Estrada do Padre Dória (1832-1842): estudo de geografia histórica nos caminhos da Serra do Mar, 2019. Alexandre da Silva. USP. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Geografia - 01/01/2019 de ( registros)
Estrada do Padre Dória (1832-1842): estudo de geografia histórica nos caminhos da Serra do Mar, 2019. Alexandre da Silva. USP. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Geografia
2019. Há 5 anos
RESUMO
O contexto do Brasil como sede do reino português, no início do século XIX, trouxe mudanças nas dinâmicas espaciais, econômicas e políticas para o país. Nesse sentido o Porto de São Sebastião (no litoral norte de São Paulo), adquire centralidade, e perspectivas de melhorarias em infraestrutura para alçar maiores níveis de exportação, em especial pela produção de café no Vale do Paraíba.
Nesse contexto nasce a Estrada Dória, num complexo contexto de Serra do Mar, que tem afetada suas dinâmicas por impactos da construção da Estrada, tendo em vista a alta declividade das vertentes, e solos rasos, que tem o movimento de massa favorecido em eventos de grande pluviosidade, com constância de necessidade de reparos. E é num contexto geopolítico que a Estrada tem fim, a Revolução Liberal de 1842 é usada como mote para o fechamento da mesma, e pode ter determinado, o fim de seu construtor, que tem sua morte com causas e datas desconhecidas, com um último registro documental em dezembro de 1842. A partir de documentos históricos e trabalho de campo, discutiu-se as possibilidades de traçado, cujo registros cartográficos não apresentam unanimidade, sendo o mais plausível, a consideração da estrada num eixo localizado mais a montante do Rio Pardo, e deste para São Sebastião passando pelas cabeceiras dos Rios Pirassununga, Claro, Maresias e Rio Grande, o Morro do Outeiro e Rio Anhanguera. No planalto, sentido São José do Paraitinga, a estrada cortaria os vales dos Rios Claro e Tietê. As Estradas da Petrobrás, da Limeira e dos Mirandas seriam os viários atuais formados a partir da Estrada Dória. A compreensão desse fenômeno auxilia sobremaneira para entender a dinâmica da formação espacial de povoados como o de Sâo José do Paraitinga, fortalecidas por movimentos econômicos da agricultura de exportação no Século XIX.
Palavras-chave: Estrada do Padre Dória; São José do Paraitinga; Salesópolis; São Sebastião;Serra do Mar; Transposições Viárias. []
Históricos ou fontes orais. Com o desenvolvimento de nossas pesquisas e a interlocução comdiversos órgãos públicos, foi instituído o Núcleo Padre Dória do Parque Estadual da Serra doMar, este ato ocorreu em 25 de Março de 2014 pela Portaria FF n° 68, sendo que o referidoNúcleo conta uma área de aproximadamente 19.320 hectares, tendo sido composto pelas áreasde planalto na ordem de 3.630 hectares oriundos do Núcleo Caraguatatuba e 15.690 hectaresdo Núcleo São Sebastião, em áreas dos Municípios de Salesópolis, Paraibuna e Biritiba-Mirim(SÃO PAULO, 2014). Ana Lúcia é a atual gestora desse Núcleo.Nesse contexto, nos últimos anos, a figura do Padre Dória, sua história e realizações,tem sido trazida aos moradores de Salesópolis e região, assim como visitantes, pelo PoderPúblico local, assim como entes privados, além dos trabalhos desenvolvidos pelos diferentespesquisadores do tema. Assim, seja pela disseminação do nome do Núcleo do Parque e eventosdeste, ou por ações até então realizadas pela Comissão Histórico-Cultural de Salesópolis, taiscomo palestras para a rede municipal de ensino e a instalação de um obelisco na Praça centralda cidade trazendo à luz um documento levantado em pesquisas que coloca em cheque odiscurso histórico hegemônico, ou mesmo sendo este tema inserido na interpretação dopatrimônio realizado pelas empresas de turismo no receptivo local. Para além disso, no âmbitodo Estado, houve o Projeto de Lei nº 433 de 2016, de autoria da então Deputada Estadual CéliaLeão, que oficializa o nome do ‘Padre Manoel de Faria Dória’ como patrono do Núcleo PadreDória do PESM, e que institui data comemorativa em sua homenagem, bem como a inserçãoda data no Calendário Oficial do Estado, como o último domingo do mês de novembro(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2016). Tal projeto entrouem vigor por meio da Lei nº 16.339, de 21 de dezembro de 2016 (SÃO PAULO, 2016b).Tais ações colocam em disputa a história, num movimento que guarda uma perspectivaque posso até chamar de polêmica em Salesópolis, pois promove um viés de análise daformação socioespacial do município que difere da lógica da história oficial, enraizada nodiscurso de Antonio Paulino de Miranda Júnior (1973), historiador que “escreveu” a história dacidade, que passou a integrar o discurso hegemônico e identididade local, mesmo com suascontradições.Este trabalho, portanto, reúne levantamentos realizados por mim desde o ano de 2007,quando do início da minha iniciação científica no curso de Lazer e Turismo da EACH-USP,assim como dados levantados por Ana Lúcia anteriormente e cedidos a mim na ocasião. Aindacom dados coletados por ambos desde então, inclusive enquanto membros da ComissãoHistórico Cultural de Salesópolis e da Associação Lar Terra, sendo que esta última integra [Página 12]
1 O VIGÁRIO – VEREADOR - DEPUTADO PROVINCIAL MANOEL DE FARIA DÓRIA
A personalidade central que contribui para o grande número de pontos de interrogação acerca dos acontecimentos atinentes a Estrada que levou seu nome foi o Padre Manoel de Faria Dória. Que nasceu na então Vila de São Sebastião, Litoral Norte Paulista, noano de 1781, tendo sido batizado no em 24 de novembro do referido ano, filho do CapitãoAmaro Alvares e Maria Barbosa do Amaral. Foi vigário de São Sebastião entre os anos de 1816 e 1837, tendo sido inscrito, nas ordens diocesanas no ano de 1816. Foi também deputado provincial por quatro legislaturas entre os anos de 1835 a 1842, citado como ano de sua morte por Almeida (1959).
Na obra de Almeida (1959), intitulado “Memória histórica sobre São Sebastião”, oautor indica, no capítulo sobre os vigários sebastianenses, uma pequena biografia do PadreDória, trazido na íntegra:
Padre Manuel de Faria Dória. - Também esforçado sebastianense como os seus antecessores, era filho legítimo do Capitão Amaro Alves da Silva e de d. Maria Barbosa do Amaral. Nasceu a 24 de novembro de 1791, ordenando-se no ano de 1816. Desempenhou vários cargos de eleição em sua terra natal, servindo-a com verdadeira abnegação por longos anos.
Por sua iniciativa foi aberta no ano de 1832 a estrada que de São José do Paraitinga [hoje Salesópolis] se dirigia para São Sebastião, e que ficou paralisada desde sua morte. Como disse um escritor, o padre Dória era cioso do progresso de sua terra e político de real valor.
A estrada que tomou seu nome galgava a Serra do Mar, mesmo em frente à cidade e ia ter à freguesia de São José do Paraitinga. Sua obstrução em 1842 foi ordenada por seu antagonista, o padre Pinto que, “como pretexto para tão impatriotico commetimento, allegou que Raphael Tobias poderia com suas tropas invadir a cidade”.
O padre Manuel de Faria Dória faleceu no dia 21 de abril de 1842, e“o partido contrario, que em vida não conseguira embaraçar-lhe o prestimo e offuscarlhe o merito, aproveitou-se para unitilisar a estrada tão custosamente rasgada noâmago dessa Serrania, uma vez que circumstancias os favoreciam não só com a morteinesperada desse batalhador emerito como também por já se achar ella vedada aotransito como medida de precaução ao levante de 1842, por ser de mais facil acesso”.“Depois de sua morte, seus adversários não mais consentiram que apllicassem verbaalguma em benefício da mesma, porquanto se oppunham interesses particulares” (59).O padre Dória foi deputado Provincial Constituinte do Partido Liberal e amigo íntimodo Padre Feijó.” (ALMEIDA, 1959, P. 164-165)(59) - “A estrada de Rodagem”, Ano 1.º, n.º 7, 192119
Para além do tom heroico, várias lacunas se colocam com os parênteses abertos por Almeida (1959), e que envolve o que é ser padre e Para além do tom heroico, várias lacunas se colocam com os parênteses abertos por Almeida (1959), e que envolve o que é ser padre e o que é ser um político no século XIX, e quais jogos de interesses foram mediados no enlace dos acontecimentos.
E trata-se de uma Estrada que existiu por 10 anos, Campos (2000) também faz referência ao fechamento da Estrada, indicando que
[...] após sua morte [do Padre Dória] em 1842, um de seus inimigos políticos, o Padre Pinto, obstruiu a estrada Dória [...], alegando que São Sebastião poderia ser invadida pelas tropas de Rafael Tobias de Aguiar, da Revolução Liberal de 1842, que seguiriam por esta estrada. (CAMPOS, 2000, p.173).
A mencionada Revolução Liberal, ou levante de 1842, como nos dizeres de Almeida (1959), guarda relação, como indicado por Marinho (2015), com o início do segundo reinado, a partir da manobra da antecipação da maioridade do Imperador, manobra atribuída aos liberais. Após as eleições parlamentares, vencidas em sua maioria pelos liberais, que foram dissolvidas dois dias antes de tomarem posse a partir de articulação do Gabinete Conservador num processo de convencimento junto ao Imperador de que o pleito eleitoral teria tido abusos.
Tal ocorrência incitou a revolta (embora não armada inicialmente) em especial em São Paulo e Minas Gerais. Em São Paulo, o maior foco de movimentação residiu em Sorocaba, em que foi proclamado como presidente interino da província Rafael Tobias de Aguiar, com intenções de ataque à capital. Havia várias frentes de tropas organizadas tanto em Minas Gerais quanto em São Paulo, procurando adesão da população contra a situação imposta pelo Governo Imperial.
A Vila de São Sebastião era uma das frentes possíveis para atacar a capital da Província, sendo citado o caminho que parte deste para o alto da serra como caminho possível para o dito ataque (MARINHO, 2015).
Além disso, conforme indicado por Hörner (2010), um dos focos da revolta teria sido em Paraibuna, comandados pelo Padre Valério da Silva de Alvarenga, assim como em outras vilas do Vale do Paraíba. Portanto, pela literatura consultada, não é possível estabelecer se o caminho para o alto da Serra mencionado seria mesmo a Estrada Dória, ou a Estrada de Paraibuna, já que lá já havia ocupação por revoltosos. Inclusive o Padre Dória era do Partido Liberal, mas não há menção de sua posição durante essa Revolução.
No trecho da biografia indicada por Almeida (1959), parece um tanto escuso a motivação do fechamento da estrada a partir de uma vontade política de somente “ofuscar o mérito” de uma pessoa já falecida (já que para o autor o falecimento do Padre veio antes do fechamento da estrada) em detrimento de uma via de comunicação que traria benefícios econômicos para a localidade. Como pensar qual o nível dessa força de adversários que atravessa a morte? Quais os interesses envolvidos nessas escolhas? Considerando que também existia a Estrada que ligava São Sebastião, via Caraguatatuba, à Paraibuna, havia, portanto, interesse nessa estrada em detrimento da Estrada Dória? Por quê?
Quanto ao foco da citada Revolução em Paraibuna e sob o comando de Padre Valério, citado por Hörner (2010), vale menção quanto a contemporainedade deste com Padre Dória, o alinhamento liberal, além de um alinhamento quanto a questão da busca de melhorias na infraestrutura de estradas, já que leva seu nome uma Estrada, a “Estrada do Padre Valério”.
Essa, teria partido da Estrada Dória em direção à Paraibuna, cuja referência encontra-se no Decreto 5.384/32 (SÃO PAULO, 2019) na demarcamação de terras da gleba denominada Boracéa para o serviço florestal do Estado. Até onde beirava esses alinhamentos dos referidos Padres? Haverá alguma aproximação que a História não conta?
O citado por Almeida (1959) como opositor político de Padre Dória, o Padre Pinto teria sido o mandante do fechamento da Estrada frente a possibilidade de uso desta pelos revolucionários do levante de 1842. Mesmo sendo um nome recorrente no que se refere quanto a ser este um mandante do fechamento da Estrada, carece dados do referido padre, o que limita o entendimento do seu papel nesse contexto. A justificativa do fechamento da estrada frente a Revolução liberal de 1842 se mostra plausível, mas em que termos isso teria acontecido? Derrubando pontes? Fechando fisicamente os acessos? Por quais causas não teria sido reaberta após o fim da Revolução?
Inclusive, quanto a data da morte apresentada por Almeida (1959), tão precisa, 21 de abril de 1842, poucos antes de eclodir a Revolução Liberal, alguma coincidência? No entanto, ressalta-se a incoerência da data de morte, pois há, no Arquivo da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (1842a), documento datado de dezembro do mesmo ano, assinado pelo Padre Dória. Por qual motivo a incoerência das datas?
Com mais perguntas que respostas, pouco se sabe da trajetória da vida dessa personalidade enquanto Padre e enquanto Vereador em São Sebastião para além do trabalho de Almeida (1959), e a assinatura do Padre em documentos da Câmara Municipal no período estudado, mais especificamente a partir de 1834, mesmo Almeida (1959) indicando que o mesmo teria exercido vários cargos de eleição. O autor cita que o Dória foi vigário de São Sebastião entre sua ordenação, em 1816, e o ano de 1837, portanto a construção da estrada deu se enquanto ele ainda era vigário da referida localidade. Havia será algum interesse da Igreja Católica com a construção da estrada? Ou um interesse pessoal da referida figura nesse contexto? [Páginas 18, 19 e 20]
Na 3ª Legislatura (1840-1841), o Padre Dória foi eleito com 287 votos, sendo o 26ºdeputado mais votado entre os 73 eleitos. Nesta legislatura o Deputado fez parte das seguintesComissões: Eclesiástica (1840), Câmaras Municipais (1841), Orçamentos e Contas dasCâmaras Municipais (1841) (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO,2013b).
Na Legislatura seguinte (a 4ª) o Padre foi eleito com 347 votos, sendo o 27ºdeputado mais votado, entre os 72 deputados eleitos na ocasião. Nesta legislatura o Padreparticipou da Comissão Eclesiástica, no ano de 1842 (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DOESTADO DE SÃO PAULO, 2013b). Mesmo considerando que seu mandato iria até 1843, oúltimo registro encontrado do Padre refere-se a um documento da Assembleia Provincial,assinado por ele em 23 de dezembro de 1842, documento este que o Padre informa que nãopoderá comparecer nas primeiras sessões por motivo de moléstia (presume-se que se refere aoano seguinte), informando que o fará logo que lhe for possível. A forma como se deu a mortedo Padre é objeto bastante controverso, inclusive, no início do ano seguinte, o qual o Padreainda era Deputado, sequer foi citada nas Atas das sessões a sua ausência, ou sua substituição,tampouco o que levou a sua saída, permanecendo como fato desconhecido, mas não semespeculações, e elemento chave para o entendimento do que levou ao fechamento da EstradaDória, em 1842.
No sentido das especulações frente a morte do Padre, há diferentes narrativas,inclusive de cunho oral, que dão um tom heróico e de mártir ao Padre, indicando sua mortenuma emboscada na própria estrada que levou seu nome. Todavia, não foram encontradosregistros que dessem algum indício disso. Há de se destacar no entanto, que sendo uma figurapolítica de importância e expressividade e com adversários assumidos (Padre Pinto, porexemplo), e sendo ele Liberal no contexto da Revolução Liberal, amigo íntimo de Padre Feijó,como citado por Almeida (1959), figura importante no contexto do Império e da dita Revolução,não seria surpreendente uma morte em tais moldes.Ainda no campo da especulação não se pode perder de vista o quanto o porto deSão Sebastião foi expressivo na exportação do café, e é de se presumir a utilização da estradaDória para o escoamento desse produto. Por que o interesse dessa classe cafeeira quanto aofechamento da estrada?De modo a tentar dirimir tais questões, serão discutidos no capítulo seguinte asdinâmicas econômicas e políticas concernentes a esta época, de modo a auxiliar nesse processode reflexão que possam elucidar: o uso do espaço - articulado pela existência da estrada edinamizados ou minados pelas vontades políticas dominantes - e suas contradições. [Página 22]
justificava, portanto a consideração deste como Freguesia, este mesmo dado é encontrado naobra de Müller (1923).Para Miranda Júnior (1973) a fundação de Salesópolis, passa a ser então o dia 28de fevereiro de 1838, considerando a doação de terras por parte de membros da comunidade jáinstalada para a servidão pública. Para além disso o citado autor enfatiza a existência deSalesópolis como uma certa expansão da sede da Vila, não considerando as relações com oLitoral já estabelecidas, como defendido neste trabalho. Wuo (1992) e Silva (1989), sendo queesta última debateu com os trabalhos de Miranda Júnior (1973) e Wuo (1992), defendem umacompreensão da formação do espaço considerando sobremaneira a relação com o Litoral e como Vale do Paraiba (por Jacareí), o qual guarda coerência quando se analisa a dinâmica regionalda época. Todavia é a versão de Miranda Júnior (1973) que ganha oficialidade, expressando odiscurso hegemônico, portanto, mas colocado em disputa por seus contemporâneos. Não háconsenso quanto à questão da fundação de Salesópolis, em Silva (1989) há a argumentaçãoquanto a consideração da fundação quando da constituição de São José do Paratinga em Vila,que deu-se em 24 de março de 1857, pela Lei Provincial nº 9.
Entretanto, a controvérsia se faz presente, em documento da Câmara da então Vilade São José do Paraitinga, datado de 1866, documento que tratava da descrição da Vila, em que tem-se a seguinte colocação:
[A Villa] Fica situada em um habertão que fica aquem da serra do Una quatro legoassobre a chapada de um monte, está toda circundada de montes todos proprios paraagricultura, sendo seu fundador o patriota paulista Vigario de São Sebastião finadoManoel de Faria Doria, sendo a primeira pedra triangular do alicerse da Igreja Matrizassentada em 9 de Março de 1839.” [...] (SÃO PAULO, 1866).
É relevante que em dado tempo, e por dado grupo de pessoas que representavam acomunidade, o próprio Padre Dória tenha sido considerado como fundador de Salesópolis.Longe de ser uma discussão que se encerra aqui, múltiplos discursos colocados em disputa não deixa de trazer à reflexão possíveis questões de apagamento da história. Menciona-se isso pois, de fato, nenhum dos autores citados, sendo eles Miranda Júnior (1973), Silva (1989) e Wuo (1992) citaram o Padre Dória em nenhum momento, fato no mínimo estranho, considerado que um século antes a própria Câmara da Vila o indicava como fundador de Salesópolis.
Outra menção importante a partir do documento é quanto ao ponto de vistageográfico de quem o redigiu, pois em termos de localização, ao mencionar o ponto em quefica situado a Vila, faz-se referência à distância a partir da Serra do Una, que se supõe ser a Serra do Mar na região do Rio Una, o que corrobora a perspectiva de maiores relações da então [Estrada do Padre Dória (1832-1842): estudo de geografia histórica nos caminhos da Serra do Mar, 2019. Alexandre da Silva. USP. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Geografia. Página 36]
Trilha dos Tupiniquins Trajeto: Vertente esquerda do Vale do Rio Mogi Tipo: Picada Rampa Máxima: Muito variável Largura média: 0,60m Conceito tecnológico básico: Chão batido Grau de interferência nas encostas: Nenhum Período: Até 1500 Principal meio de transporte: A pé Aportes tecnológicos: Empirismo Principal objetivo: Acesso ao litoral
Caminho do Padre José Trajeto: Vertente direita do Vale do Rio Perequê Tipo: Picada Rampa Máxima: Muito variável Largura média: 1,00m Conceito tecnológico básico: Chão batido Grau de interferência nas encostas: Muito baixo Período: 1560-1770 Principal meio de transporte: A pé Aportes tecnológicos: Empirismo indígena Principal objetivo: Evitar contato com os tamoios
Novo Caminho de Cubatão Trajeto: Vertente direita do Vale do Rio das Pedras Tipo: Picadão Rampa Máxima: 20% Largura média: 2,00mConceito tecnológico básico: Pequenos cortes, arrimos e estivasGrau de interferência nas encostas: Médio Período: 1770-1790 Principal meio de transporte: A pé e mula Aportes tecnológicos: Experiência europeia. Mestres de obras portugueses Principal objetivo: Abastecimento das expedições para o sertão
Calçada de Lorena Trajeto: Espigão - Pedras/Perequê Tipo: Estrada calçada Rampa Máxima: 20% - 25% Largura média: 3,00mConceito tecnológico básico: Pequenos cortes e arrimosGrau de interferência nas encostas: BaixoPeríodo: 1790-1841 Principal meio de transporte: Tropa de mulas Aportes tecnológicos: Real Corpo de Engenheiros de Portugal Principal objetivo: Escoamento do açucar [Página 39]
ser recuperado várias vezes, havendo progressivo aumento do nível de intervenção da encosta,com pequenos cortes, aterros e estivas.Quanto ao novo Caminho de Cubatão, (período áureo 1770-1790) este já foiconstruído com mestres de obras portugueses pelo Vale dos Rio das Pedras (vertente esquerda).Para tanto, já foram realizadas intervenções na encosta como pequenos cortes, arrimos e estivas,de modo que comportasse movimentações a pé e de mula. O autor relata que foi desastrosa aconstrução sendo necessário inúmeros reparos e indica uma característica essencial desse tipode transposição viária, uma vez que tem por intento “vencer a serra”. Considerado ascaracterísticas do uso, é o que mais deve se parecer tecnicamente com a Estrada do Padre Dória.A Calçada de Lorena (período áureo 1790-1841) (que foi contemporânea a Estradado Padre Dória), foi construído com aporte do Real Corpo de Engenheiros de Portugal, de modoa permitir o trânsito de tropas de mulas, foi uma estrada que havia calçamento, assentada noespigão entres os rios das Pedras e Perequê, sendo que os espigões constituem as áreas de maiorestabilidade geotécnica quando comparado a outras morfologias da Serra do Mar. De modo ater uma mínima redução da declividade o traçado foi feito em ziguezague com poucos cortes earrimos.No caso do Litoral Norte Paulista, a primeira estrada ligando litoral norte à Serraacima, foi a que ligava Ubatuba, via São Luiz do Paraitinga, a Taubaté, estrada que passou aser bastante utilizada, principalmente, para o escoamento da produção do café. A segunda foi aque ligava, São Sebastião, via Caraguatatuba, a Paraibuna (a estrada do açúcar) aberta emfunção de escoar a produção de açúcar e café, estrada concluída em 1805.Nessa ocasião, o governador Antônio José de Franca e Horta remete ofício aocapitão-mór da vila de Jacareí, em 20-06-1803:[...] ordena a Câmara dessa Vª por serem os moradores della a qm. maisimmediatamente interessa o novo caminho q. abrio o Coronel Luís Antonio Neves deCarvalho da Parahibuna para beira-mar, que de comum acordo com Vmce. o mandedecortinar de ambos os lados, e compor de maneira que as tropas que por elletranzitarem, não encontem algum embaraço, ou precipicio na sua marcha [...] e aCâmara da villa de São Sebastião tem de fazer outro tanto no Distrito que lhe pertence[...] (AESP, 1937 apud RESSURREIÇÃO, 2002, p. 95),Especificamente quanto a Estrada construída à época do Padre Manuel de FariaDória, a partir do argumento de Campos (2000, p. 172), tem-se queA estrada Dória foi a terceira em importância do Litoral Norte. Aberta em 1832, ligavao Município de São Sebastião ao Município de São José do Paraitinga atualSalesópolis. Os trabalhos de abertura estiveram sob a responsabilidade do Padre [Página 41]
havendo um profundo entalhamento pelo rio ocasionando vales profundos (CAMPANHA, ENS,PONÇANO, 1994; ALMEIDA, CARNEIRO, 1998). Em declives mais acentuados, comopontuado por Oliveira (2003), alguns rios cortam transversalmente as direções estruturais. Umavez que os caminhos tendem a seguir os cursos dos rios, fica um indicativo de possibilidade deorientação dos traçados destes na Serra do Mar.A Estrada Dória, não fugiu da característica de realizar intervenções na dinâmicada Serra, como vê-se em documento do Aquivo do Estado, a descrição das características daestrada seriam da seguinte forma:[A estrada] Deverá ser construida de doze palmas de largura, em toda sua extençao,com cavas, e soltas nos morros, e lugares precisos, de tal maneira, que por venturapossão tranzitar carros: com dessubada(?) para os lados, que fique bem exposta ao sol,com esgotadouros, onde o terreno pedir, e me todas as voltas nos morros estesesgoutadouros serão de quatro palmas de largura, e onde for possivel, amparado depedras, ou de madeira estagueada: Nas cavas contra os morros deverá fazer-se um(?)ego proporcionado para esgoto das agoas. Em alguns lugares humidos, fazer-se-havalla por ambos os lados dando sahida as agoas. Far-se-hão pontes de estiva e aterronas vias, e grotas, cujos barroncas forem altas. (SÃO PAULO, 1832b, p. 1)
Ao que parece, no entanto, tais intervenções não seriam de grande escala, havendoa construção de esgotadouros e valas, que serve ao escoamento da água, assim como as pontesde estiva. Os citados aterros nas vias e grotas, aparentam maior intervenção na tentativa deestabilizar os locais mais úmidos da serra, não há menções quanto ao material de origem paraos aterros, tampouco se houve cortes na vertente, todavia, vale considerar que nos vales maisfechados seria inevitável uma intervenção na vertente visando deixar o terreno mais plano parao trânsito dos muares. Considerando as sucessivas solicitações financeiras à Província, eraevidente a constante demanda para melhoramentos e reparos, a título de exemplo, em outubro de 1842, Padre Dória apresenta orçamento à Assembleia Provincial indicando comojustificativa “[...] concertar três lugares arruinados pelas aguas do verão passado, e construir ametade da ponte do rio Pardo, cortado pelas aguas em Dezembro de 1839, assim comoproceder-se a factura de três atalhos no morro d’esta Villa para a tornar sem ziguezagues emenos elevada [...]” (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1842b).Assim ficam evidentes os problemas da estrada devido ao regime de chuvas e o relevo doterreno, e também por este motivo, fazer-se atalhos poderia minizar a alta declividade do terrenoa partir da sede da Vila de São Sebastião, trecho de alta declividade da Serra. No documentoainda há menção a uma ramificação construída para a Vila de Santo Antonio de Parahybuna eque necessita também de melhoramentos até a fazenda de Dona Maria Custódia de Alvarenga, [Página 54]
Dos nomes dos proprietários citados no mapa chama a atenção o de BeneditoChaves, colocado como sucessor de Coronel Marcellino. Esse Coronel, chamado, MarcellinoJosé de Carvalho, figura como Comandante Superior de Paraibuna em 1856 (MARQUES,IRMÃO, 1857), e presidente da Câmara Municipal de Paraibuna em 1873 (LUNÉ, FONSECA,1873). Apesar da carência de dados sobre o mesmo, fora encontrado uma referência em páginada internet sobre genealogia, que indica a biografia desta figura, a página cita como fonte a obradenominada “Parahybuna” de João Netto Caldeira (GENI, 2019). Coronel Marcellino teria sidocontemporâneo do Padre Dória, sendo que nasceu no ano de 1807. Chama a atenção pois teriasido ele, herdeiro de um grande fazendeiro de café e sobrinho do Padre Valério de Alvarenga,já citado como responsável pela Estrada que ligaria a Estrada Dória à Paraibuna. Sendo citadoainda seu posicionamento conservador, tendo sido ele contra o papel exercido pelo tio naRevolução Liberal de 1842. Fica a curiosidade quanto ao posicionamento desta figura frente aofechamento da Estrada Dória, que pelo que consta seria muito próximo às suas terras,possivelmente produtoras de café, todavia Coronel Marcellino não é citado nas mesmas fontesque citam a Estrada Dória, sendo esta correlação estabelecida pelo elemento informado no mapaque não poderia passar desapercebido. Vale menção que a rua lateral da Igreja Matriz de SantoAntonio em Paraibuna chama-se Rua Coronel Marcellino, o que demonstra, em alguma medida,a força política e possivelmente, o quanto representava o poder hegemônico local.Mapa seguinte, é do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo, intitulado“Planta Geral de situação do 1º perímetro de Caraguatatuba em discriminação”, organizadapelos peritos da vistoria com elementos do Mappa da Marinha do Brasil do ano de 1937,documentos e mappas dos autos da vistoria e as observações feitas no local, em escala de1:50.000, no canto inferior direito há menção de que se trata de documentos copiado por JessyBueno de Arruda Camargo em 1939, havendo ainda, logo acima um carimbo do InstitutoGeográfico e Geológico – Gabinete de Desenho, sob o número SEG 1767 datado de 05/07/1950.O mapa traz elementos como algumas curvas de nível, nomes de localidades e deformações de relevo (Ponta Baraqueçaba, Porto Novo, Pico do Jaraguá), assim como rios (RioPardo, Rio Verde) e do viário (Estrada Dória), fazendo menção também aos limites da FazendaMato Grosso. [Página 90]
Secretaria Geral Parlamentar. Departamento de Documentação e Informação. Lei nº4, de 23 de janeiro de 1841. Autoriza o governo a contratar com o cidadão Manoel FranciscoMalta, ou com outra qualquer pessoa ou companhia, o conserto e melhoramento da Estrada daVila de Paraibuna à São Sebastião [Página 109]