Em junho de 1562, a vila de São Paulo de Piratininga, atual São Paulo, foi alvo de um ataque da Confederação dos Tamoios – a maior união de aldeias indígenas já vista na colônia. Esta confederação foi formada com o objetivo de expulsar os portugueses da região. Os tamoios estavam prontos para surpreender a vila, obter a vingança de seus companheiros mortos e escravizados e expulsar os lusitanos da região. No entanto, não contavam com um traidor em suas fileiras: um dos homens de Piquerobi, líder dos tupiniquins que rompeu com os portugueses, avisou Tibiriçá e os habitantes da vila. Martim Afonso Tibiriçá era o cabeça dos tupiniquins leais aos portugueses e foi quem assumiu a defesa da vila. Sem o elemento surpresa e graças à preparação defensiva do líder tupiniquim, o ataque falhou e os nativos se viram obrigados a recuar após um cerco de dois dias.No dia 10 de julho de 1562, as tropas indígenas se aproximaram da Vila de São Paulo de Piratininga e, pela primeira vez, todas os grupos nativos da Confederação dos Tamoios (Aimorés, Tupinambás, Goitacás e Tupiniquins) se viram presentes para uma batalha, o que demonstra a organização que tiveram ao deixar de lado as rivalidades para derrotar o inimigo comum. De um lado Tibiriçá, aliado dos paulistas, defendendo sua nova fé e valores, do outro Piquerobi e os tamoios, lutando por vingança e contra sua escravização. Esta aliança autóctone era chefiada por diversos líderes indígenas da região da Paraíba do Sul, do planalto e do sertão paulista, aliados aos franceses sobreviventes da destruição da França Antártica em 1560.
Os indígenas sentiram-se confiantes, derrotaram a investida lusitana em suas aldeias em fevereiro e, após quatro meses de preparo, havia chegado o momento do contra-ataque. Dentro da vila, os poucos portugueses e tupiniquins se enfurnaram em suas defesas. São Paulo de Piratininga foi escolhida como alvo, pois estava mais próxima dos territórios dos tamoios e era um dos principais pontos da escravização indígena, tendo sido importunada por anos pelo grupo, que não hesitava em atacar as fazendas e trilhas para libertar os escravos.A principal liderança das defesas da vila era Martim Afonso Tibiriçá (1470-1562), um tupiniquim convertido e único chefe de seu povo a manter alianças com os portugueses. Isso se deu em razão de os portugueses, ao começarem a encontrar dificuldades em escravizar os tupinambás, se voltarem contra seus próprios aliados tupiniquins. A maioria dos antigos aliados, diante da traição, rompeu com os portugueses e se aliou à Confederação dos Tamoios.Tibiriçá chegou na Vila de São Paulo de Piratininga uma semana antes do ataque, pois um dos homens de seu irmão (Piquerobi), teria traído a Confederação para alertá-lo do ataque. Nas vésperas da invasão, Tibiriçá foi visitado por seu sobrinho Jaguanharo (filho de Piquerobi) que tentou convencê-lo a se unir aos tamoios, mas sua convicção em sua nova fé prevaleceu e recusou a oferta. Esse ato destaca a importância das alianças entre portugueses e indígenas para o sucesso da colonização e como os dois grupos se misturavam.Os tamoios avançaram até a vila, mas a falta do elemento surpresa e as defesas de Tibiriçá impediram que entrassem, bloqueados por suas cercas. Os tamoios foram alvejados de flechas e não conseguiram romper as defesas dos seus inimigos sitiados. Ao final de dois dias de cerco, os defensores se encontravam feridos, mas seus inimigos estavam em piores condições, muitos dos tamoios jaziam mortos no campo de batalha. O padre Anchieta relata a morte de Janguaharo que, ao tentar invadir a igreja do arraial, onde estariam as mulheres e crianças do assentamento, foi morto por uma flecha no estômago antes que pudesse chegar ao local.A esperança de vitória dos tamoios se esvaiu e a Confederação se pôs em fuga, matando os animais domésticos dos portugueses e queimando os campos no meio do caminho. Os defensores também saíram para persegui-los, aprisionando dois tamoios, que segundo Balthazar da Silva Lisboa, juraram fidelidade aos padres, mas Tibiriçá os executou com golpes de tacape no crânio. Nas palavras de Lisboa:“Retumbavam os alaridos dos inimigos, nuvens de pós escureciam os ares, e o furor dos indígenas se manifestava nos seus pavorosos gritos de independência, que lhes haviam ensinado os franceses [...] Haviam pintado aqueles guerreiros seus corpos, estando diversos outros ornados em penas. Voaram na mais inexplicável rapidez as setas: Apavorava o som do bater dos pés; vinham em sua retaguarda as velhas para preparar, assar, e cozer os cadáveres dos captivos.” (1834, p. 80-81)Após o conflito, Tibiriçá foi celebrado como herói pelos portugueses, mas não teve tanto tempo para aproveitar sua vitória, pois morreu de febre, causada por uma epidemia que se espalhou entre os indígenas no natal do mesmo ano de 1562. Além disso, vários nativos se juntaram à vila de São Paulo de Piratininga, com medo de novos ataques, sendo todos esses convertidos à fé católica.
Esse conflito levou os colonizadores a tentarem a diplomacia com os tamoios, visto que ainda não tinham a capacidade de eliminá-los. O resultado foi o curto Armistício de Ipeirog, em setembro de 1563, interrompido pela chegada das tropas de Estácio de Sá, vindas de Salvador em 1564. O jovem comandante estava a caminho da Baía de Guanabara para combater os franceses e, ao parar em São Paulo de Piratininga para abastecer suas tropas, a Câmara paulista o informou que só o ajudaria caso usasse sua armada para combater os tamoios da região. Sem muita escolha, Estácio de Sá atendeu aos pedidos dos camaristas e, no ano seguinte, partiu para sua missão de fundar o Rio de Janeiro na região da Baía de Guanabara.Ainda que em 1562 a Capitania do Rio de Janeiro não estivesse criada, a região fluminense estava em formação e o ataque à Vila de São Paulo faz parte do processo de expulsão dos franceses da França Antártica pelos portugueses. É um antecedente da história do Rio de Janeiro, parte do mito fundador da cidade, um longo processo de batalhas entre franceses, indígenas e portugueses, que tangenciam sua criação.(Eduardo Chu, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)