Capitanias Paulistas. Benedito Calixto de Jesus (1853-1927)
1927. Há 97 anos
Antonio Rodrigues de Almeida concedeu grande número de datas de terras, desde 1562 até 1579, conforme se verifica do livro de registro das Sesmarias - título 1562 - que existe no velho arquivo do Cartório da Provedoria da Fazenda de São Paulo, a saber: em 1 junho de 1562, a Braz Cubas, das terras, em uma ilha deserta chamada - Mamberecuña - passando a ilha de São Sebastião. Em 6 de maio de 1566, a Domingos Garocho, das terras que ficam além da Bertioga, começando do morro chamado Buriquióca. Em 27 de abril desse mesmo ano (1566), confirmou a data de terras que Gonçalo Monteiro, como procurador de D. Izabel de Gambôa, havia concedido a Jorge Ferreira, na serra da Itutinga. [Página 23]
Os índios da Bertioga, já quase extintos nessa época, tinham seu "caminho do sertão" pelo rio Tutinga e serras que se estendem até as proximidades de Mogi das Cruzes e Paraíba. De Jurubatuba (porto de Santos) havia outra via de comunicação para Mogi, a qual se melhorou no tempo de Braz Cubas, conforme é ainda conhecido pelos vestígios existentes nas respectivas serras.
Em Santos e São Vicente, além desses dois caminhos - Tutinga (da Bertioga) e Jurubatuba - bem como de outras veredas que iam ao Alto da Serra e Borda do Campo -, existia ainda o célebre "caminho velho" (Pissaguéra) que do Rio Uruguai seguia, margeando a cachoeira, até a Grota-Funda, e dali até o alto (Rio Grande e Campo Grande), donde se dirigia para Santo André e São Paulo de Piratininga [Hoje estação da São Paulo Railway]. O caminho do Cubatão, depois aberto e melhorado, no tempo de Anchieta, por ordem de Mem de Sá, onde hoje trafegam os automóveis e é conhecido por Caminho do Mar, já existia nessa época e só era trilhado pelos índios.
Foi pelo caminho velho (Piassaguéra) que Martim Afonso, seu séqüito e os primeiros missionários jesuítas, Leonardo Nunes, Diogo Jacome e Pedro Corrêa, penetraram nos campos e sertões de Piratininga, antes de 1553. São estes, aliás, fatos incontestáveis, como se podem provar, com documentos só agora conhecidos.
Além do caminho de Piassaguera e do caminho do Cubatão, no mar de Santos, que são até hoje bem conhecidos, existiam o Sul do lagamar de São Vicente, outros "caminhos do mar", que comunicavam com os sertões do interior e foram percorridos pelos primeiros povoadores e missionários. Entre estes, os mais notáveis são: o que da aldeia de Imbohy (ou Mboy) e Santo Amaro se dirigia a Itanhaém, conhecido por Caminho do Gado, do qual as sesmarias do tempo de Martim Afonso e os velhos documentos da Câmara daquela vila nos dão notícia.
Não sessão de vereança da Câmara de Itanháem, de 2 de outubro de 1838, leram-se dois oficios do Capitão João A. de Paula Oliveira. Inspetor das Obras Públicas da mesma vila, comunicando á Câmara - que tinha concluído a abertura da picada que comunicava aquela vila com a Capital, pela vila de Santo Amaro. Em outra vereança desse mesmo ano, o respectivo presidente - José Pedro de Carvalho - dizia que "se desse cumprimento á portaria de exm. snr. presidente da Província, ordenando a fatura da mesma estrada do mar".
Essa antiga "estrada" foi ainda melhorada, após a Independência, pelo engenheiro Porfirio, a mandado do governo provincial; mais tarde, 1885, o deputado dr. Cunha Moreira, residente e proprietário em Itanhaém, por verba votada pela mesma Assembléia Provincial, mandou também melhorar o caminho da serra, desde o alto até o Porto Velho, à margem do Rio Branco.
Foi por esse caminho do mar, de Itanhaém, que o célebre caudilho, Bartholomeu Bueno de Faria, súdito da capitania de Itanhaém, residente em Jacareí, desceu em 1710, com o seu troço de índios e tropas de muares para tomar a Praça de Santos e levar o carregamento de sal, para abastecer as povoações do interior, como é bem conhecido. Foi ainda nessa mesma "estrada", perto de Praia Grande, que a escolta, vinda de Santos, o prendeu - oito anos após o crime por ele praticado. E ainda por este "caminho do gado", que os moradores do Alto da Serra, do distrito de Santo Amaro e Itapecirica, desciam e descem, com animais, para Conceição e Praia Grande.
No meio da praia de Peruíbe (Paraná-mirim) existe ainda um caminho de penetração, partindo do porto de Piaçaguera (porto velho), que se dirigia para o sertão, em rumo de Noroeste, conforme se nota no mapa geral da Comissão Geográfica, dessa região de Itanhaém.
Este "caminho velho" fraldeava as serras do Bananal e Cahêpupú até o entroncamento com a cordilheira marítima (tapera do Índio Roque), dirigindo-se dali para os sertões de Sorocaba, Araçariguana, Araritaguaba etc. Era nessa região, cortada pelos dois caminhos - do gado e da aldeia velha (Paraná-mirim) - que estavam situadas as minas de Araçoiaba e as legendárias terras auríficas de Botucavarú, Lagoa Dourada e outras, das quais os aranzéis (roteiros antigos) nos dão notícias. O morro e cachoeira do Mineiro, nas proximidades de Mongaguá, entre Aguapeí e Rio Branco, indicam ainda, na nomenclatura geográfica de Itanhaém, a preocupação constante dos seus primitivos povoadores.
As serras dos Itatins - no litoral de Itanhaém - entre Guaraú, Una do Preldo, Pagaoçá e Juréia e os afluentes do Juquiá, São Lourencinho, Itariri e Guanhnhã, tinham "fama de ocultar tesouros", como é bem conhecido. Nesses rios ainda hoje se extraem pequenas parcelas de "ouro de lavagem" e outros minerais.A ribeira de Iguape, com seus numerosos afluentes, como tentáculos sugadores, estendidos em todas as direções, foi, nesta região da Capitania de Itanhaém, a parte que mais atraiu a cobiça dos povoadores e principalmente dos primeiros aventureiros, ávidos de "ouro e de escravos".
São também conhecidos os caminhos de penetração, que, desde o tempo da descoberta, se dirigiam para o sertão do Noroeste, pelo Juquiá, até as vertentes do Paranapanema. As vias fluviais e as "veredas indígenas", que da Xiririca (N.E.: atual cidade de Eldorado/SP), Iporanga, Apiaí, se encaminhavam para Itapeva da Faxina e sertões do Avaré, em Paranapanema, eram também muito afamadas em notícias de minas auríferas. O morro de Vutupoca, as Grutas Calcárias e as Minas de Chumbo no Iporanga; as minas de Apiaí - o morro do ouro! - e tantos outros indícios que já se manifestavam nos primeiros dias do povoamento, deviam, como já se disse, fascinar os lusitanos e castelhanos dessa primeira época.O "mar pequeno de Cananéia", a ligar-se com o estuário de Superagi (Paranaguá), com seus caminhos para as terras dos Carijós, passando por Curitiba, Umbotuva, em direção aos cursos do Tibagi, Cinzas e Paranapanema, ou ainda, do lado oposto, com o Iguaçú e seus tributários, era também, nesse tempo, um ponto do litoral em grande evidência, para os "sonhadores de tesouros e caçadores de índios".Foi, como já se disse, nas serras de Paranaguá, próximo a Antonina, "o local onde se extraiu o primeiro ouro no Brasil", conforme indica o citado mapa que se acha no Instituto Histórico de São Paulo, publicado pela primeira vez na memória Capitania de Itanhaen. Nesse mesmo mapa antigo, na seção que trata da topografia da vila de Guaratuba, estão bem indicados os lugares em que se extraía o ouro, bem como o Posto do Registro onde se fiscalizava o rendimento das minas da Capitania de Pero Lopes de Souza.O nome de Serra da Prata, dado a essa zona orográfica, conforme se vê do dito documento, demonstra que também houve ali indícios desse metal precioso.
Os espanhóis e portugueses encontrados por Martim Afonso, nesta parte do litoral, já conheciam todos esses pontos e faziam resgates com as tribos desses sertões.Pedro Corrêa, Francisco de Moraes Barreto e outros, apresadores e vendedores de escravos, haviam já destruído as aldeias de índios situadas ao Sul de Itanhaém, quando Martim Afonso - depois de seu regresso de Piratininga - tratou de fundar ali uma povoação, com seu respectivo propugnáculo [66].
Antes de aportarem a estas plagas os primeiros descobridores, já todo o litoral, desde Cabo Frio a Santa Catarina (nesta região), estava povoado de aldeias, que pouco a pouco se foram extinguindo, pela devastação operada pelos conquistadores.
Os núcleos indígenas de Bertioga e São Vicente, onde dominavam os grandes chefes Piquerobi, Caubi e outros, foram logo destruídos pelos invasores. No local da extinta aldeia de Tumiaru, residia nesse tempo, 1532, o português Antonio Rodrigues, parceiro de João Ramalho. Rodrigues estava vivendo maritalmente com a filha do chefe Piquerobi, que não se quis aliar aos portugueses, como fizeram Tibiriçá e Caubi. A prova mais cabal da existência e desaparecimento do grande núcleo indígena, em Tumiaru, são os objetos de arte indígena - igaçabas, ídolos e mais utensílios de cerâmica encontrados nas escavações antigas e recentes que ali se têm feito, no prolongamento da antiga Rua do Porto e Rua Capitão-mor Aguiar.
Parte desses túmulos indígenas, igaçabas e mais artefatos de cerâmica, foram recolhidos pelo major Sertório, há trinta ou quarenta anos, para o seu museu particular, transferido depois para o do Ipiranga. Das últimas escavações que ali se têm feito, para os lados de Sambaetuba, pudemos recolher ainda alguns fragmentos dessas igaçabas e escudelas, com belos ornatos, que conservamos em nosso estúdio.
Guardamos também, com extremo carinho, fragmentos de armas e ídolos, em cerâmica, recolhidos das escavações praticadas na base do morro, próximo ao porto de Tumiaru. O outro importante núcleo de aldeamento primitivo era o que estava situado á margem esquerda da foz do Rio Itanhaém, no mesmo local onde surgiu a terceira vila fundada por Martim Afonso de Souza.
Esse grande aldeamento e outros que lhe ficavam ao Sul, em Paraná-mirim, Peruíbe, Guaraú e Una da Aldeia (já na foz da Ribeira de Iguape) foram todos devastados pelos régulos e aventureiros, conforme já ficou dito.
Diz o autor da citada Memoria sobre as Aldeias da Província de São Paulo que o capitão Francisco de Moraes Barreto, companheiro de Martim Afonso, "levou a ferro e fogo os indígenas que ali - em Itanhaém - deparou, subjugando os que não puderam fugir e com estes, sob a mísera condição de escravos, erigiu a aldeia que foi conhecida com o nome de Itanhaém, derivada da tribo que anteriormente tivera por solar aquele território".
Se este capitão, que deu predicamento à vila de Itanhaém, como governador de São Vicente, assim procedia para com os índios do litoral, que se poderia esperar de seus subordinados?
Do que foi o aldeamento de Itanhaém, antes da descoberta e povoamento, pelos lusitanos, poder-se-á hoje fazer uma idéia pelas igaçabas e mais artefatos de cerâmica encontrados nas escavações ali procedidas ultimamente, no perímetro das novas edificações e mesmo na parte antiga, edificada há perto de quatrocentos anos.São realmente admiráveis as ornamentações - gregas e arabescos - grafadas nesses túmulos e vasos de cerâmica que guardam ainda os despojos dos grandes chefes indígenas, dos quis Anchieta nos dá notícia. Nas cartas do taumaturgo, referentes à catequese em Itanhaém, encontram-se minuciosas referências de alguns desses antigos pajés, por ele catequizados nessa vila, e reconduzidos do sertão, alguns com mais de cem anos de idade. Eram os remanescentes do "antigo povo".O que mais se admira nesses vasos pré-históricos são o brilho intenso do colorido, principalmente do vermelho-pompeiano, cuja conservação é perfeita, as camadas de tinta-esmalte-branco, resistentes à umidade e à ação corrosiva dos séculos; a nitidez e delicadeza dos traços, a habilidade com que foram delineados os belos e caprichosos ornatos, principalmente o estilo a que obedecem, o qual tanto tem de grego, de árabe ou egipciano; tudo isso enfim é simplesmente admirável?!Tais artefatos, tão dignos, tão importantes, como as belas coleções de "Cerâmica de Marajó" avaramente guardadas no Museu Goeldi do Pará - estão infelizmente sendo espatifados, aqui em São Vicente e em Itanhaém, pela inconsciência do almocreve e do alvião e dispersas em mãos de curiosos, sem que os poderes públicos, competentes, lhes liguem a mínima importância, não obstante as nossas reclamações [67].