Eduardo Bueno em Canal Buenas Idéias, 100° episódio: “A devastação das Missões”
3 de abril de 2019, quarta-feira. Há 5 anos
Essa História, não é que eu goste, mas essa História é incrível que ela nunca tenha sido contada, essa História é que realmente tinha que cair no ENEM. Essa é uma História que todos nós tínhamos que conhecer, porque a História não se divide entre bons e maus, entre mocinhos e bandidos, mas nesse caso específico o lado de "lá", o lado que destruiu as Missões sim, é o lado do vilão. Não tem outra interpretação. A História é complexa, a História é múltipla, a História é quase "furta-cor", a História é camaleônica.
Além de tudo, se diz que o passado está sempre mudando, porque ele depende das interpretações do presente, como o presente está sempre mudando, você interpreta o passado de formas diferentes. Que bela lição! Só que nesse caso específico só tem um lado, que essa devastação, imposta ao primeiro período das Missões, o período que vai de 1609 á 1641, não tem desculpa...
Portanto, a origem de São Paulo está ligada a escravização dos índios. Só que isso daria uma grande guinada, uma enorme guinada, a partir de 1591, quando Portugal e Espanha já estavam unidas sob a União Ibérica, e chega um Governador-Geral do Brasil, chamado Dom Francisco de Souza (1540-1611). E é ele que cria essas milícias para-militares. De São Paulo já saiam expedições exploradoras para toda a região em seu entorno desde 1530, 1531. Mas ele, Dom Francisco, que militariza essas incursões. Ele dá roteiros, estabelece o número de pessoas que deveriam fazer parte da tropa e até capelães, ou capelões, padres iam junto nessas expedições, que serviam basicamente para escravizar indígenas.
É inacreditável que quando se iniciou o estudo do "bandeirismo", por volta dos anos 1920, 1930, 1940, alguns historiadores, ou com cinismo gigantesco ou com deliberada ingenuidade, estabelecem a primeira fase do bandeirismo como chamado "bandeirismo defensivo". Que os paulistas teriam criado essas milícias para-militares para proteger a vila dos ataques indígenas. De fato tinha havido um ataque indígena incrível em São Paulo em 1562, quando a nascente vila de São Paulo quase foi destruída por um ataque coligado de indígenas que saíram do Rio de Janeiro e do oeste do atual estado de São Paulo e atacaram a nascente vila de São Paulo, que escapou um um triz. E houveram outros ataques, em 1570, enfim.
Só que a partir de 1590, 1591, com Dom Francisco de Souza, até os historiadores mais "caras-de-pau" são obrigados a admitir que se inicia o "bandeirismo ofensivo". Bota ofensivo nisso né. Ora, os ataques se davam porque eles tinham começado a escraviza-los, como eu falei, desde 1508.
Os paulistas saem por essas trilhas que saíam todas do coração de São Paulo e começam a escravizar tudo que é índio que encontram ao redor. Só que, a partir de 1609, os jesuítas, partindo do Paraguai, começaram a estabelecer as Missões no Guayrá, que hoje é o oeste do Paraná, no Tape, que é o oeste do Rio Grande do Sul, e no Itatim, que é no sul do Mato Grosso do Sul.
A questão é que o Guayrá, chamada "A Florida Cristandade", que tinha 13 Reduções, com cerca de 5.000 índios afeitos a autoridade, ao trabalho disciplinado, ao trabalho agrícola, ficava a 40, 50 dias de marcha. E São Paulo é uma raça de caminhantes, os caras sempre foram caminhantes. Há relatos do Governador-Geral Tomé de Souza em 1556, de quando encontrou João Ramalho e ele caminhava 90 quilômetros por dia. Já vieram uns comentários aqui dizendo que é impossível caminhar 90 quilômetros por dia. Ok, talvez ele não caminhava todos os dias, 90 quilômetros por dia, mas com certeza algumas vezes ele caminhou 90 quilômetros por dia. 30, 40 quilômetros, esses paulistas caminhavam fácil.
E era cheio de trilhas, que eram chamados Peabirus. Peabirú é a principal trilha, mas todas elas se chamavam Apés, palavra tupi, que quer dizer "caminho". Essas trilhas eles percorriam em "fila indiana", porque os nativos brasileiros andavam um atrás do outro. Porque as chamadas "veredas de pé posto", expressão muito usada por Sérgio Buarque de Holanda para as trilhas estreitas, meras picadas na mata, menos o Peabirú, o principal, que era mais largo. E os sertanistas paulistas incorporaram muitos e muitos dos costumes nativos dos tupis, dos tupiniquins, basicamente dos tupiniquins de São Paulo. Então eles aprenderam a andar na mata com senso de orientação inacreditável, e se alimentando de palmitos, quase extinguiram os palmitais, de mel, dizem que comiam mel com abelha e tudo. Sim! "Paulista macho".
Atacaram em janeiro de 1628 e destruíram aquela Missão. Quando eles voltam para São Paulo, em maio de 1629, eles ficaram quase dois anos, eles tinham escravizado 30.000 nativos e tinham destruído 9 Reduções.
Depois das devastações das Missões, e quem liderou esse êxodo de 12.000 guaranis para o Paraguai, onde daí os paulistas, de fato, não chegavam, pois, pelo menos o Paraguai eles admitiam que pertencia a Espanha, o padre Ruiz de Montoya, primeiro veio para o Rio de Janeiro, em 1638, e depois ele foi para a Espanha. Na Espanha ele foi recebido em janeiro de 1638 pelo Rei Felipe IV, que autorizou os guaranis a se armarem, autorizou os padres jesuítas a armarem os guaranis para que pudessem resistir a esse ataque infame, esse ataque ilegal, esse ataque injusto dos sertanistas de São Paulo. E aí ele também convenceu o Papa Urbano VIII a promulgar uma bula excomungando todo e qualquer homem branco que atacasse essas Reduções. No caso, "os homens brancos" eram evidentemente os sertanistas de São Paulo.
Quando essa informação chega na cidade de São Paulo, que vivia única e exclusivamente do tráfico de escravos, a primeira fonte de renda de São Paulo foi a escravização de indígenas, especialmente da nação guarani. Há uma revolta total, e em desafio decidem destruir, acabar de vez com essas Missões.
E um cara chamado Jerônimo de Barros montou uma expedição em fins de 1640 para atacar as Reduções do Tape, que já tinham sido atacadas pelos Raposo Tavares, que tinha começado atacando o Guayrá, mas que depois continuou atacando o Tape, o Tape era onde hoje é o Rio Grande do Sul.
Esse Jerônimo de Barros, parte de São Paulo em fins de 1640 e no dia 11 de março de 1641, anote essa data do seu calendário. Ele vem pelo Rio Uruguai, com 130 canoas, com 30 paulistas, 300 mamelucos e 600 nativos Tupi. Só que os guaranis tinham sido autorizados a se armar sob a liderança dos padres Pedro Romero e Pedro de Mola e com a liderança indígena do cacique Ignacio Abiarú, 3.000 guaranis estão acantonados, estão atocaiados nas matas ciliares de um arroio chamado M`Bororé.
Não se sabe, nunca foi identificado plenamente onde é esse arroio, mas se acha que era um afluente da margem esquerda do rio Uruguai, no oeste do Rio Grande do Sul, muito provavelmente onde hoje fica uma pequena localidade chamada Porto Velho. Espero que seja lá, porque é longe demais e eu fui até lá só para saudar os nossos queridos heróis guaranis e jesuítas, afinal, eu estudei no Colégio Anchieta, um Colégio Jesuíta, portanto no fundo eu sou um jesuíta.
Mas não se sabe se é lá, se acha que foi lá. Na verdade, se houvessem pesquisas mais intensas e mais profundas, a gente poderia descobrir exatamente onde isso foi. Mas parece que ninguém se interessa por essa História. Mas não interessa, o canal Buenas Ideias se interessa e eu vou contar o que aconteceu:
Os paulistas vinham pelo Rio Uruguai, descendo com suas 130 canoas e os seus mais de 1.000 homens, ou cerca de 1.000 homens, quando 3.000 guaranis, armados com canhões feitos de taquaraçu, que é uma taquara grande, tinha uma boca grande de bambu. Canhões que eles criaram.
Esse Pedro Romero, esse jesuíta, que era um jesuíta engenhoso, fez uns canhões que eram, digamos "portáteis", com a parte fechava com couro, e enchiam de pólvora e pedregulho, botavam um pavio e "bum", disparavam. Era um canhão, um canhão de madeira, só dava para usar uma vez, mas uma vez era bom. E fizeram catapultas. Eles pegaram troncos, toras, envolviam elas com óleo, botavam fogo e lançavam. E desbarataram os paulistas por 3 dias. A batalha, na verdade, a principal batalha, foi dia 11, mas ela se prolongou por 3 dias e por 3 vezes seguidas. Os paulistas sertanistas foram quase todos mortos, só 120 conseguiu voltar para São Paulo, de 1.000. E nesse dia se encerra o "bandeirismo ofensivo".
São Paulo nasceu a partir de dois personagens inacreditáveis e misteriosos da história3:49do Brasil que, algum dia, vão acabar ganhando um episódio aqui.3:51João Ramalho, o paulista primordial, um cara que apareceu em São Paulo ali em 1508, que3:57ninguém sabe se era um náufrago, se era um degredado, se era um cara que tinha vindo4:02de outro lugar do Brasil colônia e chegado ali...4:05Provavelmente era um náufrago, ou talvez um degredado, que chegou em SP em 1508 e que4:11logo criou um exército particular que alguns dizem que chegou a ter três mil nativos indígenas.4:18E, com esses nativos, escravizava vários outros nativos e vendia eles pra expedições4:23que passavam ali.4:25Além do João Ramalho, cara, tem o cara que, olha tchê, falando sério, na minha opinião,4:30é o cara mais misterioso da história do Brasil.4:33Algum dia ele vai ter um episódio.4:34Se chama Bacharel de Cananéia.4:37Ninguém sabe quem foi o Bacharel de Cananéia de verdade e quando ele chegou ao Brasil.4:42Tem gente que diz que ele chegou ao Brasil em 1498.4:46Isso, mil quatrocentos e noventa e oito.4:51Dois anos antes do descobrimento oficial do Brasil, portanto.4:55Outros dizem que chegou em 1501, trazido pela expedição da qual fazia parte Américo Vespúcio.5:00O fato é que, em 1532, quando Martim Afonso de Sousa chega em Cananéia, já encontra5:07esse cara senhor de várias... cara, eu sempre associo ele com Marlon Brando em "Apocalypse5:13Now", o coronel Curtis.5:18O cara morava lá, tinha um monte de mulher dele, tinha um monte de índio servindo ele5:26e tinha um monte de escravo.5:28Por causa disso, dessas duas figuras, São Vicente era conhecido como Porto dos Escravos.5:35Já em 1508, 1510.5:38Portanto a origem de SP está ligada a escravização dos índios.
Só que isso daria uma grande, uma enorme guinada a partir de 1591, quando o Brasil. Portugal e Espanha estavam unidos sob a tal União Ibérica, quando chega o governador-geral pro Brasil, D. Francisco de Sousa.
De São Paulo, já saíam expedições escravistas, expedições exploradoras, pra toda regiãoem torno de SP, desde 1530, 1532, porém é D. Francisco quem militariza essas incursões, dando-lhes roteiros fixos, estabelecendo número de pessoas integrariam parte da tropa, a exemplo, capelães e padres, que serviam, basicamente, pra escravizar indígenas.
É inacreditável que quando se iniciou o estudo do "bandeirismo", por volta dos anos6:5120 do século 20, 1920, 1930, 1940, alguns historiadores, ou com um cinismo gigantesco7:03ou com deliberada ingenuidade, estabelecem a primeira fase do bandeirismo como chamada7:10"bandeirismo defensivo".7:12Hahaha!7:13Que os paulistas teriam criado essas milícias paramilitares, parecidas com as milícias7:20que hoje assolam e assombram o Rio de Janeiro.. teriam criado essas milícias pra "proteger"7:26a vila dos ataques indígenas.7:28De fato, tinha havido um ataque indígena incrível em São Paulo em 1562, que algum7:33dia eu também te conto essa história que é incrível que nunca nos contem.7:36São Paulo quase foi destr... a nascente de São Paulo quase foi destruída por um ataque7:43coligado de indígenas que saíram do Rio de Janeiro e do oeste do atual estado de São7:49Paulo e atacaram a nascente de vila de São Paulo!7:52Que escapou por um triz!7:53E houve outros ataques em 1570 e tal.7:57Então, os historiadores dizem: "não, aí os paulistas criaram o bandeirismo defensivo".8:03Há!8:04Os ataques se davam justamente porque eles tinham começado a escravizar os caras, como8:08eu falei, desde 1508!
Só que daí cara, a partir de 1590, 91, com esse Dom Francisco de Sousa, aí até os historiadores mais cara de pau são obrigados a admitir que se inicia o "bandeirismo ofensivo". Hahaha... bota ofensivo nisso, né.
8:29Os paulistas saem dessas trilhas que saíam todas do coração de São Paulo e começam8:35a escravizar tudo que é índio que encontram ao redor.8:39Só que daí é o seguinte, cara...8:41Você já ouviu no episódio anterior, no nonagésimo nono episódio do NVCNE, se não []
que escravizavam as outras tribos.12:53Essas bandeiras se punham em movimento e iam escravizando os índios ao redor de SP.13:00Brilhantemente, Capistrano de Abreu (1853-1923) pergunta:
"por que aventurar-se entre gente boçal e rara, falando línguas travas e incompreensíveis se, perto de SP, demoravam aldeamentos numerosos iniciados na arte da paz, afeitos ao julgo da autoridade?".
Exatamente, porque os jesuítas, ao criarem essas missões, acabaram criando um curral13:30escravista.13:31Os bandeirantes de SP olharam e disseram "olha ali cara, um monte de índio, tudo morando13:36numas casinhas.13:37Nós vamos lá escravizar esses caras, cara!".13:39E como já havia essa União Ibérica e os limites entre Portugal e Espanha estavam difusos13:47e os paulistas juravam que todo o oeste do Paraná pertencia a eles... porque eles, de13:53certa forma, tinham mesmo sido os primeiros a chegarem lá nessas missões... eles resolveram13:59iniciar uma campanha pra conquistar essas missões.14:04E as primeiras missões que eles atacam são justamente as missões do Guayrá...