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Caminhos e (des)caminhos em busca de liberdade: Damásia e Benedita nos registros judiciais da vila de Castro, na segunda metade do século XIX
201909/04/2024 11:32:07

A história de Damásia e Benedita é de sonhos, dominação e resistência. Aliás, sermulher na sociedade, especialmente no oitocentos, indiferente da classe social e da cor,era diferente de ser homem. Historicamente o masculino se constituiu como dominanteem relação ao feminino, e então no momento em que o masculino exerceu poder eprivilégios diante das mulheres, a sociedade se tornou desigual. No contexto do séculoXIX, profundamente marcado pelas influências da Igreja, a condição do feminino era deapagamento na sociedade, ou seja, o que se esperava de uma mulher era a sua submissãodiante do pai e/ou esposo. Emanuel Araújo ressalta que durante o período colonial, amulher idealizada deveria sair do seu lar apenas em três ocasiões, sendo para cerimôniade batismo, no casamento e em seu próprio enterro (ARAÚJO, 1997, p.49).Desse modo, a condição da mulher escrava já era de inferioridade e subordinação.O sistema escravista colocava os indivíduos em uma condição de dominação. Todavia,houve casos em que escravizadas desafiaram a sociedade patriarcal de seu tempo emnome de seus anseios de vida. Sandra Graham ao analisar as relações entre escravas esenhores mostrou como essas mulheres enfrentaram as regras implicitamente impostapelos homens, questionando o lugar social em que ocupavam (GRAHAM, 1995).Para obter a liberdade as mulheres negras escravizadas criavam estratégias, teciamrelações sociais e afetivas para em algum momento partirem para a insubordinação,fugirem dos domínios escravistas. Sendo assim, “entender as mulheres comoprotagonistas da própria história é preciso atentar-se para suas escolhas, ações, muitasvezes implícitas, e as possíveis relações de sociabilidades disponíveis no contextohistórico, no qual estavam inseridas” (FERREIRA, 2017, p.196).Damásia e Benedita viveram as agruras do sistema escravista, ambas nasceram nocativeiro. Nas décadas de 1850 e 1860 moravam numa vila interiorana da Província doParaná. Embora suas histórias se cruzam na Vila de Castro, nem todas eram de lá.Benedita era natural de Sorocaba, na Província de São Paulo. E não se sabe a quantotempo vivia na vila castrense. Quanto a Damásia as fontes não trazem informaçõesprecisas a respeito de sua naturalidade, mas pelo contexto das escravarias locais,possivelmente tenha nascido e crescido nessa região. E se aliarmos o fato de que se tratade uma localidade constituída por poucos habitantes praticamente todos se conheciam esabiam onde o outro moravam, sendo assim, omitido o que era do conhecimento geral. (Página 2)

Os Autos do Interrogatório não traz outras descrições a respeito do cotidiano de Damásia no cativeiro. Desse modo, não se sabe se houveram mudanças nas suas rotinas e nas relações com as pessoas e com sua senhora. Sabe-se que ela continuou como escrava. Quando interrogada afirmou que após a morte do filho sentiu medo de voltar para casa de sua proprietária por medo de ser surrada. Nesse período, os castigos nos casos de fugas eram frequentes e, variavam de chibatadas aos trabalhos dobrados, tanto nos dias santos como nos feriados (MARTINS, 2011). A história de Damásia é especialmente instrutiva. E se junta a de tantas outrasmulheres escravizadas do seu tempo. Revela que a escravidão tirava a autonomia das pessoas, mas não o desejo de sonhar. Embora seus planos tenham fracassados, quem sabe Damásia pôde sentir, pelo menos por algumas horas, a sensação de ser livre. E certamente que para ela que nascera nos domínios senhoriais, o fato de ter se arriscado aponto de ter colocado em risco a própria vida para experimentar a sensação de liberdade tenha significado o bastante.

Benedita: das escapas e acusações

A outra história selecionada para discutir neste ensaio refere-se a preta Benedita, que em 1862 vivia como escrava no bairro do Socavão (vila de Castro), propriedade de Luis Carneiro Araújo. Como já mencionado anteriormente, os fatos narrados aqui ocorreram na Vila de Castro, porém, Benedita era natural de Sorocaba, Província de São Paulo. E não se sabe a exatamente quanto tempo vivia na localidade. Em 1861 Benedita possuía em torno de 30 anos. Era solteira. Não sabia ler nem escrever. Não possuía ofício especializado, possivelmente desempenhava as diversas atividade. Certamente que os trabalhos nas fazendas não eram poucos. Além das atividades com o gado e nas roças, os escravos desenvolviam também outros trabalhos, como por exemplo domésticos e até mesmo serviços especializados. Não se sabe se Benedita dividia o cativeiro com outros companheiro, porém, a exploração excessiva da mão de obra cativa fazia parte do cotidiano da escrava. Tanto é que as relações envolvendo o desempenho de atividades na fazenda acabou levando ao desentendimento entre Benedita e seu senhor. (Caminhos e (des)caminhos em busca de liberdade: Damásia e Benedita nos registros judiciais da vila de Castro, na segunda metade do século XIX, 2019. Página 10)

Era dez de setembro de 1861 quando a escrava Benedita dirigiu-se à casa do juiz municipal da vila de Castro, Domingos Martins de Araújo, para prestar queijas do seu senhor, Luis Carneiro Araújo. Na presença do escrivão a escrava relatou que por diversas vezes seu senhor havia praticado castigos violentos e que naquele dia havia sido castigada violentamente por não fazer um serviço que dependia de muita força. Desse modo, nos autos da denúncia se lê: Acaba de apresentar-se em quase completa nudez, a preta Benedita, que se diz escrava de Luis Carneiro Araújo, morador no Socavão, distrito desta cidade, com o braço direito aleijado de uma grande queimadura cicatrizada, com outratambém cicatrizada no joelho direito e com as costas e outros lugares do corpo inteiramente cortados de inúmeras cicatrizes [...] mais desumana e bárbaro castigo, que segundo a mesma infelis tem lhe sido infligido pelos seus senhores”6 Tendo em visto a denúncia e o estado em que a escrava se apresentou na residência do juiz municipal, os peritos Joaquim Antonio de Souza Maia e Previsto Gonçalves daFonseca Columbia foram chamados para realizar o exame de corpo de delito e, assim, prosseguir com os encaminhamentos do inquérito. Certamente que Benedita vivia um momento de aflição. A exploração cotidianada sua força física aliada aos constantes castigos sofridos no cativeiro atormentava suavida. A situação em que a cativa se apresentou chamou atenção das autoridades. Oescrivão registrou que a mesma encontrava-se em estado “mais desumana e bárbarocastigo, que segundo a mesma infelis tem lhe sido infligido pelos seus senhores”7. Otratamento do senhor para com a escrava estava sendo desvelado.Benedita sabia que a decisão de recorrer as autoridades locais para intermediar asrelações entre seu senhor poderia render-lhe outras consequências futura, mas, diante dodesespero e das agruras sentidas optou em buscar ajuda na justiça. Suponho que paraBenedita, na condição de mulher e escrava, no contexto do oitocentos, não tenha sidouma tarefa muito fácil.Jamais saberemos o que passava na cabeça de Benedita quando se encontrava nacasa do juiz municipal, relatando os sofrimentos vivenciados no cativeiro diante de“homens da lei” e escravocratas. Aliás, desse caso, saberemos apenas o que foi registrado

6 CASA DA CULTURA EMÍLIA ERICHSEN. Processo s/n.. Caixa/ano: 1862. Lesões corporais.7 CASA DA CULTURA EMÍLIA ERICHSEN. Processo s/n.. Caixa/ano: 1862. Lesões corporais (Caminhos e (des)caminhos em busca de liberdade: Damásia e Benedita nos registros judiciais da vila de Castro, na segunda metade do século XIX, 2019. Mariani Bandeira Cruz Oliveira (UFRGS). Página 11)


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