as seguintes informações relativas a uma entrada, efetuada no Governo de Salvador Corrêa de Sá, sob o comando de seu filho Martim Corrêa de Sá, ao sertão que hoje constitui partes dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. A expedição, composta de 700 portugueses e 2.000 nativos, partiu do Rio de Janeiro no dia 14 de outubro de 1597, como fim de auxiliar os índios Guaianazes contra os Tamoios.
Entre os brancos iam os ingleses Antônio Knivet e Henrique Barraway. Indo embarcada até Parati, onde se lhe ajuntaram outros índios, a expedição tomou caminho de terra, chegando em três dias ao pé da Serra de Paranapiacaba, cuja subida levou três dias e a descida outros tantos. Dois dias depois de passada a serra, apareceram campos com abundância de pinheiros.
Com quarenta dias de viagem, por vales e montes, a expedição alcançou um grande rio chamado Paracuona, em cuja travessia gastou quatro dias. Vinte dias depois de passá-lo, apareceu um grande monte chamadoPanace ynawe Apacone (em outro lugar chamado Paraeua)cuja subida exigiu quatro dias, por estar muito enfraquecido o pessoal.Aí estiveram entre os Pories que lhesindicaramuma aldeia de Tapuias na outra banda do rio, a dois dias deviagem, onde podiam obter mantimentos. Gastaram umasemana para chegar a essa aldeia, de que os homens estavam ausentes, em guerra contra os Tamoyos.Próximo havia outra tribo chamada Waanaçassieus, quetambém estava em guerra com os Tamoios. Um destes índios guiou a expedição por entre dois montes, margeandoum rio durante quarenta dias.
Chegaram a uma região campestre arborizada de pinheiros. Viajando um mês, sofrendo muito de fome e moléstias, chegaram a uns montes, entre os quais havia um chamado Itapuca – serra das pedras compridas, – com pedras pretas, de mais de um metro de comprimento, e arredondadas como se fossem pedaços de madeira. Houve muita dificuldade em atravessar essa serra mateada de jequitibás e palmitos.
Seguiram-se vinte dias de viagem por uma região de campos pretos e secos, quase sem erva, que terminou junto a uma serra chamada Itawobo, “Serra de pedras verdes”.Commais dois dias chegaram às margens do Rio Iawary; que, dizem, nasce nas montanhas de Potosi, no Peru. Aí ficaram dois meses por terem achado roças plantadas pelos índios,porém abandonadas. Depois continuaram para adiante até outras roças, onde demoraram seis meses. Deste ponto o grosso da expedição voltou ao Rio de Janeiro, correndo o risco de ser atacada pelos Pories, Lepos, Tomenos e outras tribos.
Knivet e mais doze companheiros, ficando no sertão, construíram uma canoa e, descendo o Rio Iawary durante uma semana, encontraram uma pequena aldeia abandonada, onde acharam linhas de pesca tendo pepitas de ouro amarradas, bem como pedras coloridas, verdes, vermelhas, azuis e brancas. Tomaram o ouro e as pedras preciosas como demonstração de que não estavam longe de Potosi.
Deixando o rio caminharam por terra, em rumo de sudoeste, passando uma grande montanha para entrar numa região de terra seca, pardacenta, cheia de colinas, penhascos e cabeceiras de pequenos rios. Aí acharam pepitas de ouro do tamanho de avelãs e muito ouro em pó. Em seguida passaram uma região mais plana e bela, em que viajaram por dez dias com os olhos ofuscados pelo reflexo da luz de uma grande montanha reluzente, em frente.
Chegando ao pé dessa montanha tiveram de acompanhá-la durante vinte dias à procura de uma travessia, até que afinal encontraram um rio que passava por baixo da montanha. Aí construíram uma balsa e meteram-se pelo rio abaixo, entrando um dia de manhã e saindo uma outra manhã, massem saber se passaram mais de um dia nessa medonha travessia. No outrolado da montanha encontraram índios que se deram como inimigos dos portugueses e amigos dos franceses e por isso mataram e comeram os doze portugueses, poupando a vida de Knivet que se apresentou como francês.
Esses índios eram Tamoios que, dois meses depois, abriram guerra com os Tamominos que em breve foram forçados a deixar a região. Quatro meses depois da vitória sobreos Tamominos rebentou outra guerra com os Topinaquesque tinham-se estabelecido numa montanha próxima chamada Tamauua, “Montanha de ouro”. Estesfugiram e foramseguidos até à margem de um grande rio chamado Morgege,onde se abandonou a campanha. Oito meses depois Knivetinduziu os índios a procurarem o litoral na região do Riodos Patos, onde assegurou que haviam de encontrar os seusamigos franceses. Puseram-se em marcha e, depois de muitas montanhas e rios, encontraram uma bela região arenosaem que viajaram por vinte dias, caminhando para o nortecom receio de encontrar espanhóis ou os índios amigos deles. Neste rumo do norte aproximaram-se da região da tribodas Amazonas, que os índios chamaram Mandiocusianas,e para não entrar em guerra com esta volveram outra vezpara o sul. Depois chegaram às cabeceiras do Rio dos Patos,onde acharam canoas de cascas em que desceram oito diassaindo numa bela baía donde viram o mar. Aí encontraram os índios Carijós, que depois de uma derrota pediramo auxílio dos portugueses de São Vicente que, vindo sob ocomando de Martim de Sá, capturaram outra vez o fujãoKnivet.Num capítulo, tratando especialmente dos índios, quevêm no original inglês e falta na tradução publicada pelo Instituto Histórico (por ter sido omitido na tradução holandesa, donde esta foi tirada), Knivet dá mais algumasinformações sobre essa expedição. Sem precisar a data, diz que teve lugar uns cinco ou seis anos depois de sua captura pelos portugueses do Rio de Janeiro, e que esteve nove meses no sertão com Martim de Sá e onze meses entre os índios. Além de Paraeua se encontram os índios Molopaque, que empregam ouro nas suas linhas de pescar no Rio Pará, oitenta léguas adiante do Rio Paraeua, sendo o metal encontrado na terra preta chamada Taiaquara, de uma montanha seca chamada Etepararange. Na aldeia, na margem do Rio Iawary, donde Martim de Sá voltou, foram encontradas pepitas de ouro, pedaços de cristal e pedras coloridas de azul. Na viagem no sertão, depois da volta da expedição,Knivet e os seus companheiros passaram muitas montanhas, onde encontraram tanto ouro que se convenceram que estavam na província do Peru e na vizinhança de Cusco. Depois de dois meses, chegaram à grande montanha de cristal onde se deu o incidente da passagem do rio encanado e o encontro com os Tamoios. A marcha para o mar com estes foi através da província de Tucumã, que é toda arenosa. Depois depassada esta região chegaram a um grande rio que corre deTucumã para o Chile, onde se ocuparam durante quatrodias em fazer canoas, por estar o rio cheio de jacarés.
No outro lado do rio havia uma montanha chamada “de todos os metais” que tinha sido visitada por espanhóis e portugueses e onde Pedro de Charamento tinha fincado uma grande cruz com o nome do rei da Espanha que Knivet substituiu pelo da Rainha da Inglaterra. Aí também havia uma pequena igreja com imagens. Julgaram estar em território espanhol do Rio da Prata e daí tomaram caminho para o mar. [Páginas 168, 169, 170 e 171]
respeito, da parte dos habitantes e bons conhecedores dessaregião.A primeira parte do itinerário não oferece dificuldade, ejá o tradutor da versão do Instituto Histórico, o ilustre Dr.José Higino, a identificou com admirável perspicácia.Entrando por Parati a expedição galgou a serra do marpara ganhar os campos de Cunha, passou o Rio Paraibuna eas montanhas a oeste desse rio, para alcançar as margens doParaíba, presumivelmente na região de Taubaté, ou, melhor,na parte larga e relativamente plana do seu vale entre SãoJosé dos Campos e Pindamonhangaba. Neste trecho os detalhes topográficos – subida de uma serra, descida para o valede um rio caudaloso,subida de segunda serra e descida parasegundo com trechos planos – são admiravelmente exatosde modo a criar uma forte presunção que as dificuldadesde interpretação do segundo trecho da narrativa provêm danossa ignorância e não da falta de veracidade do autor.Para a identificação do itinerário, além do Paraíba até a aldeia dos Tamoios, temos osseguintes detalhestopográficos: I – Subida de uma grande serra ao longo de um rio tributário do Paraíba e entre dois montes. II – Uma região de campos com pinheiros. III – Uma serra chamada Itapuca caracterizada por pedras compridas e arredondadas, como se fossem pedaços de madeiras, e por matas como palmitos e jequitibás. IV – Campos secos e pretos de vegetação escassa. V – Uma serra chamada Itaowo caracterizada por pedras verdes. VI – Um rio navegável chamado Iawary.
VII – Um trecho aurífero deste rio. VIII – Uma grande serra em rumo de sudoeste do rio seguida por campos secos e pardacentos, na região de cabeceiras (divisor de águas). IX – Região de campos, tendo à vista uma serra reluzente cortada por um rio afunilado.Parecem suficientes esses dados para um bom conhecedor da região identificar com aproximação satisfatória o itinerário. Como ensaio, e para provocar discussão por partedos mais entendidos, ofereço o seguinte esboço do que meparece mais provável.A serra além do Paraíba deve ser a Mantiqueira, podendo-se presumir que o vale na encosta por onde a expediçãosubiu, fosse o do Buquira ou o do Piracuama, pelo qual seganham atualmente os Campos do Jordão. Qualquer dosdois dá acesso à região do Alto Sapucaí, caracterizada porcampos com pinheiros, e tendo adiante a região aurífera deSão Gonçalo, Campanha etc., onde cerca de cem anos maistarde o Padre João de Faria, de Taubaté, descobriu ouro epedras coloridas. O Rio Iawary seria então o Rio Sapucaí ouo Rio Verde.Os característicos bem frisantes das duasserras – a de pedras compridas e a de pedras verdes, atravessadas nesse trecho, devem bastar para a sua identificação, positiva e, umavez feito isso, deve ser fácil identificar também as outrasfeições topográficas mencionadas, a saber, os campos secose pretos, a serra com campos secos e pardacentos em regiãode cabeceiras, e os campos margeando uma serra reluzente,cortada por um rio afunilado. Quanto a essa última, parecequase certo que fosse a serra na região do chamado “Funildo Sapucaí”, ou a do trecho correspondente ao Rio Grande,sendo também possível que fosse na bacia do Rio Mogi Guaçu ou Pardo. Ao que parece podemos tomar como certoque todo este trecho do itinerário estava compreendido nabacia do Rio Grande (inclusive a do Sapucaí) e que se nãoestendia, a oeste, além do meridiano da Serra da Canastra.Com o concurso aqui solicitado dos conhecedores da topografia detalhada do sul de Minas, deve ser possível fixarcom precisão absoluta a sede da aldeia dos Tamoios.Uma vez estabelecido este ponto, a identificação, emtraços gerais, da segunda parte do itinerário, que partindodele foi terminar nas costas de Santa Catarina, não deve serdifícil.As referências ao território do Amazonas, Potosi eTucumã podem ser lançadas à conta de nebulosidades geográficas de época tomando como quase certo que o itinerário se desenvolvera no território a leste do Paraná, no sertãodos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Nesse sertão haveriam forçosamente a cruzar caminhos diversas vezes atravessados pelos espanhóis entre o litoral e o Paraguai e frequentados pelos jesuítas na catequese da parte ocidental dessa região.
Assim, o encontro de uma cruz e capela de origem espanhola era muito natural, e a referência a Pedro de Charamento dará talvez a chave para a identificação de um ponto importante do itinerário.II – BandeirasAs Bandeiras organizadas para a exploração das terras tinhamconstituição especial, que só tornavam compreensível o gênio e apertinácia dos aventureiros que as compunham.Como nas caravanas do deserto africano, a primeira virtudedos bandeirantes é a resignação, que é quase fatalista, e a sobriedade levada ao extremo. Os que partem não sabem se voltam e [Páginas 173, 174 e 175]
Num capitulo, tratando especialmente dos indios, que vêm no original inglez e falta natraducção publicada pelo Instituto Historico (por ter sido omittido na traducção hollandeza, donde esta foi tirada), Knivet dá mais algumas informações sobre esta expedição. [Páginas 218 e 219]
"Á parte geográfica das expedições corresponde mais ou menos o seguinte esquema: Os bandeirantes deixando O Tietê alcançaram o Paraíba do Sul pela garganta de São Miguel, desceram-no até Guapacaré, atual Lorena, e dalí passaram a Mantiqueira, aproximadamente por onde hoje a transpõe a E.F. Rio e Minas. Viajando rumo de Jundiahy e Mogy, deixaram á esquerda o salto do Urupungá, chegaram pelo Parnaíba a Goyaz. De Sorocaba partia a linha de penetração que levava ao trecho superior dos afluentes orientais do Paraná e do Uruguay (...)" [História do Brasil, 1914. João Ribeiro. Página 234]