Capítulo IIO HOMEM QUE TEVE DOIS TÚMULOSQuem trouxe a mensagem dos Iluminados da Baviera para onosso país? Quem criou a Burschenchaft de São Paulo, que inficionouaté hoje, secretamente, a vida da nação, perturbando a realização deseu verdadeiro destino?Um homem misterioso, que não era nada e foi tudo para osadeptos de seu credo oculto: Júlio Frank, cujo monumento funeráriose encontra num dos pátios da velha Faculdade de Direito de SãoPaulo, honra que nenhum de seus grandes mestres até hoje conseguiu.Quando morreu, em 1841, o maçon e bucheiro, professor daquela escola, Dr. José Tomás Pinto de Cerqueira, fazendo no InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro o elogio dos membros falecidos,pronunciou estas palavras: "Mancebo morto na flor dos anos, mascuja breve passagem neste mundo deixou para sempre recordaçõessaudosas: quero falar do sr. Júlio Frank. Quem era ele? Eu e os queno Brasil o conhecemos o ignoramos (!!!). Era esse o seu verdadeironome? Cuidamos que não. Que terra o viu nascer? Parece que aAlemanha, mas não se sabe que parte dessa vasta região. A quefamília pertencia? Ignora-se. Que motivos o trouxeram ao Brasil?Ainda a mesma obscuridade. Sabemos apenas que chegou ao Rio deJaneiro sem o mais pequeno recurso; e que o primeiro carinho, querecebeu nesta terra hospitaleira, foi uma ordem de prisão, e suaprimeira morada a fortaleza da Lage; e isto por uma queixa que deledeu o comandante do navio que o havia conduzido. Também Epictetoencontrou um senhor que lhe quebrou as pernas. Tendo obtido suasoltura, foi servir numa estalagem. Quem diria, senhores, ao ver essemancebo reduzido a tal penúria que nele se escondia um homem domais raro merecimento! que conhecia a fundo as línguas vivas daEuropa, e mesmo a latina e grega; que era hábil geômetra, que nãoera hóspede nos princípios do direito público e nos do romano, e que tinha perfeito conhecimento da história antiga e moderna? Pois tudoisso era, e o homem que tudo isso sabia era caixeiro em uma estalagem! Tal homem não podia conservar-se muito tempo em tal posição:quando outra coisa não fosse, a elevação natural de seu gênio e aconsciência de seu valimento não o podiam ter por muito tempo emtão baixo estado. O sr. Júlio Frank retirou-se para a província de SãoPaulo, vila de Sorocaba, onde abriu aula de francês, inglês, italiano elatim. Pequeno teatro era aquele para seus conhecimentos. Logodepois foi chamado para a cadeira de história na cidade de São Paulo,e deu começo a seus trabalhos, organizando um compêndio sobreoutro alemão, o qual prova bastantemente o que sobre seu merecimento tenho dito. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro seapressou em o admitir (?) em o número de seus sócios correspondentes, esperando que quem tantas luzes possuiu o coadjuvasse valiosamente em seus importantes trabalhos. Mas a morte nô-lo arrebatou,quando ainda não contava 34 anos de idade (1)."As luzes não eram tantas quantas apregoa o panegirista. Lemoscuidadosamente o seu volume, decalcado ou traduzido de outro alemão, que não é indicado (2). Obra medíocre, deu, contudo, entrada aoautor no glorioso Instituto, fundado em 1839. Uma série de lugarescomuns, tendo, de quando a quando, apesar da disposição legal queobrigava os livros didáticos a não ofender os princípios básicos dasociedade, certos pedacinhos que uma censura avisada poderia suprimir com carradas de razão. À pg. 149, refere-se à HumanidadeDivinizada na capital do cristianismo e nem de leve alude às perseguições e martírios dos cristãos. À pg. 162, denigra o Imperador Constantino e diz que o cristianismo foi somente um meio político de domínio.
A pg. 163, elogia Juliano o Apóstata, embora, pro formula, condeneo erro político de haver abandonado a religião. Às pgs. 170 e 186,detrata os padres e o catolicismo. À pg. 187, mal se refere ao CorpusJuris, como quem pensa com o judeu Caim Buckeburg, vulgo Henri Heine, que é a Bíblia de Satanás. À pg. 188, diz que o maometismo foi benéfico para os cristãos que resvalavam para a idolatria. À pg. 191, afirma que o cristianismo foi um meio de política aplicado por Carlos Magno. Afinal, esses levedos judaicos vêm em mau estilo e péssima língua. Maior do que as gabadas luzes do enigmático personagem era o mistério que o envolvia e que mereceu tantas interrogações na oração fúnebre pronunciada pelo adepto Cerqueira. Quem era? De onde vinha? Qual o seu nome e a sua família? Vamos aclarar esse mistério com abundante documentação. (Páginas 13 e 14)
No seu "Dicionário Bibliográfico Brasileiro" (3), Sacramento Blake depõe: "Júlio Frank. Natural da Alemanha e nascido no ano de 1811, faleceu em São Paulo a 19 de junho de 1841, com 30 anos incompletos (4), depois de naturalizar-se brasileiro, guardando até otúmulo certo mistério quanto à sua família, sua posição social e até quanto à sua verdadeira pátria, e verdadeiro nome que se supõem não serem os designados.
O que é certo é que chegou ao Rio de Janeiro sem que alguém o conhecesse, paupérrimo, sendo logo preso na fortaleza da Lage, por queixa, ou coisa semelhante, do comandante do navio que o trouxe, e, sendo solto, foi caixeiro duma estalagem. Entretanto, conhecia perfeitamente as línguas vivas da Europa, inclusive a latina e a grega, era hábil geômetra e metafísico (?), tinha profundos conhecimentos de história antiga e moderna, e alguns dodireito público e do direito romano. Deixando a estalagem, foi para São Paulo e na vila de Sorocaba abriu uma aula de francês, de inglês, italiano e latim. Já vantajosamente conhecido, foi convidado paraexercer na capital o lugar do professor da cadeira de história anexa àFaculdade de Direito, para a qual escreveu o compêndio que passo amencionar..."Sacramento Blake ou copiou o que disse Cerqueira, mutatismutandis, ou se abeberou na mesma fonte que o orador do Instituto.Afirmou mais uma vez o mistério que deve ser definitivamente desvendado.Em março ou abriu de 1821, o capitão dum navio chegado daEuropa à Guanabara entregou às autoridades policiais um rapaz queembarcara furtivamente num porto alemão, passageiro clandestino,como se diz hoje, o qual deu o nome de Júlio Frank, nada explicousobre a sua pessoa e foi recolhido à fortaleza da Lage, enquantotalvez se procediam a indagações.
Consultamos na Biblioteca Nacional a coleção da "Gazeta do Rio de Janeiro" do ano de 1821 e verificamos que nenhum navio alemão chegou ao Rio em abril. Em março, porém, entraram dois: no dia 13, a galera "Charlota" do capitão João Walff, carregada de vidros e fazendas, vinda de Hamburgo com cento e quinze dias de viagem; no dia 17, o brigue "Indianer" do mestre judeu Berend Meyer, vindo de Bremen com noventa dias...
Como a polícia nada apurasse sobre essa figura cheia de mistério", como a qualifica Spencer Vampré, puseram-na em liberdade. Naturalmente, para ganhar a vida se sujeitou ao primeiro emprego que lhe apareceu, o de caixeiro duma estalagem. Em 1823, passou-se para Ipanema e daí para Sorocaba, onde se fez professor de línguas. Naquele tempo, não precisava ser muito profundo em tais matérias para lecioná-las no interior destes Brasis. À provavel proteção dosenador Nicolau de Campos Vergueiro, manda-chuva em Sorocaba egrande maçon, que o recomendou ao brigadeiro Rafael Tobias deAguiar, deveu ter sido nomeado professor de filosofia e história universal do Curso Anexo da recente Faculdade de Direito, com a qual de talmaneira se identificou que o "seu túmulo demora no claustro maisíntimo da Faculdade, como a sua memória dorme, num nimbo deglória (5), no recesso mais íntimo do coração dos moços", sendo o seunome "o mais altamente querido e respeitado às gerações que passam (6)".O moço misterioso vinha da Alemanha e a Alemanha se enchianaquele começo do século de sociedades secretas que proliferavamsobretudo nos meios universitários. O que elas faziam está pintadoneste trecho do grande escritor que as combateu, Augusto de Kotzebue: "A liberdade acadêmica consiste sobretudo em permitir aosmoços viver na orgia, se endividando, não freqüentando as aulassenão segundo seus caprichos, vestindo-se como malucos e surrandoos burgueses. Os pais de família sensatos deviam tremer no momentode enviar seus filhos à universidade, quando ouvem o relato de taisfaçanhas nas cervejarias e nas sociedades de ginástica. Antes do quedeixá-los pensar que a pátria os espera para se regenerar, melhor fôraensinar-lhes os rudimentos do que ignoram e a polidez de que nãotêm a menor idéia (7)".Essas sociedades — vira-se no processo contra os Iluminados —já se tinham estendido à Itália, especialmente Veneza, à Áustria, àHolanda, à Saxônia, ao Reno, sobretudo ao ninho judaico de Frankfurt, e até mesmo à América (8).
Augusto Frederico Fernando de Kotzebue, nascido em Weimarem 1761, era um dos grandes homens de espírito que puseram, naEuropa aquecida pelas brasas revolucionárias espalhadas por Napoleão, sua vida e sua pena a serviço da causa da Ordem contra aAnarquia, fomentada da sombra, em todos os setores, pelo judaísmoacobertado nas sociedades secretas. Autor de mais de 300 peçasteatrais, na maioria representadas com grande êxito, e de muitosromances, fizera na Rússia parte de sua carreira de advogado. Fôrasecretário do governador de São Petersburgo, presidente de tribunalna Estônia, diretor do Teatro Alemão da capital e Conselheiro Áulico.O barão de Bahor recomendara-o em testamento à Imperatriz Catarina II. O Czar Alexandre I tornara-se seu amigo.Em 1813, começou na Alemanha, por conta do Czar, que era agrande muralha em que esbarravam judeus e maçons, a campanha (Páginas 15 e 16)
idades são dadas para despistar quanto à verdadeira identidade da"figura cheia de mistério". Considerando-o como Carlos Luiz Sand,nascido em 1795, vemo-lo desembarcar com 26 anos, idade em quejá podia ter adquirido a soma de conhecimentos com que o ornam.Dos 10 aos 14 era impossível possuí-los, salvo se fosse, ao Invésduma "figura cheia de mistério", uma criança prodígio.Por que motivo Júlio Frank deixou rapidamente o Rio de Janeiroe foi parar em Ipanema e, depois, em Sorocaba?Augusto de Kotzebue, que assassinara quando se chamava Carlos Luiz Sand, deixara vários filhos que foram homens ilustres: Oto,nascido em Reval, em 1787, o mais velho, oficial da Marinha Russa,grande navegador; Maurício general russo, nascido em 1789 e mortoem 1861; Paulo, nascido em Berlim, em 1801, general russo, falecidoem 1884, após ter feito com brilho as campanhas da Polônia, doCáucaso e da Criméia, e governado a Polônia e a Bessarabia; Alexandre, pintor de batalhas, e Guilherme, diplomata e dramaturgo.Justamente em 1823, Oto de Kotzebue surge de súbito no Rio deJaneiro. Comandava a fragata russa "Enterprise", destinada a descobrimentos e explorações nos mares austrais. No dia 13 de novembrodo ano citado, ancorou à vista da barra devido à calmaria. Entrou naGuanabara no dia 14. Oto de Kotzebue demorou 25 dias no Rio,residindo em Botafogo, na casa dum amigo e deixando, na obra queescreveu sobre a viagem, boas descrições da nossa capital, naqueletempo. Foi para bordo na tarde de 9 de dezembro e fez-se de vela nodia 10, saindo à barra já ao anoitecer (32).A coincidência é sobremaneira curiosa. Chega o navegador russo inesperadamente e quem sabe se com algum fito de que guardoureserva, demora e começa a visitar a cidade, então pequena e atrasada; logo, o jovem passageiro clandestino e suspeito põe o pé nomundo, afundando no interior, onde chega, como veremos adiante,em petição de miséria. Que tinha o moço Júlio Frank a ver com Oto deKotzebue, para fugir dele como o diabo da Cruz? Evidentemente nãodevia ter nada. Mas é muito explicável que Carlos Luiz Sand não desejasse de forma alguma encontrar-se com o filho do homem que covardemente apunhalara. Durante longos anos, não se falou em Bucha no nosso país. Raríssimas pessoas desconfiavam da existência duma organização secreta e poderosíssima em São Paulo ou sabiam alguma coisa a esse respeito. O túmulo de Júlio Frank nem despertava a atenção. A revolução de 1930 acordou as curiosidades. Apareceram boletins e artigos tocando no mistério e, em 1935, um jornalista carioca escreveu o seguinte: "No saguão do antigo edifício da Faculdade de Direito deSão Paulo, existe um único túmulo, que é o do judeu (sic!) alemão,professor contratado de história, organizador da Burschenchaft noBrasil. Durante a revolução de 1930, esse túmulo foi misteriosamenteviolado, ao que dizem, para retirarem de lá os primitivos estatutos eatas de organização, a fim de que tais documentos ultra-secretosescapassem ao conhecimento do público (33)".Não parece verdade que o túmulo tenha sido violado, mas éverdade que sobre ele paira o mistério. Dizem que há documentospreciosos guardados na sua base. De fato, é conservado com extremo carinho. Ainda quando da recente derrubada do velho conventoonde funcionava a Faculdade desde sua fundação, foi todo protegidopor uma armação de madeira e mantido no mesmo local. Ele copianas suas linhas gerais outro monumento misterioso de São Paulo, aPirâmide do Piques, que data de 1814, anterior à Bucha e situado emfrente ao local onde outrora funcionou a loja maçônica mais influentenos destinos paulistas. Muitas vezes, nos momentos de perturbaçãoda ordem pública, aquela pirâmide tem sido guardada até por metralhadoras, como se sob suas pedras centenárias dormisse um segredoperigoso...O mistério que envolveu a vida de Júlio Frank ou Carlos LuizSand acompanha-o além da morte, assegura o iluminado sr. SpencerVampré (34). E prossegue: "Até o túmulo, guardou segredo quanto àsua família, posição social, e até quanto à pátria, presumindo-se quetambém trocara de nome (sic!). Porventura desgostos íntimos ouainda lutas políticas (?) o determinaram a deixar o torrão natal. O certoé que chegou ao Rio de Janeiro paupérrimo, sem que ninguém oconhecesse, sendo logo preso na fortaleza da Lage, por queixa, oucoisa semelhante, do comandante do navio, que o trouxe, quiçá porhaver embarcado furtivamente. Solto, veio para Sorocaba empregando-se como caixeiro numa venda. Segundo outra versão, abriu aliuma aula de francês, inglês, italiano e latim. De Sorocaba veio paraSão Paulo, recomendado ao brigadeiro Rafael Tobias, e entrou para oCurso Anexo. De extrema bondade, cheio de idealismo, conquistoupara sempre (sic!) a mais terna afeição da mocidade, e por isso o seunome se venera ainda na Academia, como o maior e o mais devotadoamigo dos estudantes. Não chegou a cumprir inteiramente o contratode dez anos, pois faleceu aos 19 de junho de 1841, sendo substituído,na cadeira de história universal, por seu discípulo, e amigo, AntônioJoaquim Ribas. (Páginas 24 e 25)
mente graduados, de acordo com o ritual do lluminismo, denominadosos DOZE APÓSTOLOS! O autor, naturalmente conhecedor da Bucha,fez nesse ponto uma alusão destinada a ser unicamente compreendida pelos iniciados na camorra e na magia...Martinez de Pasqualis foi um judeu português, cabalista insigne,que participou do grande movimento das sociedades secretas noséculo XVIII. Seu misticismo abriu as portas ao lluminismo de Weishaupt na Baviera (42) e ao lluminismo de Cláudio de Saint Martin emFrança. É, portanto, o papa dos Iluminados. Sua doutrina forma oalicerce de todas as sociedades secretas iluministas. Nela mergulhamas raízes da Burschenchaft. Martinez de Pasqualis iniciou Saint Martinem Bordéus e este o chamava de mestre (43). O Martinismo oulluminismo francês surge posteriormente a Weishaupt, liga-se aosdogmas de Martinez de Pasqualis (44) e é o criador da trilogia liberal:Liberdade-lgualdade-Fratemidade. Vimos Weishaupt tratar da Liberdade e da Igualdade. Mais tarde ainda, a chamada Estrita Observância se abebera na mesma fonte (45).A novela do "Estado de São Paulo", que traz estas revelaçõesimportantes, baseia-se em investigações do sr. Frederico Sommersobre Júlio Frank. Dizem elas o seguinte: nasceu a 8 de dezembro de1808 (46), na cidade de Gotha, segundo o registro da igreja protestante local de Santa Margarida, filho dum mestre encadernador; cursou oginásio de Gotha; estudou na Universidade de Goettingue de 1825 a1827; fugiu da Alemanha por causa de dívidas e desgostos, vindo parao Brasil. Nas mesmas fontes se desaltera o historiador EscragnolleDória em estudo publicado na "Revista da Semana" (47), acrescentando: "Do Rio de Janeiro se passou Frank a São Paulo, atingindoIpanema, onde viviam muitos patrícios. Assombrava a todos a rapideze correção com que o recem-vindo logo aprendeu e falou português.Ao encanto da inteligência ajuntava o agrado de maneiras distintas,tudo prejudicado pelo abuso do álcool.Em Sorocaba, apareceu Frank de pés no chão, roupa a ir-se docorpo. Caixeiro de venda, desta sentado à porta, divertia-se em chamar escolares e ajudá-los nas lições, quaisquer que fossem.Foi o caixeiro despedido por não dar sossego às garrafas deálcool, a latas de passas e azeitonas. Dinheiro era para Frank coisa denonada, mas o patrão dele tinha outras idéias em Economia Política.De Sorocaba partiu Frank para São Paulo, agasalhado aí emrepúblicas de acadêmicos, ora numa, ora noutra, até ser nomeadoprofessor de história do Curso Anexo à Faculdade de Direito.Preciosas notas recolhidas por um "Velho Sorocabano", Lopesde Oliveira, de parentesco com o Dr. Francisco de Assis Vieira Bueno (Página 28)