É do Padre Inácio de Siqueira SJ, em junho de 1635, a primeira descrição literária da Ilha de Santa Catarina: "Ilha de Santa Catarina, onde a gloriosa Virgem reside só no nome, mais deserta que em Sinai, porém mui piedosa para as embarcações que ali recebe e agasalha como se fora seio esta sua enseada, que ali tem". [A Evangelização em Santa Catarina. Parte I: Vida e Morte no Mundo dos Carijós (1500-1650), 1996. Padre José Artulino Besen, professor de História da Igreja. Páginas 60, 61 e 62, 2, 3 e 4 do pdf]
É do Padre Inácio de Siqueira, em 1635, a poética descrição da Laguna:
"Chama-se este porto de Laguna, porque, como nele se ajuntam quatro rios caudais, para ir beber no oceano por uma só boca, e esta seja muito estreita, é força que hajam as águas de esperar vez e represar a sede, que trazem, de beber no salgado, por espaço de seis ou sete léguas, até que o mar dá entrada ao rio, que mais quer ainda, que as águas se vão todas de mistura. A esta represa, que aqui fazem os rios, chamam os carijós Alagoa. Toda a barra é muito dificultosa assim ao entrar como sair, e como nós não levávamos piloto, que lá tivesse entrado, foi o desejo que nos meteu de dentro mediante a divina graça."[A Evangelização em Santa Catarina. Parte I: Vida e Morte no Mundo dos Carijós (1500-1650), 1996. Padre José Artulino Besen, professor de História da Igreja. Páginas 68 e 69, 10 e 11 do pdf]
6.10 - Fracassa a MissãoNa Laguna, a expedição missionária de 1635 encontrou ancoradas 62 embarcações dos paulistas, que nesse ano retornaram para a compra de carijós. Quinze eram navios de alto bordo e as demais, canoas muito possantes. Com eles, os de São Paulo esperavam levar cativos uns 12.000 carijós, pelas contas do Padre Siqueira.
Quando os padres arribaram com o Santo Antônio, ali estavam 600 brancos escopeteiros, que sentiram sua presença como um arpão no coração, pois os padres eram o amparo do carijó. Apavorados com a possibilidade de os missionários deixarem-nos retornar sem presas, tramaram queimar o navio, ou afundá-lo, ou prender os padres, ou deixá-los ajuntarem-se aos nativos para depois os repartirem entre si.
Neste momento perigoso os padres se encheram de coragem e fizeram tais ameaças de inferno que os homens se recolheram às suas embarcações esperando hora melhor.
Andando algumas léguas pela praia, encontraram uma aldeia tomada pelo sarampo. A maioria dos nativos estava mora, não restando vivos mais de 100, aos quais catequizaram e ministraram o Batismo. Esta aldeia pertencia ao Terreiro Espantoso, desolado por não ter podido espantar o sarampo, ele que espantara tantos outros males.
Os padres ficaram sabendo que seu filho, mais velho "nunca tinha mamado na mãe nem em outra mulher e nascera com todos os dentes"... Perguntaram à suas mãe como tinha criado o menino, se não lhe dera leite, e ela respondeu: "com mel, com papinhas, e outras potagens..."
O Terreiro Espantoso não perdeu a oportunidade de mostrar seu poder. Vendo alguns nativos pescarem numa lagoa, pediu que repartissem o peixe com ele. Como não aceitaram disse: "Ora passem embora, que eu lhes tirarei as águas onde eles pescam o peixe."
E, daí a pouco, as águas se recolheram com tanto ímpeto, que levaram consigo muitas casas, matando moradores. Depois dessa, os padres resolveram deixar o Terreiro Espantoso por lá mesmo, pois seria muito perigoso levar no navio "um tão grande amigo de Lúcifer"!
Continuando, o cronista afirma que toda a Província dos carijós estava dividida entre dois donos: o Anjo, e um parente seu, o Grande Papagaio (Marunaguaçu). O Anjo, com toda a sua mística de poderoso e bafo santo, tinha dominado a região norte e se tornara grande amigo dos paulistas, o que significa a sua transformação em agenciador do comércio escravo. Negociando por um espaço de 20 anos, vendera como escravos a 120 mil nativos!
Para poderem ter prisioneiros para o comércio, inicialmente os carijós fizeram guerra a outras tribos. Depois passaram a vender seus irmãos mais do interior. Os paulistas muito ganharam com essa colaboração. Quando os nativos começaram a perceber os enganos que eram vítimas, o litoral já estava bastante despovoado. Então os paulistas entraram sertão adentro, já não mais comerciando e sim capturando pela força da espada. Invadindo as aldeias, tomaram as mulheres mais bonitas, os jovens e crianças mais sadias, separando pais e filhos, maridos e mulheres.
O Padre Siqueira narra que, em sua estada na Laguna, em alguma praia vira um traficante descendo com muitos nativos, porém 200 deles tinham morrido de fome e frio. Com tanta perda, retornou ao sertão para buscar outros. Deduz o padre que para os portugueses eram necessários dois, para terem depois um escravo.
Acontecia que as crianças não podiam acompanhar o passo dos adultos e então, para os pais não se deterem e se preocuparem com elas, o traficante lhes partia a cabeça... E, na ganância de embarcarem muitos, os paulistas "de tal maneira os apertam e cozem uns aos outros, que jamais se podem deitar nem dormir, salvo meio assentados".
Por este motivo, alguns navios que partem com 300 ou 400 deles, chegam à Capitania quase vazios, com não mais de 30 vivos. E dentro de um ano morrem outros ainda, não suportando o miserável cativeiro.
Enfim, ironia da história, também o Papagaio, após tantos anos de serviços prestados vendendo seus irmãos, não tendo mais de 150 na sua aldeia, dos 1200 que eram, veio refugiar-se junto aos padres. Estava amedrontado. Queriam os traficantes fazer também dele um cativo! Fugindo, no caminho foi salteado pelos paulistas que lhe roubaram mais gente ainda, mas conseguiu chegar aos braços dos missionários. Estes, recolhendo nativos onde encontraram, chegaram ao porto da Laguna.
Como não tivessem mantimentos, pescaram e torraram peixes para fazer farinha e biscoitos e ajuntaram muitos palmitos. Com medo de algum assalto, partiram logo.
Durante a viagem, doutrinaram os nativos pela manhã e pela tarde, com muito proveito. E assim, sem perderem um só, chegaram à aldeia de São Francisco Xavier, de onde tinham partido. Ali muitos foram batizados, inclusive o Papagaio, que tomou o nome de seu padrinho, Rodrigo de Miranda Henriques, Governador do Rio de Janeiro. [A Evangelização em Santa Catarina. Parte I: Vida e Morte no Mundo dos Carijós (1500-1650), 1996. Padre José Artulino Besen, professor de História da Igreja. Páginas 77 e 78, 19 e 20 do pdf]
1° de fonte(s) [24356]
Primeiro Congresso de História Nacional: Explorações Geográficas,...