por Martim Afonso; diz que foi a primeira povoação de cristãos que houve em tempo de Martim Afonso, que são coisasdiferentes. A povoação de João Ramalho já existia antes da vinda deMartim Afonso de Sousa, e a vila de Santo André foi criada em 1553,depois de sua vinda. É lógico, pois, concluir-se que a formosa povoaçãode S. Paulo, que se ia fazendo em 1554, e que já estava feita em 1556,ficava situada a duas léguas da povoação de João Ramalho e perto deSanto André, demonstrando conseqüentemente a existência destes doislugares. Como já fiz notar, Piratininga indicava vasta região no campo,no planalto. Não era uma povoação e muito menos uma vila.Veja-se que, nas suas cartas aos seus superiores, os primeirosjesuítas designam como de Piratininga a casa e a igreja que nesse planalto haviam estabelecido, e de Piratininga são elas datadas. Só mais tarde onome de S. Paulo obscureceu o de Piratininga.

Por provisão expedida a 12 de outubro de 1580, o Capitão-mor Jerônimo Leitão, concedeu, como já se disse, uma sesmaria de terras de seis léguas em quadra, aos índios da aldeia de S. Miguel de Ururaí ao longo do rio Ururaí “começando onde acabam as terras que se deram a João Ramalho e a Antônio de Macedo” (a João Ramalho e a seus filhos, esta informação é assim repetida na provisão), e que dizem que era até onde chamam Jaguaporecuba.

É evidente, pois, que as terras de João Ramalho e de seus filhoseram limitadas em certa parte pela sesmaria dos índios da aldeia de S.Miguel, no lugar onde chamavam Jaguaporecuba (Registro Geral, Volume1º, Pág. 354).

A Capelinha de S. Miguel de Ururaí ainda existe e é bem conhecida em S. Paulo pela sua antiguidade, tendo sido restaurada por diversas vezes; está situada além da Penha, na estrada de rodagem que passando por Mogi das Cruzes vai à Capital Federal, chamada Rodovia Rio–São Paulo. Ficava essa capelinha na aldeia de S. Miguel, então no velho caminho do mar, vereda de índios, que se desenvolvia no vale acidentado do rio Mogi. Foi por ele que Martim Afonso subiu ao planalto em 1532, visto que então não havia outro. [“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Página 112]

NA OCASIÃO em que Tomé de Sousa percorreu a costasul do Brasil, em 1553, em inspeção às capitanias, que constituíam seugoverno geral, veio, como se sabe, em sua companhia o Padre Manuelda Nóbrega.O superior dos jesuítas nas terras do Brasil, em visita às casase colégios fundados para cristianização dos indígenas, esteve na vila deS. Vicente, depois também subiu ao planalto. Esse planalto já era conhecido. A ele viera, em 1532, Martim Afonso de Sousa; nele, antes dessavinda, já habitava João Ramalho com a sua numerosa tribo; nele já haviaalguns portugueses, que se comunicavam com S. Vicente por veredas deíndios; nele também esteve Manuel da Nóbrega1 e, antes dele LeonardoNunes. Nele, de bom ares e com facilidades de culturas, resolveu Manuelda Nóbrega estabelecer um ponto para irradiação da catequese religiosados aborígines. Com outros padres e irmãos da Companhia de Jesus, aele subiu e, numa povoação de índios, que chamavam Piratininga, foiconstruída “uma paupérrima e estreita casinha, tendo 14 passos de comprimento e 10 de largura, feita de barro e coberta de palha, que serviu ao mesmo tempo de escola, dormitório e refeitório, enfermaria e cozinha e despensa”, “separada da convivência dos portugueses”.2Procuraram os jesuítas reunir no planalto o gentio acolhedor,fazer uma casa religiosa e construir uma igreja, distante, entretanto, dapovoação de João Ramalho. Por mais tosca e rudimentar que fosse acasa, algum tempo demandaria a construção delas. Da mesma formapor mais acolhedor que tivesse sido o gentio, volúvel e inconstante,sempre seria necessário tempo para o reunir e induzi-lo a permanecerem determinado lugar. É o próprio Padre Manuel da Nóbrega que expõe o seu árduo trabalho, realizado no ano anterior de 1553, como se lêna sua carta de 31 de agosto de 1553 (Serafim Leite, Páginas de História,pág. 92) a fim de que com os demais padres e irmãos pudesse o PadreManuel de Paiva celebrar missa aí, onde já se achava Tibiriçá e sua gente,no dia 25 de janeiro de 1554, dia consagrado à conversão de S. Paulo epor isso a pequenina casa tomou o nome desse apóstolo.Manuel da Nóbrega era o superior dos jesuítas em S. Vicente,no Brasil; e, na ocasião dessa missa, José de Anchieta tinha 19 anos, 9meses e 18 dias de idade3 e não era ainda sacerdote, sendo apenas irmãoda Companhia, tendo-se ordenado posteriormente na Bahia em 1566(Charles Sainte Foy – Vida de José de Anchieta, págs. 1, 26, 52). Pela regrada Companhia, cujo voto de obediência era rigoroso, só o superior, sóManuel da Nóbrega, escolheria o lugar para a fundação da Igreja de S.Paulo, e, pelas leis da Igreja, só um sacerdote poderia celebrar missa.A missa de 25 de janeiro não poderia, pois, ser dita porAnchieta, embora a ela estivesse presente, nem a igreja poderia ter sidopor ele fundada.E, porque tal dia se escolheu para isso, “é Piratininga, comoacima se disse, se começou de ”propósito” a conversão do Brasil” (Inf.do Brasil R.I.H.G.B., vol. 6º, pág. 430).Santo André ficara situada à borda do campo, o que vale dizerà borda da mata, isto é, onde acabava a mata, que cobre a encosta da Serra, e onde começa o campo onde se situou S. Paulo do Campo de Piratininga. Ficava aquela vila mais sujeita aos ataques dos índios inimigos,que acobertados com a mata atacavam com surpresa e perfídia, o quetornava muito mais difícil a sua defesa.A casa e a igreja de S. Paulo ficavam no meio de camposabertos e largos, que permitiam os seus habitantes divisar o inimigo aolonge e assim opor-lhe defesa mais pronta e eficaz. Nesses campos de“bons ares e de boas águas” cultivavam-se cereais e frutas, se apascentava gado, com os quais se abasteciam a própria povoação, a vila de Santos e a de S. Vicente, coisas indispensáveis ao litoral, e para as quais ascondições de Santo André não consentiam facilidades. Essa era a obrados colonos.

Santo André possuía ermida, mas não tinha pároco, só recebendo socorros espirituais idos de S. Paulo, com grande prejuízo para a religião. As duas povoações, por assim dizer contemporâneas, como núcleos urbanos, se equivaliam; a manutenção das duas dispersava esforços e atividades, cuja reunião era indispensável nessa época inicial de conquistas material e espiritual, de povoamento e catequese.

Essas razões – que tinham em vista a defesa e a segurança, e que também eram de ordem econômica, social e espiritual – levaram a Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil, estando em S. Vicente, em 1560, atendendo os pedidos dos padres da Companhia de Jesus e os dos próprios moradores de Santo André, a mudar a sede dessa vila para junto da casa e igreja de S. Paulo edificadas estas na colina entre os ribeirões Tamanduateí e Anhangabaú, próximas às choças de Tibiriçá, ambas dentro do termo da vila de Santo André.

Az. Marques, Cronologia, informa que Mem de Sá chegou a S. Vicente a 31 de março de 1560, e aí esteve cerca de sete meses ou mais, o que autoriza a dizer que a mudança foi feita depois de março e antes de findar esse ano de 1560. [Páginas 133, 134 e 135]

Em 1560 foi também usado, por ordem de Mem de Sá, um outro caminho entre o planalto e o litoral, mais para oeste, a fim de evitar os ataques dos tamoios. Por essa forma, “para melhor serviço de Deus e de el-rei, nosso senhor”, que nesse tempo tudo decidia, concentrou o Governador Geral mais uma vez, os moradores do planalto em um ponto mais avançado no sertão, alargando a posse portuguesa. Documentos autênticos provam que não houve um pedido único nem uma só razão para a transferência de sede da vila.

Essas duas veredas, ordinaríssimas, mal traçavam o trânsito entre o planalto e o Cubatão. Esta última ficou conhecida sob o nome de Caminho do Padre José, não se sabe desde que data e por que razão, talvez por ser freqüentada por Anchieta. Em 1560 José de Anchieta era apenas irmão da Companhia de Jesus, só tendo tomado ordens sacerdotais em 1566, na Bahia (Serafim Leite, História da Companhia de Jesus, Vol. 1º, pág. 29, Nota 2).

Nem ele tinha poderes, nem a Companhia de Jesus, nessa época, tinha posses para construção de caminhos por piores que fossem. José de Anchieta “subia por esse caminho” (Documentos Interessantes, Vol. 29, pág. 112).

É o que diz a Memória de Melo e Castro aqui citado. Foi uma preocupação constante, e com muita razão, da gente do planalto em manter a comunicação com o litoral. Desde as mais remotas vereanças da vila de Santo André (Atas, pág. 15), através das atas da Câmara de S. Paulo, continuamente se fala e se recomenda e se insta pela conservação do caminho do mar.

Este caminho nos primeiros tempos, e por muito tempo, foi uma vereda de índios pela serra de Paranapiacaba, (porque da ilha de S. Vicente até ao pé da serra se viajava por água) e daí para a vila de S. Paulo, até à borda do campo, atravessavam-se rios caudalosos. Em 1560 o caminho do mar ainda passava pelo vale do Mogi, pelos sítios de João Ramalho, e por Ururaí, e foi por ele que Martim Afonso subiu até a região de Piratininga.

Depois se fez outro, mais a oeste, que a tradição chamou caminho do Pe. José (Os rios correm para o mar) e que por ordem de Mem de Sé começou a servir ao tráfego entre o planalto e o litoral. O primeiro chamou-se o caminho velho do mar. Pelo caminho novo, era proibida a passagem de boiadas, visto o estrago que causavam. Ambos eram péssimos; do alto da serra até ao campo havia atoleiros causados pelas inundações dos rios Grande e Pequeno; do alto da serra para baixo eram aspérrimos e apenas indicados pelos cortes das árvores.

Depois, no fim do século 18, Bernardo José de Lorena mandou fazer uma estrada, em ziguezague na descida, que se chamou a “Calçada do Lorena”. A Câmara de S. Paulo, todos capitães-generais, todos os viajantes descrevem o caminho novo como temeroso. Todas as administrações, conforme as suas posses, fizeram esforços para melhorá-lo. O Capitão General Antônio de Melo e Castro, em 1799, fez uma memória sobre esse caminho que se pode ler nos Documentos Interessantes, Vol. 29, pág. 112 e seguintes, publicados pelo Arquivo do Estado.

Comprova-o uma carta de 20 de maio de 1561 à rainha D. Catarina, regente de Portugal durante a menoridade de D. Sebastião, assinada por Jorge Moreira e Joanes Annes, oficiais que foram da Câmara de Santo André e depois da de S. Paulo, na qual escreveu:

este ano de 1560 veio a esta capitania Mem de Sá, governador Geral, e mandou que a vila de Santo André, em que antes estávamos, se passasse para junto da casa de S. Paulo, que é dos padres de Jesus, porque nós todos lh’o pedimos por uma petição, assim por ser o lugar mais forte e mais defensável assim dos contrários como dos nossos índios, como por muitas causas que a ele se movera”.

(Cândido Mendes de Almeida, R.I.H.G.B., vol. 40, 2ª parte,pág. 349 – Serafim Leite, Páginas de História do Brasil, pág. 87. Ambas essas citações se fundam na História do Brasil, de Ad. Varnhagen, vol. 1º,pág. 290, 2ª. ed. que por sua vez cita a Carta de Piratininga a 20 de maiode 1561).

Comprova-o a vereança de 12 de maio de 1564 (Atas de S. Paulo, vol. 1º, pág. 42) na qual a Câmara de S. Paulo fez registrar um requerimento dirigido a Estácio de Sá, então com sua esquadra no porto de S. Vicente, onde viera buscar reforço,

primeiramente lembramos em como esta vila de S. Paulo sendo há tantos anos edificada doze léguas pela terra adentro, agora faz quatro anos que a esta capitania veio o Governador Mem de Sá e por lhe ser requerido pelo povo de S. Vicente, Santos e Padres da Companhia de que as provesse e fortalecesse esta vila, ele o fez com o despovoamento da vila de Santo André recolhendo os moradores para viver nesta dita vila”. “A capitania de S. Vicente estava entre duas gerações de gente inimiga de várias qualidades e forças, que em toda a costa do Brasil há, como são os tamoios e os tupiniquins”.São, pois, expressos os documentos profanos em atribuir a Mem de Sá a mudança, em 1560, da sede da vila de Santo André para junto da Casa Jesuítica de São Paulo. Com eles concordam os documentos jesuíticos.

Em a carta de 12 de junho de 1561, José de Anchieta, (Cartas,vol. 3º, pág. 170) relata ao Padre Geral dos Jesuítas, Diogo Laynez, queuma povoação, que estava três léguas apartada, se mudou para Piratiningapor mandado do Governador e por instâncias dos padres. [Páginas 136 e 137]

São Paulo, com a força de um destino, transmudou os vicentinose os forasteiros em paulistas e o nome de S. Paulo, numa igrejinha empequeníssimo povoado, passou para a vila, passou depois para a cidade,passou para a capitania e mais tarde para todo o território sertanejo, desde as altas e recônditas cabeceiras dos regatos, que afluem para o Paraguai e para o Paraná até formar o rio da Prata, como passou até para onorte, até as que constituem a bacia sul do Amazonas e para a bacia doSão Francisco, no sertão.Oficialmente ainda havia a capitania de S. Vicente, mas já é deSão Paulo que se fala. Ainda havia a capitania de S. Vicente e todos osseus habitantes já se chamavam paulistas e trilhavam terras desconhecidas, como os seus antepassados europeus navegaram mares tenebrosos.Sem dúvida alguma a 25 de janeiro de 1554, numa tosca casinha de 14 passos de comprimento por 10 de largura, na colina entre oTamanduateí e o Anhangabaú, foi celebrada uma missa. Mas essa datanão marca também a primeira missa celebrada no planalto de Piratininga.Missionando, desde fins de 1549 ou princípios de 1550, o Padre Leonardo Nunes percorrera esse planalto,eoPadre Manuel da Nóbrega,em catequese, também aí estivera, em 1553 e demoradamente. Segundoos preceitos da Igreja Católica os padres devem diariamente celebrarmissas, sempre que possível. Os Padres Manuel da Nóbrega e LeonardoNunes, já aí haviam dito missas, visto que aí, nos campos, já havia a ermida de Santo André, desde antes de junho de 1553, conforme Toméde Sousa informou a D. João III.Mas, a 25 de janeiro de 1554, dia consagrado à conversão deSão Paulo, o apóstolo do gentio, foi celebrada outra missa no planalto.Outro passo para conversão do gentio do interior sul-americano e paradevassamento e posse do seu território.A data de 25 de janeiro de 1554 só marcaria, pois, os aniversários, os centenários da missa celebrada nos campos de Piratininga pelosjesuítas, se aí não estivessem também os colonos portugueses, os índiose as índias e seus descendentes, os mamelucos e, ainda mais, os representantes da administração portuguesa na capitania de S. Vicente, portanto do rei, todos concorrendo, sem o suspeitar talvez ou pelo menosem sua maior parte, que estavam iniciando com a catequese religiosa,com o trabalho civilizador, com o cruzamento das raças, com as entra [Página 140]

ele os reuniu e os ajuntou para, aproveitando todas as povoações dessecampo, formar uma vila.O seu silêncio a respeito mostra que a vila, que se diz feita em1532, por Martim Afonso, não existiu, ou já não existia em 1553. Aliás oabandono, a extinção, a mudança de sedes de vilas, nos primeiros tempos coloniais, foi fato vulgar. A própria vila que o Governador-Geralacrescentou, a Bertioga, conforme escreveu, também desapareceu; e damesma maneira, mais tarde, desapareceriam as que D. Francisco de Sousacriou – Cahativa, Monserrate – junto a lugares, onde se esperava querica fosse a exploração de minas.Tomé de Sousa não iria acrescentar mais uma vila no campo,se outra próxima já aí existisse, ele que achava demais duas na ilha de S.Vicente, nem ousaria suprimir uma existente, e substituí-la por outra, eleque “houve medo” de desfazer uma vila a Martim Afonso – a de S.Vicente – por se achar perto da de Santos. Entendeu ele e ordenou outravila, no começo do campo de S. Vicente com os moradores que aí estavam espalhados, que chamou Santo André. São palavras textuais na carta,cujo trecho transcrevi.Alguns historiadores e cronistas brasileiros, de incontestávelautoridade, levaram muitos dos seus continuadores a concluir que JoãoRamalho fundara uma vila, a vila de Piratininga, povoação em que estava,onde primeiro Martim Afonso povoou, depois chamada Santo André daBorda do Campo, da qual mais tarde se fez São Paulo do Campo dePiratininga. Não está aí a verdade.Nessa carta de 1º de junho de 1553, Tomé de Sousa informouao rei – e da veracidade dessa informação não se pode duvidar – que nocomeço do campo, na Capitania de S. Vicente, acrescentara ele uma vilaa Martin Afonso, em lugar onde reunira moradores, que nesse campoestavam espalhados, a fez cercar, deu-lhe o nome de Santo André, porque onde a situou estava uma ermida sob a invocação desse apóstolo edela fez capitão João Ramalho, natural do termo de Coimbra, que Martim Afonso já achou que “na terra quando cá veio”.Informou ele claramente:

Quando um bando se tornava numeroso, dele se destacavamoutros bandos, mais audaciosos, como fazem as abelhas nas colméias,ou eram pelos outros empurrados para constituir outros agrupamentos,cuja formação tornava-os logo inimigos uns dos outros.Esses bandos não tinham propriamente nomes, designavam-se uns aos outros por apelidos depreciativos, ou pelas relações deparentesco, que antes os haviam ligado. Assim uns eram tamoios – osmais velhos, os avós, outros eram temiminós – os descendentes – algunseram tupiniquins, os colaterais, os que estavam ao lado, segundo a etimologia sempre discutível e sempre variável dos nossos indianistas. Algunseram conhecidos pelos nomes de seus morubixabas, como os Maracajás.Ainda outros eram designados pelos seus característicos físicos como osbiobebas ou pés largos, ou pelas armas primitivas que usavam, como osibirajaras ou bilreiros, ou ainda por designações pejorativas, que lhes davam os inimigos, como os tapuias. Foram os catequistas e os colonizadores que lhes fixaram os nomes, seguindo essas designações, ou formando-os pela composição na língua rudimentar de que eles se utilizavam.Nas terras, que constituíram a Capitania de S. Vicente e nas dezléguas encravadas da Capitania de Santo Amaro – exclusivo fim deste estudo – pode-se dizer que, nos primeiros tempos do descobrimento ou dacolonização, havia a leste os tamoios, também chamados tupinambás, queforam os amigos ou aliados dos franceses e sempre inimigos dos portugueses; ao sul e a sudoeste havia os carijós, quase sempre também inimigos dos portugueses. Na costa, ao porto de S. Vicente nos campos de Piratininga, no vale do Tietê, estavam os tupiniquins e para o norte e nordeste os tupinaês, os biobebas, os temiminós escorraçados das terras dacapitania do Espírito Santo. No vale do Paraíba e nas suas cercanias, alémdos tamoios, havia também guaianases, que vinham também ao campo eque se distinguiam em guaianases do campo e guaianases do mato. É possível que estes tivessem habitado a ilha de S. Vicente nos princípios do século XVI. Os mapas antigos trazem o nome de Guaianas na ilha de S.Vicente.Na serra, hoje denominada Itapeti, estiveram os Guaruminisou Maruminis, os Guarulhos, tudo isso, e principalmente estes, porém,como ilhotas erráticas vagando nas ondas do mar. São esses os nomesdas tribos encontrados nos documentos locais. [Página 142]

Quando um bando se tornava numeroso, dele se destacavamoutros bandos, mais audaciosos, como fazem as abelhas nas colméias,ou eram pelos outros empurrados para constituir outros agrupamentos,cuja formação tornava-os logo inimigos uns dos outros.Esses bandos não tinham propriamente nomes, designavam-se uns aos outros por apelidos depreciativos, ou pelas relações deparentesco, que antes os haviam ligado. Assim uns eram tamoios – osmais velhos, os avós, outros eram temiminós – os descendentes – algunseram tupiniquins, os colaterais, os que estavam ao lado, segundo a etimologia sempre discutível e sempre variável dos nossos indianistas. Algunseram conhecidos pelos nomes de seus morubixabas, como os Maracajás.Ainda outros eram designados pelos seus característicos físicos como osbiobebas ou pés largos, ou pelas armas primitivas que usavam, como osibirajaras ou bilreiros, ou ainda por designações pejorativas, que lhes davam os inimigos, como os tapuias. Foram os catequistas e os colonizadores que lhes fixaram os nomes, seguindo essas designações, ou formando-os pela composição na língua rudimentar de que eles se utilizavam.Nas terras, que constituíram a Capitania de S. Vicente e nas dezléguas encravadas da Capitania de Santo Amaro – exclusivo fim deste estudo – pode-se dizer que, nos primeiros tempos do descobrimento ou dacolonização, havia a leste os tamoios, também chamados tupinambás, queforam os amigos ou aliados dos franceses e sempre inimigos dos portugueses; ao sul e a sudoeste havia os carijós, quase sempre também inimigos dos portugueses. Na costa, ao porto de S. Vicente nos campos de Piratininga, no vale do Tietê, estavam os tupiniquins e para o norte e nordeste os tupinaês, os biobebas, os temiminós escorraçados das terras dacapitania do Espírito Santo. No vale do Paraíba e nas suas cercanias, alémdos tamoios, havia também guaianases, que vinham também ao campo eque se distinguiam em guaianases do campo e guaianases do mato. É possível que estes tivessem habitado a ilha de S. Vicente nos princípios do século XVI. Os mapas antigos trazem o nome de Guaianas na ilha de S.Vicente.Na serra, hoje denominada Itapeti, estiveram os Guaruminisou Maruminis, os Guarulhos, tudo isso, e principalmente estes, porém,como ilhotas erráticas vagando nas ondas do mar. São esses os nomesdas tribos encontrados nos documentos locais. [Página 146]

Ele era português; mas qual a sua terra de origem?Pedro Taques afirma que ele veio de Barcellos, comarca deViseu. Tomé de Sousa, na sua já referida carta de 1º de junho de 1553(Hist. da Col. Port. no Brasil, vol. 3º, pág. 364) relata que ele era natural dotermo de Coimbra.Alguns indicam Vouzelas ou Boucelas como o lugar de seunascimento.João Ramalho não deu informações precisas sobre a terra deseu berço. Dela veio estando casado com mulher, que lá deixou e daqual nunca mais teve notícia, supondo-a morta, quarenta anos depois. OPadre Manuel da Nóbrega, na carta de 31 de agosto de 1553 ao PadreLuís Gonçalves da Câmara, diz que João Ramalho era parente do PadreManuel de Paiva, o celebrante da missa no planalto, a 25 de janeiro de1554. (Páginas de História do Brasil, pelo Padre Serafim Leite, págs. 92 a94).Não estará longe da verdade quem disser que João Ramalhofazia parte da feitoria, estabelecida por iniciativa particular no porto deS. Vicente, e, sem perder o contacto com essa feitoria, estabeleceu-se noplanalto.Morou em lugar chamado Jaguaporecuba, próximo a Ururaí,como se vai ver.Na carta de sesmaria, concedida por Jerônimo Leitão aos índios de Piratininga em 1580 (Registro Geral, vol. 1º, pág. 354) escreve-se apalavra Jaguaporecuba cuja penúltima sílaba está roída por traças. Masno mesmo 1º volume desse Registro, pág. 150, se encontra a transcriçãoda provisão em que João Soares, em 1607, é nomeado capitão-mor dosíndios da aldeia de Guarapiranga, da aldeia-nova de Guanga e de Jaguaporecuba.Por outro lado, no inventário de Francisco Ramalho, casadocom a índia Justina, inventário iniciado a 7 de novembro de 1618 (vol.5º, pág. 255) há uma declaração de Francisco Ramalho, em que este, em1604, se obriga .....“a levar e a sustentar a sua custa até minha casa, que éna aldeia de Guanga” .... [Página 162]

Este Francisco Ramalho, segundo os genealogistas, era filho ou neto de João Ramalho, em todo o caso era deste descendente. A Aldeia de Guanga, do que se depreende da nomeação de João Soares, estaria, talvez, próxima a Jaguaporecuba, onde morava a descendência de João Ramalho. Como quer que seja, houve em S. Paulo, além de outras, as aldeias de Guanga e de Jaguaporecuba cuja palavra “Jaguaporecuba” é completada pela menção na sesmaria, concedida por Jerônimo Leitão aos índios de Piratininga, e que ia desde Carapicuíba a Ururaí, ficando esta no único caminho, do planalto para o litoral, que então havia.

As terras dos índios de Ururaí confrontavam com as de JoãoRamalho, onde chamavam Jaguaporecuba, pelo menos na época da concessão feita por Jerônimo Leitão. Assim se verifica no trabalho de Toledo Rendom.2Parece que ele não morava na vila de Santo André, nem morou na vila de S. Paulo; com a sua numerosa descendência vivia nas suasterras, que possuía antes mesmo que lhe fossem dadas em sesmaria. Eisso se pode deduzir da narração de Schmidl, que, falando no covil deJoão Ramalho, não se refere, à vila de Santo André, já então criada eaclamada.Em 1564, em S. Paulo, quando recusou o cargo de vereador,os seus companheiros de governança vão à casa da Luís Martins, ondeele se achava pousado, insistir pela aceitação do cargo; e, entre outras razões, que ele apresenta para persistir na recusa, dá a de que se achava emterra de contrários dessa vila, dos contrários da Paraíba (Atas da Câmarade São Paulo, vol. 1º, págs. 34 e 37).Ele foi capitão de Santo André e alcaide-mor do campo, queabrangia toda a região de serra acima, por nomeação de Tomé de Sousa.Nesse tempo havia um só caminho, vereda de índios, que comunicava o planalto com o litoral.Por esse caminho Ulrico Schmidl e seus companheiros, emjunho de 1553, vindos por terra de Assunção, no Paraguai e gastandoseis meses, desceram ao porto de S. Vicente. [Página 163]

Em agosto de 1556, Jorge Ferreira, capitão-mor de S. Vicente,em ausência de Brás Cubas, e por ordem de D. Duarte da Costa, nomeiaBaltasar Nunes porteiro e alcaide da vila de Santo André, mas determinaexpressamente que faça o que lhe pelo capitão e alcaide-mor João Ramalho destadita vila e povoação for mandado em prol e serviço de Deus e de el-rei nosso senhor”(Atas de Santo André, pág. 42). Se foi necessário um alcaide e porteiropara Santo André, ficou ele inequivocamente sob as ordens de João Ramalho, capitão-mor da vila e alcaide do campo.Dos moradores da Capitania de S. Vicente, dos homens bons deSanto André foi também alvo de respeito e consideração, que o elegeram vereador da Câmara, apesar de a esse cargo se escusar, sob o fundamento de incompatibilidade com o de alcaide-mor e guarda do campo,que já exercia (Atas de Santo André, pág. 58). Mas afinal aceitou e osexerceu cumulativamente durante o ano de 1557 (Atas de Santo André,págs. 60, 62, 63, 64, 65, 66, 67 e 68). Ainda em 1558 serviu a chamadodos novos eleitos (Idem pág. 72).E não foi na governança um oficial que se limitasse a receberjuramentos ou a impor multas por infrações de posturas. Foi ele um dossignatários, senão o inspirador, da reclamação a Jorge Ferreira, reivindicando imperiosamente direitos de Santo André, e energicamente protestando pela apuração da eleição de oficiais feita na Câmara dessa vila paravigorar em 1557, conforme a jurisdição deixada por Tomé de Sousa e de quefoi metido de posse por Antônio de Oliveira, capitão e Brás Cubas provedor da fazenda real (Atas de Santo André, págs. 57 e 58 fls.).

Não se encontram elementos para afirmar ou para negar que ele tivesse tomado parte na governança da terra nos anos de 1558 a 1561, porque da Câmara, que nesses anos funcionou em Santo André e em S. Paulo, desapareceram os respectivos livros de atas.

Mas em 1562, a 28 de maio, João Colaço, capitão-loco-tenente por Martim Afonso de Sousa, atendendo a que

por vozes e eleição João Ramalho havia sido escolhido para fazer a guerra, que então se esperava, nomeia-o capitão dessa guerra com amplos poderes, como si fosse ele em pessoa, determinando que todas as pessoas lhe obedecessem em tudo que fosse necessário para essa guerra, sob pena de prisão, de multa de vinte cruzados, pagos da cadeia, e de degredo de um ano para a Bertioga, sendo a metade da multa para o acusador e a outra metade para as despesas da guerra. (Atas V. 1º de S. Paulo, págs. 14 e 15)”.

A 24 de junho de 1562, os oficiais da Câmara de S. Paulo Antônio de Mariz, Diogo Vaz, Luís Martins e Jorge Moreira dão a João Ramalho juramento sobre um livro dos santos evangelhos para bem e verdadeiramente servir esse cargo de grande e suma responsabilidade nesse momento crítico (Vide Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 1º, pág. 14 em que estão lavradas a vereança da Câmara e provisão do capitão-loco-tenente).

A Câmara, por sua vez, ordenando o acabamento dos murose baluartes para defesa da vila (Atas, vol. 1º, pág. 16), em 1563 requereua João Ramalho que fosse buscar pólvora (Idem pág. 25), para defesa davila.Foi a época trágica de 1562, em que se revoltaram os índiosamigos, alguns já aldeados, dirigidos pelo próprio irmão de Tibiriçá, aliados aos carijós, que investiram contra a vila de S. Paulo para destruí-la eexterminar os seus habitantes, pondo termo à catequese religiosa e aopovoamento civil, se conseguissem o seu intento (Vide Apontamentos deAz. Marques, na Cronologia desse ano, e cartas de José de Anchieta).Ninguém ignora a ascendência que João Ramalho exercia sobreTibiriçá, por diversas vezes seu sogro e que, por conseqüência, a atitudede João Ramalho teria influído para que o morubixaba se conservassefiel à obra civilizadora, que se realizava em Piratininga. Ninguém atéhoje pôs em dúvida o poderio que ele teve sobre os numerosos selvagens que por aí andavam, mesmo desprezando os exageros de UlricoSchmidl; todos sabem quão grande foi a influência por ele exercida sobre asua numerosa descendência mestiça, aparentada por casamentos com asprincipais pessoas da capitania, e, por conseqüência, o conceito em queera tido pela grande maioria dos moradores, condições essenciais para aeleição e nomeação de capitão para fazer guerra ao gentio volúvel e, então,revoltado.Com um capitão dispondo de tais elementos, e com a superioridade do armamento dos portugueses, a guerra, nesse momento, foi decisivae os indígenas em revolta foram rechaçados e completamente derrotados. [Páginas 166 e 167]

Lopo Dias casou-se com Beatriz Dias (Inv. e Tes., vol. 2.º, pág.113) filha de Tibiriçá, ou neta por João Ramalho. Os linhagistas não estão de acordo sobre se a mulher de Lopo Dias era índia ou meio sangueindígena.De seu casamento houve, pelo menos, dois filhos: SuzanaDias e Belchior Carneiro.Suzana Dias casou-se com Manuel Fernandes Ramos, naturalde Moura, em Portugal.4Netos ou bisnetos de índios, esses Fernandes são conhecidos,entre os cronistas paulistas, como os Fernandes Povoadores.

O outro filho de Lopo Dias e de Isabel Dias, chamou-se Belchior Carneiro, também neto ou bisneto de índia, fez diversas entradas ao sertão e nele morreu, como cabo de bandeira em 1607, entre os Bilreiros (Inv. e Test., vol. 2º, págs. 111 e seguintes), a mandado de Diogo de Quadros, em busca de índios para trabalho em minas de ferro em S.Paulo.

Foi Belchior Carneiro, que sabia ler e escrever, e escrevia bem o seu nome, casado com Hilária Luís Grou, outra mestiça, filha de Domingos Luís Grou, do qual adiante se fala.Em 1608, “por não se achar presente Lopo Dias e por ser muito velho em idade (Inv. e Test., vol. 2.º, págs. 124 e 130) o juiz de órfãos faz curador dos filhos todos menores de Belchior Carneiro, a André Fernandes, deles primo-irmão. O próprio Lopo Dias vem a juízo e confirma a sua velhice em requerimento em que diz:

“pesa-me senhores juízes escusar ser curador de meus netos, filhosde Belchior Carneiro porque não ...5 de o poder ser, assim por minha idade, como por me ter entregue ... padres do Carmo para irmão seu assim podem fazer curador quem lhes parecer e aqui me assigno – 1 de janeiro de 1609. Lopo Dias. (Inv. e Test., vol. 2º, pág. 132).§ 3ºDOMINGOS LUÍS GROUDomingos Luís Grou, da família Annes ou Ianes, de Portugal,veio para o Brasil tentar fortuna, e aqui casou-se com Fulana Guaçu, filha do cacique de Carapicuíba, segundo a Genealogia de Silva Leme (vol. 1,pág. 15).

Um de seus netos, Luís Ianes Grou, no testamento que fez em 21 de outubro de 1628, no arraial de seu tio, Mateus Luís Grou, nas cabeceiras da Ribeira, sertão de Ibiaguira, declarou ter 55 anos e 8 meses de idade, ser filho legítimo de Luís Ianes Grou e de Guiomar Rodrigues, declarando também que numas contas feitas no inventário de sua avó,Maria da Penha... (Inv. e Test., vol. 7, pág. 430).



O inventário de Maria da Penha não foi encontrado no Arquivo do Estado de S. Paulo. Mas os antepassados paternos dos Grou eram de Portugal e lá ficaram, o queme autoriza a afirmar que a avó então referida era a filha do cacique deCarapicuíba, e mulher de seu avô, Domingos Luís Grou, e chamava-se Maria da Penha, nome que, sem dúvida, recebera no batismo.

A verdade é que o primeiro Domingos Luís Grou possuía uma data de terra, que vizinhava com a sesmaria concedida aos índios de Piratininga, junto ao rio Carapicuíba, como reza a provisão de Jerônimo Leitão passada a 12 de outubro de 1582, em S. Vicente, e registrada na Câmara da vila de S. Paulo em 26 de agosto de 1522 (Registro Geral,vol. 1º, págs. 354 a 357).

Citando o Pe. Simão de Vasconcelos, na vida do Pe. José de Anchieta, Antônio de Alcântara Machado (1901-1953) narra que no ano de 1570, dois moradores de S. Paulo “um deles nobre e conhecido por Domingos Luís Grou, ambos casados e ambos com família” tendo cometido um assassinato fugiram com os seus para o sertão, metendo-se de companhia com os bárbaros, que estavam com os nossos em guerra, estimulando-os a que acometessem e pondo em assombro e medo toda a capitania”. Nessa ocasião Anchieta resolveu intervir conjurando o perigo. Obteve dos camaristas “salvo-conduto e perdão daqueles delinqüentes” [Páginas 179 e 180]

e em companhia do Pe. Salvador Rodrigues e do secular Manuel Veloso e de alguns índios desceu o Anhembi. A canoa em que iam, naufragou e o Pe. Anchieta foi salvo por um índio, e o lugar, que era encachoeirado, ficou a chamar-se Abaremanduava que quer dizer “cachoeira do Padre” (Cartas, Jesuíticas, vol. 3º, pág. 554).

É esse sem dúvida o episódio referido pelo Padre Pedro Rodrigues na vida do Padre José de Anchieta (Anais da Biblioteca Nacional, vol. 29, pág. 219) quando conta que “sucedeu que dois homens, de consciências largas e de nome, temendo o castigo de suas grandes culpas, se levantaram e com suas famílias, se foram meter com os gentios inimigos pelo que, com razão, se temiam não viessem com poder de gente a destruir a capitania.

Vendo o Pe. José que não havia contra esse perigo forças humanas e confiado só nas de Deus se determinou de ir em pessoa a buscar os alevantados e reduzi-los a obediência do seu capitão levando-lhes largos perdões de todo o passado. Foi com ele o Pe. Vicente Rodrigues e outros homens e um índio esforçado”. Houve o naufrágio da canoa em que iam e o índio salvou o Pe. Anchieta, depois de dois mergulhos, que duraram meia hora debaixo d’água. Trouxe o Padre Anchieta os dois homens alevantados para a vila.

Mas, daí a um ano, um desses homens (e que não é nomeado) “quis tornar ao sertão, mas o capitão recusou-lhe a licença, e por isso ele o maltratou por tal forma que um filho do capitão o matou a frechadas. O episódio do naufrágio foi posteriormente a 1572, quando Anchieta veio a S. Vicente com o Bispo D. Pedro Leitão e o Visitador daCompanhia Pe. Ignácio de Azevedo.

Com Antônio de Macedo, filho de João Ramalho, DomingosLuís Grou e mais 50 homens fizeram uma entrada ao sertão, que muitopreocupou a Câmara da vila de S. Paulo, supondo-os todos mortos pelos índios, o que a levou a fazer em 1590 um ofício ao Cap. JerônimoLeitão tudo narrando com minúcias (Atas, vol. 1º, págs. 388 a 390).

Um filho de Domingos Luís Grou, de nome Mateus Luís Grou, meio sangue indígena, já foi o cabo da entrada ao sertão de Ibiaguira; uma filha, Hilária Luís, casou-se com Belchior Dias Carneiro, outro meio sangue indígena, neto de Tibiriçá (vol. 2º, pág. 111), que morreu em 1607, no sertão dos Bilreiros, para o lado dos Carijós, comandando uma bandeira que, a pretexto de procurar metais, fora cativar índios para trabalhar nas minas de ferro, por determinação de Diogo de Quadros e era cunhado de Mateus Luís Grou; e outra filha – Maria Luís Grou – casou-se com Simão Álvares, outro mestiço índio, um dos comandantes de terço das tropas de Antônio Raposo Tavares o destruidor das reduções do Guairá.

Domingos Luís Grou desapareceu na entrada, a que se referea Câmara, feita com Antônio de Macedo, devorado pelos índios.Encontra-se a confirmação de sua morte em 4 de Junho de1594, conforme deduzo do seguinte extrato por mim feito em 1902,dum livro de notas da vila de S. Paulo, do tabelião Belchior da Costa,que me foi confiado pelo Dr. Luís Gonzaga da Silva Leme – livro muitoestragado–ea quem logo o restituí.“1594 – Junho – 4. Maria Afonso, viúva de Marcos “Fernandes dá em dote a sua filha Francisca Alvares, para “que se case comAntonio de Zouro, um pedaço de chão, terça “parte da data da câmarapegado a outro que ela comprou de “Domingos Luís Grou, já defunto,e pegado com a data de “Gaspar Collaço Villela no arrabalde da villa deS. Paulo”, e “também vende parte desses chãos a seu sobrinho AlonsoFeres “Calhamares casado com sua sobrinha...[“Na capitania de São Vicente”. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Páginas 181 e 182]

sertão. Esses nomes: Brás Gonçalves, Baltasar Gonçalves, repetem-secom freqüência na família e as designações, Brás Gonçalves, o velho,Brás Gonçalves, o moço; não os distinguem uns dos outros, porque essas designações são dadas em diversas épocas, quando o velho já tinhamorrido e o moço já se tornara o velho, e assim também era indicado.Assim, o Brás Gonçalves, casado com a filha do cacique deIbirapuera, era designado como Brás Gonçalves o velho, no inventáriode seu filho Brás Gonçalves, o moço, começado no sertão do Paracatuem 1603, e é feito curador de seus netos, e destituído dessa curatela, em18 de maio de 1613, por ser homem que nunca aparecia na vila e deviamuito (Inv. e Test., vol. 21, pág. 37). Faleceu antes de 15 de abril de 1620(Idem vol. 26, pág. 39). Entretanto, era 10 de outubro de 1636, no sertão dos Carijós, chamados Arachans, no arraial de Diogo Coutinho deMeio, se faz o inventário de Brás Gonçalves, o velho, casado com Inocência Rodrigues, evidentemente outro de igual nome (Inv. e Test., vol.11, pág. 129).

A mesma confusão se pode estabelecer com Baltasar Gonçalves. Assim, Afonso Sardinha, no seu testamento (Az. Marques, Apontamentos) declarava que foi casado com Maria Gonçalves, irmã de Baltasar Gonçalves; Clemente Álvares foi casado com Maria Gonçalves, filha de Baltasar Gonçalves (Inv. e Test., vol. 1º, pág. 17).

E não se pode afirmar se esses Baltasar Gonçalves eram os irmãos de Brás Gonçalves, ou do genro do cacique de Ibirapuera, não obstante no livro de Atas (Reg. Geral, vol. 1º, pág. 5 em 1583) haver declaração formal de que um Brás Gonçalves era irmão de um Baltasar Gonçalves.

Nesse tempo os próprios apelidos – Gonçalves, como os de Fernandes, Rodrigues, Dias – eram usados por pessoas que nenhum parentesco tinham entre si.

Assim encontram-se tais sobrenomes designando pessoas de diferentes famílias. Além disso os filhos do mesmo casal tomavam nomes diferentes dos seus pais, assinando os de seus avós ou padrinhos, o que também traz confusão ao investigador. [“Na capitania de São Vicente”. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Página 183]

filho de branco com índia, segundo diz o padre Manuel da Fonseca, nabiografia do padre Belchior de Pontes6.Os cronistas antigos de S. Paulo, dada a identidade de nomes,confundem os feitos dos dois Sardinhas, atribuindo os do pai ao filho evice-versa, o que sucede, como já notei, com muitos outros colonos.Pela narração feita não se pode saber com certeza o que pertence ao velho e o que pertence ao moço.O próprio Azevedo Marques, nos seus Apontamentos, verboAfonso Sardinha, quando reproduziu o que escreveu Taques, sobre esses dois colonos, declara (págs. 2 e 3 em nota) expressamente que esse genealogista confundiu os dois Afonso Sardinha. Apesar de reconhecera confusão, não a esclareceu e ao contrário a manteve. O autor dos Apontamentos informa que Pedro Taques, naNobiliarquia das principais famílias da Capitania de S. Vicente, diz a respeito de Afonso Sardinha o seguinte: “Foi o primeiro descobridor das minasde ouro, prata, ferro e aço em todo o Brasil pelos anos de 1589 em asserras seguintes: na de Jaguamimbaba, que ao presente tempo se conhece com o nome de Mantiqueira; no sítio que agora se diz Lagoas Velhasdo Geraldo, distrito da freguesia da Conceição dos Guarulhos, termo dacidade de S. Paulo; na de “Jaraguá, onde fez o seu estabelecimento minerando, e aí faleceu”, etc.

Não diz Az. Marques de que Título da Nobiliarquia extraiu essainformação. Na obra, porém, do genealogista paulistano no Título TaquesPompeu (Rev. do Inst. Hist. Geogr. Bras., vol. 33, primeira parte, pág. 93) selê a respeito de Afonso Sardinha: “o afamado paulista, primeiro descobridor de minas de ouro em todo o Estado do Brasil, em S. Paulo nas serrasde Iguamimbaba, que agora se chama Mantaguyra, na de Jaraguá, termode S. Paulo, na de Vuturuna, termo de Parnahyba, na de Hybiraçoyaba,termo de Sorocaba”.

Da mesma forma no seu trabalho, sob a epígrafe Informação sobre as minas de S. Paulo, publicado também pela R. I. H. G. B. (vol. 64, Págs. 5 e 6) Pedro Taques diz textualmente que “Afonso Sardinha, e seu filho do mesmo nome, foram os que tiveram a glória de descobrir ouro de lavagem nas serras de Jaguamimbaba e de Jaraguá (em S. Paulo) e na de Ivuturuna (em Parnahyba) na de Biraçoyaba (Sertão de Sorocaba) ouro, prata e ferro pelos anos de 1599
[Pàginas 190 e 191]



AZEVEDO Marques nos seus apontamentos históricos,dando a relação dos capitães-mores de S. Vicente que, em nome dos donatários, administraram a capitania, informa que Jerônimo Leitão exerceutal cargo em 1573 e em 1583, e que Antônio de Proença o ocupou em1580. A administração de Jerônimo Leitão, pois, teria sido feita em doisperíodos, tendo entre eles a de Antônio de Proença, de 1580 a 1583.A informação de Azevedo Marques está em contradição coma da Câmara de S. Paulo a 20 de setembro de 1592, (Atas, vol. 1º, pág.446) que formalmente declara que Jerônimo Leitão foi capitão-mor deS. Vicente durante cerca de 20 anos, espaço de tempo equivalente aotempo que vai de 1573 a 1592.Em caso de dúvida, deve prevalecer a informação da Câmarada vila de S. Paulo, contemporânea do fato, e em cujos livros, em regra,se registavam as patentes de nomeação. Mas há em outras atas dessa Câmara, informações precisas sobre o longo capitaneato de Jerônimo Leitão, que se prolongou por perto de 20 anos.Assim a 18 de janeiro de 1573 (Atas, vol. 1º, pág. 57) em vereança, com a presença do Sr. Capitão-Governador Jerônimo Leitão se abriu a pauta das eleições locais desse ano. De 1573 a 1578, JerônimoLeitão continua como capitão-mor de S. Vicente, provendo diversoscargos da vila de S. Paulo (Atas, vol. 1º, págs. 58, 74, 75, 119, 120, 121).Nos anos de 1579 e 1580 não se encontra nenhum registro deprovimentos de cargos em S. Paulo, feitos por Jerônimo Leitão.Também não os há feitos por Antônio de Proença, nem nenhuma referência ao exercício deste como capitão-mor.A 11 de março de 1581 aparecem os traslados de provisões expedidas por Jerônimo Leitão, notando-se que em uma delas nomeia justamente Antônio de Proença meirinho do campo da vila de S. Paulo (Atas,vol. 1º, pág 177 e 205). Está bem claro que Antônio de Proença era nesseano de 1581 um subordinado do capitão-mor de S. Vicente, JerônimoLeitão, e não tendo sido nesse ano por conseqüência capitão-mor de S.Vicente. Tampouco o foi nos anos de 1584, (Atas, vol. 1º pág. 232) porque nesse ano foi eleito juiz ordinário da vila de S. Paulo, cargo incompatível com o exercício de capitão-mor-loco-tenente do donatário.Nenhuma referência há, no período indicado por AzevedoMarques, nas atas e nos demais papéis da Câmara de S. Paulo, ao exercíciodeste cargo por Antônio de Proença, ao passo que, nos anos de 1582 e de1584, período atribuído por Azevedo Marques a Antônio de Proença, seencontram registros de nomeações feitas e atos praticados por JerônimoLeitão, como capitão-mor-loco-tenente, como também os há nos anos subseqüentes até 1592 em que foi substituído por Jorge Correia (Atas, vol. 1º,pág. 194, 200, 239, 251, 275, 446) nomeado por Lopo de Sousa, por provisão passada em Lisboa em 1590, mas que só foi registrada em S. Paulo a 18de abril de 1592 (Reg. Geral, vol. 1º, pág. 39).Frei Gaspar da Madre de Deus não inclui Antônio de Proença na Relação que organizou dos capitães-loco-tenentes, que governaram a capitania de S. Vicente até 1592.É possível que Antônio de Proença, em 1580, tivesse praticado qualquer ato de capitão-mor, substituindo inteiramente JerônimoLeitão em alguns de seus impedimentos. Disso, porém, não encontreinos arquivos, que consultei, nenhum documento que o comprove.

Jerônimo Leitão, pode-se concluir, administrou a capitania de S. Vicente, como capitão-mor-loco-tenente desde janeiro de 1573 a 1592, perto de 20 anos, como disse a Câmara. Possuiu ele a inteira confiança do donatário Lopo de Sousa que ainda em 20 de março de 1588, passou-lhe procuração e ao sobrinho Baltasar Borges, em caso de suaausência, para tratar de negócios na capitania, como receber rendas etc., entretanto, já aí sendo ele seu loco-tenente (Registro Geral, vol. 1º, págs. 25 a 28).

Administrou a capitania prudentemente, a pleno contento dospovos da vila de S. Paulo, assim o declaram a Câmara, os homens bons emoradores de S. Paulo (Atas, vol. 1º, pág. 446). Tinha ele os mesmossentimentos que os moradores da capitania, e a estes servia conformeos seus interesses e necessidades.Estava Jerônimo Leitão bem radicado na terra, era irmão deDomingos Leitão, este casado com Cecília de Góis, filha de Luís deGóis. Segundo Frei Gaspar, casou em S. Vicente e teve vários filhos, dosquais existia ainda geração em 1792, mas seus descendentes ignoravamque dele provinham (Frei Gaspar – Memórias para a História da Capitaniade S. Vicente, pág. 159, da 3ª ed., edição Taunay). Era tio de BaltasarBorges, conforme ainda informa Frei Gaspar, e se encontra cientificadona procuração que passou Lopo de Sousa (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 25 a28).A sua ação, para a conquista da terra, no combate aos índiosinimigos dos portugueses e na expulsão dos franceses, não se limitouao território, que ia ser capitania de S. Paulo, foi muito além, ainda quedentro das terras doadas a Martim Afonso. Diz a “Informação do Brasil”, de 1584, R.I.H.G.B., vol. 6º, pág. 415:“Na era de 1574 veio o Dr. Antônio Salema com alçada emtodo o Brasil”. Ainda no seu tempo, estavam em pé os tamoios de CaboFrio, grande colheita dos franceses, donde vinham, fazer saltos dentrodo mesmo Rio, pelo qual se determinou de lhes dar guerra e assim como favor da Capitania de S. Vicente da qual veio o Capitão Jerônimo Leitão, com a maior parte dos portugueses e dos índios cristãos e gentios ecom esta ajuda cometeu a empresa e acabou de destruir toda a naçãodos tamoios que estava ainda com muita “soberba e fortes com muitasarmas dos franceses, espadas, adagas, montantes, arcabuzes, etc”... [“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Páginas 235, 236 e 237]

Há confirmação desse feito. Referindo-se à guerra que, em 1579, Antônio Salema fez para exterminação dos tamoios de Cabo Frio, aliados dos franceses e com estes comerciando, Capistrano de Abreu informa que nessa ocasião “foi pedido auxílio da capitania de S. Vicente, de onde partiu Jerônimo Leitão comandando muitos portugueses e índios cristãos.” As forças reunidas, segundo dois contemporâneos, contavam 400 portugueses e 700 índios. Entre os primeiros acham-se Cristóvão de Barros e Antônio de Mariz1 que nela se distinguiu. A 15 de novembro de 1579, estava ele em preparativos para uma expedição, da qual deviam fazer parte Antônio de Macedo e João Fernandes, filhos de João Ramalho, segundo uma carta que lhe escreveu José de Anchieta: mas não se pode determinar o objetivo e o destino, pois muito vagos são os termos dessa carta (Cartas Jesuíticas, vol. 3º, pág. 268).

A 10 de abril de 1585 (Atas, vol. 1º, pág. 275), a Câmara de S. Paulo dirigiu longa e interessante representação a Jerônimo Leitão, alegando a situação aflitiva da capitania, na qual desde seis anos tinhammorrido mais de seis mil peças do gentio, de câmaras de sangue e de outras moléstias, estando ela sem escravaria para o trabalho de plantaçõese criação de gado, de que viviam e pagavam o dízimo ao rei, e alegandoainda que o gentio carijó já havia matado dos brancos mais de 150 homens, espanhóis e portugueses, entre os quais os 80 mandados porMartim Afonso pela terra adentro, e até padres da Companhia de Jesus.

A Câmara de S. Paulo nessa representação requereu que fizesse guerra a esse gentio carijó, inimigo dos tupiniquins, por mar, pela facilidade de se levar mantimentos, e, vencendo-os fossem eles trazidos ao ensino e àdoutrina cristã. Sem essa guerra de escravização e de vingança, a capitania se despovoaria, porque estavam todos dispostos a “largar a terra e ir viver onde tivessem remédio de vida”. Pediu ainda que a respeito fossem ouvidas as demais Câmaras.

Recebendo esse requerimento, a 25 abril de 1858, e já havendolei que regulava as guerras justas, Jerônimo Leitão convocou uma reunião dos oficiais da vila de S. Vicente e da de Santos, do reverendo padre vigário da vila de Santos para praticar sobre as coisas dessa guerra.A reunião se efetuou a 10 de junho de 1585, na igreja e ermida dobem-aventurado S. Jorge na fazenda e engenho dos Esquetes (Shetz),termo da vila de S. Vicente, estando presentes os convocados e algumaspessoas da governança das ditas vilas. Nela se tomou a deliberação defazer a guerra aos carijós e tupiães, contanto que todos os moradores seapresentassem com suas pessoas, armas, mantimentos e escravos, paraacompanharem o Capitão-mor Jerônimo Leitão e que os índios vencidos fossem repartidos proporcionalmente entre todos os vencedores“para serem doutrinados, como gentio forro, e dele se ajudarem em seu serviço no quefosse lícito”.Nessa ocasião fora mais deliberado que o Capitão-mor Jerônimo Leitão levaria línguas (intérpretes), para com o gentio tratar e ter comércio de pazes, o que sendo pelo gentio recusado, o dito capitão e comos que em sua companhia fossem determinariam como se havia de haver com esse “gentio, que não quiser vir de paz, de tudo se fazendo autos, guardando sempre o serviço de nosso senhor e o bem e prol da terra”.Tomando conhecimento dessa deliberação a Câmara de S.Paulo deu-lhe o seu completo apoio a 1º de setembro de 1585 (Atas,vol. 1º, pág. 281).A guerra se fez, como se vê da vereança de 17 de outubro de1585 (Atas, vol. 1º, pág. 286) na qual conta que 3 oficiais da Câmaramandaram chamar os moradores, que estavam na vila, para eleger substitutos “por serem os mais ido ao sertão em companhia de Jerônimo Leitão na entrada que fez ao sertão” ...

A 14 de junho de 1586 (Atas, vol. 1º, pág. 297) os oficiais da Câmara de S. Paulo, Jorge Moreira, Gonçalo Frz., Pero Dias, Fernão Dias e Baltasar Rodrigues, reconhecem e desculpam o mau estado dos caminhos e das pontes, pois que “toda a gente do povo estava ausente da capitania com o Capitão Jerônimo Leitão, tendo ido à guerra, ficando apenas mulheres e que por esta razão, por ora, se não podia prover nas pontes. Mas que todavia fosse notificado às mulheres dos homens, a que estavam repartidas às tais pontes, cumprissem a sua obrigação”.

A 27 de julho de 1586, Jerônimo Leitão já estava de volta na Vila de S. Paulo de Piratini, e nomeava, por ser muito necessário, Diogo Teixeira, meirinho do campo, por provisão registrada em Ata dessa Câmara (Atas, vol. 1º, pág. 301). Já essa fase da guerra estava terminada; mas a esse termo não se referem os arquivos paulistas.Pode-se, porém, afirmar que não foi então uma guerra de extermínio, porque as entradas continuaram, sendo sem dúvida a reunião, na igreja e ermida de S. Jorgee a determinação tomada no engenho dos Esquetes, o reconhecimento de guerra justa ao indígena da capitania de S. Vicente, guerra que iria durar anos.

Em 31 de julho de 1588 os oficiais da Câmara se juntam para eleger um substituto ao Juiz João de Prado, que era ido à guerra (Atas,vol. 1º, pág. 354).Sem dúvida outras entradas foram feitas, e para outros rumos.De uma, pelo menos, falam as vereanças, que não teve sorte feliz. Em1590, Antônio de Macedo, filho de João Ramalho, meio sangue de índio,e seu companheiro Domingos Luís Grou, casado com Maria da Penha,filha do cacique de Carapicuíba, fizeram uma entrada composta de cercade 50 homens brancos (Atas, vol. 1º, pág. 403) tendo sido quase todadestruída pelo gentio, o que comoveu profundamente a pequenina vilade S. Paulo, que nesse ano contava apenas uns 140 moradores (Atas, vol.1º, pág. 410). A respectiva Câmara, abalada pelo fim trágico dessa entrada, dela se ocupou longamente em várias de suas vereanças.A Câmara deu conta minuciosa ao capitão-mor em carta de17 de março de 1590 (Atas, vol. 1º, pág. 388) informando que os índiosestavam amotinados, haviam matado muitas pessoas, confirmando que aentrada de Antônio de Macedo e de Domingos Luís Grou havia sido inteiramente trucidada pelos índios, e que estes vinham sobre S. Paulo. Pediu ao Capitão-mor Jerônimo Leitão que, com brevidade acudisse com asua pessoa a pôr cobro a tal situação. Nessa carta deu também notíciadas atrocidades cometidas, do pavor que reinava, das circunstâncias aterradoras que envolviam o caso, das providências tomadas para a garantiada colônia. Os sitiantes haviam abandonado os seus sítios, fugindo.“Antônio Arenso fugiu do sertão por o quererem assassinar em Jaguari,depois de lhe matar um mancebo chamado João Valenzuela e um índiotecelão. Dois ou três dias antes havia sido morto um filho do GonçaloAfonso e Isac Dias, e que muitos estavam presos para serem sacrificados. [“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Páginas 238, 239 e 240]

Descrevendo os fatos e receando a sua repetição a Câmara reclamava nova guerra ofensiva, que assim era lícita e justa e a reclamavacom toda a urgência, antes que essas tribos se aliassem com o gentio deParaupava e com ele viessem em novos assaltos (Atas, vol. 1º, págs. 403e 404).A situação era grave e uma das mais graves que atravessou acolônia; e, de fato, estavam em perigo a vida dos colonos e a segurançado estabelecimento português.Por essa época, Cavendish atacou e incendiou a vila de Santose andava rondando as costas do Brasil e nelas não achou nada que o seduzisse. Era necessário meter brio ao capitão-mor e estimular os moradores das outras vilas, e por essa forma escrevia a Câmara de S. Paulo aJerônimo Leitão e às outras Câmaras.Em vista das reclamações insistentes, a última foi feita a 13 deoutubro de 1591 (Atas, vol. 1º, pág. 429 e 431) e após consultas às Câmaras da Capitania, tomando todas as precauções para não se colocarmal com o rei e com os jesuítas, Jerônimo Leitão considerou a guerrajusta, tomou a ofensiva e entrou ao sertão, com a gente de S. Paulo ecom a gente que pôde obter nas outras vilas da capitania.

A que pontos chegaram as entradas comandadas por Jerônimo Leitão? Bem difícil é determiná-los precisamente. Nos nossos arquivos não se encontram indicações do itinerário seguido por Jerônimo Leitão nem região a que ele chegou.

O Padre Pablo Pastells, porém, na sua História da Companhia de Jesus na Província do Paraguai (vol. 1º, pág. 195), dá o resumo de uma carta de D. Antônio de Anhasco, datada de 14 de novembro de 1611, dirigida ao Sr. Diogo Marim Negron, Governador do Rio da Prata, em Buenos Aires, em que comunica “que havendo saído de Ciudad Real e estando em uma redução dos Padres da Companhia de Jesus, antes de chegar a Paranambaré, onde é capitão um índio chamado Taubici, na véspera de Todos os Santos, chegou-lhe a notícia de que os portugueses de S. Paulo entravam pelo caminho, que 30 anos antes tinha entrado Jerônimo Leitão com grande golpe de portugueses”.

Por esse sertão foi feita, sem dúvida, a entrada. Pode-se apenas afirmar que a primeira expedição foi dirigida contra os carijós que nessa época povoavam o sul da capitania de S. Vicente, porque se descrevem, em inventários, índios escravos da entrada de Jerônimo Leitão.
[“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Página 243]

Mas até onde chegou nada se pode adiantar diante do silêncio dos documentos locais consultados. Era o prenúncio da campanha do Guairá. Na segunda entrada a direção foi para o norte, para o oeste. A Câmara de S. Paulo para se defender das ameaças dos índios do sertão e para vingar o destroço da entrada de Antônio de Macedo e de Domingos Luís Grou, já havia mandado fazer o forte e tranqueiras em Emboaçava para as bandas de Carapicuíba.

E nas Atas da Câmara se declaraque Macedo e Grou atravessaram os rios Jaguari, Piratingui, Mogi, tendo atingido o rio Parnaíba, o que significa que a guerra ofensiva contra esse gentio tomou a direção do noroeste, a mesma, mais ou menos, que 150 anos depois seguiria Bartolomeu Bueno, o 2º Anhangüera, o descobridor de Goiás. Não se conhecem também os incidentes dessas entradascapitaneadas por Jerônimo Leitão; mas os seus resultados não foram decisivos para a segurança da colônia estabelecida no planalto.A entrada de Antônio de Macedo e de Domingos Grou foi aúltima numerosa feita, sobre o pretexto de resgate. O seu destroço,mostrando o perigo que corriam os colonos, motivou as guerras declaradamente ofensivas e aflitivamente desejadas.Essas guerras fizeram recuar as tribos revoltadas, mas não asvenceram totalmente, não estabeleceram a segurança e a paz no planaltode Piratininga.Em 1592 Jerônimo Leitão foi substituído no seu cargo, porJorge Correia. [Página 244]

Por provisão de 20 de abril desse ano nomeou para uma entrada Afonso Sardinha (Reg. Geral, Pág. 51) capitão da vila de S. Paulo,provisão que foi apresentada a 2 de maio desse ano à Câmara (Atas, vol.1º Pág. 439).Afonso Sardinha apesar de procurar viver bem com os doispartidos – colonos e jesuítas – era conhecidamente favorável à Companhia de Jesus, sua futura legatária universal (Documentos Interessantes doArquivo do Estado de S. Paulo, vol. 44).A Câmara de S. Paulo apesar de considerar Afonso Sardinhaapto para fazer a entrada, opôs objeções, sendo afinal a 30 de maio trasladada a provisão (Reg. Geral. vol. 1º, pág. 51). No mesmo mês de maiode 1592 a Câmara e o povo da terra, entre outras coisas, praticaram quehavia dois ou três anos que estavam em guerra e que eram necessáriasprovidências enérgicas para defesa da vila e para ofensiva no sertão; e,reclamando-as do capitão-mor, apelaram para o Governador-Geral eOuvidor-Geral do Brasil (Atas, vol. 1º, págs. 442-443).As providências do Capitão-Mor Jorge Correia eram, entretanto, todas no sentido de evitar a guerra ofensiva.

A 20 de setembro de 1592, lançou uma provisão que alvoroçou a vila de S. Paulo. A Câmara se reuniu nesse mesmo dia, convocou o vigário da paróquia, Padre Lourenço Dias Machado, os homens bons que já haviam administrado a vila desde o tempo em que a sede estava em Santo André, todo o povo enfim, para ler e ouvir a inopinada provisão, na qual mandava entregar as aldeias dos índios aos padres da Companhia de Jesus. A provisão foi largamente debatida, sendo consideradoque Jorge Correia, vindo de pouco do reino de Portugal, “não tinha tomado bem o ser da terra” e a necessidade dela; que Jerônimo Leitão, aí Capitão-mor por cerca de 20 anos, conhecedor dos negócios locais jamais quis fazer tal entrega, que contrariava os índios amigos e deixava a terra à mercê dos inimigos. Foi resolvido não se obedecer à provisão e aela pôr embargos, sendo, entretanto, conservado aos padres da companhia o direito de doutrinar e ensinar os índios sem impedimento algum, como sempre o fizeram.

Das 77 pessoas presentes a esse ajuntamento, 5 votaram contra a deliberação municipal e foram o Vereador Antônio Preto, EstêvãoRibeiro, o velho, e Belchior da Costa, escrivão, e mais dois do povo – Brás Esteves e Pero de Campos que fizeram declarações – ao todo 72 afavor e 5 contra a atitude assumida, todos assinando a vereança (Atas,vol. 1º, págs. 446 a 448).Tal provisão abalou profundamente a Câmara e o povo e deusério alarma aos moradores da vila.Foi o primeiro embate público do conflito entre os jesuítas eos colonos, latente desde o início da catequese em 1549. Eram os doissistemas de civilização aplicados ao selvagem – de um lado a domesticação do indígena pelo cativeiro e pela mestiçagem, de outro lado a catequese católica exclusiva e a administração do gentio pelos padres daCompanhia – que abertamente se encontravam frente a frente.A linguagem da Câmara nessa vereação foi hábil, firme sebem que respeitosa.Os colonos apresentaram embargos à provisão de Jorge Correiaperante o Governador-Geral do Brasil na cidade do Salvador, na Bahia.As guerras alegadas nos embargos eram temidas conforme diziam as Atas, mas eram ao mesmo tempo ambicionadas; teriam sido provocadas pelos colonos com as suas entradas ao sertão, a princípio pararesgate com o gentio e em seguida para cativação do braço para as suaslavouras, ou teriam sido começadas pelo próprio gentio, cuja primordialpreocupação da existência era fazer a guerra uns contra os outros, umastribos contra outras tribos, contra os portugueses que invadiam as terras,contra todos em suma.Mas as ameaças e os ataques dos índios continuavam, os povosqueriam a guerra, reclamavam entradas ofensivas. Os jesuítas persistiamem opor a elas hábil resistência.A orientação governamental, que Jorge Correia trouxe doreino, ou a influência jesuítica, que na colônia sofreu, encontrava defrente os interesses dos colonos e indicava o perigo para a colonizaçãoportuguesa.

Diante dessas dificuldades o capitão-mor hesitava e procuroucontemporizar. Na provisão de 30 de setembro de 1592, registrada a 10de outubro desse ano (vol. 1º, pág. 59 – Reg. Geral), Jorge Correia determinou que Afonso Sardinha, em seu nome, fosse ao sertão, a ver o estadodos contrários ou a dar-lhes guerra com a maior segurança, levando a [“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Páginas 247 e 248]

gente de Piratininga e os índios dessa terra, ordenando que as pessoas ejustiças da capitania o conhecessem como capitão dessa entrada.Mandava fazer um reconhecimento, e dava a responsabilidadee a iniciativa da guerra aos moradores da vila.Foi nessa época, a 13 de novembro de 1592, que estando decaminho para a guerra, Afonso Sardinha fez o seu longo testamento.Nesses tempos absolutos, nesses tempos de extremo fervorreligioso, Afonso Sardinhaeagente de Piratininga tiveram medo de justificar a fama de nova Rochella, que já se aplicava à vila de S. Paulo.Essa medida protelatória, essa entrada, pouco resultado produziu, apesar de em alguns inventários se encontrar descrição de índiosda viagem de Afonso Sardinha (Inv. e Test. vol. 1º, pág. 2(0), os quais poderiam ter sido cativados em outras expedições.A maioria da opinião continuava superexcitada reclamando aguerra ofensiva contra os índios; mas dividida, uns do lado dos jesuítas,outros do lado dos colonos.Algumas Câmaras mesmo, como a de Santos e a de Itanhaéme seus povos foram contrários à guerra.

Na vereança de 5 de dezembro de 1593, a Câmara de S. Paulo convocou os homens bons da vila e perante eles se leram as cartas (Vol. 1º, pág. 476) dessas duas Câmaras que entendiam “não dever se fazer tal guerra porque o gentio não nos dava opressão”. As Câmaras do litoral estavam longe, e só temiam os ataques dos piratas ingleses.

A Câmara de S. Paulo, para justificar a sua reclamação, fez vir alguns dos moradores da vila – Belchior Carneiro, Gregório Ramalho, filho de Vitorino Ramalho, e neto de João Ramalho, Manuel, índio cristão de S. Miguel, irmão de Fernão de Sousa, Gonçalo Camacho – que tinham feito parte da Companhia de Antônio de Macedo e de Domingos Luis Grou, restos da expedição, a fim de juramentados sobre um livro dos Santos Evangelhos, declarassem o que se passou com o gentio de Bongi que havia assaltado e desbaratado a Companhia de Macedo e de Grou.

Disseram eles que os índios de Mongi, pelo rio abaixo de Anhembi, junto de um outro rio de Jaguari, esperaram toda a entrada, e foram dando, matando, desbaratando a uns e outros. Nesse transe “foram mortos Manuel Francisco, o francês Guilherme Navarro, e Diogo Dias;Francisco Correia, Gaspar Dias e João de Sales levaram um tiro; um moço branco cunhado de Pero Guedes, ou de sua casa, e Gabriel da Pena também foram mortos, fora Tamarutaca, do qual não havia notícia”. “Levaram cativas muitas pessoas e muita gente tupinaem, e apregoavam nova guerra por novos caminhos para novos ataques e depredações”, razãopela qual era necessário ir fazer-lhes a guerra e com toda a brevidade.

Era a confirmação dos ataques e assaltos mencionados na vereança de 17 de março de 1590. Em vista disso foi requerida a presença do Capitão Jorge Correia, que, vindo, ouviu a leitura das cartas escritas pelas Câmaras litorâneas, a refutação a elas pelos sobreviventes da Companhia de Macedo e de Grou, e os protestos da Câmara, que o responsabilizavam perante Deus, Sua Majestade e o senhor da terra, por todos os males que caíssem sobre a vila, visto estarem todos prontos com suas armas e sua gente a acompanhá-lo ao sertão.

Jorge Correia ainda procurou contemporizar dizendo ser necessário pedir socorro ao Rio de Janeiro, falou ainda nos perigos dos inimigos piratas que vinham por mar, a que primeiro se devia acudir, sendo talvez insuficiente a gente da capitania para as duas guerras.

Mas a Câmara insistiu declarando que “bastava a gente da capitania para a guerra do sertão contra o gentio de Bongi, que estava já entre mãos, e que se acudisse também ao mar e se lhe desse também o remédio possível e com a mesma gente do mar, pois que para tudo havia gente”.

O Capitão Jorge Correia prometeu que tudo proveria como era sua obrigação e que todos estivessem prestes para o seguir e o acompanhar (Atas – vol. 1º, págs. 477, 478 e 479).Entretanto os embargos opostos pela Câmara da vila de S. Paulo à provisão do capitão-mor e ouvidor da Capitania de S. Vicente, que ordenava a entrega aos padres da Companhia de Jesus das aldeias de índios, foram levados ao Governador-Geral na cidade do Salvador, naBahia, por Atanázio da Motta e iriam lá encontrar favorável acolhimento por motivos que serão adiante explicados.

Tais embargos não foram, porém, registrados nos livros da Câmara de S. Paulo, nem nos da sede da capitania, mas ainda que nesta [“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Páginas 249 e 250]

João de Prado era pessoa importante na minúscula localidade. Desde 1588 vinha ele exercendo os cargos de governança. Nesse ano foi ele juiz, e também o foram em 1592 e vereador em 1594.

Pedro Taques informa que ele e sua mulher, Filipa Vicente, naturais de Olivença, nessa época ainda pertencente no território português, eram pessoas nobres e honradas. No inventário de João de Prado declara-se somente que ela, Filipa Vicente, era pessoa honrada e viúva de pessoa honrada, o que significa que os dois foram pessoas de destaque na então insignificante vila de São Paulo. João de Prado, pela sua pessoa, pela sua família, pelas suas armas, pelo número de nativos administrados e escravizados que possuía, foi um dos mais poderosos elementos que compuseram a expedição de João Pereira de Sousa. Era tal a importância de que gozava, que a sua presença na expedição o punha em evidência de chefe. O Padre Del Techo, na sua História Provinciae Paraquariae o considerou chefe da expedição, o que não é verdade. Teria sido um dos chefes, mas o chefe supremo foi João Pereira de Sousa, em cujo arraial no sertão, ele faleceu a 13 de fevereiro de 1597, conforme expressamente é declarado no respectivo inventário.

Não se pode afirmar com segurança o dia exato da partida dabandeira; mas foi depois de 5 de outubro de 1596, porque, nessa data, Francisco da Gama, que nela tomou parte, ainda estava em S. Paulo e,nessa data, passou um documento a João Fernandes, em que declarouter dele recebido “dez cruzados emprestados de amor em graça os quaisprometeu pagar em dinheiro de contado ou em uma peça (do gentio)pelo que valer nesta guerra em que ora vamos com o Sr. João Pereira deSousa, como capitão” (Inv. e Test. vol. 1º, pág. 351).Esse documento de dívida, que é cobrado judicialmente, prova que a bandeira a 5 de outubro de 1596 ainda estava em S. Paulo, masem preparativos para a partida.Qual o sertão em que foi feita essa entrada?A provisão de D. Francisco de Sousa, que armou cavaleiro Sebastião de Freitas, declarou que este acompanhou Jorge Correia, ManuelSoeiro e João Pereira de Sousa a fazer guerra ao gentio que, em ataque,tinha vindo contra a vila de S. Paulo (vide provisão).

Essas três bandeiras foram, pois, ao mesmo sertão. A 13 de fevereiro de 1597, no sertão da Parnaíba, onde estava o arraial de João Pereira de Sousa, começou-se o inventário de João de Prado, que lá falecera (Inv. cit. pág.79).

Um outro documento de dívida de Francisco da Gama, foicobrado judicialmente, em S. Paulo, e cujo processo se iniciou a 22 deJulho de 1600 com citação por éditos “por se achar o devedor ausente,perto de três anos ou perto de quatro anos (Inv. Francisco da Gama,vol. 1º, págs. 349 e 350) e nele depõem cinco testemunhas que afirmamque ele era ido à guerra de Parnaíba e dele não havia notícias”.Citando ainda Del Techo, História do Paraguai, o Barão doRio Branco, em Ephemerides Brasileiras, de lº de setembro de 1583, narraque no vale do Anhembi, hoje Tietê, os Tupiniquins tinham 300 aldeiase 30. 000 sagitários, que, em seis anos de guerra, de 1592 a 1599, foramtodas destruídas e exterminados os selvagens do rio de Jeticaí, hoje rioGrande.O rio Parnaíba é afluente da margem direita do rio Paraná etem suas nascenças mais a leste, do lado das nascenças do rio S. Francisco. Conforme se vê pelas atas da Câmara de S. Paulo, que se referemàs entradas de Antônio de Macedo e de Domingos Luis Grou, já essessertanistas lá tinham estado. As bandeiras já tinham atravessado o rio [Páginas 262 e 263]riciar em público a vassalo, que estimava, e valeu muito a Ruy de Souza,perfeito cortesão, a quem os mercadores abriram a bolsa e o crédito porverem-no familiar e suporem-no valido do rei, e em começo de fortuna.

D. Francisco de Sousa começou a sua carreira em Tangere Comenda, no tempo em que governava aquela praça D. João de Meneses. Quando El-Rei D. Sebastião passou à África, para desaparecer na batalha de Alcacerquibir, foi ele por capitão de um dos galeões da armada, de que era general seu tio D. Diogo de Sousa.

Foi depois capitão-mor da Comarca de Beja; e, na Guerra de Sucessão de Portugal, seguiu a Filipe, Rei da Espanha, que, no ano de 1588, em que foi a armada com o Prior do Crato, o mandou a Elvas a levantar gente, e após o nomeou capitão da Mina, o que não teve efeito.

Pouco depois da sua chegada ao Brasil, trazendo uma caravela de Lisboa novas do falecimento de sua mulher, publicou ele que não tornaria ao reino e ficaria no Brasil até a morte por parecer-lhe boa manha, para atrair a dedicação dos “cidadãos e naturais da terra, fazer-se com eles cidadão e natural”.

Mas o traço característico de seu temperamento, além da tenacidade de seus propósitos, era a liberalidade, a magnificência.Tratando os mais do que haviam de guardar para levar, ele sóqueria ter para dar e obter para gastar; fartamente dava e dava sempre ea todos, bons e maus, pobres e ricos, sem lhes custar mais do que pedir;razão pela qual se costumava dizer, “que era ladrão, quem lhe pedia acapa, por que com o só pedir lhe levava dos ombros”.Se ele não dava por vaidade, às vezes dava por manha; mostrando-lhe a sua largueza de ânimo que, descobertas no Brasil as afamadas minas, no que punha imenso empenho, estariam ressarcidos todosos prejuízos, que por acaso tivessem ele e o rei.E ele não dava só bens de fortuna; dava também ofícios epostos, títulos e honras; armava cavaleiros; levantava fidalgos; conferiahábitos de Cristo; distribuía pensões e tenças.

A par dessas benignas qualidades, conservava sempre toda a sua autoridade e respeito, e “assim foi o mais benquisto Governador, que houve no Brasil, junto com ser o mais respeitado e venerado” (Informações de Frei Vicente do Salvador, História do Brasil, donde as tirei todas).

Nesse tempo eram correntes as lendas de riquíssimas minas de ouro e prata no Novo Mundo, e todos sonhavam com os inesgotáveis tesouros de reis fabulosos, que governavam países inverossímeis pela sua riqueza. Repetiam-se e acreditavam nessas fantasias como se fossem verdades incontestáveis.

Supunha-se que o rio S. Francisco tinha as suas nascenças na Lagoa Dourada no centro do continente sul-americano, a terra do ouro.

Essas minas eram faladas no Brasil, e, principalmente, na Europa. Muitas das expedições marítimas espanholas e portuguesas, que então se organizaram, não tiveram outro fim senão descobrir e assenhorear-se, e por qualquer forma, dessas terras onde o ouro e a prata eram mais abundantes que o ferro em Bilbau, é tudo fácil de colher.

Os piratas, franceses e ingleses, corriam os mares não policiados para saquear, se apoderar dos galeões carregados de ouro que vinham da América para os reinos de D. Carlos I.D. Francisco de Sousa, mesmo em Lisboa e em Madri, ouvirafalar dessas minas e nas pretensões de Robério Dias, e sem dúvida, a esses boatos dera crédito; no Brasil, depois de sua vinda essa crença maisse confirmou.

Frei Vicente do Salvador, contemporâneo de D. Francisco de Sousa, recolhe, nas páginas de sua História do Brasil (Livro 1º, Cap. V), e dá curso à notícia de que um soldado de crédito lhe contara que um índio aprisionado falara de uma certa paragem, onde havia mina de muito ouro limpo, de onde se poderia tirar o metal precioso aos pedaços.

J. Marcgrave narra que na Bahia, D. Francisco de Sousa recebera de um brasileiro certo metal extraído dos montes Sabaroason de cor azul escuro ou celeste, mesclado com certas areias finas cor de ouro, que, depois de ser examinado pelos faisqueiros, foi reconhecido conter num quintal trinta marcos de prata pura (3. Marcgrave – História Natural do Brasil, Edição do Museu Paulista, pág. 263). [Páginas 272 e 273]

João Coelho de Sousa, pelo norte, à procura dessas minas, percorrera os sertões próximos ao rio S. Francisco durante três anos e neles descobrira metais preciosos, mas ao regressar falecera, nas cabeceiras do rio Paraguaçu, na Bahia. Mandara, porém, entregar a seu irmão, Gabriel Soares de Sousa, os roteiros de seus descobrimentos.

Gabriel Soares de Sousa, herdeiro do itinerário de seu irmão, em Agosto de 1584, partiu para Madri a oferecer ao Rei de Espanha o descobrimento dessas minas, pedindo por isso favores, concessões e privilégios nas terras do Brasil. Foi nessa ocasião que dedicou a D. Cristóvão de Moura, ministro influente no Governo, talvez com o objetivo de recomendar-se, o precioso Tratado Descritivo do Brasil, segundo Varnhagen, de quem copio estas informações (R.I.H.G.B., vol. 14, Aditamento).

Depois de pertinazes requerimentos e solicitações, após cercade sete anos, foi enfim despachado favoravelmente em meados de Dezembro de 1590.Voltando para o Brasil, muito recomendado a D. Francisco deSousa, já então Governador-geral, tratou de organizar uma expedição epartiu de suas terras, na Bahia, em busca das minas famosas que sesupunham situadas no rio S. Francisco.

Subiu pela margem direita do rio Paraguaçu e, de acordo comuma das cláusulas da sua concessão, deveria formar arraiais ou povoações, com os índios que levara, de 50 em 50 léguas.

Fez o primeiro arraial e continuou a sua marcha pelo sertão.Mas adoeceram muitos dos seus homens de sezões, perdeu muitos animais, muitos mordidos por cobras, outros devorados pelas onças.Embaraçado pelas enchentes do próprio rio Paraguaçu, atravessou serras, e decidiu-se a fundar o segundo arraial; mas abatido por moléstia,esgotado de forças, faleceu aí.

No comando da expedição foi substituído por, Julião da Costa,que, vendo-se privado do guia, o índio Aracy também aí morto, esmoreceu e retirou-se com os restos da expedição para lugar mais sadio e escreveu ao Governador-geral dando conta do sucedido e pedindo instruções. D. Francisco de Sousa que, segundo as ordens de seu rei, havia auxiliado a expedição, determinou-lhe o regresso. [Página 274]

João de Laet dava-lhe 200 habitantes, entre portugueses emestiços, em 100 casas; a Câmara, em 1606, informava que eram 190 osmoradores, rios quais 65 andavam homiziados por causa das entradas aosertão: em toda a capitania de S. Vicente pouco mais havia de 700 moradores portugueses.Pouco antes, em Fevereiro de 1585, o Padre Fernão Cardim,da Sociedade de Jesus, que esteve na capitania de S. Vicente acompanhando o Visitador Cristóvão de Moura, dá interessantes informaçõesque confirmam ou são confirmadas por outros documentos. Ameno ecomplacente ele narra o que viu, sem fazer apreciações sobre os acontecimentos nem julgar os homens que encontrou. Quando o que ele viufoi mau, nada a respeito disse; quando o que ele viu foi rudemente feito,ele achou que tudo se havia de remediar, que em tudo houve muita devoção. Como todos os jesuítas, em suas cartas, omitiu em regra os nomes das pessoas que viu ou com quem tratou. Fala das vilas que, nessefim desse século 16, havia na capitania, que fora dada a Martim Afonso,e descreveu com indulgência a sua viagem de S. Vicente a S. Paulo, daqual os rios que atravessou eram formosos, os campos que os circundavam eram belos parecendo os de Portugal, as frutas saborosas, e as festas,com que foi recebido, deram muita consolação.A Capitania de S. Vicente tinha então quatro vilas. Entrou elepela barra de Bertioga onde havia uma fortaleza. coisa muito formosa,que ao longe, se parecia com a de Belém (no rio Tejo) e para onde antigamente se degradavam os malfeitores.É uma descrição contemporânea da Capitania de S. Vicente.É interessante reproduzir algumas de suas partes.“A vila de S. Vicente, numa ilha, diz ele, está situada em lugarbaixo, manencolizado e soturno. Foi rica e agora é pobre, por se lhe fechar o porto de mar e barra antiga”... e também por estarem as terrasgastadas e faltarem índios que as cultivassem; se vai despovoando, tem80 vizinhos. Aqui têm os padres uma casa, onde residem de ordinárioseis da Companhia, o sítio é mal assombrado, sem vista, ainda que muitosadio”.“Santos, situada na mesma ilha, é porto de mar, tem duas barras, na primeira está o forte que deixou Diogo Flores Valdez e a outra éo da barra da Bertioga, que dista desta vila quatro léguas, por um sítio tão formoso, que podem navegar navios de alto bordo. Terá 80 vizinhoscom seu vigário”. “A terceira é a vila de Nossa Senhora de Itanhaém,que é a derradeira da costa, que terá 50 vizinhos. A quarta é a vila de Piratininga que está doze léguas pelo sertão dentro, terá 120 vizinhos oumais.”Para S. Paulo de Piratininga, a quarta e última vila da Capitania de S. Vicente, a viagem foi feita em três dias. Embarcados em Santosfizeram duas léguas por mar e uma por terra; no dia seguinte subiram aserra, por caminho íngreme, em que, as vezes iam pegando com asmãos. Ao terceiro dia navegaram por um rio de água doce, em canoas,até peaçaba e deste ponto fizeram quatro léguas a cavalo até o Mosteirodos Jesuítas. O rio era o Jerubatuba ou Pinheiros e peaçaba era emEmboaçava.“Piratininga, informa Fernão Cardim, é vila de invocação daconversão de S. Paulo, está do mar pelo sertão dentro, doze léguas; éterra muito sadia, há nela grandes frios e geadas e boas calmas, é cheiade velhos mais que centenários porque quatro juntos e vivos se acharamquinhentos anos. Vestem-se de burel e pelotes pardos e azuis, de pertinas compridas, como antigamente se vestiam. Vão aos domingos à igrejacom roupões ou berneos de cacheira sem capa”.“A vila, continua o Padre Cardim, está situada em bom sítioao longo de um rio caudal; terá cento e vinte vizinhos com muita escravaria da terra, não tem cura nem outros sacerdotes senão os da Companhia, aos quais tem grande amor e respeito e por nenhum modo queremaceitar cura; os padres os casam, batizam, dizem missas cantadas, fazemas procissões e ministram todos os Sacramentos e tudo por sua caridade;não tem outra igreja na vila senão a nossa.”“Dá-se trigo e cevada nos campos; um homem semeou umaquarta de cevada e colheu 60 alqueires”.João de Laet informa, porém, que o trigo era de má qualidade, não tinha bela cor, e só se usava para hóstias e para mimos, segundoGabriel Soares.“Os padres têm uma casa bem acomodada, com um corredor eoito cubículos de taipa, guarnecidos de certo barro branco” (R. I. H. G. B.,1ª parte, vol. 65, págs. 58 e seguintes). Até aqui Fernão Cardim. [Páginas 277 e 278]

pontes eram feitos e conservados por mão comum, distribuindo-se o trabalho em trechos pelos moradores vizinhos que eles usassem. Às vezes,criminosos se ofereciam à autoridade competente para realizar obras demaior vulto, desde que lhes fossem perdoados os seus crimes, como nocaso de João Pires, o Gago de alcunha (Carta de Duarte da Costa, vol.49, pág. 562 da R.I.H.G.B.). Isso era usual no reino e não se consideravavenalidade de Justiça, mas comutação do degredo ou da prisão em penapecuniária.As principais providências municipais, além das festas populares, foram mandar consertar o caminho do mar e assentar que eranecessário haver na vila um homem que tivesse casa para venda de coisas de comer para que chegando o Governador em uma casa certa achasse o quecomer.Para dirigir essa foi escolhido Marcos Lopes a quem foi dadojuramento sobre um livro dos Santos Evangelhos de bem servir o cargo,sendo também estipulado que das coisas que lhe fossem dadas para vender – assim carnes, como beijus e outros – só podia haver de cada dezréis um real (Atas, vol. 2º, pág. 57). Esse Marcos Lopes era um homemjá velho e casado com Helena de Macedo, cujo sobrenome parece indicaruma das descendentes de João Ramalho (Atas, vol. 2º, pág. 61).Para essa vila de S. Paulo partiu D. Francisco de Sousa, e atransformou, por assim dizer, em sede do Governo Geral, nela se estabelecendo com a sua guarda, sob o comando do capitão Diogo Lopesde Castro e da qual era alferes Jorge João, (Registro Geral, vol. 7º, pág.79), com os oficiais de sua Câmara, como PedroTaques seu secretário,Antonio Coelho escrivão, José Serrão cirurgião, com seus criados, comuma comitiva enorme na qual vinham também o engengeiro alemãoGeraldo Beting, e mineiros entre os quais Jaques Oalt, também alemão,Cornele de Arzam etc.Segundo Pedro Taques vieram também os mineiros experimentados Gaspar Gomes Malho, Miguel Pinheiro, Azurara e DomingosRoiz fundidor.Antes já havia ele enviado o capitão Diogo Gonçalves Lassomuito recomendado à Câmara de S. Paulo a fim de que o favorecessepara o efeito do ouro (Atas, vol. 2º, pág. 24 e 25, vereança de 8 de fev.de 1598). Já aí deveria estar o capitão Diogo Arias de Aguirre, capitão dos certos navios com os 300 frecheiros que ele enviara do EspíritoSanto.A comitiva encheu a pequena vila, o que não era difícil, etransformou profundamente os costumes de seus habitantes.

A 16 de maio de 1599, ou pouco antes, já o Governador-geral se achava na vila e S. Paulo (Atas, vol. 2º pág. 58). Desde a Bahia já vinha ele diretamente intervindo na administração da Capitania de S. Vicente, exercendo e absorvendo os poderes do donatário, intervindo até na administração local determinando a feitura e conservação do caminho do mar, o que a Câmara de S. Paulo providenciava com a lentidão de seus parcos recursos (Atas, vol. 2º, pg. 28, 38 e 39.

Capitães-Mores e ouvidores nomeava ele quantos julgava necessários e para as diversas enventualidades.Em S. Paulo, D. Francisco de Sousa desenvolveu uma atividade imensa, febril, do que restam muitos vestígios nas atas da Câmara.Criou vilas – S. Filipe e Monserrate que não subsistiram _prometeu à vila de S. Paulo que com o favor divino havia de ser cidadeantes de muito pouco tempo, com grandes mercês e privilégios aos moradores, que ele havia de procurar com Sua Majestade (Reg. Geral, vol.1º,pág. 125).Armou cavaleiros e fez fidalgos a Pedro de Morais, a Sebastião de Freitas, a Antônio Raposo, o velho, que registraram as suas provisões nos livros da Câmara (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 75, 105 e 117).Outros teriam recebido iguais foros, que não registraram, o que não éprovável, ou que registraram e não foram encontrados por terem desaparecidos os respectivos livros de registro, o que é mais provável.Vindo a morrer Diogo Gonçalves Lasso, D. Francisco deSousa nomeou a 31 de maio de 1601 o neto, do mesmo nome, aindamenor, para o cargo de capitão da vila de S. Paulo e distrito das minas.E, enquanto não chegasse ele à maioridade, serviria em seu lugar DiogoArias de Aguirre com todos prós e percalços que lhe pertencessem, e os200$000 de ordenado seriam percebidos pela viúva, avó do nomeado,Guiomar Lopes (Reg. Geral, vol.1º, págs. 133 e 134). Assim ele recom [Páginas 282 e 283]

Por historiadores contemporâneos é D. Francisco acusado denão ter sido rigoroso no cumprimento do Alvará de 11 de novembro de1595, que proibiu terminantemente a escravização do indígena e que revigorou o de 20 de março de 1570, que permitia a cativação dos quefossem tomados em guerra justa.

Conhecidos os motivos que trouxeram D. Francisco de Sousa ao sul do seu governo, é evidente que ele não poderia ter sido rigoroso no cumprimento do humano alvará, e que faria vista grossa ao seu conteúdo, pois que sendo o cativeiro do índio o lucro imediato do bandeirante, tornar efetiva a proibição seria dificultar, senão impedir as pesquisas, as investigações das minas que ele ansiava por descobrir. Ao contrário, não só não se esforçou para o cumprimento desse alvará, como mandou, protegeu, ajudou, fomentou as entradas ao sertão.

Em outubro de 1599 já tinha ido examinar o ouro em Jaraguá, Bituruna, Monserrate e Biraçoiaba. Já em 27 de maio de 1599, por uma provisão autorizava a todos a ir tirar ouro (Reg. Geral, vol. 1º, pág. 84). A 11 de fevereiro de 1601, porém, por um mandado, autorizava a tirar ouro em Monserrate, registrando o interessado cada semana o ouro tirado, pagando os quintos a S. M., fundindo-o e dele fazendo barras, marcadas com as armas reais.

Supondo que nenhuma pessoa pudesse ser tão ousada para infringir tais ordens, e tivesse ouro em pó, entretanto, estabeleceu penas severíssimas a serem aplicadas aos infratores, tais como a perda do ouro tirado, sendo metade para cativos e a outra metade para o acusador, incorrendo mais no degredo para fora da capitania e pagando cem cruzados. Nenhuma pessoa, branca ou escrava poderia comprar ouro, salvo em barra com as marcas reais, sob pena, sendo branco, de ser degradado para Angola, com baraço e pregão na vila,e sendo índio, ser açoitado, pela vila (Reg. Geral, vol. 1º, fls. 93 e 94).

A 19 de julho de 1601, em Regimento dado a Diogo Gonçalves Lasso, determinou a este que não consentisse que nenhuma pessoafosse às minas descobertas e por descobrir, salvo “Afonso Sardinha, ovelho, e Afonso Sardinha, o moço, aos quais deixou ordens do que nesteparticular poderiam fazer, e que seriam mostradas ao Capitão GonçalvesLasso, por serem os ditos descobridores pessoas que bem o entendiam. [Página 285]

Não pode ser posto em dúvida que D. Francisco de Sousa mandou ao sertão André de Leão e mais companhia descobrir minas. Ele transportou-se da Bahia a S. Paulo com o intuito de partindo do sul, descobrir os metais preciosos que os irmãos João Coelho de Sousa e Gabriel Soares de Sousa não tinham conseguido achar partindo do norte.

Chegando a S. Paulo, com todo o seu aparato de Governador-geral do Brasil, tomou todas as providências para tal descobrimento promovendo a entrada com os elementos paulistas. A prova está no regimento, que em S. Paulo deu a DiogoGonçalves Lasso, a 19 de julho de 1601, publicado no Registro Geral da Câmara da vila de S. Paulo no volume 1º, págs. 123 a 126, no qual por duas vezes o Governador-geral expressamente se refere a uma entrada,

confiada a André de Leão, nos seguintes termos:

... “Sendo caso com o favor de Deus e da Virgem Nossa Senhora deMonserrate venha recado de serem achadas as minas de prata, que “André de Leão” com mais companhia foi buscar, logo ordenareis de me avisardes com recado e cartas que trouxerem”... “mando ao Capitão Roque Barreto e ao ProvedorPedro Cubas vos dêem... embarcação no porto de Santos por conta da fazenda desua majestade e todo o mais aviamento necessário que se lhes pedir e requererpara o efeito de se mandar este aviso e entretanto”... “sucedendo que “André deLeão”, ou pessoa que em seu lugar servir, vos peça algum favor para bem das ditas minas a que o mando, por lhe ser necessário, por causa do gentio inimigo quelá se achar, logo procurareis de o socorrer com a gente desta capitania... comotambém pedireis ajuda e ... ao dito Capitão Roque Barreto (e) vilas de Santos eS. Vicente...”Esse “regimento” está muito estragado pelas traças, masconserva frases suficientes para se concluir que D. Francisco de Sousa mandou André de Leão e mais companhia descobrir e buscar determinadas minas, as minas de prata. Estava ele tão seguro de asachar que determinava ao seu Capitão Gonçalves Lasso e às autoridades locais todas as providências necessárias, mesmo por conta de SuaMajestade, para que a notícia do descobrimento lhe fosse levadaonde ele estivesse.No tempo em que, vindo da Bahia, D. Francisco de Sousa, esteve pela primeira vez em S. Paulo, aí vivia Guilherme Glymmer, flamengo, que tomou parte em uma expedição ao sertão e que dela fezuma descrição, que encontrou abrigo na obra de P. Maregrave – históriaBotânica do Brasil – nos termos seguintes:“Julgo a propósito inserir aqui o roteiro que recebi de WilhelmGlymmer, nosso compatriota. Conta ele que, na época em que vivia na Capitania deS. Vicente, chegara àquelas paragens, vindo da Capitania da Bahia, Francisco deSousa; pois recebera de um brasileiro um certo metal, extraído, segundo dizia, dosmontes Sabaroason, de cor azul-escura ou celeste, salpicado de uns grânulos cor deouro. Tendo sido examinado pelos entendidos em mineração, reconheceu-se que essemetal continha, em um quintal, trinta marcos de prata pura. Fascinado por essaamostra, o governador, julgando conveniente explorar mais cuidadosamente essesmontes e as minas que eles encerravam, resolveu mandar para lá setenta ou oitentahomens, entre portugueses e brasileiros. Fez parte dessa expedição o nosso Glimmer,que dela faz a seguinte descrição:
[Páginas 289 e 290]

Martim Rodrigues Tenório era espanhol. Em 1589 estava casado com Suzana Rodrigues, viúva de Damião Simões, sapateiro (Inv. e Test., vol. 1º, pág. 13) da qual teve quatro filhas. Elvira, casada com o carpinteiro Cornélio Darzan, Maria, Ana da Veiga e Suzana (com 15 anos em 1612) casadas, respectivamente, com Clemente Álvares, também investigador de minas do Jaraguá, Teodósio da Fonseca e João Pais. Teve mais três bastardos.

Na vereança de 6 de setembro de 1608 consta que os oficiais da Câmara reuniram o povo para eleger um vereador para substituir Martim Rodrigues, que era ido ao sertão (Atas, vol. 2º, pág. 217). De fato, em 1608, fez ele uma entrada “ao sertão onde estavam os bilreiros”, partindo do porto do Anhembi, assim o declaram Lourenço Gomes Ruxaque e Manuel Dias, em seus testamentos (Inventários, vol. 2º, pág. 358 – vol. 11, pág. 23). Foram testemunhas do testamento de Lourenço Gomes Ruxaque, Baltasar Gonçalves, João de Santana, Brás Gonçalves, Manuel de Oliveira, João Pais e o capitão Martim Rodrigues (Idem, pág. 360) e no de Manuel Dias além de alguns mencionados no testamento de Ruxaque, Diogo Martins Manuel de Oliveira. Parece que essas pessoas, estando no porto do rio Anhembi, como testemunhas dos testadores, que iam na companhia de Martim Roiz Tenório, também fizeram parte da sua bandeira. Parece também que a maior parte dessa bandeira desapareceu, pois que ao se iniciar o inventário de Martins Rodrigues Tenório, alguns anos depois, o escrivão declara em 1612, “que ele era ido ao sertão e se dizer que era lá morto” (vol. 2º, pág. 5). Mais uma bandeira que o sertão consumia.Sobre a entrada de Belchior Carneiro o seu inventário (vol. 2º, págs. 111 e seguintes) ministra algumas informações, e também as fornece as atas da Câmara da vila de S. Paulo numa longa, se bem que muitoconfusa, vereança (Atas, vol. 2º, págs. 234 a 237).

Belchior Carneiro era, como já ficou dito, filho de Lopo Dias, português, e de sua primeira mulher, Beatriz Dias, filha ou neta de Tibiriçá. Foi casado com Hilária Luís Grou, filha de Domingos Luís Grou e de Maria da Penha, que era filha do cacique de Carapicuíba. (Página 330)

que as peças do gentio pertencentes a seu marido trazidas do sertão, sejam lançadas como peças forras, e partilhadas entre seus filhos.

O governador D. Francisco de Sousa, já de volta na terra a 4 de outubro de1609, declara “que não se podem lançar em partilhas nenhumas peçaspor serem forras”. O Juiz de Órfãos replica a esse despacho dizendoque os índios e serviços forros não se podem pôr em inventários nempartilhá-los, mas devem eles ser entregues à viúva para com eles sustentar seus filhos. O governador manda ouvir a respeito o Juiz dos índios,Estêvão Ribeiro, o dos Órfãos, Gaspar Conqueiro, e ambos informamque é uso e costume da terra lançarem-se as peças em inventário e entregá-las à viúva para sustento dos órfãos. À vista desses pareceres, manda o Governador lançar as peças no inventário (vol. 2º, págs. 163 a 165).Em Madri, D. Francisco de Sousa conseguira que o governogeral do Brasil fosse dividido em dois, continuando a sede do primeiroem Salvador na Bahia, e que o segundo fosse constituído pelas capitaniasdo Espírito Santo, Rio de Janeiro e S. Vicente, abrangendo as minas adescobrir, sua preocupação máxima, sob a denominação de Repartiçãodo Sul. Desta foi ele nomeado Governador, assim na administração dajustiça, como da fazenda e das minas e imediatamente somente sujeitoao rei, com muitos privilégios e promessas de mercês. Havia convencidoao governo de Filipe III da certeza que nutria do descobrimento das famosas minas, que iriam abastecer o tesouro espanhol.Fez-se de vela a 22 de janeiro de 1609, gastou 28 dias na viagem e aportou em Recife a 19 de fevereiro desse mesmo ano (C. deAbreu).Acompanhado do escrivão de sua Câmara, João de Santa Maria, fez em Pernambuco a 4 de março de 1609, trasladar a comunicaçãoda divisão do governo-geral em dois, do qual seria ele o governador darepartição do sul, e fez seguir a participação régia dessa divisão ao Governador-Geral do Brasil, então D. Diogo de Meneses. Não tocou naBahia. Quis evitar o encontro desagradável com o Governador-Geral,cujos poderes ficaram diminuídos.

Pode-se seguir a sua viagem desde Pernambuco, na costa do Brasil, pelas atas da Câmara, que a foram registrando (Atas de janeiro de 1609). Em janeiro de 1609, a Câmara esperava a qualquer momento DFrancisco de Sousa e o ouvidor-geral, e “mandou fazer o caminho do mar (vol. 2º pág. 232); a 25 de abril de 1609, ainda o esperava e o caminho do mar ainda estava por fazer (Idem, pág. 242); a 26 de abril do mesmo ano, tiveram notícia certa de que D. Francisco de Sousa já estavano Rio de Janeiro, e estavam todos moradores da Capitania apenados em fazer o caminho do mar (Idem, pág. 243).

D. Francisco chegou afinal à capitania de S. Vicente, trazendoem sua companhia dois filhos, D. Antônio, o mais velho e D. Luís, aindamenor.A 3 de novembro de 1609 fez registrar nos livros da Câmaraquatorze provisões régias que lhe davam na Repartição do Sul poderesidênticos ao do Governador-Geral do Brasil, e mais os poderes de fazerfidalgos a quatro pessoas, a conceder o foro de cavaleiros da casa real acem pessoas e o de moços da Câmara a outros cem, de conceder dezoito hábitos de Cristo, sendo doze com 20$000 de tença e seis com50$000, podendo ainda nomear capitão e governador das minas, proveros ofícios de justiça, de provedor e tesoureiro, nomear mineiros edar-lhes ordenado e ainda com ordem aos governadores do Rio da Pratae de Tucumã para o proverem de trigo e cevada. Todas essas provisõessão dadas de 2 de março e 16 de junho de 1608 (Reg. Geral, vol. 1º, págs.188 a 207).D. Diogo de Meneses na Bahia conturbou-se e amargamentequeixou-se ao rei de Espanha por ver separados do seu governo as capitanias do Espírito Santo e de S. Vicente, que incluía o Rio de Janeiro.Julgou-se até afrontado, agravado e francamente manifestou os inconvenientes dessa separação, que dava a D. Francisco de Sousa a administração de todas as minas a descobrir (Anais da Biblioteca Nacional, vol. 57,págs. 52 e 53). Na confusão e ignorância geográfica, então existentessobre as divisas entre as capitanias, as minas a descobrir poderiam estarsituadas na parte do território do seu governo, o que causaria sériosconflitos administrativos, sem solução imediata e com grave prejuízopara todos. Esse era, sem dúvida, um grave inconveniente, mas condicional, dependendo do descobrimento das minas.Mas o principal, e ele o acentuava, era que as três capitaniasseparadas eram pobríssimas, nada valiam por si, não poderiam se sus [“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Páginas 333 e 334]

D. Francisco de Sousa, no regimento já referido,14 dado em1601 a Diogo Gls. Lasso, menciona, como motivo da proibição da idaàs minas, descobertas e por descobrir, a “falta de mineiros” para o respectivo benefício, mineiros que mandara vir e os estava esperando, a fimde que as achassem intactas e vissem que se falou verdade a S. M. (Reg.Geral, vol. 1º, pág. 124).Intactas deviam, ainda em 1601, ficar as minas, era a ordemdo Governador Geral, e se os Sardinhas foram autorizados a lá ir e adescobrir outras, não podiam explorá-las.As chamadas minas do Jaraguá, Bituruna, foram também descobertas por Clemente Álvares (Atas, vol. 2º, pág. 172) que as manifestou em 1606, procurando-as, segundo disse, desde 14 anos, época maisou menos em que também as descobriram os Sardinhas, nada produziamainda, dois anos depois do testamento de Afonso Sardinha, o moço, nosertão. E nada tinham produzido, porque o próprio Clemente Álvarespede que se registre o seu descobrimento em Jaraguá para “não perder oseu direito, vindo oficiais e ensaiadores que o entendam, por ele não oentender senão por notícia e bom engenho”. No tempo em que as manifestou, em 1606, as minas de Jaraguá ainda esperavam os mineiros eensaiadores.

Não tinha ainda havido exploração, estavam ainda intactas, conforme determinara D. Francisco de Sousa. Se houvesse produção o Fisco, curioso e ávido, não teria deixado de arrecadar os quintos para receber as porcentagens. As penas para quem guardasse ouro em pó eram severíssimas, e importavam em confisco desse metal, em multas pecuniárias, açoites nas ruas públicas, degredo para Angola, devendo todos reduzir o ouro a barras, depois de quintado (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 93 e 94).

De 19 de julho de 1601, data em que o Governador-Geral do Brasil em atividade febril em S. Vicente para descobrimento de ouro, declarava intactas as minas de S. Paulo (Regto. dado a Diogo Gonçalves Lasso, no Registro Geral, vol. 1º, págs. 123 a 126) até setembro de 1602, época provável da partida da bandeira de Nicolau Barreto para o sertão, na qual tomaram parte Afonso Sardinha, o moço, e o Padre João Alvres, redator este do testamento do dito Sardinha (Inventários e Testamentos, vol. 1º, pág. 489 e vol. 11, pág. 17), em um ano e dois meses, portanto, não poderia esse bandeirante, em terra muito pequena e muito pesquisada, ter extraído das escassas minas 80.000 cruzados em ouro em pó, e muito menos ainda, enterrá-los em botelhas de barro.

Deve haver na informação referida por Azevedo Marques,quanto à quantidade de ouro, ou erro de impressão ou de cópia, ou deescrita do Padre João Alvres ou do ditado de Afonso Sardinha, o moço.Afonso Sardinha, o velho, teria morrido em 1616, segundoAzevedo Marques (Cronologia).Afonso Sardinha, o moço, teve pelo menos dois filhos, Thereza que se casou com Pero da Silva, a quem o velho Sardinha fez doação de 500 braças de terra, e um filho que se chamou Pedro Sardinha.Este morreu no sertão dos Carijós na bandeira de Lázaro da Costa em 8de dezembro de 1615. Silva Leme, na Genealogia Paulistana (vol. 6º, pág.186, em nota, e vol. 1º, pág. 76) dá a descendência de uma filha deAfonso Sardinha, que ele chama de Luzia. A notícia desta descendênciaestá confusa, a começar pelo nome da filha de Afonso Sardinha,o moço,casada com Pero da Silva, que se chamava Tereza e não Luzia, como sevê no testamento de seu irmão Pero Sardinha (Inv. e Test., vol. 3º, pág.397).Pero Silva, casado com Tereza Sardinha, foi inventariante dosmesquinhos bens do bandeirante, seu cunhado, conforme se vê no seuinventário feito em São Paulo, em 10 de abril de 1616 (Inv. e Test., vol. 3º,pág. 397).Quando recentemente demolida, 1896-97, a Igreja do Colégioda Companhia de Jesus, em São Paulo, foi encontrada a pedra tumular,que marcava o lugar em que foram sepultados Afonso Sardinha, o velho, e sua mulher. Dessa pedra foram tiradas fotografias, publicadas nonº 1 da revista São Paulo Antigo e São Paulo Moderno, pelos editores Vanorden & Cia.Essa pedra está hoje no Museu Paulista.

Pelo estudo feito neste parágrafo, baseado nos documentos autênticos locais, deve-se concluir que nenhum dos Afonsos Sardinhas teve propriedade em Jaraguá; que a fazenda de Afonso Sardinha, o velho, onde ele morava e tinha trapiches de açúcar estavam nas margens do rio Jerobativa, hoje rio Pinheiros, e mais que a sesmaria que obtivera em 1607 no Butantã nada rendia e que todos os seus bens foram doados à Companhia de Jesus e confiscados pela Fazenda Real em 1762 em São Paulo. Se casa nesta sesmaria houvesse, deveria ser obra dos jesuítas. Pelo mesmo estudo se conclui que Afonso Sardinha, o moço, em 1609 ainda tinha a sua tapera em Embuaçava, terras doadas por seu pai. Não poderia ter 80.000 cruzados em ouro em pó, enterrados em botelhas de barro. Quem possuísse tal fortuna não faria entradas no sertão descaroável nem deixaria seus filhos na miséria.

Brás Cubas é também morador antigo da Capitania de S. Vicente; mas este não foi um conquistador. Pertence ele mais ao elemento “administração portuguesa”, ao funcionalismo da colônia, no qual foiprovedor da Fazenda Real, arrecadador de direitos de el-rei, nosso senhor, uma espécie de inspetor aduaneiro, concorrendo para a fundação da povoação de Santos e da construção da casa da alfândega e da Santa Casa de Misericórdia. Exerceu por vezes o cargo de capitão-mor em nome do donatário. Obteve muitas sesmarias e datas em Santos, delas fez doações a ordens religiosas e era grande demandista, segundo se depreende dos documentos coevos e de uma carta de Manuel da Nóbrega,na qual fala nos litígios que ele manteve com Pero Correia, que entrou para a Companhia de Jesus. Segundo alegação de seus serviços, fez uma entrada no sertão à procura de minas, em companhia de Luís Martins, informando descobrimento de ouro em Jaraguá, entrada analisada por Lobo Leite Pereira em estudo publicado no Arquivo Mineiro. Essa entrada é posta em dúvida e só consta na carta que escreveu ao rei. Brás Cubas só teve filhos bastardos. [Páginas 201 e 202]

Ele era meio sangue indígena e unido a meio sangue tambémindígena.Foi cabo da bandeira que em 1607 entrou pelo sertão dos bilreiros a cativar índios a mandado de Diogo de Quadros, provedor dasminas, a fim de arranjar mão-de-obra para uma fábrica de ferro quehavia em Ebirapoeira, na qual se fabricavam coisas para resgate.

Belchior Carneiro tomou parte na entrada de Antônio de Macedo e de Domingos Luís Grou, seu sogro, a qual na volta, fora desbaratada perto do rio Jaguari; fora um dos membros da companhia de Nicolau Barreto e, parece, fizera uma entrada por sua própria conta no sertão dos índios temiminós (Inv., vol. 2º, pág. 111).

Por estar de caminho para fora Belchior Carneiro fez o seutestamento em 8 de março de 1607 e deixou-o em mãos de seu cunhadoBelchior da Costa, que por muitos anos foi escrivão na vila de S. Paulo.Era um experiente sertanista e por isso foi escolhido por Diogo de Quadros para buscar gente para o engenho de ferro. Levara emsua bandeira cunhas, escopros, facões, e mais ferramentas de ferro pararesgatar com os índios (vol. 2º, pág. 198).A bandeira de Belchior Carneiro, a mandado de Diogo deQuadros, com o fim ostensivo de descobrir minas de ouro, prata e maismetais, mas com o objetivo de cativar índios, era composta de 40 a 50homens brancos e mais índios auxiliares1.Apesar de ter tomado diversas notas em um canhenho, que seacha junto aos autos do seu inventário, nada escreveu sobre o roteiro daexpedição que dirigiu. Ninguém a tal respeito escrevia, porque essas entradas eram fatos corriqueiros na capitania. Essas notas se referem principalmente ao lado financeiro da entrada. Mas falam em créditos e débitos feitos para realizá-la, e designam vagamente lugares em que lá estiveram. Assim falam em um dom que deveria ser feito ao Principal dos bilreiros, em um facão para comprar uma peça dos bilreiros; um soldado de bandeira apresenta-se credor do valor de 150 mãos de milho que lhedeu, quando estavam entre os bilreiros. A expedição fora resgatar combilreiros. Bilreiros, segundo alguns cronistas (Simão de Vasconcellos, Joãode Laet), eram nomes portugueses que em tupi designavam os ibirajaras;porque usavam como armas paus ou lanças de madeira.Segundo a carta do Padre José de Anchieta (Cartas Jesuíticas,vol. 3º, págs. 79 a 83), os irmãos Pedro Correia e João de Sousa, enviados aos ibirajaras, foram trucidados por esse gentio. Parece que essas tribos estavam então vizinhas dos carijós.A bandeira de Belchior Carneiro teria ido, portanto, a resgatarao sul de S. Paulo.Mas no inventário de Belchior Carneiro (Inv. e Test., vol. 2º,pág. 158) feito no sertão, se declara que foram entregues a seu cunhado,Mateus Luís Grou, como curador, 26 peças do gentio temiminó quecouberam a Belchior Carneiro, de suas partilhas, que juntas a seis decasa, faziam ao todo 32. Tal declaração parece indicar que o sertão emque eles estavam, era dos temiminós, e nessas condições poderia ter sidona bacia do rio S. Francisco onde também povoaram os temiminós, em1603, ao tempo da penetração da bandeira de Nicolau Barreto, bandeirada qual fez ele parte, e conhecendo, portanto, o roteiro. É possível também que esses temiminós, nômades, já vencidos, se tivessem retiradopara o sul da capitania de S. Vicente.Nessa expedição Belchior Carneiro morreu no sertão a 26 dejunho de 1608; mas não se declara qual a causa de sua morte; assumiu,então, o comando da bandeira Antônio Raposo, o velho, que mandoufazer, no mesmo sertão, o inventário dos bens encontrados aí de seu antecessor. Por esse inventário pode-se constituir a lista de alguns dos bandeirantes que lá estiveram, pelos diversos termos lavrados onde se encontram os respectivos nomes dos arrematantes e fiadores.Em 29 de dezembro de 1608, já era conhecida a morte dessecabo, pois que seu cunhado Belchior da Costa apresentou ao juiz o inventário (vol. 2º, pág. 112) feito no sertão e nesse dia se iniciou o legalna vila de S. Paulo.Há uma circunstância interessante a notar, que já constituíadireito costumeiro na vila de S. Paulo, a qual se refere à garantia da liberdade dos índios. E é a ela que a viúva Hilária Luís alude quando requer [Páginas 331 e 332]

À margem esquerda do Iñeai (alto Ivaí) situaram S. Paulo (1627) e nessa mesma margem S. Antônio (1628) no lbiticoí. A leste do Taiobá e ao sul de Taiati ficava S. Miguel de Ibituruna (1628). No mais alto das serranias, Jesus Maria em terras do cacique Guiravera, a última fundada, em 1630. A leste destas duas últimas e de Encarnación estava S. Pedro, fundada em 1627. Na margem direita do Iguaçu quase na sua foz no Paraná, estava Santa Maria Maior fundada em 1626. Em 1628 já haviam fundado Arcângelos.Havia nessa região, como se vê, duas cidades espanholas e quatorze reduções jesuíticas.

A raça guarani, que os portugueses chamavam carijó, tinha aí, ao norte, maior número de representantes. Mas nos Campos, que correm desde as ásperas serranias, onde nasce o Ivaí até próximo ao Iguaçu, campos de onde se avista o oceano, dominavam índios que se chamavam Camperos ou Guarairu ou Cari-iru, Cabeludos ou Coroados, e Guaranis. O primeiro nome foi dado pelos espanhóis aos moradores, em razão do lugar que ocupavam; o segundo e terceiro deram os naturais do país, por causa de dois poderosos caciques que aí dominavam; oquarto era dado porque os índios cuidavam muito do cabelo que deixavam crescer abundante, tanto homem como mulher, raspando, porém,as cabeças de modo a abrir coroas. E o último era uma designação geraladotada pelos espanhóis.Confinando com estes havia os Guañañas tão alvos, que sesupunham descendentes de náufragos espanhóis. Eram selvagens de outra língua e de outra raça, e foi com eles que os jesuítas fizeram a redução de Conseption de los Gualachos.Havia, por aí, naturalmente, outras tribos de raças diversas, elínguas diferentes, ilhadas nesse território.Dificilmente se poderá avaliar precisamente a população indígena que aí habitava e aquela que foi reduzida pelos padres. Dela se podedizer que em Santo Inácio e Loreto, que eram os mais importantes estabelecimentos, havia na primeira umas 900 famílias, com 4.500 pessoas, ena segunda 800 famílias, com 4.000 pessoas aproximadamente.Caminhando, porém, para o nordeste, em parte fugindo dosespanhóis, para preservar a colossal obra de civilização que empreende [Página 334]

Jerônimo Leitão, após consultas prudentes, e a instâncias das Câmaras e dos povos da Capitania de S. Vicente, lá esteve, como já narrei no Capítulo XIII, para fazer a guerra aos carijós. E desde essa época,nos inventários, aparecem descrições de índios carijós escravizados.Uma dessas expedições partiu em fins de 1585, e em abril de 1586 ainda estava nesse sertão, o que se deduz da vereança de 7 de abril de 1586(Atas, vol. 1°, pág. 293). [“Na c“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasilapitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Página 349]

O Padre Pero Lozano conta – Conquista del Rio de la Plata, vol.1º, pág. 422, da qual tomo grande parte das notícias aqui dadas que pelosanos de 1600 os mamelucos de S. Paulo cativaram índios Guananás, queuns chamam Gualachos e outros Guaianás, que viviam no rio Iguaçu ecom eles fundaram um povo que entregaram a um clérigo português;mas, tais vexações receberam esses índios dos paulistas e do clérigo, queuns 600 deles fugiram.E em 1607, Manuel Preto, vindo de Vila Rica, trouxera muitos temiminós, que no caminho encontrara (Atas da Câmara de S. Paulo,vereança de 7 de janeiro e 11 de fevereiro de 1607, vol. 2º, pág. 184).Em 18 de fevereiro de 1607, diversos homens poderosos,cujos nomes por essa razão não são talvez mencionados, revéis e desobedientes aos mandos das justiças, se aprontavam para ir aos carijós (Atas,C. S. Paulo, vol. 2º, pág. 190). Esse comércio começara a ser tão lucrativo que Belchior Roiz, de Birapoeira, no termo da vila de S. Paulo de Piratininga, com tenda de ferreiro queria ir para Apiassava das canoas, ondecostumavam a desembarcar os carijós, que à vila de S. Paulo vinhama resgate; e porque “isso causaria muito prejuízo à vila”, a Câmaraproibiu a ida de Belchior Roiz (Atas, vol. 2º, pág. 198).Em 1611, Pedro Vaz de Barros, comandando 32 homens,brancos e muitos índios tupis, em Guairá, teve “dares e tomares” com D.Antônio de Añasco, conforme este relata numa carta a Diego MarinNegron, a 14 de setembro do ano acima indicado (Anais do Museu de S.Paulo, vol. 1º, pág. 154).Pedro Vaz de Barros ia com um mandado de D. Luís de Sousa,filho menor de D. Francisco de Sousa, e que ficara governando a repartição do sul, por morte de seu pai e ausência de seu irmão D. Antônio deSousa, para buscar índios para trabalho das minas. Este mandado estátranscrito nos Anais do Museu Paulista (vol. 1º, pág. 148 e seguintes).

Em 1612, Bartolomeu de Torales escreve ao Governador Diogo Marin Negron que Sebastian Preto, português de S. Paulo levou cinco caciques com muitos índios para a dita vila de S. Paulo (Idem vol. 1º, pág. 158) o que é confirmado por carta do cabido de Ciudad Real,calculando o número de índios em 3.000 (Idem, pág. 159).

Em 14 de dezembro de 1615, Lázaro da Costa era capitão-mor de uma bandeira, que se achava postada no sertão dos carijós, e da qual faziam parte Pero Sardinha, neto de Afonso Sardinha, o velho, eque lá morreu, o Alferes-Mor Lourenço de Siqueira, João Pereira, Paulodo Amaral, Francisco Nunes Cubas, Aleixo Jorge, Alonso Peres Calhaniares, Romão Freire, Theodosio de Saavedra, Luís Delgado, BalthasarGlz., Gaspar dos Reis, Manuel Roiz, Simão Fernandes, João de Sousa,Antonio Roiz Velho, o Araa (Inv. e Test. vol. 3º, pág. 391 e seguintes).Em 1618, Manuel Preto, já freqüentador dessas paragens,com uma imensa bandeira, acometeu a redução de Loreto, na foz do Pirapó, afluente do Paranapanema; mas se retirou atendendo aos rogos ouàs ameaças do Padre Antônio Roiz de Montoya. Ao retirar-se, já na fozdo Tibagi, fez prisioneiros diversos índios. Afirmou o Padre Montoyaque nessa retirada Manuel Preto foi acometido por um tigre, que o feriuna cabeça e duas vezes nos braços, e que isso, lançando o pavor na bandeira, salvou 900 índios que já iam aprisionados, os quais o Padre Cataldino levou para as reduções de Loreto e de Santo Inácio. Veio mais tarde Manuel Preto a morrer de um flechaço no sertão (em 1630?).Em 1623, a 18 de novembro, outra bandeira de que faziamparte Henrique da Cunha, o velho, João Gago da Cunha Lobo, João Raposo, Diogo Barbosa Rego, Mateus Luís Grou, Jeronimo Abres, Jerônimo da Veiga, estava acampada no sertão dos carijós (Inv. e Test., vol. 1º,pág. 208 e seguintes).André Fernandes, de Parnaíba, foi grande matador de índios eo mais cruel dos invasores, e, segundo o extrato de Pastells (obr. cit.,pág. 461), fez lá entradas.A mulher de André Fernandes, entretanto, Antonia de Oliveira,no seu testamento, em 1632 (Inv. e Test., vol. 8º, pág. 311) declara solenemente que os gentios que possuía o casal, muitos vieram de suas terraslivremente sem ninguém ir por eles, só pela fama do bom tratamentoque seu marido a eles dava.Em 1º de julho de 1623, o procurador da Câmara informaque a vila estava despejada de moradores por terem ido quase todos aosertão (Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 3º, pág. 41).Mas cativando índios infiéis no Guairá, as bandeiras tiveramconhecimento pleno das numerosas reduções, que aí os padres jesuítasespanhóis pacificamente criavam para cristianização dos aborígines, eque os paulistas julgavam estabelecidas em terras da coroa de Portugal. [Páginas 350 e 351]

*“Na capitania de São Vicente”. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil
Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 269
Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 270
Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1959
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 272
Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 273
Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 274
Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 276
Na capitania de São Vicente
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 285
“Na capitania de São Vicente”
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 287
“Na capitania de São Vicente”
Data: 01/01/1957
Créditos: Washington Luís (1869-1957)
Página 297


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