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“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru”. O Minion of London no Brasil (1581). Sheila Moura Hue
junho de 201304/04/2024 23:29:15

Em dois de junho de 1579, um dos navios da esquadra de Francis Drake, o Elizabeth,comandado por John Winter, volta à Inglaterra levando informações sobre o Brasil. Após desgarrasse, durante a turbulenta travessia do estreito de Magalhães, dos demais navios da expedição, que seguiram na viagem de circunavegação e rapina pelos territórios das colônias espanholas, o Elizabeth errou durante quatro meses pelo litoral do Brasil, em busca de um porto onde pudesse reestabelecer seus homens e reparar os estragos sofridos na tempestade.

Em São Vicente, encontraram boa acolhida e puderam fazer uma longa parada, de forma a proceder à reconstrução da nau, além de abastecer o navio de água e alimentos frescos para prosseguir na volta. Na vila, Winter travou contato com um inglês residente na terra, John Whithall, casado com a filha do rico senhor de engenho genovês José Adorno. Whithall, conhecido pelos portugueses como João Leitão, veio a ser o principal informante de Winter sobre o território e, com seu relatório sobre as características e potencialidades daquele trecho do litoral, levou a acender a curiosidade dos comerciantes ingleses por uma provável nova rota de comércio no Novo Mundo que envolvia as vilas de São Vicente e Santos. Segundo Winter, a partir das informações de John Whithall ele pôde “compreender o estado da terra e a disposição de seus habitantes” (ANDREWS, 1984, p. 55).

O estado e as condições daquele trecho da capitania de São Vicente diziam respeito à grande produção de açúcar, que alcançava um alto preço na Europa, e às informações sobre o recente descobrimento de minas de metais preciosos nas proximidades. Segundo as noções geográficas de então, a região de São Vicente localizava-se nas vizinhanças das ricas terras do Peru e das minas de Potosi, e os sertões ainda inexplorados, uma terra incógnita situada entre o rio Paraná e a costa, já visitados por ingleses em 1526, seriam abundantes em minas ainda não descobertas.

O imaginário elisabetano sobre a região sudeste do Brasil e São Vicente foi ilustradotambém por relatos impressos, que tiveram grande difusão, como a tradução inglesa de Singularitez de la France Antarctique (Paris, 1557), de André Thevet, publicada em Londres em 1568 com o título The new found worlde, or Antarctike (ANDREWS, 1981, p. 5), em que o frade franciscano se alonga sobre as qualidades da província de “Morpion” (São Vicente) - descreve o desenvolvimento agrícola da terra, a produção açucareira e confirma a descoberta de riquezas minerais:

No início da colonização plantou-se aí muita cana de açúcar, mas este cultivo não prosperou depois que os habitantes preferiram a mais rendosa exploração das jazidas de prata descoberta nos seus arredores” (THEVET, 1978, p. 176).

Quanto à disposição da gente que ali habitava, colonos e portugueses, o contato donavegador John Winter com o bem relacionado e estabelecido John Whithall, familiar dos‘principais’ da região, proprietários de terras, plantações e engenhos, mostrou uma francadisposição e abertura para negócios com os estrangeiros.

Os homens de Winter, na sua volta à Inglaterra, quando ainda não se sabia quando e como voltaria a frota de Francis Drake, foram entrevistados por uma das figuras-chave da proto-história do império britânico, Richard Hakluyt, que mais tarde publicaria uma copiosa coletânea de relatos de viagem, as Principall Navigations, editadas em volume único em 1589 e reeditadas, com ampliações, em três grandes volumes em 1600, que lançariam as bases ideológicas para a legitimação do direito inglês à exploração e colonização das rotas marítimas e dos territórios então sob o monopólio comercial e político das coroas espanhola e portuguesa, livros que atuaram como propaganda da expansão marítima e do projeto colonial inglês (ARMITAGE, 2000). [“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru”. O Minion of London no Brasil (1581), 2013. Sheila Moura Hue. Páginas 31 e 32]

Hakluyt, figura proeminente junto à rainha Elisabeth e que seria um dos principaisarticuladores da colonização inglesa da América do Norte, entusiasmou-se com os relatos de John Winter e de sua tripulação sobre a desconhecida colônia portuguesa e, como observa K. R. Andrews, “parece ter considerado o extremo sul do Novo Mundo altamente importante para o futuro da Inglaterra como uma potência comercial e colonial” (ANDREWS, 1984, p. 55). Hakluyt escreveu imediatamente um memorando clamando pela imediata conquista do Estreito de Magalhães e de São Vicente (ANDREWS, 1966, p. 160). O projeto previa a construção de um forte no Estreito, de forma a tentar controlar a passagem, e tornar São Vicente uma base de abastecimento para as viagens marítimas inglesas rumo ao mar do sul:

Instalando entre eles alguns bons capitães ingleses, e mantendo nas baías dos Estreitos uma boa armada, na há dúvida de que iremos submeter à Inglaterra todas as minas de ouro do Peru e toda a costa e trato daquela terra firme da América ao largo do mar do Sul. E fazer o mesmo em regiões vizinhas àquela terra (HAKLUY apud ANDREWS, 1981, p. 14).

Um ano mais tarde, já depois do retorno de Drake, Hakluyt retornaria à mesma ideia emuma carta à rainha:

A ilha de São Vicente pode ser facilmente tomada por nossos homens, visto quenão tem guardas e não é fortificada, e sendo conquistada deve ser mantida por nós.Essa ilha e a região circunvizinha é tão abundantemente provida de mantimentosque pode alimentar infinita multidão de gente, como nos relataram nossos homensque lá estiveram com Drake, e que lá conseguiram vacas, porcos, galinhas, limões,laranjas e etc (HAKLUYT apud TAYLOR, 1935, p. 141).

Os relatos de John Winter e sua tripulação sobre John Whithall e São Vicente despertaram também o interesse dos mercadores ingleses, menos políticos e mais práticos em relação aos projetos coloniais de Hakluyt. Em carta de janeiro de 1580, D. Bernardino de Mendoza, embaixador de Felipe II na Inglaterra, relata ao rei que o navegador John Hawkins, um dos investidores da viagem de circunavegação de Drake, estava armando três navios para levar mercadorias ao litoral do Brasil:

Aparelham três navios em Plymouth sob o nome de Juan Aquines [John Hawkins], de 100, 80 e 70 toneladas, com a desculpa de que levam mercadorias para a costa do Brasil, efetivamente carregando-os com algumas [mercadorias], o que é diretamente prejuízo para a coroa de Portugal, não obstante não estar confirmado o contrato3 que se havia feito com esta rainha por três anos e que feneceu em meados de novembro, no qual não se decidiu cabalmente proibir esta navegação e a de Berberia, havendo os ingleses concordado que não iriam a da Mina e a da costa do Brasil (RAYON e ZABALBURU, 1888a, p. 452).

Em carta de 20 de fevereiro, o destino da expedição é mais específico, revelando o quanto avila litorânea no sudeste do Brasil tinha se tornado familiar para os ingleses:

Aqui anseiam pelo retorno de Drake, pela falta que este tem de navios e por ser tão extensa a navegação, julgando que, se não chega dentro de dois meses, está irremediavelmente perdido. E sobre aqueles que escrevi a V.M. que se armavam para ir a São Vicente, na costa do Brasil, estão prontos para partir (RAYON eZABALBURU, 1888a, p. 453).

Uma carta patente da mesma época dava permissão a William Hawkins, irmão de John, paradescobrir novas rotas de comércio, com poderes e direitos, em uma viagem para as costas sul e sudeste da África e da América, com licença para atacar navios e portos espanhóis e servir aos interesses de D. Antônio, prior do Crato, pretendente ao trono de Portugal, contra os seus inimigos, ou seja, contra o rei espanhol (ANDREWS, 1966, p. 161).

Com a morte do Cardeal D. Henrique, a sucessão da coroa portuguesa dividia-se entre os partidários de Felipe II - que conquistaria Portugal na batalha de Alcântara, em agosto de 1580 - e de D. Antonio, que viria a se refugiar na Inglaterra de modo a obter o apoio da rainha Elisabeth contra o rei espanhol.

Poucos meses depois, em setembro, Drake já havia voltado e se associado aos irmãos Hawkins. A expedição comercial a São Vicente projetada por John Hawkins ampliou seu escopo não apenas do ponto de vista geográfico, incluindo-se as “East Indies”, mas também no que ser refere a seu caráter político, como relata D. Bernardino de Mendoza em 16 de outubro de 1580:

[Drake] está tomando providencias para voltar com seis navios, e oferece aos investidores o retorno de sete para cada pound sterling em um ano. Isto teve tão grande influência sobre os ingleses que todo mundo quer ter parte na expedição. Os navios sobre os quais escrevi a V. M. que estavam indo para a costa do Brasil foram postergados pela volta de Drake, de forma a embarcar um número maior de homens em consequência das promessas feitas por Juan Rodriguez de Souza, que acaba de chegar aqui como representante de D. Antonio, e por causa das vantagens que terão se ele for com eles, não somente para a costa do Brasil mas também para as Índias portuguesas. Por esta razão seria desejável para os interesses de V.M. que sejam dadas ordens para que nenhum navio estrangeiro deva ser poupado, seja nas Índias espanholas ou portuguesas, e que todos sejam postos a pique e nenhuma alma a bordo seja mantida com vida. Esta será a única maneira de prevenir queingleses e franceses sigam para essas partes para saquear, porque neste momento dificilmente se encontra um inglês que não esteja falando em empreender tal viagem, tão encorajados estão pelo retorno de Drake.

A política inglesa, no momento em que D. Antônio, derrotado pelas tropas do duque deAlba, foge de Portugal e segue para a Inglaterra, consiste em apoiar o Pretendente tendo em vista osprojetos de expansão marítima inglesa e a possibilidade de, ao se alinhar com D. Antônio, tomarparte em terras do império português, Açores, Brasil e Índias orientais, especialmente as Molucas(ANDREWS, 1981, p. 16). [“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru”. O Minion of London no Brasil (1581), 2013. Sheila Moura Hue. Páginas 33 e 34]

A viagem dos irmãos Hawkins, figuras notórias na Inglaterra elisabetana, que combinariacomércio e saque e passara a contar com o apoio de Drake e de diversos investidores, parece não se ter realizado, assim como não foram concretizados os planos estratégicos de Richard Hawkins para conquistar os estreitos e São Vicente.

Entretanto, enquanto esses projetos relacionados a apoios da coroa inglesa não tiveramprosseguimento, um grupo de cinco mercadores ingleses que operavam na Spanish Company,atuantes no comércio com Espanha, ilhas atlânticas, Mediterrâneo e Portugal conseguiuempreender, por outras vias e seguindo outras motivações, uma viagem estritamente comercial ao litoral da capitania de São Vicente. O Minion of London zarpou de Harwich a 3 de novembro de 1580 com dois integrantes da tripulação de John Winter a bordo, homens que conheciam a rota e tinham no currículo uma estadia em São Vicente: Thomas Grigges, que fora despenseiro do Elizabeth, agora com a posição de tesoureiro, e o piloto Edward Cliffe, que viria a protagonizar um curioso episódio em Salvador, um ano mais tarde.

Dez dias depois da partida do navio, D. Bernardino de Mendoza, que contava com uma excelente rede de informantes - como se vê por suas cartas, que abrangem eventos desde a Irlanda aos Países Baixos, incluindo Portugal e o Brasil -, escrevia a Felipe II que Juan Rodriguez de Sousa, o emissário de D. Antônio responsável por angariar apoios da coroa inglesa, do duque de Guise e da casa de Orange para reagir à conquista de Portugal pelo rei espanhol, não havia embarcado no Minion, como tinha planejado, permanecendo em terra para completar sua missão:

[Sousa] deixou de ir à costa do Brasil, conforme escrevi a V.M., como haviatratado com uma nau das que se preparavam, carregando com mercadorias para lá eque já partiu, e se chama Miñona de Londres, a qual vai direto para o porto de SãoVicente, encaminhada a um inglês que se chama Vintidal [Whithall], que estácasado com uma filha de um Juan Bautista Malio5 , genovês, que reside no dito porto, sendo este inglês o que instou os de aqui a fazerem a viagem, e outro que está em Pernambuco (RAYON e ZABALBURU, 1888a, p. 521-522)

A empreitada contava não somente com a expertise dos homens do Elizabeth, mas tambémse vinculava ao inglês radicado em Santos, John Whithall, o principal interlocutor de Winter em São Vicente que, anos mais tarde, também receberia a frota inglesa comandada por Edward Fenton.

A viagem do Minion of London começa a se delinear, na verdade, dois anos antes, quandoWhithall escreve, de Santos, uma carta ao ativo e proeminente comerciante londrino Richard Staper, fundador ao lado de Edward Osborne, da Spanish Company (BRENNER, 2003).

A carta, redigida em 1578, foi publicada por Hakluyt6 em 1589 juntamente com dois documentos sobre a viagem7 ; nela, Whithall começa por dizer a Staper que, apesar de lhe ter escrito outra carta poucos dias antes, enviada de Lisboa com a informação de que em breve se reuniria com ele, tinha, nesse meio tempo, mudado de planos.

A referência a uma conexão com Staper via Lisboa e a um certo senhor Holder, estabelecido na mesma cidade, que conseguiria o portador para levar a carta-resposta de Staper a Santos, demonstra a ligação desses dois ingleses com Portugal.

De fato, a Spanish Company, criada em 1577 após a assinatura do tratado de comércio entre Portugal e Inglaterra em 1576, mantinha cerca de 30 mercadores e uma série de assistentes em Portugal e na Espanha (CHAPMAN, 1907, p. 161), e o Sr. Holder, Barthomomew Holder, citado em uma carta da rainha Elisabeth de outubro de 1577 como responsável por receber uma restituição financeira devida pela coroa portuguesa ao sócio de Staper, Edward Osborne (VISCONDE DE SANTAREM, 1865, p. 311), era um dos mercadores da Spanish Company radicados em Lisboa, onde viveu e trabalhou longos anos(SCAMELL, 2003, p. 297).

Whithall, na carta, informa Staper de sua radical mudança de planos. Em lugar de voltar a Lisboa e seguir ao encontro do chefe da Spanish Company, como combinado, ficaria no Brasil para se casar com a filha única de um rico senhor de engenho. Pode-se inferir, portanto, que Whithall seria um dos assistentes da companhia radicados em Lisboa e que provavelmente viera ao Brasil em uma viagem de prospecção de negócios. A prática de enviar trade researchers era comum na companhia comercial de Staper e Osborne (BRENNER, p. 18;114), e o fato de Whithall ter um encontro marcado com Staper após sua volta do Brasil, via Portugal, vem reforçar essa hipótese.

Mas o destino reservara novos caminhos para o assistente comercial inglês em suatemporada em Santos:Veio-me a oportunidade de casar-me nesta terra, podendo eu escolher entre três ouquatro [moças], de modo que há uns três dias combinei com um senhor italiano decasar-me com sua filha dentro dos próximos quatro dias. Este meu amigo e sogro,senhor Ioffo Dore [José Adorno], nasceu na cidade de Gênova, na Itália, e suafamília é bem conhecida entre os italianos vivendo em Londres. Além disso, eletem somente esta filha, que preferiu entregar a mim do que a qualquer portuguêsdesta região. Junto com ela ganho em casamento parte de um engenho que elepossui, que produz todo ano mil arrobas de açúcar. Este casamento vai render-meuns dois mil ducados, pouco mais ou menos. Além disso, meu sogro, o senhor IoffoDore, pretende deixar em minhas mãos todo o engenho, com sessenta ou setentaescravos, e assim fazer-me feitor dele. Agradeço a Deus por conceder-me tantahonra e tanta abundância de todas as coisas (HAKLUYT, 1589, p. 638).9

A carta de Whithall a Staper é anterior à temporada de reparos e reestabelecimento da nau Elizabeth, de John Winter e de sua tripulação em São Vicente, e as informações que o feliz noivodetalha para seu chefe em Londres em 1578 não devem ser muito diferentes daquelas que elerelatou para o comandante da frota de Drake, de viva voz, em 1579: a alta produção açucareira daprovíncia, a escassez de produtos manufaturados e outros itens de consumo, a proximidade daquelaterra com o Peru e a riqueza mineral a ser explorada.A carta, em primeiro lugar, como estratégia de captação da benevolência de seu destinatário,revela a descoberta de minas de ouro e prata na capitania de São Vicente (provavelmente as minas de Jaguará), informação assegurada pelo Provedor e pelo Capitão: “estão aguardando a qualquermomento a chegada de mestres para abrir as ditas minas que, quando abertas, vão enriquecer emmuito esta terra”. Como ‘cidadão livre da terra’ e com a permissão daqueles que “governam todaesta região” - a saber, “o Capitão, o Provedor10 e meu sogro” -, Whithall, agora aportuguesadamenteJoão Leitão, conta como poderá obter licença para mandar vir uma nau de Londres commercadorias que renderiam “enorme lucro”: “Para cada produto e mercadoria que o senhor enviarde Londres paga-se aqui três por um e então os ganhos podem ser usados para comprar açúcarbranco por quatrocentos réis a arroba”. E continua, enfatizando a oportunidade de estabelecer umanova rota comercial, direta e proveitosa, sem interferência portuguesa, entre São Vicente e Londres:“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru”.Na sua nova condição de proprietário de engenho de açúcar e parceiro dos mandatários daregião, Whithall dirige-se a Staper como um emancipado homem de negócios:Se o senhor e o Sr. Orborne desejarem negociar aqui, dar-lhes-ei precedência emnome de nossa antiga e estreita amizade. [...] Meu sogro e eu (se Deus quiser)produziremos boa quantidade de açúcar a cada ano, que pretendemos embarcarpara Londres de agora em diante, se pudermos contar com um amigo tão bom e lealcomo o senhor para negociar conosco (HAKLUYT, 1589, p. 639).

Whithall envia sua carta a Staper em 26 de junho de 1578, menos de dois meses antes dabatalha de Alcácer Quibir e da morte de D. Sebastião. Dois anos antes, a 15 de novembro de 1576, o tratado de comércio entre Portugal e Inglaterra, conhecido como ‘abstinência’, tinha sido firmado entre as duas coroas após anos de negociação.

No tratado, os reinos comprometiam-se a combater a pirataria, o ataque e saque de naus, prática que vinha se intensificando e provocando uma série de processos jurídicos e diplomáticos dos dois lados, e estabelecia o direito para os comerciantes ingleses de negociar no continente, na Madeira e nos Açores, sem referências ao Marrocos, à Guinéou ao Brasil.

Mas, como observa Robert Brenner, durante a década de 1580, a partir da anexação de Portugal pela Espanha, os grupos de mercadores ingleses das Muscovy, Venice, Turkish e Spanish Company começaram a acelerar seus esforços no sentido de abrir acesso comercial direto nos impérios ultramarinos portugueses e espanhóis, o que incluía franquear o caminho para os mercadoscoloniais portugueses na América do Sul:Em 1578, na mesma época em que Richard Staper, com Edward Osborne, buscavaagir pelas costas dos atravessadores ibéricos de forma a estabelecer comérciopermanente com o Mediterrâneo oriental, estava também em contato com um JohnWhithall investigando a possibilidade de passar ao largo dos portugueses paranegociar diretamente o açúcar do Brasil (BRENNER, 2003, p. 19). [“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru”. O Minion of London no Brasil (1581), 2013. Sheila Moura Hue. Páginaa 35, 36 e 37]

O interesse dos comerciantes ingleses por novos mercados, como o Marrocos, a Rússia, aPérsia, a Turquia, a Guiné, Veneza e as chamadas Índias Ocidentais, foi movido tanto pela crise deexportação de sua principal mercadoria, os têxteis, quanto pelas periódicas interrupções de suasrotas habituais. Tornou-se, portanto, um caminho viável buscar novas rotas comerciais num períodode enfraquecimento dos impérios ultramarinos de Espanha e Portugal, e que marcava o crescentedesenvolvimento comercial, náutico e econômico da Inglaterra (BRENNER, p. 5). O comércio comPortugal envolvia a importação de sal, especiarias e vinho e, em retorno, a venda de tecidos,especialmente os coloridos de Kent e Sussex. No Brasil, a equação articulava a colônia, pautada naeconomia da monocultura de cana-de-açúcar e produtos manufaturados e têxteis ingleses.

A carta de John Whithall relaciona uma longa lista de itens que deveriam ser enviados nonavio pela companhia de Staper e Osborne e orienta que algumas mercadorias, como vinho, azeite epeles de Córdoba (nas cores laranja, amarelo, vermelho e preto retinto), deveriam ser carregadas nasCanárias, onde o navio deveria fazer escala e obter os ditos produtos em troca de lãs de Hampshiree Devonshire, levadas especialmente para serem vendidas lá. A partir da lista, temos umpormenorizado testemunho das mercadorias inglesas necessárias na colônia portuguesa e doacurado conhecimento de Whithall acerca dos produtos têxteis ingleses e do mercado interno da vilade Santos. Impressiona o detalhismo na descrição das mercadorias, com especificação de cores epadrões específicos para cada tipo de têxtil, e a encomenda de vários tecidos de alta qualidade, oque revela que havia demanda não só para as rústicas indumentárias de trabalho, mas também paraas vestimentas refinadas a serem usadas pela elite da vila de Santos em 1578, com o emprego derendas, cetins, veludos, tafetás, linho e fustão em diversas cores, e o sofisticado skarlet, tecidoricamente adornado. A lista inclui também material para fabrico e conserto de barcos, como breu eestopa, e para os engenhos, como ferro e pregos para as caixas, além de itens manufaturadosessenciais, como facas, anzóis, machados e tesouras. O setor artístico vem representado por umúnico item: cordas para cítara.Segue, na íntegra, a lista de Whithall:

Em primeiro lugar, quatro peças de linho holandês de qualidade média.Também uma peça de linho holandês fino.Quatrocentas varas de linho de Osnabruck muito fino.Quatro dúzias de tesouras, de todo tipo.Dezesseis quintais de breu das Canárias.Vinte dúzias de facas grandes embrulhadas em feixes, de baixo preço.Quatro dúzias das pequenas.Seis peças de lã grosseira de qualidade inferior.Uma peça de lã de boa qualidade.Quatrocentas varas de algodão inglês, a maior parte preta, verde e alguma amarela.Oito ou dez dúzias de chapéus, metade com a borda de tafetá, a outra simples, comas abas de madeira.Seis dúzias de camisas grosseiras.Três dúzias de gibões de lona.
Três dúzias de gibões de lona pespontada.
Uma peça de fino fustão italiano listrado.
Seis dúzias de fechaduras para portas e caixas.
Seis mil anzóis de todo tipo.
Quatro dúzias de resmas de papel.Quatro dúzias de copos diversos.Duas dúzias de copos venezianos, metade grandes, metade médios.Duas dúzias de mantos de frisa, do preço mais baixo que exista.Três dúzias de vestidos de frisa.Quatrocentas libras de estanho do tipo usado em Portugal, a maioria em pequenospratos e travessas.
Quatro libras de seda de todas as cores.
Vinte libras de especiarias: cravo, canela, pimenta e açafrão.
Dois quintais de sabão branco.
Três libras de linha branca, preta e azul.
Três libras de linha branca fina.
Idem, meia dúzia de lã inglesa grosseira de várias cores.Quatro [peças de] sorting clothes, azul, vermelho, amarelo e verde.
Seis [peças de] dozens do Norte de diversas cores.
Um tecido fino azul de oito libras.
Uma estamenha fina de dez ou doze libras.Um tecido fino de lã crua de doze libras.Um tecido fino de lã inglesa, preto.Uma peça fina de lã vermelha.Seis jardas de veludo preto.Três barris de pregos para caixas.Dois barris de pregos para navios e barcos.Seis quintais de estopa.Duas dúzias de cintos de veludo sem alças.Quatro jardas de tafetá vermelho, preto e azul, com algum verde.Duas dúzias de cintos de couro.Seis dúzias de machados, machadinhas e pequenas alabardas para cortar lenha.Quatro conjuntos de cordas de cítara.Quatrocentas ou quinhentas varas de algum linho que seja baratoQuatro toneladas de ferro.[...]Além do já mencionado envie seis jardas de skarlet e renda delicada de váriascores.Seis jardas de veludo vermelho.Seis jardas de cetim vermelho.Doze jardas de tecido de lã negra.[...]Envie também uma dúzia de camisas para mim, se mandar a nau.Também seis ou sete pecas de sarjas para mantos de mulher, que é a coisa maisnecessária que se possa mandar.Estes são os produtos que eu gostaria que o senhor mandasse (HAKLUYT, 1589,p. 639-640).


O navio deveria ser despachado nas Canárias no nome de João Leitão, a quem tambémdeveria ser subscrita toda a correspondência.Entretanto, Staper e Osborne não enviaram o navio com os produtos requisitados. Whithallescreveu também cartas para seu irmão James, em Londres, e para os mercadores Robert Walkaden [Páginas 38 e 39]

guerra aberta entre a Espanha de Felipe II e a Inglaterra da rainha Elisabeth (1585-1604), as viagensinglesas ao Brasil se tornariam francamente piráticas, destinadas ao apresamento no mar de naus carregadas de açúcar brasileiro - o que se tornaria prática corriqueira - e ao ataque direto de vilas da colônia portuguesa. Entre essas últimas, temos o saque de Salvador e do Recôncavo, entre abril e julho de 1587, por uma frota armada pelo conde de Cumberland, registrada em um vívido relato escrito por John Sarracol15; a tomada de Santos pelo corsário Thomas Cavendish em 1592, que incendiou em seguida os engenhos de São Vicente, episódios relatados no livro de memórias de Anthony Knivet; 16 e o saque do Recife por James Lancaster em 1595, também relatado em uma narrativa vibrante.17

Após a união ibérica, estabeleceram-se leis que proibiam o exercício do comércio, da mineração e da agricultura por estrangeiros. Em 1588, o regimento do novo Governador-Geral do Brasil estabelecia várias recomendações que visavam a defender o território do ataque de corsários, e proibia que naus estrangeiras comercializassem no litoral, com exceção daquelas que possuíssem uma “provisão real”18. As recomendações do regimento destinavam-se a Francisco Giraldes, antigo embaixador português na Inglaterra e responsável pela negociação do tratado de comércio assinado em 1576, mas que não chegou a assumir o cargo, ocupado em 1591 por D. Francisco de Sousa, cujo governo foi marcado pelas entradas sertão adentro em busca de minas de metais preciosos.

Dos 50 documentos relativos às viagens inglesas ao Brasil publicados por Richard Hakluyt e Samuel Purchas, entre relatos, roteiros, cartas, diários, instruções e notícias, escritos por cerca de 33 autores e abrangendo 19 viagens (HUE, 2009), desde a expedição de Sebastião Caboto ao rio Paraná em 1526, na companhia do inglês Roger Barlow, até a viagem do cirurgião-barbeiro londrino William Davis ao Amazonas em 1608, as cartas de John Whithall e dos cinco mercadores ingleses, juntamente com o diário do agente comercial Thomas Grigges, deixam ver um movimento de aproximação e interesse comercial que, apesar de não ter resultado numa efetiva relação entre a colônia e a Inglaterra, demonstra como os elisabetanos, após a viagem de cincunavegação deFrancis Drake, voltaram sua atenção para o litoral da capitania de São Vicente antes de se concentrarem no projeto de colononização da América do Norte, e o quanto, do ponto de vista comercial, foram acolhidos pelos homens de negócios da região, funcionários régios, como eram o governador da capitania de São Vicente, Jerônimo Leitão, e o provedor da fazenda Brás Cubas, a quem John Whithall e D. Bernardino se referem quando citam, sem nomeá-los, as principais autoridades da administração colonial de Santos na época em que o Minion foi recebido.

A necessidade de escoar a alta produção de açúcar da capitania e a demanda por mercadorias manufaturadas eram premências mais fortes do que o decreto em vigor, de 1571, de D. Sebastião, que proibia o comércio com naus estrangeiras.

O apoio filipino para importantes entradas de prospecção mineral, como as expedições organizadas por Gabriel Soares de Sousa e pelo governador-geral D. Francisco de Sousa, e a preocupação de guardar defensivamente o litoral, medidas contempladas no regimento de 1588, repercutem de certa forma o interesse inglês pelas ainda não descobertas minas e pela proximidade com o Peru, atestado pelos relatos de John Winter, John Whithall, Thomas Grigges e Richard Hakluyt. Como observa Arno Wheling sobre as motivações estratégicas da ação da filipina no Brasil:

No continente americano, com o conhecimento geográfico já então disponível, era evidente que a posse do Brasil, [...], representava importante proteção para Potosi e as demais regiões do vice-reino do Peru. Chegou a ser formulada a hipótese, na historiografia brasileira, da concepção do Brasil também como “estado tampão”, com o fim de proteger a retaguarda da mineração espanhola na América do sul. [...] em materia de interesse pelo Brasil, não deve ser esquecida a possibilidade deencontrar-se ouro e prata numa região frequentemente vista, à época, como continuidade geográfica do Peru (WEHLING, 2205, p. 12).

Tinha razão o assistente comercial inglês John Whithall - o João Leitão da elite colonial santista - ao definir para o mercador Richard Staper o que significaria uma viagem à desconhecida capitania de São Vicente em 1578:

“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru. [...] Se tiver coragem para tal, em nome de Deus, procure arrumar uma boa embarcação de setenta ou oitenta toneladas e mande-a para cá com um piloto português, até o porto de São Vicente no Brasil, na fronteira com o Peru”.[“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru”. O Minion of London no Brasil (1581), 2013. Sheila Moura Hue. Página 49]
“Esta viagem é tão boa quanto qualquer viagem ao Peru”. O Minion of London no Brasil (1581). Sheila Moura Hue*

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As cores da vida, são as que pintamos.
José de Anchieta (1534-1597)
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