É só Knivet, quem descobriu serras cobertas de gelo no sertão do Brasil, e foi ele também o único que tem por dias viajado num rio subterrâneo sem encontrar outra dificuldade senão a do encontro fatal na saída do dito rio com nativos bravos, que a todos comeram á exceção de Knivet que nos relatou esta história. (Páginas 36 e 37)
Do lado oposto á bahia de Santos, á direita da Bocaina, existe um pequeno morro denominado "Ilha de Barnabé". Esse morro, entretanto, ha muitos anos que já deixou de ser ilha e ligou-se ao continente. Esse manguezal todo, vai desde a embocadura do rio Jurubatuba até o Monte Cabrão, na Bocaina do Bertioga, e por onde serpeiam os tortuosos canais do Sandy e do Diana, era quase todo mar; apenas na Bocaina da Bertioga, para um lado do canal surgiam á flor d´água algumas lages e recifes e nada mais; tudo era livre e vasto até o Jurubatuba.
Nas sesmarias concedidas a Braz Cubas por d. Anna Pimentel, a 3 de março de 1531 ha referências a essa ilha, que hoje se denomina Barnabé.Passemos a transcrever alguns tópicos: "... a qual terra (sesmaria) está na povoação de São Vicente (Santos ainda não existia nesse tempo) do dito sr. Martim Afonso e a dita terra poderá ser de grandura de duas léguas e meia, pouco mais ou menos, até três léguas por costa e por dentro quanto se puder estender, que for da conquista de El-Rey nosso Senhor e que está onde chamam Jarabatyba, assim que pelo braço de mar dentro e mais lhe fazemos doação
Estas terras de Braz Cubas segundo confrontações do referido documento, conforme se vê no mapa, eram duas e meia a três léguas de costa, desde a foz do Jurubatuba, até o outeiro Guanique, que neste tempo também era ilha, e que se acha á margem esquerda do Rio Cabaçú, no largo do Candinho, costeando as montanhas que ficavam sobre o mar.
Como em todo esse sertão oriental, compreendida esta sesmaria, que estava ainda nessa época infestada pela tribo indômita de Ururay, que se aliavam aos tamoyos no ódio e hostilidades aos portugueses, houve dificuldade em povoar e cultivar essa região, conforme declara o mesmo documento.
Antes de fundar a povoação do Porto de Santos era nessa Ilha Pequena, onde Braz Cubas e seu pai João Pires Cubas tinham uma pequena fazenda. Eis o que refere o trecho do documento do Traslado da Escritura de auto de posse dessa ilha e mais terras, passado em Lisboa a 10 de agosto de 1540:
"... ele capitão (Martim Afonso) lhes houve por demarcadas pelas demarcações já ditas e meteu logo posse delas realmente em feito, visto já a obra que na dita ilha tem de canaveais e mantimentos... e por ele dito Braz Cubas foi também pedido a ele capitão mandasse a mim tabelião que desse aqui a minha fé em como havia três anos que João Pires Cubas, seu pai, viera a esta terra com fazenda e gasto e aproveital-as, o que deixou de fazer por dita terra ser habitada por gentios nossos contrários e por esse respeito as não pudera nem podia aproveital-as... etc."
A data da Sesmaria de Pedro de Góes é de 24 de abril de 1537 e acha-se transcrita em diversas crônicas e monografias. Confrontava para o oriente, na serra de Taperovira com as ditas terras de Braz Cubas, pelo rio Jurubatuba; dai, costeava o lagamar até á ponta ocidental desta serra até o ponto hoje denominado Pedreira, e dali cortava em linha reta até a ilha do Caramacôacara (Casquerinho) onde o rio Cubatão tem um de suas barras; seguindo em direção à serra, costeando a ribeira do Ururay (hoje rio Mogy) até o vale e serra do mesmo nome, que está sobre o mar, e dai em direção a Piratininga, pelo caminho velho do Piassaguêra.
Em 1674 o Padre Lourenço Craveiro, reitor do Colégio dos Jesuítas de São Paulo, aos quais então pertenciam grande parte dessas sesmarias, fez algumas anotações á margem de uma destas escrituras, esclarecendo as denominações nativas primitivas, que já nesta época (1674) começavam a ser alteradas, confundindo portando os rumos das ditas sesmarias.
Ai vão transcritas algumas dessas notas:
"Esta parte da Serra de Paranapiacaba (Ururay) que está sobre o mar, é bem conhecida..." "Ponta do Ururay bem se sabe onde é, - é a quebrada da Serra".
"Ururay se chama aquela vala onde teve sítio o capitão Antonio de Aguiar Barriga, e a ribeira que ali corre é Ururay".
"Ilha de Caramacôara é a que está na carra do rio Cubatão".
"A Serra de Taperovira é o monte, ou montes ao pé dos quais vem o rio Jiribatyba, defronte de Santos". [Revista do Museu Paulista, 1895. Páginas 514 e 515]
“Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan [pau-brasil]. Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra ? Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. — Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? — Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? — Para seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. — Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também ? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.
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Aprendi mais, e ainda agora creio, como indubitável, que uma vez dado o direito, dado é também o meio de o conservar e recuperar, quando invadido; pois que a obediência cega é o antagonismo da espontaneidade, que constitui a essência do ente moral chamado homem; e que isto se não modificava no estado social com a criação de um governo.