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Fragmentos de História: índios e colonos em Sorocaba - 1769-1752, 09.2012. Erik Petschelies
setembro de 2012. Há 12 anos
A prova disso seria um mapa de Guilherme Blaeu, de 1640, em que a região de Sorocaba aparece em território Tupiniquim e as urnas funerárias encontradas na cidade. No entanto, um estudo recente, publicado na REU (Revista de Estudos Universitários) da Uniso (Universidade de Sorocaba), demonstrou que o mapa citado como prova pela historiografia sorocabana é incorreto, tratando-se de uma sobreposição moderna de dois outros mapas, o Plata Americae provincia de Corneille Wytfliet e o Accuratissima Brasilae Tabula de Joannes Janssonius. [0]

Almeida afirma que “os sorocabanos viviam, pois, de caçar índios para as suas fazendas e vendêlos e procurar ouro em todos os montes, barrocas e córregos” (ALMEIDA, 2003, p. 52), quandona verdade o número excessivo de mão-de-obra indígena nas fazendas revela que o comércio deíndios ao nordeste açucareiro era ínfimo comparado ao movimento bandeirante e concentrava-se,sobretudo no excedente de contingente (MONTEIRO, 1995a, p. 78).A mão-de-obra indígena, fator primordial para a economia regional e centro do projetocolonialista (MONTEIRO, 1995a, p. 136), era resultado não apenas de excursões que visavam osíndios em suas sociedades nativas, mas também nos aldeamentos onde recebiam instruçãoreligiosa jesuítica. André Fernandes, irmão de Balthazar, detinha uma maciça força de trabalhoindígena proveniente do aldeamento de Barueri, localizada próxima a Santana de Parnaiba(MONTEIRO, 1995a, p. 169). Sorocaba, cujo montante inicial de escravos era das Missões do Guairá, também recebeu índios do aldeamento de Barueri, contra, evidentemente, a vontade dos jesuítas, que lutavam pela alma e pelos corpos indígenas.

A disputa acirrada entre colonos e jesuítas culminou na expulsão destes na década de 1630 da capitania de São Vicente, embora tenham sido restituídos em 1653 sem o direito de administrar os aldeamentos 15. Os índios, apesar do protesto dos jesuítas contra as relações de exploração a que os nativos eram submetidos pelos colonos, recebiam tratamento semelhante nos aldeamentos (MONTEIRO, 1995a, p. 125), como pode ser visto pela quantidade de índios de padres e do mosteiro, e como são designados: servos e do serviço. Enfim, o transporte do aldeamento de Barueri de índios a Sorocaba parece ter existido, pois Thomazio, filho de Marcelino “e de sua mulher, Janeroza, servos de Catharina da Costa” (em 26/02/1689) foi batizado pelo branco Domingos Ferreira e por “Maria índia, da aldeia de Marueri”17.

O termo “índia” se refere explicitamente a uma pessoa vinculada ao aldeamento, diferentemente dos outros registros que classificam os índios como gentios, carijós, negros ou servos. Carijó, aliás, era a denominação dada aos Guaranis, mas com a sua escravização sistemática, o termo acabou tornando-se uma categoria para nomear índios escravizados. Os índios eram assim vistos como “remédio para a pobreza” em um discurso moralizante em que a escravização se justificava pela viabilização do sustento material dos colonos e pela ideologia civilizatória que cristalizava a servidão como um serviço a Deus, ao reino e aos próprios índios.

A servidão dos índios situava-se em uma legislação indigenista que classificava asrelações luso-ameríndias em graus de amizade e permitia a escravidão de índios capturados em “guerra justa”, sendo este um conceito apropriado pelos colonos segundo seus interesses. Assim, quando em 1691 foi proclamada a liberdade total dos índios, cinco anos depois foi proclamada uma carta régia que concedia aos colonos a administração particular dos índios (MONTEIRO, 1995a, p. 15). Monteiro (1995a, p. 140) afirma que mesmo que os índios fossem livres pelas leis do reino, eles eram incluídos entre as posses dos colonos no inventário e passados adiante, fazendo com que ocorresse uma constante reelaboração da mão-de-obra indígena nas propriedades através dos inventários. Assim, no livro de batismo de Sorocaba, está registrado que com a sua morte a dezoito de maio de 1703, Marianna Leme “deixou de esmola a Francisca, filha de Bras Moreira, sua peça”18. A importância dos índios é realçada quando estes não são apenas citados nos inventários (onde em determinadas épocas nem poderiam estar porque pelas leis régias não poderiam ser escravizados), mas também nos registros de óbito. Maria Luiz, esposa de Amaro Vicente, “ordena por morte do marido fiquem suas almas carijós a duas filhas e hum rapaz a hum filho cujos nomes se vem no testamento por obras pias”19. A mesma forma, quando Ascença Fernandes não deixou testamento, “por ser muito pobre, não ter nada de seu” 20, isso deve incluir servos indígenas, o que ocorre com relativa frequência nos registros.

É nesse contexto que se encontrava a vila de Sorocaba: um intenso movimento de índioscapturados de diferentes grupos, com um aumento demográfico considerável (BACELLAR,2001, p. 29), e uma viva movimentação de comerciantes que se deslocavam entre a vila e asregiões de Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás, sustentando as paragens necessárias para escoar oouro. [Página 287]

Entretanto, a historiografia sorocabana exclui dessa dinâmica os índios, reservando-lhesum papel secundário na formação da vila de Sorocaba, e deslocando a sua existência a temposimemoriais.A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA PRIMITIVIDADE CULTURAL INDÍGENAAlmeida (1969, p. 15), referindo-se ao Peabiru, um caminho pelo qual índios sedeslocariam antes da colonização, afirma que “no século da descoberta, havia indígenastransitando por Sorocaba, por um caminho terrestre-fluvial, que ligava o litoral Atlântico, ondeseria São Vicente, ao Paraguai”. Assim “da passagem de índios dos grupos tupi por Sorocaba, emseu nomadismo, a certeza é completa. Deles restaram os topônimos: Sorocaba, terra devoçorocas”21. Os índios, segundo Almeida (1969, p. 16), costumavam se estabelecer“temporariamente em aldeias”. Portanto,

Os limites dos vários grupos tupi-guaranis, embora mais diluídos que as fronteirasestaduais existiam. Sorocaba era, já então, uma encruzilhada aonde convergiam, poronde viajavam e se limitavam, os tupis do Tietê, os tupiniquins e guaianazes dePiratininga, os carijós dos campos de Curitiba, os guaranis do Parapanema e outrosguaianazes, talvez, das nascentes desse rio (ALMEIDA, 1969, p. 17).

Os topônimos, a nomeação de acidentes geográficos, são vistos em Sorocaba como umdos reflexos da presença indígena pré-colonial na região, que distribuíram nomes em Tupisegundo seus preceitos, deixando um legado à história e ao habitante moderno. Assim, nãoapenas o nome da cidade teria sido dado pelos índios, como também inúmeros outros locais,como o município de Votorantim (morro de água branca) e o rio Ipanema (água ruim), entreoutros. No fascículo “Sorocaba 350 anos – Uma história Ilustrada” lê-se: [Fragmentos de História: índios e colonos em Sorocaba - 1769-1752, 09.2012. Erik Petschelies. Página 288]

Da presença e da passagem pela região desses povos primitivos e nômades, classificados como Tupiniquim, do grande grupo Tupi, restaram principalmente os nomes por elesdados aos diferentes locais que percorreram ou nos quais se fixaram por algum tempo.Eles levam sempre em consideração algum aspecto relevante da geografia, o que permitesaber, a partir de estudos lingüísticos, como era a vegetação, o relevo, a rede hídrica e osolo da região antes da chegada dos povoadores 22 (BONADIO; FIOLI, 2004, p. 30).Há, entretanto, um problema que esta nomeação não esclarece. A historiografiasorocabana prega que antes da fundação da vila moravam naquela região índios, e que ospovoadores chegaram ali quando os índios já não se encontravam mais. Ora, se não houvecontato entre índios e brancos, como os brancos puderam saber como os índios chamavam oslocais que habitavam? Certamente os índios não escreveram os nomes nos próprios locais, já queos índios não escreviam.Parece-se ignorar que a língua falada em São Paulo até o século XVIII era a língua geral,o nhengatu, uma variação do tupi, que até hoje é falada em algumas regiões da Amazônia(VIVEIROS DE CASTRO, 2008). Aluísio de Almeida aponta que, em 1688, o padre Belchior dePontes pregou em tupi em Sorocaba, e que no século XVIII alguns colonos pediram pregadoresbilíngues (2003, p. 15). Os índios trazidos do sertão eram catequizados por estes padres bilíngues(2003, p. 127), sendo que os índios, mesmo não sendo tupis falavam a língua geral, tal seussenhores (2003, p. 15). Destarte, os topônimos podem ter sido dados pelos escravos ou mesmopelos bandeirantes que se comunicavam em nhengatu.O estudo dos povos indígenas na região de Sorocaba é limitado ao período anterior àpovoação de brancos23 e, portanto, “pertence à arqueologia, pois foram desenterradas as igaçabasde seu cemitério [dos índios], na confluência de um riacho com o [rio] Ipanema, lá por 1950”(ALMEIDA, 1969, p. 17). O que fica evidente com o título do segundo fascículo editado pelojornal Cruzeiro do Sul, escrito por Bonadio e Frioli (2004): “Presença do índio marca pré-história22 Novamente a primitividade dos índios Tupiniquim é evocada, e a sua presença estagna-se antes dos povoadores. Ogrande grupo Tupi é uma referência aos povos falantes de línguas pertencentes ao tronco lingüístico Macro-Tupi.23Nem tão brancos assim, visto que o próprio Balthazar Fernandes era filho de uma mameluca, Suzana Dias, filha doportuguês Lopo Dias e de Beatriz, filha do famoso Tibiriçá. Branco é antes uma sinal de distinção político-socialque um fenótipo. (página 289)

sorocabana”24. Isso demonstra que o conceito de história usado na historiografia, é inauguradocom a presença do homem branco e seu projeto civilizatório na região, deixando aos índios umpapel superficial na memória da cidade, que antecede à própria história. O índio, além de ter asua participação anulada na formação da vila colonial, é objeto de estudos pré-históricos, portantoé excluído da inauguração do reluzente princípio da história, cujo início ocorre pelo homembranco, o que equivale a dizer que ainda hoje, o índio que não tem contato com os homensbrancos (ou com a dita sociedade nacional) não possui história, e portanto é primitivo25.Em si mesmo o termo pré-história é epistemologicamente pouco convincente, já que aanterioridade se relaciona com a escrita, não com a história em si. A pré-história abrange umperíodo gigantesco no desenvolvimento da humanidade, iniciando-se há um milhão de anos como surgimento do homo eructus. No entanto, o homo sapiens apareceu há aproximadamente 195mil anos, tendo o homem plenamente moderno 150 mil anos e se desenvolvido na África(KUPER, 2008, p. 21) e são as evidências deste homem moderno discutidas na historiografiasorocabana. O material humano recolhido mais antigo é classificado como sendo do períodoneolítico, distante de 6 a 10 mil anos do presente, embora existam evidências da presença humanaem um período de 45 mil anos antes do presente (AP)26. E esses objetos arqueológicos sãoatribuídos a índios, e não ao homo sapiens. Esclarecendo: os achados arqueológicos de Sorocabanão são adequados ao processo evolutivo do ser humano, mas são atribuídos à categoria genéricade índios (ou aos Tupiniquim) como se realmente não tivesse tido mudança alguma naspopulações indígenas, equiparando os índios a hominídeos27. O ser humano que usou ummachado de pedra durante o neolítico, há 10 mil anos é o mesmo de hoje: o índio. O que significaque enquanto o resto da humanidade evolui (em termos darwinianos, ou seja, por seleção natural24Evidentemente o termo índio aqui é empregado como utilizado pela historiografia sorocabana. O índio é umageneralização que abrange dezenas de línguas e culturas. Como aponta Lévi-Strauss (2003, p. 34): “[o] indígenaem geral [...] não existe”.25 Diversas citações ao longo do texto reforçarão o argumento.26 Para mais, ver o artigo de Guidon (1992).27Segundo Bonadio e Frioli (2004, p. 22), “nossos indígenas passaram pelo paleolítico, período em que aprenderam amanipular tudo o que a natureza lhes oferecia.” O período paleolítico iniciou-se 300 mil anos AP e terminou lenta egradativamente por volta de 10 mil anos AP. Quando em outras partes do mundo os humanos que passaram pelopaleolítico e o neolítico são vulgarmente, dados os seus limitados recursos tecnológicos, chamados de homens dascavernas, hominídeos, ou simplesmente humanos, a historiografia os classifica como índios. A primitividade estáimplícita na categoria índios, não importa o período. (Página 290)

HISTÓRIA INDÍGENA: MAPA E IGAÇABAS

As asseverações acerca do habitante pré-colonial se concentram em duas frentes: em um mapa histórico e em urnas funerárias encontradas esporadicamente na cidade29. A “pré-história” de Sorocaba remete a um mapa de 1640, 14 anos antes da fundação de Sorocaba, segundo o qual o povoado de Philippa Villa estaria localizado em território Tupiniquim. A autoria do mapa é atribuída ao holandês Jansenius Blaeu, embora curiosamente, Aluísio de Almeida (2003, p. 20), o principal historiador nascido em Sorocaba, cita um mapa de outro holandês, João de Laet.

Possivelmente deve ter havido uma confusão em relação aos cartógrafos na historiografia sorocabana. Há, entretanto, outro problema. Nos dois mapas sobre o Brasil, publicados na obra Nieuvve wereldt, ofte, Beschrijvinghe van West-Indien (Novo Mundo, ou Descrição das Índias Ocidentais), de Johannes de Laet, São Filipe não é mencionada31. No detalhe do primeiro mapa, a região ocupada pelos povos Guarani é percebida, bem como o Trópico de Capricórnio, a vila de São Paulo e a de São Vicente (Figuras 1 a 3). (Página 292)

Para o arqueólogo sorocabano Wanderson Esquerdo Bernardo,

Historicamente, los Tupínikin fueron los primeros del grupo Tupí a entrar em contacto com los portugueses. [...] En un mapa de 1640 de Jansenius Blaeu, vemos el sudeste de Brasil, a la altura de Trópico de Capricornio que pasa por la región de Sorocaba, habitada por los Tupinikin, al norte, margen derecha del rio Tietê poblada por los tupinambás y sur por los carijós (guaraníes). Finalmente, en 1654, cuando elconquistador portugués Balthazar Fernandes, funda Sorocaba construyendo su casagrande y una capilla, las aldeas indígenas de la región ya no existían debido a lasistemática esclavitud de sus antiguos habitantes (ESQUERDO, 1998, p. 3).O mapa de Jansenius Blaeu também pode ser encontrado na série de fascículos do jornalCruzeiro do Sul (Figura 4), escritos por Bonadio e Frioli (2004, p. 31), para os quaisO povoado do Itavuvu, elevado a vila com o nome de São Felipe, aparece neste mapa de1640, de Guilherme Jansênio Blaeu com o nome de Philippa villa. O trabalhocartográfico a localiza corretamente num ponto próximo ao rio Sorocaba e registra avizinhança dos Tupiniquim. A região, no entanto, é mostrada como se estivesse muitomais próxima do Paraguai do que na realidade (minhas ênfases). [Fragmentos de História: índios e colonos em Sorocaba - 1769-1752, 09.2012. Erik Petschelies. Página 295]

do branco, mesmo que ela posteriormente tenha uma vida de servidão. Muitas vezes os paiscolonos não queriam assumir seus filhos, no entanto os batizavam. Gertrudes, filha de “Feliciana,molher que ajuda em caza de João Antunes Maciel”, e sem pai, foi batizada pelo próprio Maciel epor “sua filha Maria Antunes”37.No livro de batizados servos, a grande maioria dos batizados são índios adultos extraídosde suas sociedades ou filhos de casais servos, embora também sejam relacionados casos decolonos com escravas e filhos de pais incógnitos. No mesmo dia, foram batizadas Isabel, “filhanatural de André de Magalhães [fluminense que, casado em Sorocaba, tomou parte da bandeirade 1684 em direção ao baixo Mato Grosso, de acordo com Franco, (1989, p. 237), Marianna,serva de Diogo Domingues de Faria, João, “filho de Joam e Camilia, servos de Diogo Dominguesde Faria”; e Anna, “filha de hum adulto e também sua molher uma adulta, servos de DiogoDomingues de Faria”38. Apenas no terceiro batismo houve um índio na composição dospadrinhos, “Christina, serva de Diogo Domingues”.

No entanto há casos em que todos os envolvidos são índios, como ocorreu aos servos de Brás Esteves Leme, filho do sertanista homônimo que “teve grande escravaria indígena” (FRANCO, 1989, p. 212), quando Joseph, “filho de Gabriel e Sebastianna serviços de Bras Esteves”, foi batizado por “Domingos da mesma caza” e “Andreza [serva] de Manoel da Silva”39, como no batismo de Romão, filho de Angela da admistração de Fernão Dias Falcão o padrinho foi um “carijó” seu40.

Dos 2782 batismosanalisados entre 1679 e 1720, apenas em um o padrinho foi um índio quando os pais erambrancos. Em 19 de abril de 1690 foi batizada Paschoa, filha de Domingos Rodrigues e IlianorFernandes, sendo os padrinhos “Joam, a serviço da caza” e Anna Rodrigues41. Foi apenas um também o número de casos em que escravos alforriados participavam de batismos. Assim, “Afonso livre” batizou “Joachim, filho de Bernardo e Vicencia, servos de Domingos Ribeiro Vidigal, sendo a madrinha, Potencia, provavelmente também escrava de Vidigal. Foi também apenas um escravo enterrado no interior da Igreja Matriz e não no cemitério como acontecia com as outras “almas carijós”: “Faleceo hum servo do Cap. Bras Mendes Paes. Hum seo servo foi emterrado na igreja matriz” em 28/10/1709.

Isso demonstra a predominância de estruturas de batismo e casamento que se repetem,dando funcionamento a um sistema de ordenamento de relações sociais e de poder, a umahierarquização colonial e a uma incorporação de indígenas nas relações de força de colonos.Percebe-se como os colonos articulavam sua escravaria a fim de constituir ou reforçar relaçõessociais através do batismo de índios, instituindo o compadrio. O compadrio foi fundamental napolítica do coronelismo, mas mesmo em Sorocaba colonial, como em toda capitania, o compadriocriava laços entre os índios e o mundo escravista, e dos compadres entre si. É comum verificarcomo os “homens bons” batizavam os servos entre si. Generosa, filha de Martinho e Catharina,“servos de Diogo Domingues Vidigal” foi batizada por Constantino e Perina, “servos de PaschoalMoreira Cabral”43. Iria, serva adulta de João Leme, foi batizada por “Gabriel do serviço do Cap.André de Zunega” e “Perina do Coronel Paschoal Moreira Cabral”44, tal como “Salvadorinnocente filho de adulto e de sua molher adulta” foi batizado por “Paschoal serviço de Catharinade Oliveira” e “Florianna do Coronel Paschoal Mor.ª Cabral”45, tal como quando foram batizadosem um mesmo dia oito crianças “innocentes filhos de adultos” e quatro adultos servos de JoãoLemme, dos quais Ursula, Mauricia e Verônica servas de Pascoal Moreira Cabral participaramcomo madrinhas46. Nem sempre os colonos mandavam seus servos ser padrinhos, muitas vezesele mesmo poderiam sê-los, como quando Braz Domingues Vidigal batizou a criança João, umadas quatro batizadas naquele dia, todas servas do Juiz André Domingues Vidigal47.Era comum, aliás, batizar certo número de pessoas em uma propriedade no mesmo dia,dado que o padre se deslocava até as propriedades rurais, muitas bastante afastadas da vila, comoa de Pascoal Moreira Cabral. Isso ocorreu com os 23 adultos e as 27 crianças, todos do domíniodo Cap. André de Zunega, batizados dia 31 de maio de 1685, pelos servos Domingos, Severina, [Fragmentos de História: índios e colonos em Sorocaba - 1769-1752, 09.2012. Erik Petschelies. Páginas 303 e 304]

ocorreu a Manoel, “filho de Josepha carijó da administração do Cap. Gabriel Antunes, payincógnito. Forão padrinhos o Cap. Gabriel Antunes e Maria Fogaça”55.Bem, para acomodar dezenas, ou mesmo centenas de índios, pensa-se que as propriedadesdevessem ser consideravelmente grandes. John Monteiro (1995a, p. 171) afirma que ashabitações indígenas, ao longo do século XVII, acompanhavam a transformação pela qual as suassociedades passavam. Inicialmente, nas fazendas, as ocupações de índios assemelhavam-se àssuas organizações sociais pré-cativeiro, em casas extensas, denominadas de tijupares, mas foramse transformando gradativamente em moradas típicas da arquitetura paulista colonial,posteriormente denominadas de senzalas com a ocupação de escravos africanos. Almeida apontaque os “escravos vermelhos”, “eram às centenas [...], viviam não em senzala, mas em aldeia”(2003, p. 126).É possível imaginar que as residências indígenas mantivessem certa independênciaespacial em relação à casa do fazendeiro, e que o número alto de índios e a espacialidaderemetessem às suas organizações pré-cabralinas, uma vez que dificilmente os colonos tenhaminvestido em infra-estrutura de acomodação para seus cativos. Assim, foram batizados Joseph eAntonio, filhos de Paulo e Lucrécia e de Bras e Patornilha, respectivamente, por Henrique eMaria, e Joseph e Joanna, “as crianças saídas da aldea nova”56, o que sugere, ou uma recentedescida ao sertão em busca de índios, ou então que o termo “aldea” é uma referência àshabitações indígenas nas fazendas de seus proprietários. Da mesma forma, Amaro, filho deDomingos e Madanella, servos de Salvador Esteves, foi batizado por “Domingos índio da aldea”e “Sebastianna índia da aldea”57.

Pensando-se que não tenha havido ocupação por índios Tupiniquim na região antes dafundação da cidade, e tendo visto como o material cerâmico foi atribuído a eles, ainda falta buscar uma hipótese plausível para as igaçabas encontradas na cidade. Sabendo-se, pois que nunca foram feitos testes de Carbono 14, que revelariam a datação, ao menos aproximada das urnas, e que pela trajetória dos povos Tupi a região de Sorocaba não teria abrigado os Tupiniquim, que as formas de classificação arqueológicas são controversas e que há pouco material atribuído aos Tupiniquim, é possível pensar que as urnas tenham sido construídas pelos escravos indígenas, de forma que a pluralidade étnica (ALMEIDA, 2003, p. 411) teriam sido escravizados e trazidos a Sorocaba Gualis, Bororos, Parecis e Carijós [guaranis], explica a diferenciação das urnas entre si. Bem, em Jundiaí, localizada a 84 km de Sorocaba e fundada em 1655 no mesmo surto sertanista que originou Sorocaba (MONTEIRO, 1995a, p. 109), Morales (2000) comprovou a utilização da mão-de-obra escrava indígena por mais tempo do que relata a história do século XVIII, evidenciando o fato de que o material cerâmico conhecido por ser précolonial na verdade era resultado de transformações culturais ocorridas entre as diferentes etniasque habitavam a vila na condição de escravos, o que reforça a teoria de que as urnas são resultados do trabalho de servos índios, alojados em habitações semelhantes com as anteriores ao cativeiro.

Através de um mapa desenvolvido por Bonadio e Frioli (2004, p. 18) mostram ondeseriam as aldeias no território que posteriormente teria se transformado na região de Sorocaba (Figura 9). Além disso, “há fortes evidências de que no atual centro de Sorocaba houvesse uma grande povoação indígena, entre o Mosteiro de São Bento e a praça Dr. Arthur Fajardo” (BONADIO; FRIOLI, 2004, p. 28). Ora, alguns dos lugares apontados por Esquerdo como sendo aldeias, eram justamente locais habitados pelos colonos e por seus escravos índios, a começar pelo próprio centro. Dificilmente o centro teria sido habitado, ainda mais nas proximidades do Mosteiro (onde havia um cemitério), sem que o material não fosse destruído pelos colonos, a não ser que fosse produzido em suas próprias habitações.

O centro de Sorocaba, apontado como local onde pudesse ter havido uma grande concentração de aldeias era justamente o primeiro local a ser habitado, como o foi por Diogo Domingues Vidigal, proprietário de vasta escravaria carijó. O Jardim do Éden era antigamente denominado de Pirajibu e era habitado por João Martins Claro, bem como os Macieis que ocupavam os campos do Pirapora, antes do rio Sarapuí, ao sul do bairro do Cerrado. Assim sendo, é plausível que urnas também sejam encontradas em outras regiões, sobretudo Votorantim. [Fragmentos da História: índios e colonos em Sorocaba - 1769-1752, 09.2012. Erik Petschellies. Páginas 306 e 307]

Isso indica novamente a fragilidade das afirmações acerca dos índios na região deSorocaba, que só podem ser verificadas por estudos minuciosos da documentação local, dacultura material e dos testamentos dos colonos que mantinham uma vasta escravaria, para saber alocalidade exata onde moravam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os indícios esparsos da presença indígena na história de Sorocaba, presentes nosdocumentos coloniais sob o signo da escravidão, foram reunidos para ressignificar uma história da qual os índios foram excluídos. Indícios fragmentários, separados do mundo, mas que revelam em si uma totalidade histórica, e destarte unem-se a ele novamente através daquilo que representam: uma possibilidade, e portanto uma forma de demonstrar que embora escassos, os fragmentos são suficientes para dar reformular a história.

Na historiografia sorocabana conceitos foram manipulados construindo um discursohistórico que endossa uma visão eurocêntrica acerca dos povos ameríndios, transformando uma rica pluralidade cultural em um juízo vago e genérico, da mesma forma como foi feito por colonos e sertanistas que devastaram inúmeras culturas indígenas e os culparam por sua primitividade, a favor de um modelo de desenvolvimento que subjuga a alteridade e a condena moralmente, destituindo os indígenas de sua presença histórica e criando a categoria de carijó.

O cristianismo tem uma importância dupla na rejeição da participação indígena daconstrução da vila de Sorocaba, na inclusão da moral indígena nos preceitos europeus e na aceitação de diversas formas de existência. Primeiramente como elemento ideológico usado tanto pela Igreja Católica para ampliar seu poder no Novo Mundo através do combate espiritual às crenças nativas e ao controle moral de suas atitudes através da apropriação dos corpos índios.

Os colonos o usaram como meio de garantir a subsistência de seu meio de vida, atribuindo à escravidão uma conotação cristã de ensino moral e civilizatório; o cristianismo foi, portanto a ideologia necessária para garantir o colonialismo. Em segundo lugar, como demonstrou Fabian (1983), o tempo judaico-cristão foi concebido como o médium de uma história sacralizada. Umahistória cujo embasamento ocorre na crença da coetaneidade dos homens de Deus e “trust in [Página 309]

Mapa de Jean de Laet
Data: 01/01/1630 1630
Créditos / Fonte: Jean de Laet
(.291.(.292.

Mapa
Data: 01/01/1640 1640
Créditos / Fonte: Willem Janszoon Blaeu
Phillipa Ville e Reino Ville

America noviter delineata
Data: 01/01/1640 1640
Créditos / Fonte: Paris / Jean Boisseau
Jodocus Hondius (1563-1612) (mapa

Mapa Americae pars Meridionalis
Data: 01/01/1640 1640
Créditos / Fonte: Jan Jansson

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