“São Paulo no século XVI”, Afonso d´Escragnolle Taunay (1876-1958). Correio Paulistano. Página 1
6 de dezembro de 1917, quinta-feira. Há 107 anos
Tronco de tão considerável descendência quanto Estevam Ribeiro Bayão Parente, foi Garcia Rodrigues Velho, casado com Isabel Velho, ambos portugueses. Emigrando o casal para São Vicente, desde os anos martim-afonsinos, consigo trouxe filhos e filhas, relata Pedro Taques, entre eles o padre Garcia Rodrigues, graças a cuja influência conseguiram suas irmãs realizar excelentes casamentos entre a gente melhor da capitania. Mudando-se para o planalto vemos Garcia Rodrigues, em 1556, juiz ordinário em Santo André e em 1561 vereador em São Paulo. Figura entre os seus genros Jorge Moreira, Antonio Bicudo, Simão Jorge, todos eles origens de enormes descendências.
Outro grande patriarca foi João do Prado, português, natural de Olivença, emigrado em 1531 em companhia do donatário. Durante largos anos viveu na marinha, onde possuiu grandes lavouras de cana e parte do célebre engenho de São Jorge dos Erasmos. Muitas expedições realizou no sertão, á busca de nativos, para as suas fazendas. Mudando-se para São Paulo ai foi juiz ordinário em 1585 e 1592. Muito idoso já, faleceu no sertão em 1597, a acompanhar as operações da expedição do loco-tenente da capitania João Pereira de Sousa.
Paschoal Leite Furtado, seu genro, fidalgo açoriano, passando a São Paulo em fins do século XVI com d. Francisco de Sousa, muito herdou do seu prestígio. De João do Prado provém um dos maiores sertanistas do século XVII, Mathias Cardoso de Almeida, o logar-tenente de Fernão Dias Paes.
Entre outros cidadãos conspícuos de São Paulo quinhentista citemos, para terminar a já extensa resenha, Antonio Cubas, irmão do fundador de Santos e morador de prestígio de Santo André, onde em 1555 e 1556 serviu como juiz ordinário, já em 1562 exercendo igual cargo em São Paulo; Antonio Raposo, português, natural de Beja, e oficial da Câmara paulistana em 1590 fixado em São Vivente em 1583 ao deixar o serviço da esquadra de Diogo Flores Valdez, então de volta da malograda jornada ao Estreito de Magalhães; Simão Borges de Cerqueira, português, moço da Câmara do cardeal rei, emigrado para o Brasil em fins do século XVI e tabelião em São Paulo, onde se casou com a filha do primeiro Fernão Dias Paes, homem dos primeiros da terra e juiz em 1586, 1590 e 1594.
Percorrendo a lista dos oficiais da Câmara piratiningana alguns nomes se nos deparam ainda a quem não reveste um mero interesse genealógico; entre eles citemos Luiz Martins, procurador em 1562, companheiro de Braz Cubas na sua grande expedição pelo sertão em busca de metais preciosos, a Clemente Alves, sócio dos Sardinhas na mineração.
Dos land-lords quinhentistas de em torno de São Paulo sabemos pelas Atas, as indicações das sesmarias e os depoimentos de Pedro Taques, que Domingos Luiz, o Carvoeiro, e Antonio de Proença, por exemplo, tinham terras "da banda do Hipirangua" que era "caminho do mar"; Salvador Pires, Antonio Preto, Pero Dias afazendavam-se no bairro da "Ponte Grande"; Jorge Moreia e Antonio de Saavedra, seu genro, na "Virapoheira"; Afonso Sardinha, Antonio Bicudo, Fernão Dias, João Paes Leme, que se estendia ao Caaguassú, o mato grande, hoje avenida Paulista. Adiante de Pinheiros no Butantan localizavam-se as de Afonso Sardinha.
Não muito longe das terras de Sardinha vinham as da reserva nativa de Carapicuhyba, destinada a abrigar os descendentes dos espoliados dos donos do solo, por determinação de Jeronimo Leitão, em 1580.
Para além de Carapicuhyba, diz-nos Theodoro Sampaio, de cujas indicações preciosas de uma pequena e erudita memória (São Paulo de Piratininga no fim do século XVI) nos estamos utilizando (Revista do Instituto Histórico e São Paulo, tomo IV, pags. 237-278), além de Carapicuhyba, a estrada de penetração aproximava-se do Tietê.
Entrava-se em terras de Parnahyba, onde André Fernandes, desde 1580, desbravava a mata. Adiante de Parnahyba era o sertão bruto cheio de misteriosos perigos, e da insidia dos selvícolas. Um ganho dessa via, hoje a acompanhar terrenos do Hospital de Isolamento e do Cemitério do Araçá, servia de separação das terras do Pacaembu e do Mandihy, propriedades dos jesuítas, das da Emboaçava, pertencentes ao velho Afonso Sardinha.
Era por esse caminho que se galgava o "sertão de Jundiahy", refúgio de criminosos e homiziados. Passando por entre o Jaraguá e a serra de Cantareira marginavam-no terras de cultura dos Pires e Buenos.
Tietê abaixo tocava-se em Nossa Senhora da Expectação, bairro onde Manuel Preto erigira, em 1615, a capela de Nossa Senhora do Ó e fazia então trabalhar os seus mil escravizados vermelhos. Povoador de enorme área distribuía André Fernandes as terras de sua infindável sesmaria, para elas atraindo personagens galantes da época, como Antonio Bicudo Carneiro, Bartholomeu Bueno, para só falarmos de personalidades quinhentistas. Para os lados da Cutia, na fronteira "far west" da época, afazendava-se o castelhano Bartholomeu de Quadros. Eram muito pouco povoadores e a terra imensa. Não se podia pensar na dispersão de forças numa situação em que o estabelecimento piratiningano tomava feição das antigas colonias romanas, implantadas no meio de populações vencidas mas não ainda submissas.