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Fábula de Cláudio Manuel da Costa: mineração e poesia em situação colonial, 2019. Sérgio Alcides. Universidade Federal de Minas Gerais
201907/04/2024 12:46:57

Prelúdio

Antes de mais nada, é necessário admitir o fato de que Cláudio Manuel é primeiramente o nome de uma rua, não de um poeta. Há mais moradores nesse endereço, em Belo Horizonte, do que leitores de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789).

O homenageado se converte em logradouro, debaixo de nossos pés, sob a rodagem dos nossos pneus. Sua existência no tráfego não parece ameaçada: está no mapa, literalmente. O waze nos diz onde fica. Sua realidade literária já é discutível, quase fantástica.

Gerações e mais gerações de pessoas regularmente instruídas desconhecem suas poesias, sem nenhum constrangimento. Quando muito, lembram-se de que o autor esteve envolvido na Inconfidência Mineira. Caso entrem numa livraria, se houver alguma em sua cidade, ou se clicarem no link adequado, dificilmente acharão livros dele à venda, em edições confiáveis.

A via é pública; a obra, nem tanto. Se não for atravessada, uma rua continua. Mas Cláudio Manuel, se não for lido, existe ainda? Tampouco há traduções, que o salvem da ignorância brasileira. Sua presença quase secreta depende de exemplares subsistentes em bibliotecas públicas, sebos e coleções particulares, além de virtualíssimos arquivos em pdf, que se volatilizam, disponíveis, na internet.

Só por isso ele não pode ser considerado tão perdido quanto uma espécie extinta ou um museu incendiado. Ou, se não, quanto um vilarejo soterrado em lama tóxica. Haveria algum livro de Cláudio Manuel em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, sua “pátria”, que desapareceu depois da ruptura de uma barragem de rejeitos da mineração, na tarde de 5 de novembro de 2015? Diz-se que foi o maior desastre ambiental da história do Brasil (Serra, 2018). Quase vinte pessoas morreram na hora, e centenas ficaram desabrigadas. A lama tóxica não demorou a alcançar o rio Doce, de extensa bacia hidrográfica, através da qual chegou a atingir o litoral do Espírito Santo, a mais de 500quilômetros de distância.

Por que essa desgraça aconteceu em Mariana e não em Londres, ondenasceu e é lido outro grande poeta do século XVIII, William Blake? Ou emWeimar (cidadezinha do mesmo porte), onde não existe mais a corte dogrão-duque, mas ainda leem Goethe? Ou em Lisboa, onde Bocage viveue é lido? Ou em Paris, onde guilhotinaram e leem André Chénier? Haverárelação entre uma coisa e outra? Talvez; mas é melhor acabar logo coma especulação, antes que alguma autoridade resolva imprimir e distribuir livros de poesia nas áreas ameaçadas por barragens inseguras em todo o Brasil, a fim de prevenir desabamentos. Seriam as maiores tiragens do gênero já feitas no país, chegando às centenas de milhares de exemplares...

As letras e a lama são velhas parceiras em países ex-coloniais ou quase, como o Brasil. É mesmo um tipo de joint venture, como a que administra a Samarco Mineração, responsável pelo desastre de Mariana, reunindo as multinacionais Vale SA (ex-Vale do Rio Doce, privatizada pelo Brasil em 1997) e BHP Billiton.

Quanto a Cláudio Manuel, pode-se dizer – sem medo de anacronismos – que a catástrofe da mineração é o próprio contexto de sua obra, bem como de sua vida. A barragem que estourou em Mariana estava situada no Fundão, área que já era explorada por mineradores no tempo dele, pouco acima do arraial de Bento Rodrigues.

Ficava junto do Gualaxo do Norte, afluente da margem esquerda do rio do Carmo, que corta a cidade de Mariana e é o “pátrio ribeirão” celebrado por Cláudio Manuel em seus versos. Coincidentemente, à margem direita, corre o Gualaxo do Sul, que passa atrás da Serra do Itacolomi e banhava em território marianense outro sítio do Fundão, onde o poeta nasceu em 1729.

2 Motivo

Cláudio Manuel talvez nem sonhasse virar nome de rua (muito menos no velho arraial de Curral del Rei), mas contava que alguns poemas lhe garantissem o ingresso na posteridade. Entre estes, destaca-se a “Fábula do ribeirão do Carmo”, publicada primeiro no volume de suas Obras, impresso longe, em Coimbra, em 1768 (Costa, 1768, p. 80-88; Proença Filho, 1996, p. 120-127).

Já pelo título, os leitores da época não teriam dificuldades de adivinhar que o assunto é uma metamorfose. Mas, em caso de dúvida, podiam consultar o dicionário do Pe. Bluteau, vol. 4: a “fábula”, na acepção usada, é “uma narração inventada e composta de sucessos que nem são verdadeiros nem verissímiles, mas com curiosa novidade admiráveis, como a transformação de Dafne em loureiro, de Narciso em flor etc.” (Bluteau, 1713, p. 4-5). Os mais lidos haveriam de conhecer um punhado de poemas desse gênero frequentemente relacionado ao exemplo antigo das Metamorfoses, de Ovídio, como a “Favola di Orfeo”, de Angelo Poliziano, ou a “Fábula de Polifemo y Galatea”, de Góngora. [Página 3 do pdf]

3 Ação

O desterro era a própria origem mitológica de Minas Gerais, segundo a “Fábula do ribeirão do Carmo”. Nesta “inculta região” vivia degredado um dos “filhos da Terra” que se rebelaram contra os deuses do Olimpo. Era irmão de Alcioneu, Encélado e Políboto, entre outros portentos da onomástica, que foram derrotados na chamada gigantomaquia – a “guerra dos gigantes”.

Essas criaturas robustas e agressivas receberam a marca da violência na própria concepção: nasceram do sangue que caiu sobre Gaia (a Terra) quando Urano (o Céu) foi castrado e deposto por seu fi lho Kronos (Saturno, para os romanos). Gaia os teria incitado contra Zeus (Júpiter ou Jove), que eles tiveram a pretensão de subjugar, e foram por isso punidos com severidade, expulsos para diversas extremidades do mundo.

Das mais remotas foi a área da futura Capitania das Minas, que coube a Itamonte, “parto da terra transformado em monte”. O nome híbrido e penhascoso, conjugando um radical tupi e outro europeu, denota o enraizamento do monstro. Os leitores mineiros não teriam dificuldade de associá-lo à paisagem do pico do Itacolomi, que emoldura Vila Rica e deita uma ampla vertente atrás da cidade de Mariana.

O poema de Cláudio Manuel é narrado em primeira pessoa pelo filho de uma penha aí desposada pelo gigante desterrado (ver Nepomuceno, 2002, p. 143-163). O protagonista, portanto, é – como o autor e a própria “Fábula” – natural daquela “parte extrema e rara”. Ele conta sua estória numa ode que fl ui em 39 sextilhas, da espécie lírica que alterna e rima entre si versos longos e breves, decassílabos e hexassílabos, arrematada com um dístico rimado.

A ordem regular e suave da forma contrasta com a aspereza do assunto que aborda e se dispõe a submeter, o que só por si já desperta uma alegoria do choque entre as aspirações civis e as resistências da naturezafísica ou da “natureza” social e econômica locais.O fi lho de Itamonte e Minas diz ter nascido em noite sem lua, comoagouro de seus males eternos, cuja origem relata. Ele teve dias felizes, atéconhecer a “mudança da fortuna” – a peripécia, que começa na sexta estrofe. Uma “bela Ninfa esquiva”, Eulina, foi a razão da desventura. Seu paia consagrara ao culto de Apolo (ou Febo), e fora por isso recompensadocom a “cópia da riqueza fl orescente”. Ela tinha então “três lustros” de idade(ou seja: 15 anos) – todos “de ouro”, para rimar com a cabeleira do “deuslouro”, semelhante à dela: [Página 6 do pdf]
Fábula de Cláudio Manuel da Costa: mineração e poesia em situação colonial, 2019. Sérgio Alcides. Universidade Federal de Minas Gerais

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