Graças á carta e relatório, circunstanciados, do sargento mór Diez de Andino, ao rei, datados de Assunção e de 24 de maio de 1676, possuímos numerosos elementos para reconstituir a segunda parte da jornada de Francisco Pedro Xavier, o regresso ao Brasil.
Neles nos dá o chefe militar os mais curiosos pormenores. Assim, começa explicando que de Villa Rica a Assunção medeavam oitenta léguas, distando ela dez de São Pedro de Terecañe, a últimas das aldeias do seu distrito, e uma apenas de Ibirapariyara e Candelaria.
A explicar a causa de não resistência ao invasor, expõe quanto na região havia falta de armas e munições, achando-se o inimigo numero, perfeitamente apetrechado. E mais, surgira no momento em que se encontravam quase todos os homens espalhados pelas matas, ocupados no corte da herva mate.
De Maracajù, também apresada, haviam os paulistas tentado surpreender Ypané e Guarambaré, situadas muito mais ao sul. Malograra-se-lhe o intento pelo fato de se refugiarem os nativos destes pueblos, avisados em tempo, na capital paraguaya.
Saindo a 22 de fevereiro de Assunção, rumara Andino para o Norte, com 314 soldados brancos e 248 nativos apenas. A 4 de março, acampando em um lugar por nome Bogado, á espera de novos contingentes nativos, do sul, chegou-lhe ao quartel a notícia de que um trânsfuga, certo mulato Raphael, atingira as avançadas dos paulistas em Terecañe, avisando-os da aproximação do exército espanhol. E eles, imediatamente, trataram de acautela a rica presa efetuada, colocando-a ao abrigo das vicissitudes de uma campanha.
Longos comboios de nativos recém-cativos puseram-se logo em marcha, demandando o porto do Rio Amambahy, onde os esperava, sob forte guarda, a sua esquadrilha de batelões. [Historia Geral das Bandeiras Paulistas Escripta á vista de avultada documentação inedita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes Tomo Quarto - Cyclo de caça ao indio - Luctas com os hespanhoes e os Jesuitas - Invasao do Paraguay - Occupação do Sul de Matto Grosso - Expedições á Bahia - Desbravamento do Piauhy (1651-1683), 1928. Afonso d´Escragnolle Taunay (1876-1958). Página 81]
Curioso e inesperado incidente ocorreu então: apresentou-se ao comandante castelhano certo licenciado d. Juan Mongel Garcez, dizendo-se espanhol, natural do bispado de Pamplona, reino de Navarra, e morador de São Paulo. Acompanhavam-no dois filhos e uns escravos. Contava este personagem, enigmático e estrambótico, que largo tempo vivera na vila brasileira, prisioneiro! Era médico, físico, e si ao Paraguay acompanhara a expedição, do caudilho paulista, fizera-o com o único fito de poder fugir ao cativeiro, e passar a viver com os seus compatriotas...
Achando estranho o caso e suspeitos estes acendramento e dedicação, nacionalistas, ordenou Andino que a tal licenciado e aos seus se pusesse guarda contínua, devendo eles acompanhar a marcha da expedição, isto apesar dos protestos do vigiado principal, que continuava a reiterar a sua lealdade.
Si se abalançara a tão perigosa deserção, apenas o incitava o desejo de servir á coroa católica, informando ao cabo de guerra da retirada e itinerário do inimigo. Mas Andino que não desejava ser destes capitães censurados por não cuidar, pôl-o em severa custódia á espera de novas provas de sincera amizade.
Era bem exato contudo o que este indivíduo relatava, a saber, que vivera em São Paulo. Nas ata da Câmara paulistana nós lhe vemos o nome diversas vezes como fiador e sócio de contratadores de impostos, os escrivães municipais lhe chamavam de "João de Mongelos", como na ata de 6 de junho de 1665 em que figura como procurador de uma mulher que demandava com os jesuítas. [Historia Geral das Bandeiras Paulistas Escripta á vista de avultada documentação inedita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes Tomo Quarto - Cyclo de caça ao indio - Luctas com os hespanhoes e os Jesuitas - Invasao do Paraguay - Occupação do Sul de Matto Grosso - Expedições á Bahia - Desbravamento do Piauhy (1651-1683), 1928. Afonso d´Escragnolle Taunay (1876-1958). Páginas 82 e 83]
Mostrou-se, então, Don Juan Mongelos muito solicito e carinhoso para com os feridos a quem com grande dedicação e perícia de cirurgião pensou. Dos seus operados apenas perdeu três.Pela madrugada de 20 de março, de 1676, ordenou o chefe espanhol que os feridos fossem enviados á retaguarda da coluna. [Historia Geral das Bandeiras Paulistas Escripta á vista de avultada documentação inedita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes Tomo Quarto - Cyclo de caça ao indio - Luctas com os hespanhoes e os Jesuitas - Invasao do Paraguay - Occupação do Sul de Matto Grosso - Expedições á Bahia - Desbravamento do Piauhy (1651-1683), 1928. Afonso d´Escragnolle Taunay (1876-1958). Página 86]
Na opinião do informante, estava sobremodo comprometida a posse castelhana dos territórios ao sul do Iguassù os "pueblos de las Provincias del Paraná", a começar por Itapùa. Três caminhos, abertos pelos paulistas, para ali se dirigiam. O Paranapanema "também llamado Pirapó", o Ivahy e o Pequiry, através do sertão "de los Pirianes y tierras de los infieles Guayanas", nativos já por eles exterminados e cativados. Entrada mais comoda realizavam, porém, pelo Tietê, "el rio Anambuy (sic) que corre por San Pablo, Pernaíba y Ituassù" e o Paraná. [Historia Geral das Bandeiras Paulistas Escripta á vista de avultada documentação inedita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes Tomo Quarto - Cyclo de caça ao indio - Luctas com os hespanhoes e os Jesuitas - Invasao do Paraguay - Occupação do Sul de Matto Grosso - Expedições á Bahia - Desbravamento do Piauhy (1651-1683), 1928. Afonso d´Escragnolle Taunay (1876-1958). Página 90]
E para documentar a asserção, relatava o cabo castelhano que justamente fizera Pedro Xavier base de operações em um ponto do grande rio, perto das ruínas de Ciudad Real,ali deixando forte destacamento para se guardar a retaguarda.
E, além das vias fluviais, existia o caminho terrestre, muito conhecido, nos anos antigos, pois servira de comunicação entre Ciudad Real e as aldeias jesuíticas. Por ele, em quarenta dias se atingia a vila de Sorocaba, assim contavam Juan de Mongelos e os prisioneiros.
Enfim, partiu D. Francisco para as minas de Araçoiaba. Imagine-se uma viagem que hoje em dia pode ser feita de carro em uma hora e meia e que, naquele tempo, durava em média, segundo cronistas antigos, cerca de 18 dias!
Mas a grande e brilhante comitiva, pois só de soldados havia tresentos e mais "gente de marcação da Armada que trouxe dito Senhor" - segundo informa Pedro Taques - "que de Biracoiaba, passou ordem, dada de 2 de agosto de 1599, ao Provedor da Fazenda, fazendo cobrar duzentos mil reais, do fiador dos flamengos, João Guimarães, para as despesas que estavam fazendo com gente de trabalho que com ele se achava naquelas minas, em cujo lavor, estabelecimento houveram despesas e com os soldados de infantaria que o acompanhavam do resto.
Informa ainda Pedro Taques que, "por mandado de D. Francisco, de 20 de setembro de 1599, recebeu Diogo Sodré, almoxarife, o Pagador D’Armada e que veio para as minas de ouro e prata o dito Senhor, seis contos, 129.509 mil, que estavam no almoxarifado da Fazenda de Santos, carregados em receita ao almoxarife dela, João de Abreu, dos direitos da Urca nomeada "Mundo Dourado", para pagamento dos soldados e manejo das fitas minas".
No dia 3 de junho de 1599, acompanhado de grande e imponente séquito, constituído de fidalgos coloridamente trajados, técnicos, os soldados de infantaria já mencionados e numerosos nativos domésticos, entrava D. Francisco de Souza no povoado, fazendo reboar as montanhas com o éco de suas músicas marciais, trombetas e tambores.
E foi recebido regiamente por Afonso Sardinha, não obstante a pobreza de suas instalações no vilarejo de Itapebussu. Parece que d. Francisco gostou da recepção, ou dos ares, ou ficou influenciado pela "febre" do ouro e pedras preciosas e, na falta deles na exploração do ferro, pois demorou-se em Araçoiaba, relativamente bastante tempo. Eis que, chegado a 3 de junho ainda há atos dele em novembro. Teria ficado pelo menos uns 4 meses." [Araçoiaba e Ipanema, 1997. João Monteiro Salazar. Páginas 58, 59 e 60]
Quanto aos Payaguás, era indispensável trucida-los todos, e quanto antes, "asi por las atrocidades que tienen cometidas con ruyna de las ciudades de la nueva Jeres y la Concepción, la villa de Jujuy y muchos lugares de nativos como porque no quieren abraçar la fé".
Largamente conversara ele com d. Juan Monjelos sobre as coisas de São Paulo. Pelo trânsfuga da expedição paulista ficara sabendo que na Capitania havia 4600 brancos e 20000 nativos tupys, capazes de pegar em armas. Dos nativos informara que manejavam as espingarda com singular destreza, assim como "alfanges y machetas de más de las flechas, balientes y ossados como cualquier portugués". [Historia Geral das Bandeiras Paulistas Escripta á vista de avultada documentação inedita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes Tomo Quarto - Cyclo de caça ao indio - Luctas com os hespanhoes e os Jesuitas - Invasao do Paraguay - Occupação do Sul de Matto Grosso - Expedições á Bahia - Desbravamento do Piauhy (1651-1683), 1928. Afonso d´Escragnolle Taunay (1876-1958). Páginas 91 e 92]