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“Brasil já conhecido na carta de Caminha”, 30.03.2020. Arthur Virmond de Lacerda
30 de março de 202013/04/2024 04:13:34

BRASIL JÁ CONHECIDO NA CARTA DE CAMINHA. link

Arthur Virmond de Lacerda Neto.30.III.2020.“[...] o Brasil foi descoberto em 1435, ou antes,por navegantes portugueses [...]”. ManuelFerreira Garcia Redondo, O descobrimento do Brazil(1911).“O fim ostensivo, o fim aparente da expedição deCabral era ir à Índia. O fim real, o fim verdadeiroera ir, primeiro ao Brasil, dele tomar posse oficial[...]”. Manuel Ferreira Garcia Redondo, Odescobrimento do Brazil (1911).

I- Formulação da questão.II- Relatório encomendado.
III- Seguiram seu caminho.
IV- Gestos de Nicolau Coelho. Contubérnio com os índios. A “outra vinda”.
V- O regresso da nau de mantimentos.
VI- A frieza de Caminha, de mestre João e do piloto anônimo.
VII- Fertilidade da terra e abundância de água doce.VIII- Enquadramento náutico.IX- Cronologia.

I- Formulação da questão

É certa a intencionalidade do trajeto seguido por Cabral1 até a costa brasileira, como questão já elucidadapor amplo repertório de convincentes indícios. Ele dirigiu-se ao que se tornou o Brasil com rumo certo,cônscio da existência da terra firme no Atlântico sul e a oeste da Europa, condição em que passa por sero descobridor do Brasil. Na verdade, seu papel foi o de oficializar o conhecimento que na corte portuguesajá se detinha da existência de terra firme a sudoeste (desde, pelo menos, 1492: prova-o a extensão da raiado tratado de Tordesilhas, de 100 para 370 léguas a oeste, de modo que abarcou parte do atual Brasil).Para o acervo de indícios, a epístola redigida por Pero Vaz de Caminha contribuisignificativamente: com sua própria existência; com o tom que ele adotou para enunciar o achamento daterra; com três afirmações reveladoras e nove indícios náuticos de pré-conhecimento da costa brasileira.Lida atentamente, com perspicácia, revela mais do que aparenta comunicar para o leitor distraído.

II- Relatório encomendado.

Em terra, vários componentes da esquadra missivaram a el-rei D. Manoel: seu médico, João Faras; o futuro feitor de Calicute, Aires Correia; Pero Vaz de Caminha e “todos os outros”, no dizer do primeiro,

1 Na verdade, chamava-se Pedro Álvares Gouveia. Foi nomeado com seu sobrenome paterno (Cabral) por vezprimeira na epístola del-rei D. Manuel a seus sogros e vizinhos, Fernando e Isabel (reis de Espanha), de 29 de julho de 1501. [“Brasil já conhecido na carta de Caminha”, 30.03.2020. Arthur Virmond de Lacerda. Página 1]

sem especificar quem nem quantos seriam, o que Caminha elucida: “Posto que o capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães, escrevam a Vossa Alteza [...]”. Das várias cartas, conservaram-se apenas a de mestre João e a de Caminha. A do primeiro contém lugar decisivo: “Quanto, senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pêro Vaz Bisagudo, e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra; mas aquele mapa-múndi não certifica ser esta terra habitada, ou não.”2 Ou seja: o navegador Pero Vaz da Cunha (de alcunha Bisagudo) possuía mapa-múndi vetusto que representava a localização da terra firme a que a frota aportara. Não se tratava da imaginária ilha Brasil, situada arbitrariamente em diversos mapas em distintos pontos, mas de identificação que o mestre João refere afirmativa e induvidosamente, informação bastante para comprovar-se a pré-ciência de terra firme a sudoeste.

A missiva de Caminha estende-se por quatorze páginas impressas com corpo diminuto3; narra sucintamente a viagem desde a partida até 21 de abril, data a contar da qual descreve, circunstanciadamente, em jeito de crônica, o quanto se passou entre aquele dia e 1º de maio, o que abrange com profusão de pormenores a estada na nova terra.Ele minudencia o desembarque, o avistamento dos silvícolas, seu aspecto e reações, oengrazamento deles com os mareantes, a ereção da cruz, a celebração da missa. Mui pormenorizada eextensa, a carta não expõe a viagem uniformemente senão a estada em terra, específica e exuberantemente.É mais do que carta: é cartapácio; mais do que cartapácio, é relatório. Pondera Tomás Ribeiro Colaço:“[...] lida com atenção, é um relatório previsto, desejado, e encomendado pelo Rei. Porque é que só nessecaso apareceu um tal repórter ? — E como escreveria ele, por sua iniciativa, ao Rei ? Escreveu porqueveio com essa incumbência.”4Se encarregado de minudenciar os primeiros contactos de seus companheiros com os autóctones,é porque o comitente conhecia, de antemão, a existência da terra e, nela, de povo.

III- Seguiram seu caminho.

No domingo, dia 22 de março, a frota avistou a ilha de São Nicolau, no arquipélago do Cabo Verde, expõe Caminha. No outro dia, segunda-feira, desgarrou-se a nau de Vasco de Ataíde, “sem aí haver tempo forte nem contrário para poder ser” 5.Prossegue:

[...] E assim seguimos nosso caminho por este mar de longo até terça-feira de oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de Abril, que topamos alguns sinais de terra, sendo da dita ilha segundo os pilotos diziam obra de 660 ou 670 léguas, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim outras, a que também chamam rabo de asno; e a quarta-feira seguinte pela manhã topamos aves, a que chamam fura-buchos; e neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, a saber: primeiramente de um grande monte mui alto e redondo e de outras terras mais baixas [...]6

“E assim seguimos nosso caminho [...] e [...] houvemos vista de terra [...]” significa: seguimos nosso itinerário até se nos deparar terra, desenvolvemos a rota prevista em direção à terra que encontramos. Havia trajeto que percorrer e que a frota percorreu regularmente, até o destino pretendido:

o itinerário era de Lisboa ao Cabo Verde e deste ao Brasil. Ele não diz: perdemo-nos de nosso caminho, desviamo-nos de nosso rumo, desorientamo-nos a meio da viagem, pois nada disto se passou (ainda menos houve o lendário mau tempo em cuja razão a (Página 2)

esquadra teria casualmente descoberto o que veio a ser o Brasil). Ao invés: a navegação transcorreunormalmente, consoante o rumo previsto em direção intencional à costa brasileira.A relação do piloto anônimo é a única narrativa da continuação da viagem, do Brasil por diante:“Ao outro dia, que erão dous de Maio, fizemo-nos à vela, para hir demandar o Cabo da Boa Esperança,achando-nos então engolfados no mar mais, de mil e duzentas léguas de quatro milhas cada uma; e aosdoze do mesmo mez, seguindo o nosso caminho, nos appareceo hum cometa [...]”7. Também registra opiloto: navegou a armada em conserva, com bom vento; em 20 de maio sobreveio-lhes fortíssimo tufão.Em dois de maio, fizeram-se à vela para demandar a ponta meridional da África; no dia 12,enquanto seguiam seu caminho, surgiu-lhes cometam, tudo com plena normalidade. Do Brasil zarparamno dia 2 em direção ao cabo, em que o único incidente foi intempérie grave dezoito dias depois. Nãohouve desorientação da frota, dúvida acerca do itinerário que seguir, da baía Cabrália por diante nemderrotas erradas. Ao invés: a frota (novamente a expressão de Caminha) seguiu seu caminho, continuouviagem no curso planeado.

A locução “seguimos nosso caminho” figura em Caminha, aplicada ao intervalo entre Cabo Verde e o Brasil, e no piloto anônimo, que a usou para a continuação da viagem, ao zarparem do Brasil. Ambos referem-se à navegação que, nos respectivos trechos, transcorreu normalmente. Ainda que fosse duvidosa a premeditação da derrota do Cabo Verde para o Brasil, é induvidoso haver a frota rumadointencionalmente deste para o sul da África, trajeto em que ela navegou com itinerário próprio, que secumpriu.

Na expressão do piloto anônimo, “seguimos nosso caminho” equivale a percorremos a derrota estabelecida; ele usa-a sem acrescentar nota de nenhum desvio no itinerário. Caminha di-la sem informar aberração na derrota. A locução (seria lugar-comum ?) é a mesmíssima no caso do trajeto obviamente intencional (Brasil – cabo da Boa Esperança) e no do outro (Cabo Verde – Brasil). Ela exprimiriaintencionalidade apenas na primeira situação e não também na segunda ? Seria empregada em situaçõesdessemelhantes ? Registraria itinerário estabelecido que se cumpriu e também itinerário que se inadimpliuou ausência de rumo adotado ? Usada em contextos idênticos, se em um ela exprime, evidentemente, rotapré-concebida, no outro sua acepção somente pode ser a mesma. Se seguimos nosso caminho do Brasilpara a África representa direção deliberada, seguimos nosso caminho do Cabo Verde para o Brasilsómente pode comunicar o mesmo.

IV- Gestos de Nicolau Coelho. Contubérnio com os índios. A “outra vinda”.

Já fundeada toda a frota na atual baía Cabrália, no dia 23 de abril Pedro Álvares Cabral mandou à terra Nicolau Coelho, quando cerca de 18 íncolas observavam-nos da praia, armados de arcos e flechas. No dizer de Caminha, Coelho “[...] lhes fez sinal que depusessem os arcos; e eles os depuseram [...]”:

ele gesticulou-lhes; eles compreenderam-lhe a gesticulação e acederam-lhe ao pedido apaziguador. Gestos quaisquer aprendem-se em seu significado. Nenhuma mímica é dotada de significado inerente e prontamente compreensível por quem não a haja previamente aprendido. Seja a expressão romana de positivo (com o polegar estendido e os demais dedos retraídos), seja o abanar a mão espalmadacomo saudação ou despedida, seja o aplauso ou qualquer outro gesto, ele somente veicula comunicação se entre quem o pratica e quem o observa coincidir a inteligência de seu sentido. Os índios compreenderam a mímica de Nicolau Coelho. Ter-lhe-iam adivinhado o significado ou já o conheciam ? Evidentemente conheciam-no: houvera, já, contactos entre portugueses e eles.

No dia seguinte (24 de abril) a frota velejou para norte e fundeou no atual Porto Seguro, onde a bordo Afonso Lopes recolheu dois indígenas, que pernoitaram no navio, com à vontade e semdesconfiança próprios de quem já se conhecia: eles “já estavam familiarizados com os europeus, que jáos conheciam, que conheciam os seus hábitos e costumes, que deles não tinham receio.”

Em 25 de abril, novamente apeou Nicolau Coelho, e Bartolomeu Dias com os dois índios. No areal da praia congregavamse obra de duas centenas de índios, que se abeiravam dos batéis (navetas ao serviço do transporte das nauspara a praia) “e traziam cabaços de água e tomavam alguns barris que nós levávamos, e enchiam-nos de7 CAMINHA in CORTESÃO, p. 147. Atualizei a grafia.8 REDONDO, p. 56. (Página 3)

água e traziam-nos aos batéis”. Sem solicitação dos portugueses, espontaneamente os índios forneceramlhes água doce em cabaços; também tomavam barris, enchiam-nos de água e levavam-nos de volta aosbatéis: os índios voluntariamente participaram da aguada, “como se já estivessem habituados a praticaresse serviço, repetindo actos praticados anteriormente; o que demonstra que não era a primeira vez queviam homens brancos e naus.”9Cabral não reabasteceu a esquadra no Cabo Verde, ao que lhe seria imperioso proceder, a menosque o fizesse no Brasil: fê-lo neste, com cuja existência contava para a aguada, existência de seuconhecimento antes de lhe dar à costa. Por seu lado, os indígenas conheciam a precisão de água doce dafrota, o que só poderia resultar de contactos anteriores entre embarcações e eles.No domingo (26 de abril) os marinheiros em geral apearam para folgar. Um gaiteiro tocou suagaita e “meteu-se com eles [os índios] a dançar tomando-os pelas mãos, e eles folgavam e riam, a andavamcom ele mui bem ao som da gaita.”10 No dia subseqüente, todos desembarcaram para dessedentarem-seou fazer aguada; aproximaram-se índios que “[...] misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam[...].”11Souberam os adventícios captar a simpatia dos autóctones, mercê da oferta de prendas e daausência de hostilidade, mas para quem (supostamente) se desconhecia, a receptividade dos índios, ocontubérnio entre uns e outros, o folguedo, exprimiriam a índole amistosa dos da terra, mas denuncioutambém amizade presumivelmente já entabulada entre eles e os portugueses em desembarques precedentes.

Em 1º de maio, celebrou-se a segunda missa, ao cabo da qual frei Henrique de Coimbra distribuiu cruzes de estanho que trazia Nicolau Coelho e “que lhe ficaram ainda da outra vinda.”12 “Ficaram” exprime sobraram.

Caminha não redigiu “outra viagem”, “outra navegação”, o que poderia aludir a expedições indeterminadas; empregou o vocábulo “vinda”, particípio passado de “vir”. “Outra” somente pode equivaler a precedente, anterior, antes da atual. “Outra vinda” equivale a “vinda anterior”. Nicolau Coelho distribuiu cruzes que lhe remanesceram de vinda precedente: ele estivera, já, no Brasil, e certamenteentrou em contacto com os indígenas. Por isto, agrupados alguns deles, no dia 23, Cabral enviou-o para ir ter com eles, ele acenou-lhes e eles inteligiram-lhe os acenos.V- O regresso da nau de mantimentos.No domingo, 26 de abril, Cabral congregou seus capitães (também Caminha) e “perguntou assima todos se nos parecia ser bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dosmantimentos [...] e entre as muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito queseria muito bem e nisto concluíram”13.Um dos navios servia de despensa; foi despejado para regressar a Lisboa, como estafeta dasmissivas produzidas pelos capitães, Caminha e mestre João. Por velha, não a quiseram arriscar no mar docabo da Boa Esperança14 e, contra o costume de incendiarem as naus abandonadas, Cabral fê-la arrepiarcaminho.É inusitado, é estranhíssimo que ao aparelharem a esquadra, nela incluíssem navio velho e incapazde enfrentar a ida e o regresso da longa viagem; que aos organizadores da expedição minguasse sensatez(ou, quando menos, prudência) na seleção dos navios; que cedo, a menos de um terço do percurso, aquelaembarcação já se evidenciasse inapta para manter-se em navegação. Não escasseariam materiais, temponem artífices com que se construísse mais uma embarcação em condições de velejar a totalidade previstada viagem, em lugar de lançarem mão de uma em mau estado.Pondera Metzer Leone, quanto ao recambiamento do navio-despensa:9 REDONDO, p. 55.10 CAMINHA in CORTESÃO, p. 134.11 CAMINHA in CORTESÃO, p. 135.12 CAMINHA in CORTESÃO, p. 139.13 CAMINHA in CORTESÃO, p. 133. Atualizei a grafia.14 LEONE, p. 195-6 (Página 4)

A única explicação plausível para o acontecido é que, à partida de Lisboa, já se soubesseque aquela nau não teria de enfrentar o mar do Cabo — por estar realmente destinada aregressar a Lisboa com a nova oficial do “achamento” de uma determinada terra, que jáse sabia existir muito antes do mar do Cabo da Boa Esperança.15A nau dos mantimentos serviu, ostensiva e efemeramente, como despensa; sigilosamentedestinava-se a tornar a Lisboa, como portadora da correspondência redigida em terra.Se a sua torna-viagem fora planejada em Lisboa, por que Cabral formou conciliábulo com seuscapitães para decidirem como proceder ?O regimento que D. Manuel expediu-lhe, como instruções, injungia-lhe: “[...] façais e sigais tudoo que melhor vos parecer, tomando sempre em tudo conselho dos capitães e feitor e de quaisquer outraspessoas que vos pareça que nisso devais meter [...].”16 Ao instituir o conciliábulo, Cabral acatou oprocedimento que deveria seguir recorrentemente, para obter a deliberação que se tomou.Metzer Leone:[...] tudo levava a crer que o resultado da reunião haveria de ser aquele mesmo que jáeventualmente estivesse estabelecido entre o Rei e o Capitão-mor — porque nada poderiadesaconselhar o regresso da nau dos mantimentos, a qual, até pelas suas condições denavegabilidade, não estava apta a sulcar os mares do Cabo da Boa Esperança — éperfeitamente de aceitar que Cabral tivesse feito reunir os seus Capitães para tomarem emconjunto uma decisão conforme era usual que tais decisões fossem tomadas, já que tudoindicava que o Conselho dos Capitães só poderia sancionar a decisão secreta, tomada emLisboa anteriormente à partida.17O conciliábulo teve segundo tema em pauta: arrebatarem-se ou não dois indígenas que fossemconduzidos a Lisboa juntamente com o epistolário. Sobre isto, Caminha aduz em doze linhas e pormenoras razões invocadas por que se concluiu negativamente, ao passo que dedica apenas cinco ao tema anterior,em que vagamente alude às “muitas falas que no caso se fizeram”, sem minudenciar nenhuma, como seimportasse mais decidir levarem-se ou não dois autóctones do que transportar-se ou não a correspondênciana embarcação de mantimentos.A segunda decisão, virtualmente polêmica, justificaria mais a reunião dos capitães; a primeira,mais fácil (majoritária ou consensual), justificaria menos o dito conselho, até porque o mau estado daembarcação em causa induzia-lhe. É precisamente seu mau estado, sua inaptidão para prosseguir, com oconseqüente induzimento a seu retorno, que terá sido intencional, para facilitar deliberação neste sentido.Na composição da frota selecionou-se navio ruim, para ser recambiado18.

VI- A frieza de Caminha, de mestre João e do piloto anônimo.

Caminha descreve o encontro da “nova” terra com frieza e até indiferença. Não exprimiu surpresa nem gáudio, não se interrogou que terra seria aquela nem onde se localizava.

[...] e assim seguimos nosso caminho por este mar de longo até terça-feira de oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de Abril, que topamos alguns sinais de terra, sendo da dita ilha segundo os pilotos diziam obra de 660 ou 670 léguas, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim outras, a que também chamam rabo de asno; e a quarta-feira seguinte pela manhã topamos aves, a que chamam fura-buchos; e neste dia, a oras de véspera, houvemos vista de terra, a saber:

primeiramente de um grande monte mui alto e redondo e de outras terras mais baixas, ao sul dele e de terra chã, com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs o nomede monte Pascoal, e à terra, terra de Vera Cruz.19

Do achamento mais não diz e digressa para considerações náuticas.Mestre João Faras (médico do rei, presente na esquadra) também autor de missiva, é lacônico eainda mais indiferente: “Senhor: ontem segunda-feira que foram 27 de Abril, descemos em terra eu epiloto do capitão-mor, e o piloto de Sancho de Tovar [...]”20. Sequer comunica haverem topado terra; namesma frase e nas sucessivas transmite matéria astronômica.O piloto anônimo21, abundante na parte da viagem transcorrida no oriente, diz tão somente: “Aosvinte e quatro de Abril, que era uma quarta-feira do Outavário da Páscoa houvemos vista de terra; com oque tendo todos grandíssimo prazer, nos chegamos a ela para a reconhecer [...]”, “[...] porém não pudemossaber se era Ilha ou terra firme [...]”22.Todos experimentaram grandíssima satisfação, porém o piloto não externa surpresa que sentiriaperante o inesperado ou desconhecido. Não puderam elucidar se estavam em terra firme ou ilha, valedizer, ele e outros assim o ignoravam, embora ele certamente não ignorasse o rumo e o destino da viagematé ali: como piloto e, portanto, responsável pela navegação de uma das embarcações, presumivelmenteestaria a par de ambos.Em contrapartida, na expedição de Vasco da Gama, em 4 de novembro de 1497, aoinesperadamente deparar-se terra aos marinheiros, narra Álvaro Velho (marujo e soldado daquela frota):“[...] e, então, nos ajuntamos todos e salvamos o capitão-mor, com muitas bandeiras, estandartes ebombardas, e todos vestidos de festa.”23Aos de Gama exsurgiu terra de inopino, pelo que seus marujos festejaram-no com bandeiras,estandartes, salva de tiros, vestimenta festiva. Nada disto se repetiu com os de Cabral; as três testemunhaspresenciais, em posição para estarem bem informadas, cujos relatos transmitiram-se-nos, reagem peranteo que veio a ser o Brasil lacônica e friamente, baldos de entusiasmo e de qualquer surpresa, quase decaminho, “exatamente porque o seu aparecimento era esperado, e constava da programação anteriordaquela viagem: dirigiam-se para lá.”24VII- Fertilidade da terra e abundância de água doce.Caminha não exarou a célebre frase que se lhe atribui: “Plantando, tudo dá”. Escreveu, em relaçãoà terra em que estava: "[...] águas são muitas, infindas; [a terra] em tal maneira é graciosa que, querendoa aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem [...]."25Conquanto alguns mareantes houvessem se internado na mata brevemente26, não inspecionaramo interior do território, cuja observação limitou-se ao que se descortinou da praia ou de bordo, por demaisinsuficiente para ensejar a asserção peremptória de que a água doce era muita, infinda e a terra, graciosae fértil.19 CAMINHA in CORTESÃO, p. 127. Atualizei a grafia.20 FARAS in LEONE, p. 475.21 O piloto anônimo era piloto da frota de Cabral, que produziu extenso relato da viagem por inteiro, em 21 páginas(a de Caminha ocupa 13 páginas e ¼, com o mesmo critério de medida, in CORTESÃO). É circunstanciado nasaventuras na Índia.22 In CORTESÃO, p. 145.23 In LEONE, p. 469.24 In LEONE, p. 470.25 In CORTESÃO, p. 140. Atualizei a grafia. O primeiro encômio que se fez ao que depois se tornou o Brasil foiescrito com belíssima mesóclise ("dar-se-á"). Se motivos de correção e elegância não houvesse para usarmo-la, háeste, de ufania para brasileiros: foi com mesóclise que por primeiro alguém elogiou águas e terras brasileiras.26 “[...] e o capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia, e outras, se houvessem delasnovas [novidades], e que em toda maneira não se viessem a dormir às naus [...] e assim se foram.” In CORTESÃO,p. 136. Porém no dia subseqüente regressaram, por os índios não os quererem lá. (Página 6)
“Brasil já conhecido na carta de Caminha”, 30.03.2020. Arthur Virmond de Lacerda
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