' Cartografias dos deslocamentos Guarani: Séculos XVI e XVII, consultado em 29.10.2022. Rafael Fernandes Mendes Júnior. Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil - 29/10/2022 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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Cartografias dos deslocamentos Guarani: Séculos XVI e XVII, consultado em 29.10.2022. Rafael Fernandes Mendes Júnior. Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil
29 de outubro de 2022, sábado. Há 2 anos
Ver Sorocaba/SP em 2022
179 registros
Diversas faces dos deslocamentos nos séculos XVI e XVIIUma leitura crítica da bibliografia sobre os deslocamentos guarani entreos séculos XVI e XX tem ampliado a compreensão de seus significados demodo a rever a hipótese de que as migrações para a terra sem mal fossem umfenômeno que tivesse emergido entre os séculos XV e XVI. Esta revisão foicorroborada pela pesquisa realizada nos Manuscritos… trazendo o foco daanálise para os grupos que habitavam a região do Guairá, em especial aquelespróximos às reduções de Loreto e San Ignácio. Os dados da pesquisa trazemuma imagem dos Guarani guerreiros que nada tem a ver com um povo emdesalento que demanda uma terra que lhe permitirá escapar da destruição.Para se compreenderem os deslocamentos guarani nesta região, foinecessário reconstruir, na medida do possível, alguns aspectos daquelassociedades: a guerra e o canibalismo ofereceram os melhores dados para umtratamento mais denso. Descola (1993) chamou a atenção para a importância dotema da guerra no repertório dos estudos amazônicos, o que pode ser confirmadopor um rápido exame da bibliografia (Descola 1993; Fausto 2001; Fernandes2006; Vilaça 1992; Viveiros de Castro 1986). O lugar que guerra e canibalismoocupam nos estudos amazônicos se deve, em grande parte, ao fato de algunsdestes povos os praticarem até recentemente. Os Wari’ (Vilaça 1992), os Araweté(Viveiros de Castro 1986), os Parakanã (Fausto 2001) e seus remanescente aindaguardam uma memória, e produzem um discurso sobre eles.Quanto aos Guarani, a guerra e o canibalismo – presentes nas fontesdocumentais – não foram objetos de maiores investimentos. Estes muitasvezes emergem em trabalhos como uma consequência ou objetivo dosdeslocamentos (Julien 2007; Nordenskiöld 1917). Os motivos de suasausências na etnologia se devem, de um lado, à distância temporal. Se asfontes coloniais dão conta da prática do canibalismo nos séculos XVI e XVII,não há notícia de que ele tenha sido praticado posteriormente.33 Por outrolado – segundo a premissa de que ambos pertencem a um passado distante–, somente a partir de seus registros podemos acessá-los. Entretanto, adispersão desses registros em arquivos e museus dificulta, ou até mesmodesestimula, o seu estudo. [Página 16]

Dentre esses registros, os de Alvar Nuñez Cabeza de Vaca e do padreAntonio Ruiz de Montoya são os que melhor descrevem o canibalismo guarani. Cabeza de Vaca (2007:131) foi o primeiro a perceber que a guerra eramotivada pela vingança e, como consequência, mantinha relação direta como canibalismo e a nominação. O inimigo era levado com seus captores até opovoado destes, onde faziam dele um afim (cunhado e genro), entregando-lhealgumas mulheres. Mantinham-no em liberdade vigiada até o momentoem que ele era solenemente executado.34 Montoya (1997:55), cujo registrotem um hiato de quase um século em relação a Cabeza de Vaca, observouo mesmo tratamento quanto ao inimigo capturado. Nos Manuscritos… háregistros que correlacionam a guerra ao canibalismo ritualizado. Vejamosuma descrição sumária datada de 1628.Havendo chegado em seu poder um índio jovem, da nação gualacho, capturadodurante uma guerra dos Taiaovas (Subgrupo guarani liderado por um principal chamado Tayaova ou Tayaoba, conforme o registro), foi trocado por uma faca e de mão emmão chegou a esta comarca e à deste cacique. Ainda que o tenha servido esteescravo alguns anos, desejou certo dia comê-lo e convocou os índios vizinhospara uma bebedeira generalizada. O mesmo cacique, havendo ornamentado-sede plumas para a festa, deu com uma maçana na cabeça do pobre índio e fezaos convidados um solene convite (Carta ânua do P. Nicolas Mastrillo Durán em que dá conta do estado das reduções da Província do Paraguai durante os anos de 1626 e 1627. Transcreve-se apenas a parte que diz respeito às reduções do Guairá. Córdova, 12 de novembro de 1628 (Manuscritos... I).

Apesar de trazer algumas lacunas, a descrição acima é a mais completaencontrada e a recorrência com que o tema aparece nos Manuscritos… nãodeixa dúvida quanto à sua centralidade, bem como quanto à associaçãoentre guerra, canibalismo e festim. Autores como Cabeza de Vaca (2007),Montoya (1997), Nordenskiöld (1917) Julien (2007) e os dados encontradosnos Manuscritos… têm mostrado a preponderância de uma imagem dosGuarani associada à guerra, ao butim, ao canibalismo que se afasta daquelade um povo em fuga, como nas migrações dos séculos XIX e XX.Guerreiros e canibais! A essa imagem agregam-se outras: “gentevalorosa na guerra”, “senhores das nações circunvizinhas”, “altivos esoberbos”, porém, que ao espanhol queriam chamar apenas “cunhado ousobrinho”.37 Que consequências são possíveis de se extrair dessas imagens?Se o parentesco marcou as relações iniciais entre índios e espanhóis,possibilitando a fundação da cidade de Assunção,38 o surgimento de umapopulação mestiça fez aos poucos com que essas relações, esgarçadas, dessemlugar à prestação de serviços pessoais por meio das encomendas.39 No Guairá,os Guarani conheceram esse sistema a partir de 1556, com a fundação daCidade Real do Guairá. A instalação de Vila Rica do Espírito Santo, em 1589,acentuou o processo de submissão indígena a essa forma de trabalho (Mörner1968), o que levou alguns grupos que ocupavam as margens dos rios vizinhosa estas cidades a se retirarem para regiões mais distantes. Outro fator, a ação [Páginas 16 e 17]

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